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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />

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diversa de me dirigir ao público. Escolhi as palavras sopradas do coração.<br />

Súbito silêncio. E eu, tão afeita a silêncios meditativos, gostaria de assim permanecer.<br />

Procurar uma comunicação outra, cinestésica, sensorial, perceptiva, quando<br />

ondas calorosas e coloridas se comunicariam umas com as outras. E um turbilhão de<br />

auras tomaria a sala, deslizando livres e expressivas, comunicando os estados emocionais<br />

mais escondidos na alma. Todos os sentimentos se revelariam. Um mar de luzes<br />

interagindo, se harmonizando, se fundindo... Até que uma voz perguntou:<br />

Vai começar<br />

Imaginei o barulhento: Começa! Começa! Começa!<br />

Abri o livro. Recebi o vento da folha (de) no rosto. Minhas mãos deslizaram pela<br />

página. Eu queria tocar as palavras, mas palavra de vidente é chata, amassada, comprimida.<br />

Minhas letras não são de arquiteto, afeitas ao carinho da pele. Desejei a textura<br />

do A, me aproximar do G, tocar o Q. As palavras não estão ao alcance de minhas<br />

mãos: tenho dedos que não leem. Elas se dão aos meus olhos, vejo-as. Queria tatuar<br />

em minha pele um poema de Pessoa em relevo.<br />

As palavras inanimadas do livro tomaram a forma dos estados de alma propostos<br />

pelo autor. Busquei um contato com a plateia através dos sons que emitia. As palavras<br />

saíam de minha garganta e meus lábios como pedaços de ideias tridimensionais.<br />

Assim, iam sendo transportadas e arquivadas na lembrança dos ouvintes. Eram pedaços<br />

imateriais a repercutir no espírito daqueles que me emprestavam os ouvidos.<br />

Minha voz queria ir ao encontro do outro, aniquilar nossas solidões, fazer unas<br />

as dores, angústias, paixões, alegrias. Minha voz articulada em palavras criava pontes<br />

unificadoras e humanas.<br />

Contar histórias para pessoas cegas abriu minha imaginação, porque precisei lidar<br />

com uma realidade completamente diferente da minha. Fez com que eu saísse de<br />

minha condição de quem enxerga para compreender o que era ser e estar no mundo<br />

sem poder ver o pôr do sol ou sem enxergar o rosto do homem amado.<br />

No contato com esta realidade pude compreender a escassez de livros disponíveis<br />

para os cegos e eu, tão afeita à literatura, decidi trabalhar, criando um acervo de livros

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