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[Cristiano Mota Mendes]<br />
Nasci num tempo e lugar onde contar histórias era tão comum quanto apanhar<br />
manga madura em árvore ou caída na terra. Assim como frutos maduros jogavam<br />
no ar seus cheiros, atraindo crianças e pássaros, as histórias contadas pelos mais velhos<br />
nos atraíam para viagens no maravilhoso da imaginação.<br />
Minha mãe e meu pai eram contadores de histórias de estilos bem diferentes.<br />
Benzinho, minha mãe, era eclética e sedutora em suas narrativas, que podiam<br />
começar em alguma versão ibérica de um conto de fadas e desembocar no Axixá,<br />
litoral maranhense. Eram histórias e estórias misturadas aos personagens da família<br />
e às toadas de bumba-meu-boi. Esta deliciosa transgressão das estórias tradicionais<br />
em apropriação particular, íntima, povoou minha infância e meu interesse vida afora<br />
pelas coisas que se mestiçam.<br />
Benzinho era cantora e adorava cantar, imprimia às suas narrativas, quase sempre,<br />
comentários musicais, a tal ponto que música e história se invadiam e vadiavam livremente<br />
sem nenhum compromisso com os limites normais dos significados. Não é à<br />
toa que eu e um dos meus irmãos, Ronaldo, nos tornamos músicos.<br />
Já seu Raimundo, nosso pai, fazia mais a linha cartesiana, com começo, meio e fim.<br />
Seus contares falavam quase sempre de bichos, rios e pássaros, índios do Pindaré,<br />
de Barra-do-Corda. Seu Mundoca, como ele era conhecido no interior do Maranhão,<br />
por onde vivia viajando, era um ambientalista romântico, andarilho, apaixonado por<br />
sua terra. Trabalhou no antigo SPI, Serviço de Proteção ao Índio, precursor da Funai,<br />
como seu pai, irmãos, primos e sobrinhos.<br />
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