A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ...

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20.02.2015 Views

33 para a vivência democrática e cidadã. O combate à discriminação é posto, neste século, como uma discussão de responsabilidade, também, das políticas educacionais. Vamos discutir neste capítulo o contexto do surgimento de alguns dos discursos que se atravessam nas propostas de intervenção na sexualidade direcionadas a educadores/as e jovens. A diversidade sexual se constituindo como um campo de intervenção, onde estas propostas refletem uma associação entre juventude, sexualidade e “problemas sociais”. É preciso destacar que este fato passa a ser visto como problema a partir do momento em que um conjunto de especialistas, um campo de saber, o considera como tal e passam a propor soluções para o mesmo. As propostas de resolução, da mesma forma que oferecem solução para conflitos, consolidam, reificam e ampliam as classificações coletivas que associam práticas a identidades e situações de vulnerabilidade a problemas sociais. Lembremos que as relações de poder são múltiplas e atravessam a produção do conhecimento, não havendo poder sem a constituição de um campo de saber (FOUCAULT, 1996). Os saberes são compreendidos como dispositivos políticos articulados com as estruturas sociais. Os efeitos de verdade não podem ser concebidos dissociados do poder e dos mecanismos de poder, visto que, como salienta Foucault (1999), esses mecanismos tanto tornam possíveis as produções de verdade, quanto essas têm efeitos de poder, entrelaçando-se, assim, verdade/poder, saber/poder. A organização jurídica e suas expressões: a Constituição, os decretos, as políticas públicas, etc, não são neutras, são resultado das tensões entre os distintos grupos de indivíduos de uma sociedade em um momento histórico. Cristalizadas em textos se constituem como ferramentas normalizadoras das ações humanas, como instrumentos de classificação e ordenação dessas mesmas ações, as quais se convertem em políticas de regulação social.

34 4.1 - A Educação Sexual A educação sexual no Brasil é tema de debates no meio educacional desde as primeiras décadas do século XX, reivindicada pelas feministas de um lado e pela política higienista de outro, esta principalmente buscando um gerenciamento da natalidade. No século XIX, com a consolidação da urbanização, o discurso que até então era predominantemente religioso é substituído 1 por um discurso médico, e a sexualidade vai ser tratada como caso de higiene e saúde. Nas primeiras décadas do século XX, a relação da medicina com a sexualidade se torna cada vez mais intensa, surgindo a sexologia como campo oficial do saber médico e, a partir de 1920, o mercado editorial é invadido por dezenas de livros de educação e orientação sexual. Os livros publicados neste período são expressões acentuadas do controle sobre a vida da população e das intenções eugenistas. A partir de concepções médicas e biológicas estruturadas numa ótica de julgamento e separação da sociedade, aparece uma intenção de não contaminação dos cidadãos pela falta de higiene dos mais pobres. O discurso higienista reforçava a idéia de que competia ao Estado a gerência sobre as regras de higiene e a conservação da saúde pública e, como conseqüência, a garantia da dignidade humana e o desenvolvimento econômico do país. Na I Conferência Nacional de Educação, em Curitiba, em 1927, na Tese nº 75 Intitulada: “O problema da educação sexual: importância eugênica, falsa compreensão e preconceitos”, o Dr. Renato Kehl recomenda a importância da educação sexual às crianças no período escolar. Ele julga que deve ser feita pelos pais e professores, sem muitos rodeios. Na escola, sugere que a educação sexual seja feita pelo professor de História Natural e que sejam separadas as meninas dos meninos, para que as lições possam ser adaptadas ao interesse dos respectivos sexos; considera que o sucesso deste ensino depende sempre do tato e habilidade do mestre. Neste momento não havia consenso entre educadores, médicos e juristas sobre quem seria responsável pela educação sexual da criança. Uns defendiam que deveria ser responsabilidade da 1 Substituir talvez seja um verbo forte, seria mais apropriado falar em algo da ordem de uma mudança de vetor, a qual é associada a um acoplamento e uma disputa. Podemos exemplificar esta disputa em torno da questão do aborto, da contracepção, da diversidade sexual, do ensino religioso, etc.

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4.1 - A Educação Sexual<br />

A educação <strong>sexual</strong> no Brasil é tema <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates no meio educacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />

primeiras décadas do século XX, reivindicada pelas feministas <strong>de</strong> um lado e pela<br />

política higienista <strong>de</strong> outro, esta principalmente buscando um gerenciamento da<br />

<strong>na</strong>talida<strong>de</strong>.<br />

No século XIX, com a consolidação da urbanização, o discurso que até então era<br />

predomi<strong>na</strong>ntemente religioso é substituído 1 por um discurso médico, e a <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong><br />

vai ser tratada como caso <strong>de</strong> higiene e saú<strong>de</strong>. Nas primeiras décadas do século XX, a<br />

relação da medici<strong>na</strong> com a <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong> se tor<strong>na</strong> cada vez mais intensa, surgindo a<br />

sexologia como campo oficial do saber médico e, a partir <strong>de</strong> 1920, o mercado editorial é<br />

invadido por <strong>de</strong>ze<strong>na</strong>s <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> educação e orientação <strong>sexual</strong>. Os livros publicados<br />

neste período são expressões acentuadas do controle sobre a vida da população e das<br />

intenções eugenistas. A partir <strong>de</strong> concepções médicas e biológicas estruturadas numa<br />

ótica <strong>de</strong> julgamento e separação da socieda<strong>de</strong>, aparece uma intenção <strong>de</strong> não<br />

contami<strong>na</strong>ção dos cidadãos pela falta <strong>de</strong> higiene dos mais pobres. O discurso higienista<br />

reforçava a idéia <strong>de</strong> que competia ao Estado a gerência sobre as regras <strong>de</strong> higiene e a<br />

conservação da saú<strong>de</strong> pública e, como conseqüência, a garantia da dignida<strong>de</strong> huma<strong>na</strong><br />

e o <strong>de</strong>senvolvimento econômico do país.<br />

Na I Conferência Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Educação, em Curitiba, em 1927, <strong>na</strong> Tese nº 75<br />

Intitulada: “O problema da educação <strong>sexual</strong>: importância eugênica, falsa compreensão<br />

e preconceitos”, o Dr. Re<strong>na</strong>to Kehl recomenda a importância da educação <strong>sexual</strong> às<br />

crianças no período <strong>escola</strong>r. Ele julga que <strong>de</strong>ve ser feita pelos pais e professores, sem<br />

muitos ro<strong>de</strong>ios. Na <strong>escola</strong>, sugere que a educação <strong>sexual</strong> seja feita pelo professor <strong>de</strong><br />

História Natural e que sejam separadas as meni<strong>na</strong>s dos meninos, para que as lições<br />

possam ser adaptadas ao interesse dos respectivos sexos; consi<strong>de</strong>ra que o sucesso<br />

<strong>de</strong>ste ensino <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> sempre do tato e habilida<strong>de</strong> do mestre. Neste momento não<br />

havia consenso entre educadores, médicos e juristas sobre quem seria responsável<br />

pela educação <strong>sexual</strong> da criança. Uns <strong>de</strong>fendiam que <strong>de</strong>veria ser responsabilida<strong>de</strong> da<br />

1 Substituir talvez seja um verbo forte, seria mais apropriado falar em algo da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma mudança <strong>de</strong><br />

vetor, a qual é associada a um acoplamento e uma disputa. Po<strong>de</strong>mos exemplificar esta disputa em torno<br />

da questão do aborto, da contracepção, da <strong>diversida<strong>de</strong></strong> <strong>sexual</strong>, do ensino religioso, etc.

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