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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />

26<br />

Divido com você “que me escuta” algumas reflexões após 11 anos de trabalho com<br />

a cultura indígena brasileira.<br />

Meu primeiro passo foi perceber que não há uma cultura indígena no Brasil, mas<br />

muitas, já que há grandes diferenças entre o modo de vida das etnias encontradas<br />

em nosso território. Como sugeriu Lévi-Strauss, para que haja uma compreensão dos<br />

mitos indígenas o melhor é entendê-los em seus próprios termos, ou seja, compreendendo<br />

o pensamento de quem os produz 2 .<br />

Fui buscar então maiores informações sobre as etnias e mitos que escolhi. Procurei<br />

referências que indicassem a que rituais se referiam, a que se destinavam e com<br />

que finalidade. Dois deles preparavam os jovens para a iniciação ritual que marcava<br />

sua passagem para a vida adulta. Esta pesquisa foi fundamental para guiar algumas<br />

escolhas na construção do trabalho.<br />

Citarei um exemplo. No mito kaxinawá “O menino e a flauta” conto a origem da<br />

flauta wairu, que apenas aos homens é permitido ver. Como na historia o menino e<br />

seu pai escutam o som da flauta, poderia ter sido o meu primeiro impulso usar uma<br />

flauta durante a narração. Com a pesquisa compreendi que, se a história trata exatamente<br />

da flauta wairu como um tabu para as mulheres, nada mais coerente do que eu,<br />

como mulher, não usar o instrumento na contação. Resolvi a questão reproduzindo<br />

o som da música ritual com minha voz. Mais que preciosismo, para mim este é um<br />

exemplo claro de como a pesquisa é importante no respeito às tradições do povo cuja<br />

história desejamos apresentar.<br />

Durante o longo período em que coletei versões dos mitos, encontrei muitas diferenças<br />

nas adaptações. Achei preciosidades como a coleção Morená, da escritora e<br />

ilustradora Ciça Fittipaldi, cujas versões uso no espetáculo.<br />

As narrativas dos mitos nos chegam normalmente em livros de antropólogos, escritores<br />

e pesquisadores que conviveram com povos indígenas. Há casos em que são narradas<br />

em português pelos indígenas – onde costumam se perder detalhes importantes<br />

em função das histórias não serem recolhidas na língua de origem do narrador. Há<br />

casos também em que os mitos são gravados ou escritos na língua indígena, e, posteri-<br />

2. Claude Lévi-Strauss revolucionou a antropologia através do estruturalismo, com importantes estudos sobre a análise<br />

de ritos e mitos

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