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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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Nesse contexto, restou apenas a alternativa à atração de imigrantes pobres que<br />

deveriam servir nas grandes plantações, sobretudo na cafeicultura 188 .<br />

Efetivamente, diante de tais condições, não se pode falar em “colonização<br />

sistemática”, apesar <strong>da</strong>s críticas que possam ser feitas a este caminho <strong>da</strong> transição, nas<br />

colônias, para a economia de mercado, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no trabalho livre. Entretanto, esse foi o<br />

produto mais visível do fracasso <strong>da</strong> política fundiária do Império, que se estenderia à<br />

República, e cujo vigor apenas seria abalado pelo movimento, historicamente registrado<br />

como Revolução de 1930.<br />

Apesar <strong>da</strong> tentativa ao nível institucional, para regulamentar a proprie<strong>da</strong>de<br />

territorial, pela via jurídica, sobretudo pela exigência do registro, os grandes detentores<br />

de terras, ao que tudo indica, tinham um outro projeto, que acabou por se impor.<br />

Tratava-se de um projeto que se situava, como parece evidente, para além (ou aquém)<br />

do “Estado de Direito”: o Estado inspirado nos princípios do liberalismo econômico e<br />

jurídico, e que supunha, como condição necessária à legitimação - sobretudo a <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de territorial - a alternativa à lei. Esta deveria ser assegura<strong>da</strong> pela via<br />

legislativa e, em última instância, judiciária. Este parecia ser o projeto que estava sendo<br />

proposto pelas elites governantes do Brasil e que, no que se referia à questão fundiária,<br />

foi vetado pelo latifúndio. Se se quisesse utilizar outra terminologia, poder-se-ia dizer<br />

que o caminho eleito pelos grandes detentores de terras, fun<strong>da</strong>va-se em um projeto que<br />

optara pela barbárie, em oposição a via civiliza<strong>da</strong>, pacífica, negocia<strong>da</strong>, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em<br />

princípios estabelecidos, ain<strong>da</strong> que formalmente, em Leis e regulamentos, social e<br />

politicamente sancionados.<br />

Dessa forma, pode-se levantar a hipótese de que, tendo-se em consideração o<br />

cenário que emergiu com o fracasso <strong>da</strong> Política Fundiária do Império, o ordenamento<br />

188 Verena Stolcke (1986) faz uma brilhante defesa do colonato, procurando demonstrar que esse sistema de<br />

exploração de trabalho "que os fazendeiros adotaram como substituto para o trabalho escravo não só provia<br />

as fazen<strong>da</strong>s cafeeiras em expansão de trabalhadores baratos e disciplinados, mas oferecia uma<br />

vantagem adicional sobre o trabalho assalariado. O colonato deu aos produtores de café uma flexibili<strong>da</strong>de<br />

diante <strong>da</strong>s flutuações de preços que de outra forma não teriam (...). Esse sistema permitia aos<br />

fazendeiros comprimir os salários em dinheiro nas épocas de baixa de preços do café, sem por em risco a<br />

oferta de mão-de-obra(...)." (loc. Cit., p.54). Com essa argumentação e apoiando-se em depoimentos <strong>da</strong> época,<br />

procura, aquela autora, defender a tese de que o colonato era a melhor alternativa para a cafeicultura, inclusive<br />

argumentando, na página 56, de que uma prova "de que o colonato não estava vinculado às condições<br />

especiais sob as quais o café penetrou e se expandiu no estado é a sua persistência praticamente<br />

inaltera<strong>da</strong> até o início dos anos 60."(Idem.; negritos nossos). Entretanto, se essa forma de exploração do<br />

trabalho era a mais adequa<strong>da</strong> àquela conjuntura, isso não quer significar que outras alternativas, como o assalariato<br />

não fossem possíveis ou mais eficientes. Prova apenas que, certamente, não o eram naquela conjuntura, onde o<br />

bloqueio ao acesso e à formação de pequenas proprie<strong>da</strong>des, impedia que se constituísse e desenvolvesse um mercado<br />

permanente de mão-de-obra livre, sobretudo <strong>da</strong> mão-de-obra excedente <strong>da</strong> produção familiar, ou de imigrantes pobres<br />

que, como supunha Wakefield, que, na expectativa de adquirir sua pequena proprie<strong>da</strong>de, sujeitassem-se ao árduo<br />

trabalho assalariado. Visto deste ângulo pode-se dizer que o colonato não foi a melhor, mas a única opção que restou<br />

à cafeicultura, diante do bloqueio à via <strong>da</strong> "colonização sistemática". Nesse sentido específico, pode-se concor<strong>da</strong>r<br />

com Verena Stolcke, no sentido de que era a alternativa mais eficiente naquela conjuntura, isto é, "no ponto". A<br />

hipótese de Verena, embora fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em referências empíricas, tinha referência pontual. Essas observações têm<br />

apenas o objetivo de esclarecer o problema do desvio do projeto de colonização sistemática, tal como formulado por<br />

Wakefield. A discussão específica do problema levantado brilhantemente por Verena Stolcke fugiria aos objetivos<br />

deste trabalho. Para uma visão diferente desta problemática ver OLIVEIRA (1984, capítulo 1) e OHLWEILLER<br />

(S.d.).<br />

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