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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />
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Divido com você “que me escuta” algumas reflexões após 11 anos de trabalho com<br />
a cultura indígena brasileira.<br />
Meu primeiro passo foi perceber que não há uma cultura indígena no Brasil, mas<br />
muitas, já que há grandes diferenças entre o modo de vida das etnias encontradas<br />
em nosso território. Como sugeriu Lévi-Strauss, para que haja uma compreensão dos<br />
mitos indígenas o melhor é entendê-los em seus próprios termos, ou seja, compreendendo<br />
o pensamento de quem os produz 2 .<br />
Fui buscar então maiores informações sobre as etnias e mitos que escolhi. Procurei<br />
referências que indicassem a que rituais se referiam, a que se destinavam e com<br />
que finalidade. Dois deles preparavam os jovens para a iniciação ritual que marcava<br />
sua passagem para a vida adulta. Esta pesquisa foi fundamental para guiar algumas<br />
escolhas na construção do trabalho.<br />
Citarei um exemplo. No mito kaxinawá “O menino e a flauta” conto a origem da<br />
flauta wairu, que apenas aos homens é permitido ver. Como na historia o menino e<br />
seu pai escutam o som da flauta, poderia ter sido o meu primeiro impulso usar uma<br />
flauta durante a narração. Com a pesquisa compreendi que, se a história trata exatamente<br />
da flauta wairu como um tabu para as mulheres, nada mais coerente do que eu,<br />
como mulher, não usar o instrumento na contação. Resolvi a questão reproduzindo<br />
o som da música ritual com minha voz. Mais que preciosismo, para mim este é um<br />
exemplo claro de como a pesquisa é importante no respeito às tradições do povo cuja<br />
história desejamos apresentar.<br />
Durante o longo período em que coletei versões dos mitos, encontrei muitas diferenças<br />
nas adaptações. Achei preciosidades como a coleção Morená, da escritora e<br />
ilustradora Ciça Fittipaldi, cujas versões uso no espetáculo.<br />
As narrativas dos mitos nos chegam normalmente em livros de antropólogos, escritores<br />
e pesquisadores que conviveram com povos indígenas. Há casos em que são narradas<br />
em português pelos indígenas – onde costumam se perder detalhes importantes<br />
em função das histórias não serem recolhidas na língua de origem do narrador. Há<br />
casos também em que os mitos são gravados ou escritos na língua indígena, e, posteri-<br />
2. Claude Lévi-Strauss revolucionou a antropologia através do estruturalismo, com importantes estudos sobre a análise<br />
de ritos e mitos