A diversidade sexual na escola: produção de subjetividade e ...
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123 8 - Considerações Finais O movimento de educação inclusiva, que está sendo proposto com a estratégia dos direitos humanos, no Brasil, tem legitimidade legal: a todos/as se deve garantir o direito à escolarização. E observamos que estes argumentos conseguem se instalar, porém deslizam com facilidade para uma prática onde o sujeito que é o alvo das políticas de inclusão se constitui a partir de características negativas a ele atribuídas. Esta marca negativa é acompanhada de um assistencialismo, o qual é sempre presente, não só com relação à diversidade sexual, mas no que tange à hierarquia de classe e etnia. Não é construída uma mesma subjetividade para todas as pessoas, está instituída uma lógica que capacita, e descapacita determinadas subjetividades, através da inscrição de diferentes regras de participação e ação. Os sistemas de reconhecimento geram a normalidade através da qual os indivíduos devem ver, agir e avaliar a si próprios como pessoas razoáveis e normais. Percebemos nas práticas do cotidiano das escolas que há um lugar bem marcado para o outro, a lógica usada é sempre a que se remete a um referencial: o ideal, o que deveria ser, o esperado – a heteronormatividade. Quando se fala em inclusão está implícita a carência, a desvantagem, o desvio, o indivíduo que necessita desta intervenção do processo inclusivo. Vários discursos são utilizados para entender, fazer uma leitura daquele diferente, ocorrendo um processo de mantê-lo afastado, tendo como base um estranhamento e a conseqüente valorização daquele que aceita e acolhe. As justificativas da intervenção estatal vão no sentido de proteção e colocam a população alvo em uma situação desqualificada e vitimizada: em risco, em vulnerabilidade. A experiência da escola estadual se mostra distinta no sentido em que a convivência desestrutura alguns lugares estabelecidos e, ao mesmo tempo, mostra dinâmicas que se perpetuam com as novas acomodações. A norma se mostra instalada: é o referencial a que todos vão se reportar, a heteronormatividade atinge a todos e todas, mesmo quando está sendo desacomodada e reclassificada. Juliana provoca desacomodação entre suas iguais, no “mundo das travestis” ela é vista com outros olhos: uma professora destoa do ambiente, não é o esperado, causa mal-estar.
124 Neste sentido, ela também não encaixa no lugar de objeto de políticas públicas direcionadas ao segmento das travestis, onde se vinculam, geralmente, o tema da prostituição e baixa escolaridade. Juliana não cumpre com esta expectativa e confronta também a subjetividade de suas iguais. Isto se apresenta em seus relatos: “...outro dia o José que é um menino terrível da oitava série: - sôra, esses dias eu passei lá na Farrapos 26 e vi tuas colegas. Eu desci na Farrapos e vi tuas colegas.” “Agora, não porque eu fiz faculdade ou fiz pós-graduação, ou o raio que o parta, que eu... eu tive os mesmos problemas que elas, sempre tive...” “Eu tava atravessando ali embaixo do viaduto, vindo para a escola e tinha uma ali, toda mal ajeitada, mal vestida, as unhas sujas, sem fazer, ela me pediu dinheiro eu tava de costas e quando me virei, ela ficou pasma! Pegou o dinheiro e ficou me olhando...Perguntou se eu era travesti. Sou!” A experiência da proximidade é fundamental quando se trata de possíveis rupturas, é neste momento que o diferente sai da posição de estrangeiro, está próximo, como coloca a professora Janice: “Claro, porque tem que chegar essa hora que tem que ver que é minha amiga, minha colega.” Porém só a proximidade não possibilita o deslizamento da demarcação de lugares, pois como colocaram as professoras da escola estadual: sempre se soube de homossexuais na escola, tiveram alunos travestis e transgêneros, mas sua presença não garantiu uma visibilidade ou legitimidade. No Brasil, este momento em particular permite que se olhe com mais proximidade para o outro, ele está mais próximo no sentido que está adquirindo uma maior visibilidade geral na sociedade, ele pode ser visto. A temática da diversidade sexual tem adquirido visibilidade na mídia, nos locais públicos e nas ações públicas. As conquistas jurídicas têm contribuído de uma maneira central para uma modificação do olhar dirigido a estes outros: “no mínimo tem que respeitar...” A professora Juliana da escola estadual provoca com sua presença uma desnaturalização de comportamentos e uma desconstrução de verdades na medida que sua postura e reivindicações são do âmbito dos direitos de cidadania e ela está em um lugar onde estão inscritas marcas de um poder outorgado ao cargo de professora. Na instituição ela está exercendo o cargo de professora, o qual reveste de prerrogativas 26 Avenida central de Porto Alegre conhecida como local onde há prostituição, especialmente de travestis.
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O movimento <strong>de</strong> educação inclusiva, que está sendo proposto com a estratégia<br />
dos direitos humanos, no Brasil, tem legitimida<strong>de</strong> legal: a todos/as se <strong>de</strong>ve garantir o<br />
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porém <strong>de</strong>slizam com facilida<strong>de</strong> para uma prática on<strong>de</strong> o sujeito que é o alvo das<br />
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Esta marca negativa é acompanhada <strong>de</strong> um assistencialismo, o qual é sempre<br />
presente, não só com relação à <strong>diversida<strong>de</strong></strong> <strong>sexual</strong>, mas no que tange à hierarquia <strong>de</strong><br />
classe e etnia. Não é construída uma mesma subjetivida<strong>de</strong> para todas as pessoas, está<br />
instituída uma lógica que capacita, e <strong>de</strong>scapacita <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das subjetivida<strong>de</strong>s, através<br />
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reconhecimento geram a normalida<strong>de</strong> através da qual os indivíduos <strong>de</strong>vem ver, agir e<br />
avaliar a si próprios como pessoas razoáveis e normais.<br />
Percebemos <strong>na</strong>s práticas do cotidiano das <strong>escola</strong>s que há um lugar bem<br />
marcado para o outro, a lógica usada é sempre a que se remete a um referencial: o<br />
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fazer uma leitura daquele diferente, ocorrendo um processo <strong>de</strong> mantê-lo afastado,<br />
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acolhe. As justificativas da intervenção estatal vão no sentido <strong>de</strong> proteção e colocam a<br />
população alvo em uma situação <strong>de</strong>squalificada e vitimizada: em risco, em<br />
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A experiência da <strong>escola</strong> estadual se mostra distinta no sentido em que a<br />
convivência <strong>de</strong>sestrutura alguns lugares estabelecidos e, ao mesmo tempo, mostra<br />
dinâmicas que se perpetuam com as novas acomodações. A norma se mostra<br />
instalada: é o referencial a que todos vão se reportar, a heteronormativida<strong>de</strong> atinge a<br />
todos e todas, mesmo quando está sendo <strong>de</strong>sacomodada e reclassificada. Julia<strong>na</strong><br />
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