Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...
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É nesta conjuntura que o instituto <strong>da</strong>s sesmarias será implementado no Brasil,<br />
adquirindo as especifici<strong>da</strong>des que efetivamente o caracterizaram aqui, e que se<br />
distanciaram, em muitos sentidos, <strong>da</strong> forma e atributos que possuía, primitivamente, no<br />
Reino. Se na Metrópole este sistema de colonização implicou a formação de pequenas<br />
proprie<strong>da</strong>des produtivas e, aqui, o contrário, isto deveu-se certamente às condições<br />
coloniais. E não apenas, nem fun<strong>da</strong>mentalmente, ao fato de que na Colônia existiam<br />
terras abun<strong>da</strong>ntes - embora este fato fosse relevante. Também porque, a produtivi<strong>da</strong>de<br />
do trabalho, sobretudo em face <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des de incorporação de meios técnicos,<br />
implicava a exploração extensiva <strong>da</strong> terra, para tornar possível a produção na<br />
quanti<strong>da</strong>de e volume necessários à sua realização no mercado mundial, sem o que não<br />
seria possível a reprodução do sistema. Esta mesma espécie de limitação concreta, no<br />
que se refere à possibili<strong>da</strong>de de consecução de força-de-trabalho local ou oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
Metrópole, implicaria no imperativo <strong>da</strong> importação de escravos africanos. Dessas<br />
limitações impostas à exploração <strong>da</strong> Colônia, derivam-se a formação de grandes<br />
plantações e a exploração <strong>da</strong> mão-de-obra escrava.<br />
Portanto, privilégios - nas concessões -, escravismo, como forma de produzir, e<br />
latifúndio, não são invenções ou reinvenções do processo de colonização portuguesa,<br />
mas exigências <strong>da</strong>s próprias condições objetivas <strong>da</strong> Colônia e de sua inserção no<br />
processo de reprodução <strong>da</strong> economia portuguesa, na conjuntura do mercantilismo 18 .<br />
Colocar clara e objetivamente este ponto de parti<strong>da</strong> no que toca ao processo de<br />
formação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de territorial rural no Brasil é fun<strong>da</strong>mental para que se possa<br />
compreender a imensa complexi<strong>da</strong>de e as especifici<strong>da</strong>des que envolveram a formação<br />
<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de rural brasileira e o confuso quadro - econômico, jurídico e político - no<br />
âmbito do qual se processou a sua legitimação.<br />
No que se refere, especificamente, à formação e desenvolvimento <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de territorial rural no Brasil, há que se registrar, em decorrência <strong>da</strong> conjuntura<br />
esboça<strong>da</strong> acima, um fato relevante e que, em certo sentido, está na sua origem e que<br />
condicionará, objetivamente, o seu processo de consoli<strong>da</strong>ção e desenvolvimento: tratase<br />
do fato de que no Brasil, assim como em todos os países de origem colonial, as<br />
terras, antes de se tornarem proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, são, genéticamente, proprie<strong>da</strong>de<br />
estatal, pública. O problema que se colocava, portanto, a este nível, era o de transferir o<br />
direito de exploração, portanto de proprie<strong>da</strong>de real, <strong>da</strong> esfera pública para a esfera<br />
priva<strong>da</strong>. Por outro lado, tatava-se de definir, juridicamente 19 , os objetivos deste processo<br />
de privatização e os meios de legitimação desta transferência de domínio. Ou seja,<br />
instituir e viabilizar as formas para materializar esse direito real de proprie<strong>da</strong>de,<br />
18 Ver a respeito dessa conjuntura e de suas implicações para o sistema colonial em Portugal e no Brasil, os<br />
excelentes trabalhos de SIMONSEN (1978), PRA<strong>DO</strong> JÚNIOR (1977), FAORO (1996), NOVAES (1978),<br />
GORENDER (1978), entre muitos outros que serão estu<strong>da</strong>dos no decorrer deste trabalho. Esta conjuntura é discuti<strong>da</strong><br />
com alguma riqueza de detalhes neste e no próximo capítulo deste estudo.<br />
19 Ver a este respeito, os argumentos de Fernando Novaes (NOVAES, 1978).<br />
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