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imaginar que alguém vivesse disso, ou estudasse o assunto com tanta profundidade.<br />
Mãos à obra. Fui contratado, tinha que me virar. Primeira conclusão óbvia: eu<br />
não estava realizando uma narrativa oral, eu estava realizando um filme. Graças a<br />
Deus! Isso muda tudo. Era um filme sobre a narrativa oral, mas era um filme, com<br />
suas regras próprias da cinegrafia, seus códigos e truques. Ah sim, não acreditem os<br />
contadores que nós do cinema, só porque não temos o recurso presencial simultâneo<br />
– o que permite ao ator teatral ou ao contador sentir a plateia e assim utilizar interjeições,<br />
mis-en-scènes, improvisações, olhares e até (e por que não) modificar a história<br />
– não somos capazes de manipular (no bom sentido, né gente) o nosso público.<br />
Senti-lo e com ele interagir.<br />
O meu primeiro privilégio enquanto diretor é justamente o de ser o espectador<br />
número um do meu trabalho. Enquanto estou editando o filme, eu sou também<br />
plateia. Gente, não esqueçamos que o meu objeto é totalmente diferente do de um<br />
narrador oral. A minha matéria-prima são o tempo, as imagens e os sons que eu<br />
produzo. Imagens captadas por uma câmera, onde eu escolho o enquadramento, o<br />
que significa que são imagens descritivas mas também críticas da cena. É como se<br />
eu escrevesse um livro, onde eu leio e releio o quanto for necessário ou possível (há<br />
um fator econômico limitador envolvido no processo) a minha obra. Mas se a escrita<br />
é um ato individual (como conclui Boniface Ofogo) no filme Histórias, o cinema é<br />
uma experiência coletiva, o que o difere em muito da televisão, do computador, da<br />
leitura (se alguém lê em voz alta para uma plateia, o livro deixa de ser o veículo de<br />
interlocução, este papel cabe ao leitor, sendo o livro ali, sua matéria-prima). O cinema<br />
contém em si um processo ritualístico e também da oferta do mito. Uma plateia cinematográfica<br />
respira junto, criam-se laços de sintonia, onde, quando um ri, contagia<br />
os outros, é como num berçário, onde um bebê dispara o choro coletivo. A sala de<br />
cinema remete às fogueiras do passado, toda escura, as chamas bruxuleiam da tela,<br />
pra onde se voltam todas as atenções. Esse elemento é fundamental na compilação de<br />
um roteiro que vai pro cinema ou pra televisão. Nesta última, a atenção é disputada<br />
com a tensão do dedo sobre o controle remoto, o parente na cozinha, o vizinho na<br />
Paulo Siqueira<br />
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