19.03.2015 Views

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

jurídico foi, em boa parte, colocado à margem do processo, ou subvertido 189 .<br />

Convertido em ordenador ou legitimador quase-passivo <strong>da</strong> des-ordem que se<br />

estabelecera: do “fato consumado”. Daí a permanente e persistente alternativa aos<br />

Registros, por suposto, de Direitos Reais sobre a terra, anteriormente constituídos. Daí a<br />

profusa e confusa legislação agro-fundiária brasileira, sempre eiva<strong>da</strong> por casuísmos e<br />

minudências, aparentemente irrelevantes, mas que eram fun<strong>da</strong>mentais a perpetuação <strong>da</strong><br />

estrutura fundiária enrijeci<strong>da</strong>. Daí as promulgações e revogações de Leis e decretos<br />

administrativos e simples portarias, que serão uma constante em todo o ordenamento<br />

jurídico-fundiário brasileiro, como está sendo analisado neste estudo. Daí as<br />

permanentes crises institucionais e de “governabili<strong>da</strong>de” e a impuni<strong>da</strong>de, que se<br />

tornaram ca<strong>da</strong> vez mais freqüentes no país, muito especialmente no período<br />

republicano.<br />

É no contexto deste tipo de análise e interpretação <strong>da</strong> eficácia legal, que se torna<br />

possível formular a hipótese teórica de que, ain<strong>da</strong> quando uma determina<strong>da</strong> lei, ou<br />

conjunto de leis, não tenham sido implementa<strong>da</strong>s, elas efetivamente têm seus efeitos<br />

assegurados ao nível <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social, ain<strong>da</strong> que pela via <strong>da</strong> negação.<br />

É neste sentido que se faz, neste trabalho, referência às expressões “legitimação<br />

privilegia<strong>da</strong>” e “proprie<strong>da</strong>des juridicamente questionáveis”. A suposição que subjaz a<br />

estas expressões é de que há uma contradição em termos na política fundiária que nasce<br />

com a Lei 601 e que permeará de forma indelével, to<strong>da</strong>s as políticas ulteriores que<br />

tentaram trazer o ordenamento fundiário brasileiro para o campo <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de e do<br />

direito burguês, liberal. O ordenamento jurídico, na prática, acabou por configurar-se<br />

em oposição à própria ordem burguesa, supostamente estabeleci<strong>da</strong>, ou pretendi<strong>da</strong>. Uma<br />

ordem que consagrava - e ain<strong>da</strong> consagra - formalmente, os princípios <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de<br />

priva<strong>da</strong> absoluta (especialmente a fundiária), <strong>da</strong> isonomia legal ou <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de perante<br />

a lei; do respeito ao direito adquirido, ou legalmente assegurado, à coisa julga<strong>da</strong>, etc.<br />

Entretanto, na prática a maioria destes princípios fora subverti<strong>da</strong>, acabando por servir<br />

primordialmente para assegurar os privilégios de determinados grupos sociais<br />

fortemente estabelecidos 190 . É neste sentido que a luta para <strong>da</strong>r legitimi<strong>da</strong>de, do ponto<br />

de vista jurídico, a proprie<strong>da</strong>de fundiária no Brasil, será o grande desafio <strong>da</strong> República<br />

nascente, sobretudo após a promulgação <strong>da</strong> Constituição de 1891, como se analisará em<br />

segui<strong>da</strong>.<br />

189 Essa referência pode ser esclareci<strong>da</strong> com os seguintes comentários de Joe Foweraker: “A maior parte dos<br />

litígios sobre a terra não é entre indivíduos, mas entre grandes grupos de interesses econômicos e<br />

setores <strong>da</strong> administração pública (o Estado e suas várias manifestações burocráticas). Isso acontece não<br />

somente porque são esses os atores que dispõem de recursos para fazer frente às custas dos litígios,<br />

como também porque os julgamentos legais podem ser firmemente vistos como dependendo do<br />

quanto de pressão política possam os diferentes litigantes exercer sobre o sistema legal. Só o<br />

poder político pode garantir o controle legal <strong>da</strong> terra(...).” (Op. cit., pp. 123-124. Grifos nossos).<br />

190 Um exemplo de subversão <strong>da</strong> legali<strong>da</strong>de estabeleci<strong>da</strong> é <strong>da</strong>do pelo caso <strong>da</strong> luta pelas terras do Oeste do Paraná,<br />

que envolveu, após a exclusão dos pequenos posseiros <strong>da</strong> região do Contestado, um acirrado contencioso entre a<br />

União, o Governo do Paraná e as Companhias priva<strong>da</strong>s de ferrovias e colonização, que se prolongou por mais de<br />

cinco déca<strong>da</strong>: os privilégios criados nesse tempo foram, enfim, assegurados.<br />

108

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!