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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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A Constituição de 1891 como foi registrado acima, transferiu para os Estados <strong>da</strong><br />

Federação a autonomia política, legislativa e administrativa sobre<br />

“as minas e terras devolutas situa<strong>da</strong>s nos seus respectivos<br />

territórios, cabendo a União apenas a porção de território que for<br />

indispensável para a defesa <strong>da</strong>s fronteiras, fortificações,<br />

construções militares e estra<strong>da</strong>s de ferro federais.” 213<br />

Desta forma, passaram para a jurisdição dos Estados, não apenas as terras do<br />

domínio público, mas, o que é ain<strong>da</strong> mais relevante, o poder de legislar sobre a sua<br />

concessão, discriminação e legitimação <strong>da</strong>s que fossem possuí<strong>da</strong>s 214 . À União restou<br />

apenas as terras devolutas situa<strong>da</strong>s numa estrita faixa de fronteira com países<br />

estrangeiros (66 quilômetros) e a pequena faixa costeira - os chamados terrenos de<br />

marinha - uma faixa de 33 metros, sujeita às influências <strong>da</strong>s marés. Pode-se dizer,<br />

portanto, que neste contexto, a União se retira <strong>da</strong> questão fundiária, limitando-se apenas<br />

à gestão <strong>da</strong> restrita parcela de terras devolutas incursas no seu patrimônio, deixando<br />

para os Estados o poder, assegurado, aliás, pela sua autonomia constitucional, para<br />

administrar to<strong>da</strong>s as terras dos seus domínios.<br />

Portanto, ao serem transferi<strong>da</strong>s para os Estados a proprie<strong>da</strong>de e a competência<br />

legislativa sobre a maioria <strong>da</strong>s terras devolutas, pelo fato de se situarem em seus<br />

respectivos territórios, quase na<strong>da</strong> restou à União para administrar. Este fato significa,<br />

efetivamente, que os problemas de legitimação de posses e de alienação de terras<br />

públicas, antes mesmo de serem enfrentados de forma efetiva pelo poder Central, foram<br />

colocados sob o arbítrio dos Estados e, como se observou acima, <strong>da</strong>s oligarquias locais.<br />

Exatamente as mesmas oligarquias que, desde a promulgação <strong>da</strong> Lei 601, vinham<br />

impondo um conjunto de restrições e dificul<strong>da</strong>des, muito particularmente em relação à<br />

implementação <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s relativas à legitimação e registro <strong>da</strong>s terras havi<strong>da</strong>s por<br />

particulares e à discriminação <strong>da</strong>s terras devolutas 215 . Nesse contexto, como observa<br />

Foweraker ao estu<strong>da</strong>r o caso do Paraná, poderiam os governos estaduais administrar as<br />

terras com tanto maior<br />

“impuni<strong>da</strong>de, quanto mais conseguisse o seu próprio sistema<br />

legal criar uma autori<strong>da</strong>de legal separa<strong>da</strong>, sendo os sistemas<br />

213 Constituição <strong>da</strong> República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891. Artigo 64 (In.: MEAF, op. cit., p.477. Grifo<br />

nosso).<br />

214 Ressalvados apenas os processos de ação discriminatória que continuavam privativos à alça<strong>da</strong> <strong>da</strong> União.<br />

215 Essas terras que como já se explicitou nesse trabalho englobavam a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s terras que pertencem ao<br />

domínio público e que não se encontravam afetas a alguma utilização pública, eram “terras que nunca deixaram<br />

de pertencer ao domínio público, ou que, tendo sido transpassa<strong>da</strong>s a particulares, retornaram ao Poder<br />

Público por não terem seus donatários cumprido com suas obrigações” (BASTOS, 1990, p. 265). Tais terras<br />

até a Proclamação <strong>da</strong> República pertenciam ao patrimônio <strong>da</strong> Nação, tendo sido, pela Constituição de 1891<br />

transferi<strong>da</strong>s para o domínio dos Estados <strong>da</strong> Federação (art. 64 <strong>da</strong> Constituição de 1891) que passaram a administrálas.<br />

Essa situação irá gerar conflitos importantes sobre a autonomia e a competência para a gestão dessas terras,<br />

sobretudo entre a União e os Estados e, muitas vezes, entre diferentes Estados <strong>da</strong> Federação. Nesse contexto, que<br />

Foweraker (op. cit.) caracteriza de “autori<strong>da</strong>de dual”, os conflitos reais e legais sobre a proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra<br />

agudizam-se, beneficiando-se dele, sobretudo, os grupos mais poderosos de especuladores imobiliários e as<br />

“companhias colonizadoras”. Mas persistirá o problema <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de dos títulos de proprie<strong>da</strong>de, questão esta cujo<br />

contencioso geralmente envolve dissídios entre os Estados e a União, e que apenas poderão ser dirimidos pela via<br />

judicial.<br />

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