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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />
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prática e o bem-estar individual. A integração de um indivíduo mais equilibrado com o<br />
mundo ao seu redor é um dos efeitos que se destaca a partir do diálogo com os contos.<br />
Um presidiário é duplamente condenado. Primeiro pela Justiça e, nesse caso,<br />
cumpre pena pelos seus próprios delitos praticados. Não é o caso de, aqui, entrar<br />
nesse mérito. Quanto à segunda condenação, sim. A segunda condenação de um<br />
presidiário é pela linguagem. Esta o aprisiona num estado de pouca mobilidade, pois,<br />
muitas vezes, é pobre em imagens e vazia de sentidos; e, ainda que não o seja, a<br />
repetição incessante de um mesmo “trecho” da própria história – esse que o levou à<br />
condição de presidiário – tende a fixá-lo num estranho curriculum repetido como uma<br />
litania que, aos poucos, o caracteriza como lenda viva, que fascina e atrai a curiosidade<br />
mórbida em seu entorno.<br />
Muitos podem sugerir que a superpopulação carcerária, as condições deficientes<br />
de trabalho dos presos ou o ócio completo, a falta de higiene, a promiscuidade sexual,<br />
a assistência psicológica deficiente ou inexistente e problemas como corrupção e violência<br />
são fatores que precisam ser enfrentados prioritariamente. E estão certos. É<br />
preciso uma conjugação de forças, trabalho e método a fim de que se obtenha o ambiente<br />
propício para o plantio de sementes como, por exemplo, iniciativas no campo da<br />
arte-educação. No caso, as sementes das histórias. Mas é bom lembrar que, no Brasil<br />
ou em qualquer lugar do mundo, nem sempre podemos contar com as condições<br />
ideais para começar um empreendimento. Às vezes, é preciso simplesmente começar.<br />
Muito cedo aprendi que nada nessa vida vem de graça, tudo é fruto de esforço e muito<br />
trabalho, como dizia minha mãe. Também meu avô, com sua sabedoria de matuto,<br />
ensinava a evitar os atalhos nos longos caminhos a percorrer na construção dos sonhos:<br />
se atalho fosse bom, não existiriam os arredores, dizia, entre uma baforada e outra do<br />
cigarrinho de palha. Aprendi, mais tarde, que Gaston Bachelard lhes daria razão ao<br />
afirmar, na sua obra O direito de sonhar, que nada é dado, tudo é construído. Se é assim,<br />
tudo é possível, até transformar presidiários em cativantes contadores de histórias.<br />
Por que não