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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />

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mitem olhar e outros que nos ensinam a olhar. Olhar a cultura, o sujeito, a língua. A<br />

experiência, e aqui com referência à experiência de uma língua visual, é aquilo que<br />

“nos passa, que nos acontece, o que nos toca”. A experiência que estamos referindo<br />

considera “aquilo que nos acontece, nos sucede” 1 .<br />

Fui paulatinamente me aproximando das histórias que são contadas em Libras<br />

através das mãos que contam histórias. No entanto, esse contato ocorreu após alguns<br />

anos de convívio com a comunidade surda. Como professora de português, meu<br />

olhar esteve muito centrado em ensinar português. Ao me aproximar da comunidade<br />

de surdos, conviver com amigos surdos e ler textos relacionados às experiências de<br />

vida de pessoas surdas, tanto em narrativas sinalizadas quanto em textos acadêmicos,<br />

encontrei outras possibilidades de diálogo, de trocas, de aprendizados. Aprendi, por<br />

exemplo, com Miranda (2001), pesquisador surdo, que a escrita na língua portuguesa<br />

continua sendo a camisa de força que limita e conforma o saber à capacidade de<br />

decifração gráfica. Muitos dos programas de educação fracassam, também porque<br />

parte-se do princípio de que a língua portuguesa deve ser igual para todos. E esses<br />

todos são pessoas tratadas como monolíngues, assexuadas, sem história ou idade, sem<br />

raça, sem emprego, sem desejos. O apagamento da diferença linguística e cultural<br />

tem historicamente posicionado o surdo como ‘deficiente linguístico’, prevalecendo o<br />

acento em uma tradição que rejeita a existência de uma pluralidade de manifestações<br />

linguísticas.<br />

Presenciamos cenas em que não se reconhece a situação bilíngue do surdo e se<br />

rejeita de forma intolerante qualquer manifestação linguística diferente. Diante de<br />

tais cenas, uma das maiores contribuições que contadores de histórias, pesquisadores<br />

e educadores de surdos podem prestar hoje é varrer a ilusão da “deficiência linguística”<br />

e trazer para o cenário outras histórias, outras imagens, outras narrativas, outras<br />

traduções, outras línguas, outros olhares.<br />

Apesar de mudanças significativas na legislação e de iniciativas de algumas instituições,<br />

o fato é que, há muito tempo, temos por parte dos surdos uma luta histórica<br />

tentando fazer valer a diferença linguística e cultural que lhes é devida, não somente<br />

1. (Larrosa 2002, p. 24)

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