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difícil tarefa de viver e conviver. A narrativa é dirigida ao olhar do outro, é frontal. O<br />
contador entrega, oferece um texto oral, uma ideia, uma imagem poética, e as pessoas<br />
a recebem como se fosse uma bola que é devolvida com reflexão, expressão e criação.<br />
Os contos da tradição oral vieram através dos tempos instigando os sonhos, colocando<br />
à prova seus personagens diante da vida e da morte, revelando e derrubando<br />
valores, descobrindo mistérios, sortilégios, desventuras, alegrias e esperanças, e nos<br />
falam desta grande experiência compartilhada por todos nós, que é a aventura de viver.<br />
É também compartilhada por Walter Benjamin e Ítalo Calvino a afirmação de que a<br />
característica principal das melhores narrativas é a de evitar explicações psicológicas<br />
para as situações contidas na história. A presença do maravilhoso e o elemento capaz<br />
de surpreender estão incrustados na natureza dos contos tradicionais e são eles que<br />
provocam encantamento e suscitam novas criações. O extraordinário e o miraculoso<br />
são narrados sem que o contexto psicológico seja imposto ao leitor ou ouvinte.<br />
A imagem mais contundente que traduz a força ancestral que têm as narrativas<br />
orais é cunhada por Benjamin:<br />
Uma história do antigo Egito ainda é capaz, depois de milênios, de suscitar espanto e<br />
reflexão. Ela se assemelha a essas sementes de trigo que durante milhares de anos ficaram<br />
fechadas hermeticamente nas câmaras das pirâmides e que conservam até hoje suas forças<br />
germinativas”. (BENJAMIN, 1994, p. 204).<br />
Há meio século minha própria história está imbricada com a arte narrativa: num<br />
primeiro e definitivo momento, como ouvinte de uma contadora, cantadeira e encantadora<br />
mãe, e num período seguinte e até hoje, como uma amante das palavras contadas<br />
e cantadas propagadas pela estrada afora. Braguinha criou, na década de 1950, ao<br />
adaptar a história de Chapeuzinho Vermelho de Charles Perrault em música e versos:<br />
“Pela estrada afora eu vou bem sozinha levar esses doces para a vovozinha...”. E desde<br />
então eu sigo cantando e contando.<br />
Mas eu não estou sozinha nesta estrada, onde as histórias são vaga-lumes que<br />
sina-lizam com poesia, mistério e sabedoria os caminhos de todas as gentes e contam,<br />
desde sempre, a história de nossa história no mundo. Muitos escritores, poetas, filóso-<br />
Bia Bedran<br />
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