Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...
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cometi<strong>da</strong>s, assim como as irregulari<strong>da</strong>des, colocavam-se à margem <strong>da</strong> lei. Tornando,<br />
portanto, nulas, as alienações de terras devolutas que não fossem registra<strong>da</strong>s no novo<br />
sistema, inclusive, prevendo o retorno <strong>da</strong>s terras ao Estado mediante restituição de<br />
apenas 75% do valor recebido, ao adquirente infrator (art.1 o , Decreto 451-B).<br />
Entretanto, ao que tudo indica, este artigo foi efetivamente negligenciado. Não há<br />
notícias de nenhuma devolução de terras ao Estado com a dedução de 25% prevista<br />
naquele artigo. Aqui, como se vê, mais uma vez se configura o direito do privilégio,<br />
neste caso, pelo não cumprimento <strong>da</strong>s exigências estabeleci<strong>da</strong>s formalmente 203 .<br />
Quanto ao registro <strong>da</strong>s terras em domínio privado, haviam as exigência<br />
explicita<strong>da</strong>s nos artigos 7 o a 9 o referentes à instalação do processo de Registro:<br />
“Art. 7 o O requerimento virá instruído com os títulos de proprie<strong>da</strong>de, e<br />
quaisquer atos que a modifiquem, ou limitem, um memorial indicativo de todos<br />
os seus encargos, no qual se designarão os nomes e residências dos<br />
interessados, ocupantes e confrontantes, e, sendo rural o imóvel, a planta<br />
dele.”<br />
Assim, pode-se supor, tornava-se problemático e, no limite, profun<strong>da</strong>mente<br />
dificultado, o registro fraudulento ou viciado, por exemplo, de terras sobre as quais não<br />
se dispusessem de alguma documentação. O que não quer dizer que houvesse a garantia<br />
efetiva de que tais fraudes e delitos não ocorreriam, ou que não tenham ocorrido. Esta<br />
hipótese, aliás, é presumi<strong>da</strong> no texto do próprio Decreto, a julgar pelas penali<strong>da</strong>des<br />
previstas e caracteriza<strong>da</strong>s nos artigos 70 a 73 indicados acima. O maior problema,<br />
entretanto, continuava a persistir na rigidez dos prazos prescricionais e decadenciais,<br />
que poderiam ser, com a aju<strong>da</strong> e habili<strong>da</strong>de de advogados e conivência de Oficiais de<br />
Registros, utilizados para legitimar situações duvidosas e mesmo fraudulentas.<br />
Entretanto, como será visto adiante, não houve como impedir, após a Constituição de<br />
1891, que vários Estados alienassem terras, supostamente do seu domínio, e<br />
fornecessem os respectivos registros, sem contudo, respeitarem sequer os próprios <strong>da</strong><br />
União, menos ain<strong>da</strong> as posses (legítimas ou legitimáveis) efetivamente existentes nas<br />
áreas que privatizavam, evidentemente, de forma ilegítima, posto que, neste caso se<br />
tratavam de terras que não pertenciam ao patrimônio estadual. Entretanto, isto não<br />
impediu a expulsão e, muitas vezes, como no Paraná, Pará e Mato Grosso, para ficar só<br />
nesses casos, a violência direta e o massacre de indígenas, pequenos proprietários e<br />
posseiros que secularmente viviam nas áreas.<br />
No que toca ao formalismo exigido para a instalação do processo de registro,<br />
que, de resto, gerava o pleno direito sobre o imóvel, e sobre o qual, inclusive, era<br />
assegurado que “nenhuma ação reivindicatória será recebi<strong>da</strong> contra o proprietário<br />
do imóvel matriculado” (artigo 75) sendo:<br />
203 No imaginário popular brasileiro há inclusive, uma expressão que traduz exatamente essa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de<br />
privilégio: “Aos amigos tudo. Aos inimigos a lei” ou “aos amigos tudo, aos inimigos o rigor <strong>da</strong> lei”; e uma outra, que<br />
traduz a dimensão mais complexa desse fenômeno, que diz: “man<strong>da</strong> que pode, obedece quem tem juízo”. Neste<br />
último caso ficando claramente expresso o fato do poder direto de vigiar e punir.<br />
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