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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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houve (e continua havendo) um sistemático atentado ao patrimônio público <strong>da</strong>s terras<br />

devolutas do país.<br />

Portanto, no caso brasileiro, qualquer iniciativa de “reorganização” fundiária, ou<br />

qualquer medi<strong>da</strong> de reforma agrária, necessariamente tem que transitar pela verificação<br />

<strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de dos títulos de proprie<strong>da</strong>de em poder de particulares, especialmente nas<br />

áreas de reforma agrária 224 .<br />

A relevância desse fato parece óbvia: se as terras em domínio privado não<br />

estiverem fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s em títulos legítimos, não cabem processos de desapropriação e,<br />

menos ain<strong>da</strong>, qualquer indenização por parte do Poder Público, independentemente de<br />

cumprir ou não a função social. Posto que, não sendo proprie<strong>da</strong>de legítimas, não há,<br />

sequer, porque se argüir <strong>da</strong> sua função social. No limite, esse procedimento legal<br />

poderia representar uma redução significativa dos gastos públicos com desapropriações.<br />

Poderia, por outro lado, facilitar a ação do Estado no sentido de assumir o controle<br />

sobre as terras devolutas, sobre as quais, como se vem analisando neste trabalho, desde<br />

1850, quando tal processo foi legalmente instituído, jamais o Estado brasileiro teve<br />

efetivas condições de exercer.<br />

Quanto as proprie<strong>da</strong>des legítimas, que estejam fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s em títulos legítimos, - e<br />

tudo indica que são muito poucas - caberiam as desapropriações, conforme previstas nos<br />

textos constitucionais ou estabeleci<strong>da</strong>s pela legislação pertinente, ou seja, com base nos<br />

princípios do cumprimento de sua função social. A verificação <strong>da</strong> consistência ou<br />

inconsistência legal dos títulos, supondo-se o efetivo combate à fraude e a participação<br />

efetiva de organizações civis especializa<strong>da</strong>s, além do Judiciário e instituições públicas<br />

específicas, poderia efetivamente ser realiza<strong>da</strong>. A morosi<strong>da</strong>de na decisão judicial ou<br />

mesmo administrativa a respeito deste problema, que sempre foi uma constante em to<strong>da</strong><br />

a história do país desde os tempos do instituto de sesmarias, apenas vem reforçar a<br />

hipótese de que o processo de registro e titulação, ou seja, <strong>da</strong> legitimação <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de rural no Brasil é efetivamente, fun<strong>da</strong>do no privilégio.<br />

Entretanto, exatamente a possibili<strong>da</strong>de de controle efetivo sobre a alienação <strong>da</strong>s<br />

terras públicas é que, ao ser passa<strong>da</strong> para a alça<strong>da</strong> dos Estados, pela Constituição de<br />

1891, tornou-se profun<strong>da</strong>mente problemática.<br />

Como se registrou no capítulo anterior, até os últimos anos do Império, a<br />

maioria <strong>da</strong>s sesmarias por revali<strong>da</strong>r e <strong>da</strong>s posses por legitimar não haviam sido<br />

efetivamente registra<strong>da</strong>s, além de ter-se agravado a prática do avanço <strong>da</strong>s posses sobre<br />

as terras devolutas existentes. Como registra José Murilo de Carvalho, em 1886, três<br />

anos antes <strong>da</strong> Proclamação <strong>da</strong> República, o Relatório do Ministro <strong>da</strong> Agricultura,<br />

Comércio e Obras Públicas informava que, naquele ano, “grande número de<br />

sesmarias e posses permaneciam sem revali<strong>da</strong>r e sem legitimar, e as terras<br />

224 O que não impede que, paralelamente, se implementem os processos de desapropriação para fins de reforma<br />

agrária, dentro de uma política específica nesses termos, e quando a desapropriação couber, ou seja, quando se<br />

tratarem de áreas legitimamente de domínio particular; o “ônus <strong>da</strong> prova” cabendo sempre ao suposto proprietário,<br />

como aliás determina a legislação em vigor. Porque a referência básica é a de que as terras brasileiras são,<br />

originalmente, públicas.<br />

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