o_19dm3aj1o1sup1j651bkj1drp13h6a.pdf
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />
186<br />
mitem olhar e outros que nos ensinam a olhar. Olhar a cultura, o sujeito, a língua. A<br />
experiência, e aqui com referência à experiência de uma língua visual, é aquilo que<br />
“nos passa, que nos acontece, o que nos toca”. A experiência que estamos referindo<br />
considera “aquilo que nos acontece, nos sucede” 1 .<br />
Fui paulatinamente me aproximando das histórias que são contadas em Libras<br />
através das mãos que contam histórias. No entanto, esse contato ocorreu após alguns<br />
anos de convívio com a comunidade surda. Como professora de português, meu<br />
olhar esteve muito centrado em ensinar português. Ao me aproximar da comunidade<br />
de surdos, conviver com amigos surdos e ler textos relacionados às experiências de<br />
vida de pessoas surdas, tanto em narrativas sinalizadas quanto em textos acadêmicos,<br />
encontrei outras possibilidades de diálogo, de trocas, de aprendizados. Aprendi, por<br />
exemplo, com Miranda (2001), pesquisador surdo, que a escrita na língua portuguesa<br />
continua sendo a camisa de força que limita e conforma o saber à capacidade de<br />
decifração gráfica. Muitos dos programas de educação fracassam, também porque<br />
parte-se do princípio de que a língua portuguesa deve ser igual para todos. E esses<br />
todos são pessoas tratadas como monolíngues, assexuadas, sem história ou idade, sem<br />
raça, sem emprego, sem desejos. O apagamento da diferença linguística e cultural<br />
tem historicamente posicionado o surdo como ‘deficiente linguístico’, prevalecendo o<br />
acento em uma tradição que rejeita a existência de uma pluralidade de manifestações<br />
linguísticas.<br />
Presenciamos cenas em que não se reconhece a situação bilíngue do surdo e se<br />
rejeita de forma intolerante qualquer manifestação linguística diferente. Diante de<br />
tais cenas, uma das maiores contribuições que contadores de histórias, pesquisadores<br />
e educadores de surdos podem prestar hoje é varrer a ilusão da “deficiência linguística”<br />
e trazer para o cenário outras histórias, outras imagens, outras narrativas, outras<br />
traduções, outras línguas, outros olhares.<br />
Apesar de mudanças significativas na legislação e de iniciativas de algumas instituições,<br />
o fato é que, há muito tempo, temos por parte dos surdos uma luta histórica<br />
tentando fazer valer a diferença linguística e cultural que lhes é devida, não somente<br />
1. (Larrosa 2002, p. 24)