Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...
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defesa contra a exploração do trabalho, restrita ao âmbito dos grupos privilegiados,<br />
sempre foram, de uma ou de outra formas, resolvidos, como se viu nos capítulos<br />
anteriores, ou nos bastidores <strong>da</strong> administração do Estado, ou fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s na violência<br />
direta dos latifundiários e poderosos. E sempre em detrimento <strong>da</strong> massa dos pequenos<br />
posseiros e dos pobres do campo. Estes, na melhor <strong>da</strong>s hipóteses, ou eram empurrados<br />
para regiões ca<strong>da</strong> vez mais distantes, ou assimilados como agregados, “arren<strong>da</strong>tários”<br />
ou “parceiros” 302 . Quando não eram pura e simplesmente eliminados fisicamente,<br />
situação, aliás, não desprezível em qualquer análise desta problemática, considerando-se<br />
a sua magnitude e seu significado nos processos de expropriação territorial.<br />
Como foi amplamente discutido no capítulo 2, ao deslocar a questão <strong>da</strong><br />
legalização <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, pretendia pela Lei 601 de 1850, para a alternativa à<br />
colonização (reduzi<strong>da</strong> esta, ou ao colonato nas fazen<strong>da</strong>s de café; ou ao<br />
“desbravamento”), o latifúndio empurrou, igualmente, o problema <strong>da</strong> aquisição <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra, pelos pobres, para distante de suas áreas de influência ou interesse.<br />
E, sobretudo, para as margens <strong>da</strong>s determinações legais.<br />
Era, como pôde ser verificado em detalhes nos capítulos anteriores,<br />
formalmente, reconhecido o direito ao acesso à proprie<strong>da</strong>de terra pelos pequenos<br />
posseiros, desde que este direito fosse exercido de forma estritamente limita<strong>da</strong>, tanto em<br />
termos <strong>da</strong> dimensão <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des, quanto realizado em regiões afasta<strong>da</strong>s dos<br />
domínios do latifúndio: o que significava uma referência clara à colonização 303 no<br />
sentido de ocupação e desbravamento <strong>da</strong>s fronteiras. A outra alternativa, a esta<br />
associa<strong>da</strong>, era a incorporação de imigrantes, inicialmente estrangeiros e depois, também,<br />
nacionais, às grandes explorações. Em síntese, o acesso à terra sempre esteve, na<br />
prática, ve<strong>da</strong>do ao grosso <strong>da</strong> população pobre do campo, embora fosse, formalmente,<br />
assegurado.<br />
O fato é que, juridicamente, não havia como assegurar os direitos de proprie<strong>da</strong>de<br />
para as grandes posses sem assegurar o mesmo direito, ain<strong>da</strong> que formalmente, para<br />
to<strong>da</strong>s as posses, independentemente dos seus respectivos tamanhos: Portanto, teriam<br />
que ser extensivos, também, às pequenas posses. Tratava-se de manter, pelo menos<br />
formalmente, o instituto jurídico <strong>da</strong> “isonomia”, um dos pilares do Direito.<br />
302 Ver a este respeito, entre muitos outros, por exemplo, IANNI (1984).<br />
303 José Vicente Tavares dos Santos, em seu excelente artigo “Colonização de novas terras: a continui<strong>da</strong>de de<br />
uma forma de dominação, do Estado Novo à Nova República.” (SANTOS, 1995), coloca com muita proprie<strong>da</strong>de o<br />
sentido do processo de colonização, tal como proposto e posto em prática no Brasil, nos seguintes termos: “Há trinta<br />
anos, a socie<strong>da</strong>de brasileira aguar<strong>da</strong> a implementação ampla <strong>da</strong> reforma agrária prevista no Estatuto <strong>da</strong><br />
Terra, razão suficiente para analisar o seu alcance pelo seu inverso, ou seja, o processo de<br />
colonização de novas terras, o qual não supõe uma redefinição <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de fundiária, mas a<br />
incorporação de novas terras, devolutas ou públicas, ao processo de ocupação humana do território”<br />
(loc. cit., p. 39. Grifos nossos). Ou seja, sempre em terras afasta<strong>da</strong>s dos domínios do latifúndio. A respeito desta<br />
questão, ver, além do artigo citado, o excelente estudo de José Vicente Tavares dos Santos, Matuchos: Exclusão e<br />
Luta - do Sul para a Amazônia (SANTOS, 1993) e MINC (1985).<br />
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