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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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Cabe notar, neste contexto, uma interessante curiosi<strong>da</strong>de: entre 1915 e 1946,<br />

ocorre um fenômeno semelhante ao provocado pela “Resolução 76 de 1822”, que<br />

inaugurou os 28 anos de “império <strong>da</strong>s posses”, nos quais o latifúndio expandiu-se e<br />

consolidou-se definitivamente no País. Trata-se do Decreto n o 11.485, de 5 de janeiro de<br />

1915, cujo único parágrafo determinava: “fica suspenso até que se organize a Lei de<br />

terras, que será submeti<strong>da</strong> ao voto do Congresso Nacional”, o Decreto 10.105/1913, que<br />

regulamentava a utilização e acesso às terras devolutas e aos bens <strong>da</strong> União. Esta nova<br />

Lei de Terras, como foi visto no capítulo 3, apenas viria a ser aprova<strong>da</strong>, 31 anos<br />

depois, sob a forma do Decreto 9.760, de 5 de setembro de 1946. Abriu-se assim mais<br />

31 anos de plena possibili<strong>da</strong>de, como de 1822 a 1850, para um novo ciclo de expansão<br />

latifundiária.<br />

Somando-se estes dois períodos, tem-se que, de 1822 à 1946, portanto, em 124<br />

anos de história fundiária, durante 59 anos, não havia nenhum regulamento que<br />

limitasse as possibili<strong>da</strong>des de expansão latifundiária. Se a isto se somarem os períodos<br />

em que as normas instituí<strong>da</strong>s foram sistematicamente desrespeita<strong>da</strong>s, na prática, como<br />

de 1850 a 1891 (quando é promulga<strong>da</strong> a primeira Constituição republicana) tem-se que,<br />

destes 124 de história <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Terra, entre a Independência e o Decreto de<br />

1946, pelo menos durante 100 anos - um século, portanto - os latifundiários foram,<br />

efetivamente os “donos” de to<strong>da</strong>s as terras do País. “Donos”, não proprietários. Posto<br />

que esta mesma “ausência” legal não permitia a legitimação <strong>da</strong>s terras apossa<strong>da</strong>s que,<br />

portanto, permaneceram juridicamente questionáveis.<br />

É assim que a maioria <strong>da</strong>s “proprie<strong>da</strong>des” continuaram ilegítimas e a violência<br />

priva<strong>da</strong> do latifúndio sempre agiu à sombra <strong>da</strong> lei e sob a proteção do Estado,<br />

avançando no campo, expulsando pequenos posseiros e índios, parindo os sem terra e<br />

sem pátria - a miséria rural e urbana - que assume a sua forma mais acaba<strong>da</strong>, de<br />

grilagem especializa<strong>da</strong>, no período do Regime Militar.<br />

III<br />

O breve quadro resumido acima <strong>da</strong>s análises realiza<strong>da</strong>s nos três primeiros<br />

capítulos deixou, entre muitas outros fatos relevantes, evidente, que o processo de<br />

apropriação, apossamento e alienação de terras públicas, sempre se fundou no<br />

privilégio, assim como as ações administrativas, jurídicas e cartoriais de legitimação e<br />

registro, quando efetiva<strong>da</strong>s, geralmente o foram de forma juridicamente questionável.<br />

Juridicamente questionável, sobretudo, porque nunca cumpriram as exigências e<br />

requisitos legais ao procederem os respectivos registros. Na medi<strong>da</strong> em que a socie<strong>da</strong>de<br />

e a economia se desenvolviam, na primeira e, sobretudo, na segun<strong>da</strong> metade do século<br />

XX, passando a exigir a exibição dos títulos formais de proprie<strong>da</strong>de, mais uma vez,<br />

buscou-se, na generali<strong>da</strong>de dos casos, alternativas ilegítimas ou apenas aparentemente<br />

legais, como os instrumentos particulares de compra e ven<strong>da</strong>, quando não, a simples<br />

falsificação de documentos, tanto pela adulteração de escrituras legítimas (alterando<br />

para mais, as áreas), realiza<strong>da</strong>s no interior dos cartórios, quanto, simplesmente, pela<br />

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