09.02.2015 Views

o_19dm3aj1o1sup1j651bkj1drp13h6a.pdf

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />

218<br />

ligada ao contexto da oralidade. Na verdade, relato oral e escrito se entrelaçam e retroalimentam:<br />

“a linguagem conduz da boca para a página e vice-versa, e a ‘oratura’, ou<br />

a literatura oral, no Ocidente não existiu de modo isolado desde os tempos homéricos”<br />

(Marina Warner). Às duas categorias de narradores postuladas e associadas por<br />

Walter Benjamin – a do camponês sedentário, que recolhe o saber do passado, e a do<br />

marinheiro comerciante, que traz o saber das terras distantes –, Marina Warner acrescenta<br />

a da fiandeira, “mulher madura com sua roca”, que se tornou “ícone genérico<br />

da narrativa nas capas de coleções de fadas a partir de Charles Perrault”.<br />

A esta linhagem pertencem também D. Benta e Tia Nastácia (Monteiro Lobato),<br />

inseparáveis repositórios do saber erudito e popular, respectivamente. Outra figura<br />

que remete às maternais contadoras de histórias e também às antigas deusas da fecundidade<br />

é a mulher de saia imensa, toda cheia de bolsos, que canta e conta histórias,<br />

“espiando papeizinhos, como que lê a sorte de soslaio”: “dos bolsos vai tirando<br />

papeizinhos, um por um, e em cada papelzinho há uma boa história para ser contada,<br />

de fundação e fundamento, e em cada história há gente que quer tornar a viver por<br />

arte de bruxaria. E assim ela vai ressuscitando os esquecidos e os mortos; e das profundidades<br />

desta saia vão brotando as andanças e os amores do bicho humano, que<br />

vai vivendo, que dizendo vai” (Eduardo Galeano).<br />

Contadores conhecem bem o seu ofício e, não raro, também escrevem lindamente.<br />

O contador – afirma Galeano – é alguém prenhe, “grávido de gente. Gente que sai<br />

por seus poros. Assim mostram, em figuras de barro, os índios do Novo México: o<br />

narrador, o que conta a memória, coletiva, está todo brotado de pessoinhas”. Cada<br />

contador – lembra Clarissa – sabe que “contar ou ouvir histórias deriva da energia<br />

de uma altíssima coluna de seres humanos interligados através do tempo e do espaço,<br />

sofisticadamente trajados com farrapos, mantos ou com a nudez da sua época, e repletos<br />

a ponto de transbordarem de vida ainda sendo viva. Se existe uma única fonte das<br />

histórias e um espírito das histórias, ela está nessa longa corrente de seres humanos”.<br />

Narrar, tecer, curar. Walter Benjamin, no artigo “Narrar e curar”, a propósito<br />

da extraordinária força de cura das mãos e da voz de uma mulher que contava histó-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!