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Alberto da Silva Jones O MITO DA LEGALIDADE DO LATIFÚNDIO ...

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devolutas e sobretudo, quando contenciosos 179 sobre a terra envolviam pequenos<br />

posseiros e indígenas. Esses processos estão na origem <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção “legal” do<br />

imenso domínio que os latifúndios, efetivamente, sempre detiveram no Brasil. Daí a<br />

necessi<strong>da</strong>de de se questionar a sua legitimi<strong>da</strong>de.<br />

Cabe relembrar, a essa altura, que os debates parlamentares que antecederam a<br />

aprovação <strong>da</strong> Lei 601 giraram, exatamente sobre questões desta ordem, que já se<br />

mostravam pertinentes à conjuntura agrária brasileira <strong>da</strong>quela época, como foi<br />

amplamente discutido no capítulo anterior.<br />

Os fazendeiros do Vale do Paraíba, por exemplo, detinham, nessa época dos<br />

debates sobre a Lei de Terras, a liderança <strong>da</strong> produção de café, beneficiando-se, por um<br />

lado, <strong>da</strong> revali<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s sesmarias, que assegurava suas proprie<strong>da</strong>des; e, por outro lado,<br />

pelo fato de disporem <strong>da</strong> mão-de-obra escrava, que já possuíam, assim como, do fato<br />

<strong>da</strong>s suas lavouras de café, já instala<strong>da</strong>s, se encontrarem em plena fase de maturação<br />

(FAORO, op. cit.). Esta liderança <strong>da</strong> cafeicultura fluminense apenas começaria a ser<br />

ameaça<strong>da</strong> pela cafeicultura paulista, sobretudo do chamado “Oeste Paulista” e<br />

adjacências, a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1860, quando perde aquela vantagem comparativa<br />

inicial, entretanto, por outras razões 180 que não as especificamente liga<strong>da</strong>s à proprie<strong>da</strong>de<br />

territorial.<br />

Pode-se então concluir que a maior oposição posta a Lei 601 de 1850 devia-se<br />

ao fato de ser ela uma lei de proprie<strong>da</strong>de. Neste sentido e contexto, uma lei que indicava<br />

a intenção do Governo em retirar às oligarquias rurais, pelo menos formalmente,<br />

juridicamente, o controle absoluto e direto, que exerciam sobre as terras. Logo, também,<br />

boa parcela do seu poder político. Referia-se ao fato do Estado pretender imiscuir-se, do<br />

ponto de vista <strong>da</strong>s oligarquias latifundiárias, em assuntos específicos de esfera priva<strong>da</strong>,<br />

no âmbito <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de territorial 181 . Daí as freqüentes acusações de “estelionato<br />

público” e as ameaças, nem sempre vela<strong>da</strong>s, de violência social e política, ou mesmo de<br />

179 Ain<strong>da</strong> Faoro faz uma referência a um dito popular dos sertões “quem tem padrinho não morre pagão”, que dá<br />

bem a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mediação dos poderosos locais nas relações com as situações correntes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

quotidiana do ci<strong>da</strong>dão comum. Continua ele, “li<strong>da</strong>r com a polícia, com a justiça, com os cobradores de<br />

impostos, obter uma estra<strong>da</strong>, pleitear uma ponte, são tarefas que exigem a presença de quem possa<br />

recomen<strong>da</strong>r o pobre ci<strong>da</strong>dão (...). Esse benfeitor, de seu lado, detentor de conexões, tem, à medi<strong>da</strong> que<br />

a socie<strong>da</strong>de se torna complexa, um corpo de assessores: o médico, o advogado, o padre, o coletor.<br />

Os auxiliares, em breve, na medi<strong>da</strong> em que se institucionalizam e se homogeneizam os vínculos legais e<br />

costumeiros, disputarão o lugar do coronel” (op. cit., p. 633. Grifos nossos).<br />

180 Referiam-se, especialmente, ao esgotamento <strong>da</strong>s terras, ao retar<strong>da</strong>mento na substituição do trabalho escravo, que<br />

desde 1850 já <strong>da</strong>va indicações de ter o seu fluxo cortado, e, conseqüentemente, aumentado o seu peso relativo nos<br />

custo de produção, sobretudo pela depreciação do capital imobilizado em escravos - pelo seu desgaste físico e<br />

envelhecimento - que causavam prejuízos, pelo fato corretamente registrado por Francisco de Oliveira, de situar-se na<br />

categoria do Capital Constante (In.: OLIVEIRA: 1984, Capítulo 1); junte-se a esses problemas o endivi<strong>da</strong>mento com<br />

os comissários e, sobretudo, com os Bancos que ganham impulso, na época, incentivados pela nova conjuntura de<br />

ampliação <strong>da</strong> produção e produtivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cafeicultura, sobretudo nas zonas novas e fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s no trabalho livre e na<br />

incorporação do progresso técnico, que, por outro lado, passaram a exigir recursos para o financiamento <strong>da</strong> produção<br />

que, do ponto de vista financeiro agregado, dificilmente podiam ser cobertos pelas ações priva<strong>da</strong>s de comissários.<br />

Apesar do imposto territorial ter sido eliminado pelo Senado (ver Murilo de Carvalho, op. cit., p. 50). Permanecia<br />

apenas o imposto de chancelaria, que correspondia a um imposto de transmissão de bens imobiliários.<br />

181 Que era assegura<strong>da</strong> pela Constituição de 1824. Daí a acusação de inconstitucionali<strong>da</strong>de imputa<strong>da</strong> a Lei 601/1850.<br />

Ver a respeito, CARVALHO (op. cit., p. 42 - 44 ).<br />

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