Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...
Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...
Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Assim, as terras devolutas apura<strong>da</strong>s pelo INCRA foram sempre<br />
leva<strong>da</strong>s a registro imobiliário, iniciando-se, a partir de então, a<br />
filiação dominial <strong>da</strong> terra pública federal. Essa providência tem<br />
evitado que imensas extensões de terras devolutas sejam<br />
incorpora<strong>da</strong>s ilegalmente ao domínio particular, por ação <strong>da</strong><br />
‘grilagem’ fabrica<strong>da</strong> por indivíduos inescrupulosos.” 406<br />
As citações acima, do Diretor de Desenvolvimento Rural do INCRA, permitem<br />
esclarecer algumas questões importantes. A primeira refere-se a um fato central na<br />
problemática <strong>da</strong>s ações discriminatórias, que seria o de extremar as proprie<strong>da</strong>des<br />
públicas e particulares. Esse procedimento, instituído, formalmente, em 1850, com a Lei<br />
de Terras, não tem sentido se não estiver estritamente associado ao processo de<br />
arreca<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s terras devolutas enquanto patrimônio efetivo <strong>da</strong> Nação. Até porque,<br />
para se delimitar e reconhecer como legítimas, as terras particulares, é necessário<br />
extremá-las <strong>da</strong>s devolutas, o que significa, a delimitação de ambas, e, é evidente, o<br />
reconhecimento recíproco e concomitante. Como sempre coube ao Estado a legitimação<br />
<strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des particulares, teoricamente, este não deveria ter tido dificul<strong>da</strong>des para<br />
legitimar o reconhecimento do seu próprio patrimônio.<br />
Entretanto, como se vem demonstrando até aqui, neste trabalho, o Estado nunca<br />
conseguiu, efetivamente, sequer, fazer valer o reconhecimento de seus domínios. Este<br />
fato é um forte indício de que o controle efetivo sobre as terras do País sempre lhe<br />
fugiram.<br />
Estritamente associado a este problema, está o fato de o INCRA, com base na<br />
“experiência adquiri<strong>da</strong>” na administração fundiária, ter optado pelo registro, ain<strong>da</strong> que<br />
isso não fosse, legalmente, necessário. Por que? Porque, se assim não procedesse,<br />
abriria, ain<strong>da</strong> mais, as portas à grilagem especializa<strong>da</strong> e à fraude. É o que fica claro nos<br />
argumentos de Cláudio Ribeiro e Ol<strong>da</strong>ir Zanatta. Resta saber se este procedimento foi<br />
suficiente para impedí-las. Segundo Zanatta, não.<br />
De qualquer maneira, era melhor adotar este procedimento do que não fazê-lo,<br />
até porque, e este parece o resultado mais relevante, por este meio se fun<strong>da</strong>va a cadeia<br />
de filiação dominial, com base na qual, a qualquer momento, poderia o Estado,<br />
questionar a legitimi<strong>da</strong>de de determinados títulos de “proprie<strong>da</strong>de”. Se ele assim não<br />
tem agido, as razões necessitam ser esclareci<strong>da</strong>s, senão teórica, com certeza,<br />
juridicamente, porque é dever de ofício, portanto irrecusável, <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des fundiárias,<br />
cumprir e fazer cumprir as determinações conti<strong>da</strong>s no ordenamento jurídico. A omissão<br />
ou, mais grave, a conivência com os reconhecidos processos ilegítimos de alienação e<br />
aquisição de proprie<strong>da</strong>des, caracteriza crime de improbi<strong>da</strong>de administrativa.<br />
Finalmente, cabe uma análise à referência feita à legislação fundiária do Estado<br />
<strong>da</strong> Bahia que, segundo Cláudio Ribeiro, permite a arreca<strong>da</strong>ção de terras devolutas<br />
estaduais, sem a exigência do respectivo registro. Neste caso particular, pode-se argüir<br />
por que os baianos, aliás de reconheci<strong>da</strong> tradição jurídica, optaram pela doutrina que se<br />
406 RIBEIRO (op. cit., p. 8). Grifos nossos.<br />
204