19.03.2015 Views

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

sobretudo agravado, no período compreendido entre 1822 e 1850, conhecido como o<br />

"império <strong>da</strong>s posses". Este período corresponde, na história fundiária do Brasil, ao <strong>da</strong><br />

formação e consoli<strong>da</strong>ção definitiva do latifúndio, e está na base <strong>da</strong> formação <strong>da</strong>s<br />

oligarquias rurais, possibili<strong>da</strong>de até então ve<strong>da</strong><strong>da</strong>, <strong>da</strong>do o próprio caráter <strong>da</strong> legislação<br />

agrária <strong>da</strong>s sesmarias e <strong>da</strong> política econômica de feição absolutista e mercantil de<br />

Portugal 7 . O curioso é que essa espécie de "estado hobbesiano" reaparece com todo o<br />

seu vigor em consonância com a implementação <strong>da</strong> Política Fundiária do pós-1964.<br />

Foi no período de 1822 a 1850 quando, tendo sido suspensa a concessão de<br />

sesmarias (julho de 1822) e, "decaí<strong>da</strong>", com a Independência do Brasil, em setembro<br />

<strong>da</strong>quele ano, to<strong>da</strong> a legislação portuguesa, por um lado, e não tendo sido aprova<strong>da</strong><br />

nenhuma outra regulamentação do acesso à proprie<strong>da</strong>de rural, por outro lado, que<br />

grassaram, sobretudo, as grandes posses, muito mais que as pequenas. Entretanto, se por<br />

um lado, a ausência de regulamentação sobre a proprie<strong>da</strong>de territorial facilitou o avanço<br />

<strong>da</strong>s posses, por outro, esta mesma ausência impossibilitava a legalização <strong>da</strong>s ocupações.<br />

Ou seja, não permitia, formal e juridicamente, a formação <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de legítima. O<br />

problema assim criado pelo desenvolvimento <strong>da</strong>s posses extra-legais, ficará sem solução<br />

até 1850. Exatamente o equacionamento deste problema <strong>da</strong> legitimação<br />

(reconhecimento pelo Estado) dessas posses, além de outros problemas gestados no<br />

período anterior, estará no cerne do debate legislativo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1840, que terá como<br />

resultado a aprovação <strong>da</strong> Lei de Terras de 1850.<br />

O relevante neste processo, como se pretende evidenciar neste estudo e<br />

comparar com a situação do pós-1964, é que, apesar <strong>da</strong>s alternativas legais e políticas<br />

abertas pela Lei 601, - que diga-se de passagem, mantinha o mesmo caráter de<br />

legitimação privilegia<strong>da</strong> e excludente anterior - sua aplicabili<strong>da</strong>de foi sistematicamente<br />

sabota<strong>da</strong>, tanto no que se referia à arreca<strong>da</strong>ção e à discriminação de terras devolutas,<br />

quanto no que tocava à política tributária (inviabiliza<strong>da</strong>), quanto ain<strong>da</strong>, o que é mais<br />

relevante, à legitimação e ao registro <strong>da</strong>s terras que se encontravam no patrimônio<br />

privado e poderiam, obedeci<strong>da</strong>s as formali<strong>da</strong>des legais estabeleci<strong>da</strong>s, ser legaliza<strong>da</strong>s e<br />

titula<strong>da</strong>s. O outro fracasso na implementação <strong>da</strong> Lei 601, referia-se ao fato <strong>da</strong> "ven<strong>da</strong><br />

de terras em hasta pública" que não se materializou como era esperado, por motivos<br />

que serão oportunamente analisados neste estudo 8 .<br />

Não se tratava, neste contexto, de se ter transformado a Lei 601 de 1850 em letra<br />

morta, como se defenderá neste trabalho. Trata-se, antes, de se assegurar, manter e<br />

ampliar os privilégios de legitimação pelas vias <strong>da</strong> pressão priva<strong>da</strong>, por um lado e, por<br />

outro, <strong>da</strong> tentativa, sempre presente na história política do Brasil, de subordinar aos<br />

interesses privados as ações do aparelho burocrático do Estado. Esse processo sempre<br />

implicou a articulação entre a violência priva<strong>da</strong> e a manipulação <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong><br />

burocracia pública em benefício <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s privilegia<strong>da</strong>s, então já ciosas, embora<br />

ilegal e ilegitimamente, do domínio territorial, e não apenas de posses condiciona<strong>da</strong>s,<br />

como anteriormente a 1822. Por isso, o próprio processo de legalização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

7 A respeito <strong>da</strong> discussão detalha<strong>da</strong> desta dimensão fun<strong>da</strong>mental do desenvolvimento e <strong>da</strong> formação econômica,<br />

social, cultural e política do Brasil, que fugiria aos objetivos desta pesquisa, ver os excelentes trabalhos de FAORO<br />

(1996) e NOVAES (1978). Ver, ain<strong>da</strong>, os estudos clássicos de Caio Prado Júnior (1977 e 1979), publicados no final<br />

<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1930 e durante os anos 40; a História Econômica de Roberto Simonsen (1978) e os trabalhos pioneiros<br />

de Nestor Duarte (1939), Malheiro Dias (1924), entre muitos outros. A respeito, especificamente <strong>da</strong> problemática <strong>da</strong>s<br />

sesmarias em Portugal, ver, especialmente o trabalho de Virgínia Rau (1982).<br />

8 Ver o capítulo 2.<br />

16

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!