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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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Portanto, o problema agrário brasileiro não é de “redistribuir a proprie<strong>da</strong>de”,<br />

mas, sim, de distribuir a terra, para torná-la efetivamente produtiva, o que é outra<br />

coisa, completamente distinta. Quanto à proprie<strong>da</strong>de, esta terá que ser questiona<strong>da</strong>,<br />

especialmente no que se refere ao estatuto jurídico <strong>da</strong> sua legali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> sua<br />

legitimi<strong>da</strong>de de direito, muito particularmente quando se tratarem dos imensos<br />

“domínios” fun<strong>da</strong>dos, ou na simples posse, ou em títulos juridicamente duvidosos, ou<br />

simplesmente falsos, portanto nulos. Se o título é falso, é nulo, logo, não se pode argüir,<br />

com base nele, o direito de proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong>, posto que as terras, no Brasil, nunca<br />

foram “res nullius”, ou seja, sempre foram, originalmente, proprie<strong>da</strong>de do Estado 380 .<br />

Portanto, para se tornarem proprie<strong>da</strong>de de terceiros há, necessariamente, que possuir o<br />

documento, juridicamente hábil, que legitime a transferência de domínio, ou seja, é<br />

imprescindível a transcrição legítima do imóvel. Em suma, que se funde<br />

indubitavelmente a cadeia sucessória legalmente exigível. Estes procedimentos são,<br />

juridicamente, irrecusáveis. O “ônus <strong>da</strong> prova” de proprie<strong>da</strong>de não é do Estado, mas do<br />

suposto proprietário.<br />

Redistribuir a terra significa, efetivamente, possibilitar a implementação do<br />

imperativo constitucional de 1946, referido pela Mensagem 33, de assegurar o acesso<br />

democrático e justo à terra, de resto, como se afirmou no parágrafo anterior, um<br />

patrimônio que sempre pertenceu à nação. Como tem sido defendido pelos juristas mais<br />

respeitados, a terra, no Brasil, é originalmente pública. Portanto, para se encontrar em<br />

domínio privado tem que possuir, claramente estabelecido, em algum momento de sua<br />

história, o instrumento legal, através do qual, o Estado transferiu o domínio, ou<br />

reconheceu transferência anterior, ou a posse legítima, de parcelas de seu território. Este<br />

é, efetivamente o problema fundiário a ser resolvido no Brasil. Ele é, aliás, claramente<br />

reconhecido, inclusive, pelas autori<strong>da</strong>des fundiárias do Governo Militar, quando<br />

propuseram a regulamentação do preceito constitucional referente ao acesso à<br />

proprie<strong>da</strong>de rural e ao reconhecimento, enquanto condição prévia deste, <strong>da</strong> priori<strong>da</strong>de<br />

dos processos discriminatórios.<br />

Portanto, estes processos têm um papel fun<strong>da</strong>mental e insubstituível no contexto<br />

do problema fundiário e <strong>da</strong> questão agrária brasileira. Sem se identificar, clara e<br />

legalmente, quais são as terras devolutas <strong>da</strong> União, Estados e Municípios e quais as que<br />

se encontram, legitimamente, em domínio privado, sejam posses legitimáveis ou<br />

proprie<strong>da</strong>des legalmente titula<strong>da</strong>s, soa como apócrifa, qualquer proposição de<br />

redistribuição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de rural no Brasil.<br />

380 Cabe registrar que há controvérsias, entre os juristas, a respeito <strong>da</strong> existência, ou não, de terras “sem dono”,<br />

adéspotas, no Brasil. Neste trabalho, aceita-se o argumento que defende o fato de que, desde, pelo menos, a Lei 601<br />

de 1850, não mais se poderia falar em terras sem dono no Brasil. Como foi amplamente discutido no capítulo 2 deste<br />

estudo, a Lei 601 referia-se claramente ao fato de que não estando determina<strong>da</strong>s terras, “aplica<strong>da</strong>s a algum uso<br />

público nacional, provincial ou municipal” e não estando, por qualquer título legítimo, incorpora<strong>da</strong> à proprie<strong>da</strong>de<br />

particular, são terras devolutas (artigo 3 o <strong>da</strong> Lei 601/1850): ou seja, tratam-se de terras incorpora<strong>da</strong>s ao acervo <strong>da</strong>s<br />

terras públicas <strong>da</strong> nação”. Ver a respeito <strong>da</strong> questão, PONTES DE MIRAN<strong>DA</strong> (op. cit), MEIRELLES (op. cit.);<br />

NASCIMENTO (op. cit.) e CARVALHO SANTOS (op. cit.), entre muitos outros.<br />

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