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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes 210 rosa de acolhimento, desde que não tomemos como nosso o direito de julgar, determinar normas de vida, enfim, prescrever um estilo de vida para o outro. Temos que saber que quem conta sua história quer, antes de tudo, ser ouvido e compreendido. Só, mais nada. Só assim, penso eu, poderemos entender o que o outro está falando, na visão do outro, claro. Não adianta, neste caso, avaliarmos ou emitirmos qualquer julgamento, principalmente de valores. Importa sim, entender o outro. Não se trata de uma história arquetípica, ou que leve a uma reflexão ética, ou que nos traga uma mensagem que nos obrigue a pensar. Não é destas histórias que eu falo, pois estas devem ser contadas por profissionais experientes no ofício de contar histórias, por atores, atrizes, bailarinos e músicos, afinal as histórias não precisam ser contadas apenas oralmente. Falo não destas histórias, mas de outra: das histórias que são contadas por aqueles que vivenciam experiências durante sua existência e com elas constroem suas vidas. Pelo tipo de trabalho que executo, ouvir histórias faz parte do cotidiano e se aprende na faculdade – até hoje me lembro da aula sobre anamnese, estava no terceiro ano da faculdade — a “obter uma história” sempre a partir da anamnese que nada mais é do que uma investigação oral sobre os sintomas que o paciente nos relata. Assim, com determinados sintomas relatados, algumas perguntas feitas, bem objetivas, para algumas caracterizações, temos uma história clinica que, com alguns exames solicitados, vão permitir um diagnóstico e tratamento adequados. Não é da história clínica que eu falo, afinal esta é uma história guiada pelo médico, mas da história daquela pessoa que está ali com aqueles sintomas os quais, em si, falam da doença, mas não do doente. Para que eu possa ouvir e entender aquela pessoa sentada à minha frente, o relato tem que ser outro, acompanhado de sintomas clínicos muitas vezes, mas estes isoladamente são insuficientes para que eu possa lidar com o indivíduo que sente a dor. Diversas foram e são as histórias que ouvi. Dos mais diversos tipos de pessoas. Coisas que ouvi, as quais numa situação normal gerariam, inclusive, reações fortes, mas o papel de médico homeopata nos coloca de tal forma isento, visto que o mais importante no momento da consulta é a possibilidade de se entender o que o paci-
ente nos relata e a maneira pela qual, peculiarmente, ela a vivencia. Busca-se identificar, nestes casos, a emoção que acompanha uma atitude. A intencionalidade emotiva da ação faz transparecer uma particularidade que mostra a identificação daquele ser: a sua essência. Certa vez ouvi dizer que ninguém é de todo mau nem de todo bom. Claro, não podemos pensar no ser humano de forma maniqueísta, afinal o bom e o mau existem em todos nós. Só somos bons porque conhecemos valores que são maus. Isso aparece no paciente e o homeopata consegue perceber isso pelos conceitos que aprende de homem, doença e cura. Uma paciente, um dia, me contou: “... me despedi do meu marido e saí, esqueci um documento e precisei voltar para casa e o ouvi ao telefone, pelo papo, desconfiei e não deu outra: ele tinha uma amante. Me descontrolei, estou neste estado que você vê. A forma como ele falou de mim para a outra me destruiu. Segui a mulher, cheguei a bater na casa dela, mas graças a Deus não havia ninguém em casa. Não sei o que eu faria. Entretanto, tenho que confessar: eu já o traí, com um amigo dele. Mas não suporto a ideia de ter sido traída por ele. Sei que estou sendo injusta, eu também já fiz isso, mas não consigo fazer diferente”. Este é apenas um trecho do que ouvi da história de uma mulher asmática. A asma, em si, me diria o quê O que eu poderia fazer por uma pessoa com asma, além dos medicamentos específicos para o quadro A asma, neste caso, é uma história, mas incompleta. Uma outra história mais ilustrativa disso se refere a uma paciente que me disse: “... tenho medo de mudanças, acabo deixando as coisas ficarem como estão, mesmo que não me agradem, mesmo que eu não esteja feliz, tenho medo de mudanças pois sempre acho que será para pior, não consigo me imaginar promovendo uma mudança na minha vida, mesmo pensando que seria para melhor e acabar sendo para pior, então fico nessa situação tão ruim tanto no trabalho quanto em casa”. Neste caso, o que a paciente apresentava era um quadro de mialgia, que se concentrava nas pernas. Pelas dores, era impedida de executar alguns movimentos, ou pelo menos os dificultava. Há um nexo entre o quadro emocional com o clínico, pois, para quem não consegue fazer movimentos de mudanças em sua vida, mesmo quando está infeliz, Conrado Mariano 211
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rosa de acolhimento, desde que não tomemos como nosso o direito de julgar, determinar<br />
normas de vida, enfim, prescrever um estilo de vida para o outro. Temos que<br />
saber que quem conta sua história quer, antes de tudo, ser ouvido e compreendido.<br />
Só, mais nada. Só assim, penso eu, poderemos entender o que o outro está falando,<br />
na visão do outro, claro. Não adianta, neste caso, avaliarmos ou emitirmos qualquer<br />
julgamento, principalmente de valores. Importa sim, entender o outro. Não se trata<br />
de uma história arquetípica, ou que leve a uma reflexão ética, ou que nos traga uma<br />
mensagem que nos obrigue a pensar. Não é destas histórias que eu falo, pois estas<br />
devem ser contadas por profissionais experientes no ofício de contar histórias, por<br />
atores, atrizes, bailarinos e músicos, afinal as histórias não precisam ser contadas apenas<br />
oralmente. Falo não destas histórias, mas de outra: das histórias que são contadas<br />
por aqueles que vivenciam experiências durante sua existência e com elas constroem<br />
suas vidas.<br />
Pelo tipo de trabalho que executo, ouvir histórias faz parte do cotidiano e se aprende<br />
na faculdade – até hoje me lembro da aula sobre anamnese, estava no terceiro ano<br />
da faculdade — a “obter uma história” sempre a partir da anamnese que nada mais é<br />
do que uma investigação oral sobre os sintomas que o paciente nos relata. Assim, com<br />
determinados sintomas relatados, algumas perguntas feitas, bem objetivas, para algumas<br />
caracterizações, temos uma história clinica que, com alguns exames solicitados,<br />
vão permitir um diagnóstico e tratamento adequados. Não é da história clínica que eu<br />
falo, afinal esta é uma história guiada pelo médico, mas da história daquela pessoa que<br />
está ali com aqueles sintomas os quais, em si, falam da doença, mas não do doente.<br />
Para que eu possa ouvir e entender aquela pessoa sentada à minha frente, o relato<br />
tem que ser outro, acompanhado de sintomas clínicos muitas vezes, mas estes isoladamente<br />
são insuficientes para que eu possa lidar com o indivíduo que sente a dor.<br />
Diversas foram e são as histórias que ouvi. Dos mais diversos tipos de pessoas.<br />
Coisas que ouvi, as quais numa situação normal gerariam, inclusive, reações fortes,<br />
mas o papel de médico homeopata nos coloca de tal forma isento, visto que o mais<br />
importante no momento da consulta é a possibilidade de se entender o que o paci-