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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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como alguns depoimentos à Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Fundiário<br />

deixará claro, de um mero simulacro de compra e ven<strong>da</strong> de terras devolutas: o Estado<br />

“finge” que vende (só que efetivamente vende); e o adquirente privilegiado “finge” que<br />

compra, (só que, efetivamente, compra). O processo em si é que é completamente<br />

viezado, fun<strong>da</strong>do no privilégio. Na melhor <strong>da</strong>s hipóteses, fun<strong>da</strong>dos na utilização de<br />

informação privilegia<strong>da</strong>.<br />

Bastam essas observações, neste momento, para levantar este problema que será<br />

detalha<strong>da</strong>mente analisado no próximo capítulo, que se ocupa do período do Regime<br />

Militar, quando o mesmo ganhou maior intensi<strong>da</strong>de e relevância. A introdução desta<br />

problemática é importante para a sua localização no âmbito desse estudo e até porque<br />

esse artifício <strong>da</strong> “compra a preço vil”, ao Estado, sempre esteve presente no período<br />

Republicano, agravando-se à medi<strong>da</strong> em que a expansão <strong>da</strong> produção agrícola e,<br />

sobretudo, <strong>da</strong>s redes de comunicação e transportes, começaram a facilitar a<br />

incorporação de novas áreas à economia agrícola nacional e, portanto a despertar o<br />

interesse e a cobiça, em face <strong>da</strong> valorização <strong>da</strong>s terras. Esse fenômeno, que tem início<br />

com a expansão <strong>da</strong>s ferrovias, ain<strong>da</strong> no Império, adquirirá grande impulso durante todo<br />

o período republicano Torna-se especialmente grave na segun<strong>da</strong> metade deste século,<br />

trazendo no seu bojo um conjunto complexo de problemas fundiários e de conflitos,<br />

quase sempre violentos, pela posse <strong>da</strong> terra.<br />

Nesse contexto cabe questionar-se o direito de proprie<strong>da</strong>de, ou seja, a<br />

legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ocupação ou a legali<strong>da</strong>de dos títulos de proprie<strong>da</strong>de. Dirimir essa<br />

dúvi<strong>da</strong> tem sido desde sempre o problema primordial, senão fun<strong>da</strong>mental, a ser<br />

enfrentado para que se possa assegurar o acesso democrático e produtivo à terra no<br />

Brasil.<br />

Veja-se que distribuir terras é diferente de redistribuir a proprie<strong>da</strong>de.<br />

Redistribuir a proprie<strong>da</strong>de supõe a existência de uma distribuição anterior <strong>da</strong> mesma,<br />

quando na ver<strong>da</strong>de o que houve, pelo menos em relação à maioria <strong>da</strong>s terras do Brasil,<br />

foi uma apropriação privilegia<strong>da</strong> e, muitas vezes, ou geralmente, em oposição à<br />

legislação vigente; ou seja, contra o consentimento formal do Estado.<br />

No primeiro caso, distribuir a terra, significa assegurar o acesso à terra que, no<br />

Brasil, é originalmente pública, ain<strong>da</strong> que pela via <strong>da</strong> compra ao Estado. No segundo<br />

caso, acrescente-se, ao se falar de desapropriação, fica pressuposto o reconhecimento<br />

dos privilégios construídos pela apropriação anterior (geralmente fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em simples<br />

processos de posse ilegítima de grandes áreas) inclusive, motivando a sua recompensa<br />

destes atos com indenizações, não importa a forma de pagamento. Falar em<br />

desapropriação, sem se questionar a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de e o processo de sua<br />

constituição, no Brasil, é, além do exposto, oferecer argumentos em defesa do<br />

latifúndio. Oferecer subsídios para as defesas ideológicas <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de, sob alegação<br />

de que, com a reforma agrária, se pretende atentar contra a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong><br />

(legítima?), quando de fato, o que a história fundiária brasileira tem evidenciado é que<br />

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