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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />
204<br />
Certa vez, contava ele, estava viajando no rio Mearim com um grupo de caçadores,<br />
quando avistaram um bando de macacos-prego numa árvore grande, perto da<br />
margem do rio. Um dos homens fez menção de apontar a arma para o bando. Imediatamente,<br />
uma das fêmeas mostrou para o grupo de caçadores o filhotinho que carregava<br />
às costas, como se dissesse: “não me matem, que tenho meu filhinho pra criar”.<br />
Esta história me marcou profundamente e creio que ela se mantém viva dentro<br />
de mim até hoje na compaixão e ternura que sinto pelos animais silvestres ou<br />
domésticos. Uma pequena história, na narrativa de um bom contador, é capaz de<br />
acompanhar e orientar um sentimento, contribuir decisivamente para uma formação<br />
ética e humanista.<br />
O ofício de contar histórias é um brinquedo mágico, misterioso e infinito. O<br />
contador de histórias desenha um caminho que vai dar no coração de quem o escuta.<br />
Se a tua Cigarra, contador, prenuncia a chuva ou se embriaga de néctar e jasmim,<br />
não importa. Se o coração do ouvinte, criança, adulto ou velho, não se hipnotiza<br />
por tua história é porque carece do sopro que acende a chama antiga feita de alma e<br />
paixão. Eros e Psique.<br />
Nenhuma narrativa, mito, causo, lenda, estória, resiste se não se atualiza dentro<br />
de quem escuta ou lê.<br />
Escutei mais de uma vez, de uma moça que trabalhava na casa dos meus pais, uma<br />
história de sereia que nunca esqueci. A Sereia, contava Teresa, se banhava nas águas<br />
de um poço, no quintal de sua casa, em Caxias no Maranhão.<br />
Não era mãe d’água de um grande rio ou do alto-mar. Ela apenas se banhava no<br />
poço e cantava na lua cheia com seus negros cabelos e nudez.<br />
Cada casa do interior do mundo tem um poço com mãe d’água.<br />
E cada sereia tem o sonho de um menino a visitar.<br />
Muitos anos depois leria histórias de um poeta cego que falava de sereias e de<br />
homens que tinham de ser amarrados aos mastros dos navios para não serem arrastados<br />
por elas ao fundo do mar. Alguns dizem que o tal do poeta não existiu. Talvez seja<br />
a mistura de muitos poetas que caminhavam pelo mundo contando histórias.