09.02.2015 Views

o_19dm3aj1o1sup1j651bkj1drp13h6a.pdf

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

história de leituras oferece, textos autorais, poesias, crônicas e também as histórias<br />

da tradição oral que reencontramos nos livros. Afinal ler é sempre escutar uma voz.<br />

Ao escolher um texto para contar o narrador vira dono desta voz. Ele tem o dom de<br />

saber escutar e sentir os movimentos subjacentes ao texto. As leis da cena ajudam<br />

no processo artístico, administrando essas reverberações e as transformando em algo<br />

expressivo. A memória (e não só a memorização) age como cocriadora do texto que<br />

é incorporado pelo narrador. Assim o conto vira carne, sangue, gesto, olhar, escuta,<br />

suor, respiração; ou seja, corpo; e especialmente, voz, sua principal emanação.<br />

Essa conquista se deve à sua capacidade de ver e ouvir a sua audiência e se entregar<br />

para um jogo onde o público não é mero espectador e sim interlocutor, tudo isso sem<br />

perder o fio da história. Sua autoridade cênica é absoluta e vem do seu compromisso<br />

quase sagrado com o texto e com a sua transmissão.<br />

Um dos maiores encenadores e pensadores do teatro contemporâneo, Peter<br />

Brook, conta no livro A Porta Aberta suas experiências observando a prática dos contadores<br />

de histórias tradicionais da Índia, Irã e Afeganistão, que mantém vivos os<br />

mitos ancestrais. Com um misto de alegria e gravidade os velhos narradores não perdem<br />

nunca a relação com seus ouvintes, não para agradá-los, mas para partilhar com<br />

eles as qualidades sagradas do texto. Os grandes narradores nunca perdem o contato<br />

com a grandeza do mito que estão fazendo viver: “Tem um ouvido voltado para o seu<br />

interior e outro para fora.” Assim Brook sintetiza a maior lição dos velhos narradores:<br />

estar em dois mundos ao mesmo tempo.<br />

O narrador artístico sabe transitar por esses dois mundos e sabe também que<br />

ele é responsável por criar um terceiro mundo, imaginário. O espaço de construção<br />

conjunta da história, espaço de comunhão com os indivíduos da plateia onde de fato<br />

toda ação do conto acontece. A terceira margem da cena.<br />

Um dos mais frequentes colaboradores de Peter Brook, o ator japonês Yoshi Oida<br />

(que traz na sua história a prática do gidaiyu, tradicional estilo de narração que tem<br />

seu lugar nas encenações do teatro Kabuqui), conta em um de seus livros que certa vez<br />

um talentoso ator interpretou um gesto que no Kabuqui indica “Olhar para Lua”. Ao<br />

José Mauro Brant<br />

69

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!