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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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priva<strong>da</strong> moderna, burguesa, no Brasil é, na sua origem, eivado do privilégio, <strong>da</strong><br />

ilegali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> excludência.<br />

É tendo como referência esse contexto e sentido que, neste trabalho, defende-se<br />

a hipótese de que há uma determina<strong>da</strong> lógica, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na excludência e no privilégio,<br />

que vem presidindo todo o processo de formação, desenvolvimento e legitimação <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de territorial rural no Brasil. Esse processo assume seu caráter efetivo de<br />

absolutização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e seus meandros fun<strong>da</strong>mentais de violência ilegítima, a<br />

partir <strong>da</strong> promulgação <strong>da</strong> Lei de Terras de 1850 que, ao estabelecer critérios legais para<br />

o processo de privatização, típicos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de burguesa, criou, juridicamente, o<br />

divisor de águas, que possibilitava a separação entre o que era e o que não era legítimo,<br />

no âmbito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de fundiária. Portanto, ao persistirem as ações de incorporação<br />

de áreas (públicas ou não) ao domínio de terceiros, fora dos critérios legalmente<br />

sancionados pelo Estado, pode-se caracterizar tais ações como ilegítimas. De igual<br />

forma, as proprie<strong>da</strong>des gesta<strong>da</strong>s nestas circunstâncias são, também, ilegítimas. Esse é o<br />

contexto <strong>da</strong> argumentação que aqui será desenvolvi<strong>da</strong>, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> e defendi<strong>da</strong>.<br />

Com o advento do Estatuto <strong>da</strong> Terra, na segun<strong>da</strong> e relevante tentativa de<br />

enquadramento legal do problema fundiário brasileiro após a Independência, em 1964, a<br />

situação fundiária encontra<strong>da</strong> permanecia caótica. Aliás, uma <strong>da</strong>s justificativas de sua<br />

promulgação era exatamente o reconhecimento desta situação 9 . As medi<strong>da</strong>s propostas<br />

nesta Lei e nos atos administrativos que a complementaram, aparentemente indicavam<br />

alternativas importantes para o equacionamento de inúmeros problemas, especialmente<br />

no campo <strong>da</strong> legitimação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> superação <strong>da</strong> estrutura agrária concentra<strong>da</strong><br />

e excludente que persistia no País.<br />

Diz-se aparentemente, posto que, como a Lei 601 de 1850, o Estatuto <strong>da</strong> Terra<br />

de 1964, também era uma lei de proprie<strong>da</strong>de, porém os seus resultados implicaram<br />

numa radicali<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> maior no que toca aos processos de legitimação privilegia<strong>da</strong> e<br />

excludência social. Neste sentido, a Lei 4.504/1964 não realizou nenhuma Reforma<br />

Agrária, ou, como concluiu Octávio Ianni, realizou, na prática, uma contra-reforma<br />

agrária 10 . Se o regime militar operou uma profun<strong>da</strong> transformação na estrutura <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de territorial no Brasil ou não, não é o aspecto mais fun<strong>da</strong>mental desta<br />

questão. E é óbvio que foi opera<strong>da</strong> uma transformação importante na estrutura agrária.<br />

Só que uma transformação que significou, ao contrário do que era, aparentemente,<br />

proposto na Mensagem 33 e no Estatuto <strong>da</strong> Terra, a consagração <strong>da</strong> legitimação<br />

privilegia<strong>da</strong> e <strong>da</strong> excludência. Embora seja forçoso admitir que as medi<strong>da</strong>s postas em<br />

prática, possibilitaram mu<strong>da</strong>nças relevantes do âmbito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de rural, <strong>da</strong><br />

produtivi<strong>da</strong>de do trabalho agrícola e <strong>da</strong> própria diversificação <strong>da</strong> cesta de produtos <strong>da</strong><br />

agricultura brasileira.<br />

Para aqueles que concor<strong>da</strong>m com as teses do senhor Roberto Campos 11 no<br />

sentido de que o desenvolvimento econômico exige, como pré-condição,<br />

necessariamente, alguma forma de autoritarismo e violência antidemocrática, a Política<br />

9 Vide Mensagem 33 do Presidente General Humberto de Alencar Castelo Branco, analisa<strong>da</strong> em pormenor no<br />

capítulo 4. (BRASIL. Presidência <strong>da</strong> República. Brasília: 1964).<br />

10 Ou seja, reforçando a alienação de terras públicas e a legitimação privilegia<strong>da</strong> e excludente, inversamente ao que,<br />

aparentemente, era proposto na Mensagem 33. Cf. IANNI (1979).<br />

11 Vide SIMONSEN e CAMPOS (1976). Especialmente o Capítulo X, pp. 223 a 257, onde essas teses são<br />

defendi<strong>da</strong>s por Roberto Campos, ao relacionar as “premissas cruéis” que, segundo ele, acompanharam sempre o<br />

desenvolvimento econômico.<br />

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