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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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perturba<strong>da</strong>, de terras particulares. Neste caso, o suposto é de que estas terras<br />

“particulares” não estavam “cumprindo a sua função social”. Ou seja, os conceitos e<br />

preceitos jurídicos são rigorosamente definidos, o que implica a aceitação <strong>da</strong> hipótese<br />

de que, quando se trata <strong>da</strong> legislação sobre a proprie<strong>da</strong>de territorial, não ocorrem<br />

equívocos involuntários.<br />

Mais uma vez , fica claro o zelo em assegurar a manutenção do privilégio de<br />

acesso às terras públicas, em áreas de até 10.000 hectares; cuja coincidência com a<br />

mesma filosofia posta na Lei 601 pelos, então, grandes posseiros, não pode ser atribuí<strong>da</strong><br />

a mero exercício de rotina. Mais uma vez, trata-se de assegurar privilégios de grandes<br />

posseiros e de excluir os pequenos. Observe-se que o parágrafo terceiro, referido acima,<br />

é repleto de artifícios jurídicos que, em última análise, acabarão por anular o suposto<br />

direito a proprie<strong>da</strong>de por ele assegurado aos pequenos posseiros, em termos do<br />

Usucapião. A exigência de que a aquisição do direito de proprie<strong>da</strong>de, no caso do<br />

usucapião, apenas poderá ser assegura<strong>da</strong> por sentença declaratória devi<strong>da</strong>mente<br />

transcrita, o pressupõe a instalação do processo judicial, com a exigência de to<strong>da</strong>s as<br />

formali<strong>da</strong>des a este necessárias. Como se verá, muitos pequenos posseiros, que<br />

objetivamente tinham direito a esse benefício nos termos do usucapião, por não o terem<br />

requerido (ou sido impedidos de o requerer) pela ação delibera<strong>da</strong> de terceiros, inclusive,<br />

por expulsões, etc.), Não puderam obter as necessárias “sentenças declaratórias”,<br />

acabaram <strong>da</strong>ndo ensejo à expropriação por via registral e <strong>da</strong> grilagem especializa<strong>da</strong>.<br />

Além de se tornarem, esses pequenos posseiros, objeto <strong>da</strong> violência priva<strong>da</strong>,<br />

sobretudo na segun<strong>da</strong> metade deste século, cujo objetivo era a expulsão e a<br />

descaracterização de suas posses, isto é, de seus direitos, como se verá adiante.<br />

Cabe aqui, apenas acrescentar alguma ilustração do que é o procedimento<br />

normal de titulação de terras no Brasil de hoje. Em estudo sobre o Vale do<br />

Jequitinhonha, em Minas Gerais, Maria Apareci<strong>da</strong> de Moraes <strong>Silva</strong> reconstruiu este<br />

procedimento-padrão através do qual as terras de antigos ocupantes são expropria<strong>da</strong>s:<br />

“o cenário amedrontou os camponeses <strong>da</strong>s partes baixas (dos chapadões), <strong>da</strong>s<br />

vere<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s grotas. A linguagem comum era de que ao governo pertenciam<br />

to<strong>da</strong>s aquelas terras e de que ele tomaria tudo.(...) O medo de ficar sem as<br />

terras fez com que os camponeses as “vendessem”, a qualquer preço, aos<br />

compradores paulistas. (...) As terras compra<strong>da</strong>s foram em segui<strong>da</strong> revendi<strong>da</strong>s<br />

às grandes companhias. (...) Nesta ven<strong>da</strong>, ocorreram as retificações de<br />

áreas, um ardil jurídico para disfarçar o roubo <strong>da</strong>s terras 282 .”<br />

A empresa estatal Rural Minas faz a medição e legitimação (expede um título de<br />

domínio) e o Cartório de Registro de Imóveis faz a inscrição titulatória. Pagam-se<br />

pequenas posses com área em torno de 10 hectares e titulam-se latifúndios de até 5.000<br />

hectares e mais 283<br />

282 Cf. SILVA, M.A.M., Fome: a marca de uma história. In.: Maria Antonieta M. Galeazzi (org.) Segurança<br />

Alimentar e Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, 1996, pp. 41-42. Grifos nossos.<br />

283 Id. Ibidem.<br />

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