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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />

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do caminho dei com Outra Praça, e dá-lhe gente em volta de uma figura que cantava,<br />

ao meu ver, de forma encantadora. Eu poderia muito bem fazer “ouvidos-de-tô-compressa”,<br />

passar, literalmente, ao largo da dita praça, mas, em vez disso, me vi atraído<br />

de tal maneira pelo entoo da Cantiga (era uma Cantiga de Roda em tom de peditório,<br />

acreditem), que pra lá fui levado a correr.<br />

Quando me dei conta, estava de cabeça, juízo e tudo, enfiado no meio daquela<br />

plateia que, mesmo compacta, me parecia uma imensidão humana, tamanha a simbologia<br />

do acontecido no meio daquele círculo de expressões atentas: Um Cego-Trovador.<br />

No impulso de quem tem a vivência de “rodar o chapéu, a cada função, perante o<br />

respeitável público (no meu caso, rodo sempre o Folheto de Literatura de Cordel), fiz<br />

zunir uma moeda no ar, que tilintou no miolo de um chapéu, que figurava no Centro<br />

da Roda. No boca a boca de todos ali presentes, ouvi um “Viva! Viva a moeda da<br />

sorte, que de longe acertou a boca do ganha-pão...”. Num gesto-meio-passe-de-mágica,<br />

o cego fez calar o vozerio e suspendeu a cantoria. Cada um ali em volta fazia vez de<br />

quem tinha uma história pra contar. Vendo no Cego uma História Viva em Pessoa,<br />

não hesitei em dimensionar a importância do que ali chamei – lá entre meus botões<br />

e pensamento – Teatro de Circunstância: aconteceu, virou diálogo. E um diálogo<br />

comecei – meio prosa, meio verso –, perguntando como o Cego se chamava:<br />

“Deusnumdé”! Respondeu ele. “Deus num quê”! Saiu a exclamação, num coro<br />

de muitas vozes. “Deus num deu olhos pra ver, mas deu o dom da visão”. O Cego<br />

assim respondeu, em tom de improvisação. Em torno ouviu-se o estalar de mãos,<br />

como se a praça inteira o aplaudisse de pé. No Centro da Roda – boca para o céu virada<br />

– o chapéu num instante havia multiplicado os valores. Levado por certo encantamento,<br />

no Cego quase me encostei. Olhando em seus olhos, vi que o Cego “me via<br />

por dentro”. Situação de um sonho enriquecedor, da qual eu dou testemunho: ele era<br />

eu, eu era ele e a Roda já era Outra. Um Mar de Encantaria fez vulto em meu pensamento.<br />

E na Cadência do Verso de DeusNumDé tive a prova: o danado do Cego em<br />

seu Universo Popular, nos abre os olhos para o lugar que ocupa, muitas vezes invisível,<br />

nesta Ciranda de Histórias, no dia a dia a rodar...

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