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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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Tendo-se em consideração que muitos pequenos posseiros e até proprietários,<br />

espalhados pelos vastos interiores do país, não detinham o domínio desse tipo de<br />

conhecimento, posto que, nem sequer de outros recursos dispunham, muitos deles nem<br />

mesmo possuindo o seu próprio Registro Civil, - e portanto, muito menos o de suas<br />

posses ou proprie<strong>da</strong>des 205 - pode-se deduzir as implicações que essa alternativa abria à<br />

especulação imobiliária e a grilagem especializa<strong>da</strong>, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na expropriação por via<br />

dos registros. Este seria o lado problemático do Registro 4Torrens, amplamente<br />

agravado pelas “ven<strong>da</strong>s” de terras devolutas realiza<strong>da</strong>s pelos Estados <strong>da</strong> Federação após<br />

a Constituição de 1891.<br />

Além disso, há que se ter em consideração, que a burocracia e o formalismo<br />

jurídico exigidos para a instalação dos procedimentos de registro e, sobretudo, as<br />

dificul<strong>da</strong>des postas para a proposição de ações contra imóveis registrados de forma<br />

vicia<strong>da</strong>, de fato, excluíam a maioria <strong>da</strong> população, sobretudo os pequenos posseiros e<br />

proprietários. Além, é claro, <strong>da</strong> ameaça direta e nem sempre discreta dos latifundiários<br />

sobre a multidão de pequenos posseiros e indígenas.<br />

Em suma, mesmo admitindo que, formalmente, o Decreto 451-B tenha sido<br />

baixado pelo Governo Federal para tornar legalmente possível o combate às freqüentes<br />

e já conheci<strong>da</strong>s fraudes e irregulari<strong>da</strong>des no processo de regularização fundiária, tem-se,<br />

necessariamente que se admitir a hipótese de que o mesmo tenha sido utilizado, (e os<br />

fatos parecem indicar, com suficiência, que efetivamente o foi) por outro lado, ao nível<br />

concreto, e <strong>da</strong><strong>da</strong>s as limitações e dificul<strong>da</strong>des impostas, sobretudo aos pequenos<br />

posseiros, mas não apenas a estes, pelos motivos já apontados, para <strong>da</strong>r ensejo a<br />

ver<strong>da</strong>deiros processos de expropriação 206 e grilagem especializa<strong>da</strong> de terras.<br />

3. Constituição de 1891: União, Estados e Legitimação <strong>da</strong> Proprie<strong>da</strong>de<br />

A Proclamação <strong>da</strong> República trouxe uma profun<strong>da</strong> transformação na gestão <strong>da</strong><br />

política fundiária do Brasil. Com a promulgação <strong>da</strong> primeira Constituição Republicana,<br />

em 1891, e consagrado o Sistema Federativo, cinde-se a autonomia política e<br />

administrativa sobre a implementação <strong>da</strong> política de terras devolutas, entre União e<br />

Estados. Cinde-se, também, o processo legislativo sobre o acesso à proprie<strong>da</strong>de<br />

territorial rural no país.<br />

Para além de qualquer inferência de cunho puramente abstrato a respeito dessa<br />

opção política, o fato é que ela vinha de encontro a antigos anseios <strong>da</strong>s oligarquias<br />

205 Referem-se aqui ao fato comum no meio rural, sobretudo, de que muitas vezes as transações com pequenos lotes<br />

de terra eram feitas com base em instrumentos particulares, muitos deles sequer sendo registrados. Ver a respeito <strong>da</strong>s<br />

condições de registro de terra no Brasil, Nascimento (op. cit., pp.95-107), Octávio Ianni, Ditadura e Agricultura.<br />

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira (1979(a)).<br />

206 Como será estu<strong>da</strong>do nos próximos capítulos, essa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de expropriação de pequenos posseiros, no qual o<br />

suposto proprietário já aparece diante deles munido do respectivo título de proprie<strong>da</strong>de, tornou-se uma prática ca<strong>da</strong><br />

vez mais comum de grileiros especializados na medi<strong>da</strong> em que as terras se valorizavam e o desenvolvimento<br />

econômico passava a incluir novas terras ao circuito produtivo, especialmente com o avanço <strong>da</strong>s ferrovias, em finais<br />

do século XIX e, a partir dos anos de 1950, <strong>da</strong>s rodovias. No período do regime militar, esse fenômeno foi<br />

amplamente denunciado e documentado, como será demonstrado nos próximos capítulos.<br />

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