A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ...

A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ... A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ...

20.02.2015 Views

87 possibilidade de constituição das regras e de condições materiais dentro das quais o sujeito constrói e coloca em funcionamento um discurso. O conceito de descontinuidade desenvolvido por Foucault propõe que os discursos emergem e se constroem e também rompem com uma determinada ordem de saberes, pois são práticas localizadas e temporais. O conceito de descontinuidade torna visível outras possibilidades de enunciados, de mudanças, permitindo investigar as lutas em torno das imposições de sentido. É tomando a subjetividade como um processo, como a forma como os indivíduos na sua relação com um determinado jogo de verdades, se constituem como sujeitos de uma conduta moral, que podemos pensar que esta constituição apresenta pontos em comum e divergências inseridos em suas culturas em temporalidades variadas. A experiência vivida é significada de diferentes formas e segundo valores próprios à época, à geração, à classe, à etnia, às relações de gênero,etc. Como dizia Foucault a respeito da descontinuidade: Não se trata, bem entendido, nem da sucessão dos instantes do tempo, nem da pluralidade dos diversos sujeitos pensantes; trata-se de cesuras que rompem o instante e dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e de funções possíveis. Tal descontinuidade golpeia e invalida as menores unidades tradicionalmente reconhecidas ou as mais facilmente contestadas: o instante e o sujeito. E, por debaixo deles, independentemente deles, é preciso conceber entre essas séries descontínuas relações que não são da ordem da sucessão (ou da simultaneidade) em uma (ou várias) consciência. (2002, p. 58) A transformação de Juliana foi um processo que a comunidade escolar acompanhou, o que parece ter barrado de alguma forma o processo do total estranhamento, com o bizarro atribuído a esta transposição de fronteira. “Ah, eles queriam ver, os alunos vinham falar comigo assim... ( faz um gesto de espiar os peitos) Eles não olhavam para a minha cara, só olhavam os peitos. A curiosidade e aí começaram umas revelações das meninas, uma ou outra, assim: aí sôra sabe o que me aconteceu, eu fiquei com uma menina, são sei o que, sabe, começou, algumas, aquela que era um demônio, que mais incomodava na aula, vieram me relatar coisas que aconteceram e que aconteciam e coisas: aí, eu vou na parada gay, não sei o que, eu fiquei com um gurizinho que depois eu vi que não era um gurizinho que era uma guriazinha... Então foi bem assim sabe? Daí começou essas relações mais próximas e principalmente aqueles que tem uma... e vem a questão da sexualidade bem...forte...” (Juliana- professora) A escola no seu cotidiano foi conformando suas rotinas e códigos de maneira a incorporar este fenômeno, que na prática vai assumindo outro tom, não mais o do extraordinário.

88 “É que as gurias ali tratam: a professora Juliana, Juliana, ela (uma estagiária) entrou sala adentro perguntando se eu sou a professora Juliana, aí ficou observando a aula, o que acontece o que passa na mente dela eu não sei e até a Ana, que eu conheci no semestre passado e aí quando ela veio, chegou na aula disse que queria falar com o professor que aí tinha professor Júlio, no papel tava, aí eu disse: sou eu e ela: ah, tá! Ai depois... foi, né? Ela viu que os alunos me chamavam de professora Juliana, daí ela chegou para mim e disse: tu me desculpa eu não esperava, assim, então eu vou te chamar de Juliana. Então, tudo bem! Mas tem essas reações assim, claro! As pessoas não esperam que a professora Juliana na verdade não é a professora Juliana, mas enfim, né? É que tudo é estranho, na concepção das pessoas é estranho, uma travesti dentro da escola, para as pessoas é estranho.” (Juliana- professora) Juliana percebe a desacomodação que sua presença causa, sua história representa uma ruptura em várias expectativas, inclusive no “mundo” das travestis, onde ela também foge a um padrão de pertencimento, o que faz uma professora neste mundo? Quando uma pessoa transita, se desloca pelos lugares marcados surge o estranhamento: as travestis percebem Juliana como diferente, não está no registro do esperado para uma travesti, sua trajetória causa espanto e desconforto, o que faz uma travesti na escola? “ No nosso mundo também é , porque elas não admitem, cheguei a falar para ti, eu tenho um pouco desse lado do preconceito em relação às outras em função disso. Ah! Lá vem vindo a professorinha! Entendeu? Tem essa questão assim. A professora tem faculdade! É cheia! Exato! Te tratam assim...aí um dia, isso lá na Itália, chega uma amiga minha e diz: lá vem a professorinha com suas histórias. Tá, tu vai me pagar. Outro dia, falando, eu disse: olha querida, na Itália, no Brasil, com faculdade, sem faculdade é tudo a mesma sem-vergonhice! Eu disse bem assim. Aí ela...Então, as relações de promiscuidade são as mesmas, fui bem baixo nível, então tu fica lá no teu canto e eu fico no meu, não te metendo na minha...eu fico na minha, ponto final. Mas tem, essa coisa bem forte. Mas é uma coisa anormal. Dentro da normatividade é anormal.” (Juliana- professora) Esta é uma escola que aceita estagiários/as: “Sempre tem um que outro, a gente tenta ajudar, tem muitas escolas que não aceitam, e eles precisam fazer estágio, a gente podendo aceita.” Pude perceber a circulação na escola de vários estagiários e estagiárias, alunos/as de licenciatura realizando observações. Então, faz parte da rotina da escola ter “pessoas de fora” realizando atividades, a supervisora coloca que não houve casos de alguém desistir ou considerar a escola inadequada para sua prática, mas, por vezes surgem situações inusitadas:

