Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...
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Por outro lado, os direitos dos pequenos posseiros, embora, diante dessa<br />
contingência legal, estivessem, juridicamente assegurados, acabaram por ser<br />
efetivamente anulados. Sobretudo, na medi<strong>da</strong> em que apenas poderiam ser<br />
materializados pela via judiciária, ou seja, pela respectiva proposição do processo de<br />
legitimação e registro, ou do requerimento do direito de usucapião.<br />
Assim, por exemplo, especialmente no caso <strong>da</strong> aquisição de proprie<strong>da</strong>de pela via<br />
do usucapião - que era, basicamente, a única forma efetiva do pequeno posseiro tentar 304<br />
adquirir a proprie<strong>da</strong>de sobre terras inexplora<strong>da</strong>s ou abandona<strong>da</strong>s - apenas poderia ser<br />
alcança<strong>da</strong> pela alternativa judicial, na medi<strong>da</strong> em que este processo dependia de<br />
sentenças declaratórias. Sem este procedimento processual, os pequenos posseiros<br />
continuavam apenas com o chamado direito real de uso: ou seja, permaneciam meros<br />
posseiros.<br />
Como se argüiu no capítulo anterior, de diversas formas, mas sobretudo, pela via<br />
registral - especialmente após a instituição do Registro Torrens - os posseiros poderiam<br />
ter a sua “presunção” de direito real de posse 305 , anula<strong>da</strong>. Por isso, a ação primeira dos<br />
supostos proprietários de terras ocupa<strong>da</strong>s por posses, mas sobretudo, dos grileiros,<br />
sempre foi a destruição de tudo quanto pudesse caracterizar ou configurar as posses.<br />
Quando não do puro e simples assassinato dos posseiros e seus familiares e <strong>da</strong><br />
respectiva ocultação dos cadáveres.<br />
Quanto à legitimação de posses, que se destinavam às posses estabeleci<strong>da</strong>s em<br />
terras devolutas, e sobre as quais era ve<strong>da</strong><strong>da</strong> a alternativa ao usucapião, exigia-se todo<br />
um rito jurídico e de registro, que, efetivamente, sempre dificultou, quando não,<br />
simplesmente, afastou, desta alternativa, a maioria dos pequenos posseiros. Nos termos<br />
<strong>da</strong> Lei 601 de 1850, como foi visto no capítulo 2, cabia aos posseiros a iniciativa deste<br />
processo. Em face do sistemático fracasso <strong>da</strong> política de registros e de arreca<strong>da</strong>ção de<br />
terras devolutas, analisados naquele capítulo e no capítulo 3, a maioria <strong>da</strong>s posses<br />
permaneceram sem registro, por um lado e, por outro, propagando-se de diversas formas<br />
e dimensões, por to<strong>da</strong>s as regiões do País. Por suposto, um dos principais móveis do<br />
Estatuto <strong>da</strong> Terra seria regular essa forma “ilegal” de ocupação de terras devolutas, que<br />
se vinha agravando desde 1850. A partir <strong>da</strong> regulamentação conti<strong>da</strong> no Estatuto <strong>da</strong><br />
Terra, fun<strong>da</strong>mentalmente, a única forma legal de se adquirir a proprie<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na<br />
304 Aqui se diz “tentar” porque, como é fato conhecido, e como bem registra o Documento <strong>da</strong> CONTAG “Posição<br />
<strong>da</strong> CONTAG Sobre o Programa Nacional de Política Fundiária”: “Historicamente, o usucapião foi<br />
sempre considerado ineficaz no que se refere à proprie<strong>da</strong>de particular, para garantir ao posseiro a sua<br />
aquisição quando verificado o conflito pela posse <strong>da</strong> terra, eis que o Direito Possessório, desde o Direito<br />
Romano, caracteriza esse conflito como oposição à posse, tornando, desse modo, inaplicável o<br />
Usucapião”. (CONTAG, 1982, p. 7. Grifos nossos).<br />
305 Veja-se a este respeito, por exemplo, o insuspeito comentário de Paulo Yokota, Presidente do INCRA no último<br />
Governo Militar, ao afirmar que: “A evolução <strong>da</strong> legislação agrária reconheceu sempre na posse um<br />
elemento gerador de uma expectativa de direito, desde que obedeci<strong>da</strong>s as condições mínimas de<br />
exploração agropecuária efetiva e mora<strong>da</strong> habitual” (YOKOTA, s.d., p. 1). Na página seguinte o Presidente do<br />
INCRA volta a se referir a estas posses, como posses legítimas e que teriam que ser assegura<strong>da</strong>s nos processos<br />
discriminatórios. Esta questão voltará a ser discuti<strong>da</strong> no decorrer deste capítulo, na análise do Estatuto <strong>da</strong> Terra, neste<br />
e no próximo capítulo.<br />
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