A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ...

A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ... A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ...

20.02.2015 Views

129 cristalizada e naturalizada, a qual possibilita poucas estratégias para os indivíduos que nela habitam. A construção destas identidades fica estabilizada a partir de posições como de : não ser, ser menos, ser mais, indefinidas e, até, perversas. O professor da escola municipal que: “não soube trabalhar com a orientação que aquele aluno estava construindo” mostrou seu desconforto por este aluno não se definir: beijava meninas, mas tinha namorado... Se não há uma subjetividade transcendental com valores universais válidos para qualquer tempo e lugar, se não há uma constituição psíquica que valha para qualquer época, as regras transmitidas nas relações entre professores/as e alunos/as na escola também se modificam. Se as regras se reconfiguram, mudam as formas de sujeição, e as formas de transgressão originam outras leituras, é possível um deslizamento das dinâmicas dos processos de subjetivação. Os processos de exclusão se apresentam gerados na dinâmica do funcionamento do econômico, do político e do social, tendo desdobramentos específicos nos campos da educação, das políticas sociais, bem como no plano da etnia, da identidade e da sexualidade. Como problematiza Adriana Viana: Como podemos pensar a confluência desses vários sujeitos que estão imbricados no sujeito dos direitos humanos que surge a partir do pós-guerra? Como podemos pensar as novas normatizações produzidas nesse contexto? Se, por um lado, há todo um discurso pelo direito à singularidade, à liberdade, à privacidade, à diferença, isso não suspende, muito pelo contrário, a promoção de novas normatizações. Mas qual é o deslocamento, até mesmo a moral, que pode estar sendo operado no jogo dessa produção dos novos sujeitos? Se existe, nesse movimento, uma ação pelo reconhecimento de uma certa diferença “normal”, onde estão os novos anormais? Quais são esses novos anormais que estão sendo produzidos? Até para que, por espelhamento, se esteja construindo o lugar de direito dessa diferença, desses novos sujeitos. (ADRIANA VIANA, 2003, p. 24) Ainda que possamos perceber uma heterogeneidade de discursos, ainda que a idéia da igualdade entre os sexos/sexualidades se tenha colocado em discussão em alguns momentos do cotidiano escolar, a visão sobre as posições respectivas dos homens e das mulheres quanto às questões da sexualidade, da parentalidade e da família, os juízos de valor sobre seus comportamentos seguem orientados pela heteronormatividade. A repercussão do PBSH nas escolas que pesquisamos se deu de maneira diferenciada. Na escola municipal, a maioria dos/as professores/as não tinha

130 conhecimento do programa, não havia nenhum envolvimento institucional em relação às propostas desenvolvidas por este programa, apesar de existirem na escola educadoras comprometidas com este tema. Como coloca a supervisora: “Fica tudo a nível individual, tem muito material, mas é daquela professora, ela não socializa, os cursos não são socializados.” Uma professora da escola trabalha com o tema da travestilidade, fora da escola, mas isto não se reflete em seu trabalho pedagógico e a professora Marisa que teve a experiência de ser orientadora sexual procura parcerias para discutir estes temas também fora da escola. Estas ações/atitudes individualizadas produzem, no que foi possível compreender durante o trabalho de campo, uma repercussão muito restrita do trabalho destas educadoras no contexto da escola e como modificação de comportamentos. A escola estadual tem um processo diferenciado das outras escolas, foi a única escola da rede estadual, das que tiveram profissionais nas formações da ong Somos, que construiu e implementou um projeto pedagógico em sua escola. Isto parece estar relacionada à presença da professora Juliana na escola, mas também de um comprometimento assumido pelas professoras do SOE e da supervisão pedagógica, que se apropriaram dos debates e puderam levar a frente uma discussão com o apoio da direção da escola. Quanto ao fato das outras escolas não darem continuidade ao trabalho a supervisora Janice considera: “Eu acho que por falta de conhecimento, primeiro momento, por isso que eu digo não sei se todos aproveitaram...claro, alguma coisa sim, mas, aceitaram talvez a idéia, mas não sei se mudaram a estrutura, como é que estas pessoas que participaram se colocam no grupo deles, a nossa situação aqui eu acho que ela é um pouquinho diferenciada, porque a Nádia tem uma visão positiva da situação e eu também e nós duas conversamos e a gente se apóia e encontra um jeito interessante de colocar no grupo, não foi uma coisa forçada, tem que fazer, é obrigado, nós vamos discutir a vontade, porque fizemos o curso, os colegas impuseram, é isso e pronto.” O fato da equipe diretiva ter assumido institucionalmente o tema da diversidade sexual e referendado a legitimidade da permanência da professora Juliana foi determinante para o processo na escola. Percebe-se que estas educadoras avaliam que sua postura pode não ser apoiada pela mantenedora, mas consideram importante e se propõem a manter sua posição. Elas não escondem suas discordâncias com o tom

