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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />
32<br />
Sou índio, sou branco, sou negro.<br />
Eu sou brasileiro.<br />
Portanto, as diferenças culturais devem ser reconhecidas e, não, ignoradas, ou<br />
alvo de discriminação.<br />
O negro brasileiro, cujos ancestrais foram trazidos a ferro e fogo do continente<br />
africano, amontoados nos porões dos navios tumbeiros, trouxeram com eles um de<br />
seus bens mais preciosos, que ninguém lhes tiraria: as suas histórias.<br />
E nesse “baú fabuloso” vieram os contos, lendas e fábulas transmitidas de pais<br />
para filhos, há várias gerações.<br />
Um dos aspectos mais relevantes da cultura oral africana talvez seja a maneira<br />
como os contadores interpretam as histórias usando apenas o corpo, os gestos e a voz<br />
para cativar os ouvintes. Esses mestres da palavra, verdadeiras “bibliotecas vivas”, que<br />
mantêm um elo entre o presente e o passado, persistem até hoje.<br />
A presença de personagens negras contadoras de histórias é marcante na obra<br />
de vários escritores brasileiros. José Lins do Rego em Menino de engenho, descreve em<br />
detalhes uma delas, que nunca se apagou de sua memória:<br />
A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada.<br />
Ela vivia de contar histórias... Que talento ela possuía para contar suas histórias, com<br />
um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens! Sem nem um dente na boca, e<br />
com uma voz que dava todos os tons às palavras.... A velha Totonha era uma grande artista<br />
para dramatizar.... Tinha uma memória de prodígio”<br />
Já Viriato Corrêa, em Cazuza, evoca outra dessas contadoras geniais:<br />
Vovó Candinha é outra figura que nunca se apagou de minha recordação.... É que ninguém<br />
no mundo contava melhor histórias de fadas do que ela. Devia ter seus setenta anos: rija,<br />
gorda, preta, bem preta e a cabeça branca como algodão em pasta... Não sei se é impressão<br />
de meninice, mas a verdade é que, até hoje, não encontrei ninguém que tivesse mais jeito<br />
para contar histórias infantis...<br />
Monteiro Lobato, em Histórias de Tia Nastácia, emprega a voz de Pedrinho para<br />
exaltar uma de suas personagens mais conhecidas e que tem sido alvo de tantas<br />
polêmicas e releituras: