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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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preferência para a aquisição do lote, pelo valor histórico <strong>da</strong><br />

terra nua, satisfeitos os requisitos de mora<strong>da</strong> permanente e<br />

cultura efetiva e comprova<strong>da</strong> a sua capaci<strong>da</strong>de para desenvolver<br />

a área ocupa<strong>da</strong>.” 444<br />

Observe-se que se tratava, evidentemente, de uma arbitrarie<strong>da</strong>de e, além disso,<br />

em absoluta afronta ao ordenamento jurídico brasileiro, que sempre assegurou o direito<br />

de aquisição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra com fun<strong>da</strong>mento na posse mansa e pacífica,<br />

explora<strong>da</strong> diretamente pelo posseiro e sua família 445 .<br />

Como será analisado no estudo acerca <strong>da</strong>s “outras formas” de alienação e<br />

titulação de terras públicas, a restrição acima, que se referia exatamente aos pequenos<br />

posseiros, não terá o menor efeito sobre as pretensões de grandes especuladores,<br />

posseiros e grileiros especializados.<br />

Apenas para se fazer uma comparação entre as duas regras de legitimação de<br />

posses - a de 1850 e a atual - veja-se como esta questão era coloca<strong>da</strong> na Lei de Terras:<br />

“Art. 5 o Serão legitima<strong>da</strong>s as posses mansas e pacíficas,<br />

adquiri<strong>da</strong>s por ocupação primária, ou havi<strong>da</strong>s do primeiro<br />

ocupante, que se acharem cultiva<strong>da</strong>s ou com princípio de cultura<br />

e mora<strong>da</strong> habitual do respectivo posseiro ou de quem o<br />

represente, guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s as regras seguintes:<br />

1 o Ca<strong>da</strong> posse em terras de cultura ou em campos de criação,<br />

compreenderá, além do terreno aproveitado ou do necessário<br />

para pastagem dos animais que tiver o posseiro, outro tanto mais<br />

de terreno devoluto que houver contíguo, contanto que em<br />

nenhum caso a extensão total <strong>da</strong> posse exce<strong>da</strong> a uma sesmaria<br />

para cultura ou criação, igual às últimas concedi<strong>da</strong>s na mesma<br />

comarca ou na mais vizinha 446 .<br />

Só que neste caso, como foi estu<strong>da</strong>do e discutido no capítulo 2, o objetivo era<br />

assegurar os direitos e, evidentemente, os privilégios <strong>da</strong>s grandes posses. Na Lei de<br />

444 Lei 6.383, de 7 de dezembro de 1976 (BRASIL. Congresso Nacional. Brasília: 1976.). Grifos nossos. Embora<br />

esteja para além do período de análise deste trabalho, é interessante tecer-se alguns comentários a respeito <strong>da</strong><br />

continui<strong>da</strong>de destas questões: A Constituição Federal de 1988 introduziu o contraditório nos processos<br />

administrativos (Art. 5 o , LV). Como avalia Luiz Lanzellotti Baldez: “Os juizes ... não podem mais conceder<br />

liminares sem a audiência e defesa <strong>da</strong> parte ré - a comuni<strong>da</strong>de dos posseiros ocupantes <strong>da</strong> terra<br />

(litisconsórcio), presença necessária no processo para que tenha caracterizado o contraditório. Esse é o<br />

maior ganho <strong>da</strong>s ocupações na Constituição.” Cf. A terra na Constituição. In: Direito insurgente II. 1988-1989.<br />

Anais <strong>da</strong> reunião do conselho do Instituto Apoio Jurídico Popular. Rio de Janeiro: S.d., p. 88.<br />

445 O 3 o do artigo 153 <strong>da</strong> Constituição Federal de 1967, ao afirmar que “a lei não prejudicará o direito<br />

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julga<strong>da</strong>”, rigorosamente assegurava as “posses legitimas”, assim<br />

defini<strong>da</strong>s desde a Lei 601 de 1850, e por to<strong>da</strong>s as legislações ulteriores, as posses mansas e pacíficas, adquiri<strong>da</strong>s de<br />

boa-fé e efetivamente explora<strong>da</strong>s pelos respectivos posseiros e suas famílias. Esse direito à legitimação, amplamente<br />

assegurado na Lei 601 de 1850, como se viu no capítulo 2, (para garantir privilégios dos grandes posseiros) mas que<br />

também se estendiam aos pequenos, foi, para estes últimos, gra<strong>da</strong>tivamente restringido, até reduzir-se a 25 hectares.<br />

A Constituição de 1967, aparentemente, beneficia os pequenos posseiros, ampliando o limite para 100 hectares<br />

(art.171). Entretanto, transforma o direito líquido e certo de legitimação, restringido apenas pela exploração efetiva e<br />

mora<strong>da</strong> habitual, em um “direito” que será disposto pela Lei Federal, que, como se vê acima é reduzido a quase na<strong>da</strong>.<br />

Trata-se <strong>da</strong> antiga tradição do Executivo de se utilizar <strong>da</strong> alternativa legal para “<strong>da</strong>r” formalmente, com uma mão e<br />

“retirar”, efetivamente, com a outra.<br />

446 Lei 601 , de 18 de setembro de 1850 (In.: MEAF, op. cit., pp.357-361).<br />

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