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“É que as gurias ali tratam: a professora Julia<strong>na</strong>, Julia<strong>na</strong>, ela (uma estagiária) entrou<br />

sala a<strong>de</strong>ntro perguntando se eu sou a professora Julia<strong>na</strong>, aí ficou observando a aula, o<br />

que acontece o que passa <strong>na</strong> mente <strong>de</strong>la eu não sei e até a A<strong>na</strong>, que eu conheci no<br />

semestre passado e aí quando ela veio, chegou <strong>na</strong> aula disse que queria falar com o<br />

professor que aí tinha professor Júlio, no papel tava, aí eu disse: sou eu e ela: ah, tá! Ai<br />

<strong>de</strong>pois... foi, né? Ela viu que os alunos me chamavam <strong>de</strong> professora Julia<strong>na</strong>, daí ela<br />

chegou para mim e disse: tu me <strong>de</strong>sculpa eu não esperava, assim, então eu vou te<br />

chamar <strong>de</strong> Julia<strong>na</strong>. Então, tudo bem! Mas tem essas reações assim, claro! As pessoas<br />

não esperam que a professora Julia<strong>na</strong> <strong>na</strong> verda<strong>de</strong> não é a professora Julia<strong>na</strong>, mas<br />

enfim, né? É que tudo é estranho, <strong>na</strong> concepção das pessoas é estranho, uma travesti<br />

<strong>de</strong>ntro da <strong>escola</strong>, para as pessoas é estranho.” (Julia<strong>na</strong>- professora)<br />

Julia<strong>na</strong> percebe a <strong>de</strong>sacomodação que sua presença causa, sua história<br />

representa uma ruptura em várias expectativas, inclusive no “mundo” das travestis,<br />

on<strong>de</strong> ela também foge a um padrão <strong>de</strong> pertencimento, o que faz uma professora neste<br />

mundo? Quando uma pessoa transita, se <strong>de</strong>sloca pelos lugares marcados surge o<br />

estranhamento: as travestis percebem Julia<strong>na</strong> como diferente, não está no registro do<br />

esperado para uma travesti, sua trajetória causa espanto e <strong>de</strong>sconforto, o que faz uma<br />

travesti <strong>na</strong> <strong>escola</strong>?<br />

“ No nosso mundo também é , porque elas não admitem, cheguei a falar para ti, eu<br />

tenho um pouco <strong>de</strong>sse lado do preconceito em relação às outras em função disso. Ah!<br />

Lá vem vindo a professorinha! Enten<strong>de</strong>u? Tem essa questão assim. A professora tem<br />

faculda<strong>de</strong>! É cheia! Exato! Te tratam assim...aí um dia, isso lá <strong>na</strong> Itália, chega uma<br />

amiga minha e diz: lá vem a professorinha com suas histórias. Tá, tu vai me pagar.<br />

Outro dia, falando, eu disse: olha querida, <strong>na</strong> Itália, no Brasil, com faculda<strong>de</strong>, sem<br />

faculda<strong>de</strong> é tudo a mesma sem-vergonhice! Eu disse bem assim. Aí ela...Então, as<br />

relações <strong>de</strong> promiscuida<strong>de</strong> são as mesmas, fui bem baixo nível, então tu fica lá no teu<br />

canto e eu fico no meu, não te metendo <strong>na</strong> minha...eu fico <strong>na</strong> minha, ponto fi<strong>na</strong>l. Mas<br />

tem, essa coisa bem forte. Mas é uma coisa anormal. Dentro da normativida<strong>de</strong> é<br />

anormal.” (Julia<strong>na</strong>- professora)<br />

Esta é uma <strong>escola</strong> que aceita estagiários/as: “Sempre tem um que outro, a gente<br />

tenta ajudar, tem muitas <strong>escola</strong>s que não aceitam, e eles precisam fazer estágio, a<br />

gente po<strong>de</strong>ndo aceita.” Pu<strong>de</strong> perceber a circulação <strong>na</strong> <strong>escola</strong> <strong>de</strong> vários estagiários e<br />

estagiárias, alunos/as <strong>de</strong> licenciatura realizando observações. Então, faz parte da<br />

roti<strong>na</strong> da <strong>escola</strong> ter “pessoas <strong>de</strong> fora” realizando ativida<strong>de</strong>s, a supervisora coloca que<br />

não houve casos <strong>de</strong> alguém <strong>de</strong>sistir ou consi<strong>de</strong>rar a <strong>escola</strong> i<strong>na</strong><strong>de</strong>quada para sua<br />

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