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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />

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única, que permeasse todo o espetáculo. No começo da construção do espetáculo<br />

“Contos indígenas”, eu e André Masseno, diretor do trabalho, utilizamos fotografias<br />

de pessoas dos povos abordados em ações físicas cotidianas. Reproduzimos estas<br />

ações num treinamento corporal, codificadas em partituras físicas, que depois foram<br />

devidamente esquecidas. Posteriormente, na composição das narrativas propriamente<br />

ditas, os gestos e movimentos foram reaparecendo. E o corpo encontrado se refletiu<br />

também na sonoridade. Aprendi palavras e cantos das etnias cujas histórias escolhi<br />

em sua língua original, aprendi sons que os indígenas fazem em seu cotidiano – e, aos<br />

poucos, codifiquei um modo diferenciado de abordar o som nas narrativas.<br />

E qual é a importância de contar mitos indígenas hoje Sabemos que as narrativas<br />

míticas ajudam a compreender uma sociedade, trazendo sua visão sobre a ordem do<br />

mundo, suas regras de convívio – o que não só fortalece seu sentido de grupo, como<br />

carrega a sua memória. As histórias também preparam os indígenas para rituais de<br />

passagem. Trazem a conexão entre mundo material e espiritual e falam de um encantamento<br />

que pode nos conectar novamente com a magia da vida gerando uma nova<br />

compreensão de nossa existência através de uma ancestralidade viva. Gosto muito de<br />

Joseph Campbell quando ele diz que os mitos “...ensinam a se voltar para dentro...” e<br />

“...nos permitem uma leitura das mensagens que o mundo nos emite”. As narrativas<br />

indígenas podem, portanto, nos conectar para “além da internet” e gerar uma real<br />

ligação com o outro e com a sociedade.<br />

Sabemos que os mitos se referem a questões arquetípicas, tratando de símbolos<br />

que acessam emoções e imagens simbólicas que constituem a condição humana – o<br />

que nos leva a pensar que somos todos iguais! O africano Amadou Hampátê Bâ disse<br />

– referindo-se à tradição dos mitos de iniciação peuls – que “Um conto é um espelho<br />

onde qualquer um pode descobrir a sua própria imagem.” 3<br />

Por outro lado, o mito traz um caráter específico da cultura a que pertence – ou<br />

seja, trata da identidade de um povo; aquilo que o faz único – o que sugere que somos<br />

todos diferentes! Acredito que esta dicotomia presente nas narrativas míticas é que<br />

pode gerar reflexões que nos levem a ter maior tolerância com a diversidade cultural e<br />

3. Amadou Hampátê Ba foi escritor, historiador, poeta e contador de histórias nascido no Mali; um grande defensor da<br />

tradição oral africana.

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