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cristalizada e <strong>na</strong>turalizada, a qual possibilita poucas estratégias para os indivíduos que<br />

nela habitam. A construção <strong>de</strong>stas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s fica estabilizada a partir <strong>de</strong> posições<br />

como <strong>de</strong> : não ser, ser menos, ser mais, in<strong>de</strong>finidas e, até, perversas. O professor da<br />

<strong>escola</strong> municipal que: “não soube trabalhar com a orientação que aquele aluno estava<br />

construindo” mostrou seu <strong>de</strong>sconforto por este aluno não se <strong>de</strong>finir: beijava meni<strong>na</strong>s,<br />

mas tinha <strong>na</strong>morado...<br />

Se não há uma subjetivida<strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>ntal com valores universais válidos para<br />

qualquer tempo e lugar, se não há uma constituição psíquica que valha para qualquer<br />

época, as regras transmitidas <strong>na</strong>s relações entre professores/as e alunos/as <strong>na</strong> <strong>escola</strong><br />

também se modificam. Se as regras se reconfiguram, mudam as formas <strong>de</strong> sujeição, e<br />

as formas <strong>de</strong> transgressão origi<strong>na</strong>m outras leituras, é possível um <strong>de</strong>slizamento das<br />

dinâmicas dos processos <strong>de</strong> subjetivação.<br />

Os processos <strong>de</strong> exclusão se apresentam gerados <strong>na</strong> dinâmica do funcio<strong>na</strong>mento<br />

do econômico, do político e do social, tendo <strong>de</strong>sdobramentos específicos nos campos<br />

da educação, das políticas sociais, bem como no plano da etnia, da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e da<br />

<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>. Como problematiza Adria<strong>na</strong> Via<strong>na</strong>:<br />

Como po<strong>de</strong>mos pensar a confluência <strong>de</strong>sses vários sujeitos que estão imbricados no sujeito<br />

dos direitos humanos que surge a partir do pós-guerra? Como po<strong>de</strong>mos pensar as novas<br />

normatizações produzidas nesse contexto? Se, por um lado, há todo um discurso pelo direito<br />

à singularida<strong>de</strong>, à liberda<strong>de</strong>, à privacida<strong>de</strong>, à diferença, isso não suspen<strong>de</strong>, muito pelo<br />

contrário, a promoção <strong>de</strong> novas normatizações. Mas qual é o <strong>de</strong>slocamento, até mesmo a<br />

moral, que po<strong>de</strong> estar sendo operado no jogo <strong>de</strong>ssa <strong>produção</strong> dos novos sujeitos? Se existe,<br />

nesse movimento, uma ação pelo reconhecimento <strong>de</strong> uma certa diferença “normal”, on<strong>de</strong><br />

estão os novos anormais? Quais são esses novos anormais que estão sendo produzidos?<br />

Até para que, por espelhamento, se esteja construindo o lugar <strong>de</strong> direito <strong>de</strong>ssa diferença,<br />

<strong>de</strong>sses novos sujeitos. (ADRIANA VIANA, 2003, p. 24)<br />

Ainda que possamos perceber uma heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discursos, ainda que a<br />

idéia da igualda<strong>de</strong> entre os sexos/<strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>s se tenha colocado em discussão em<br />

alguns momentos do cotidiano <strong>escola</strong>r, a visão sobre as posições respectivas dos<br />

homens e das mulheres quanto às questões da <strong>sexual</strong>ida<strong>de</strong>, da parentalida<strong>de</strong> e da<br />

família, os juízos <strong>de</strong> valor sobre seus comportamentos seguem orientados pela<br />

heteronormativida<strong>de</strong>.<br />

A repercussão do PBSH <strong>na</strong>s <strong>escola</strong>s que pesquisamos se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> maneira<br />

diferenciada. Na <strong>escola</strong> municipal, a maioria dos/as professores/as não tinha

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