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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />
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narração de histórias, sempre na última quinta-feira do mês, no melhor estilo Mushkil<br />
Gusha (se você ainda não conhece a história de Mushkil Gusha, não perca tempo,<br />
existem versões na internet). Durante os dez anos em que o projeto foi realizado nos<br />
auditórios daquela instituição, fizemos dois concursos, que revelaram novos talentos<br />
da arte narrativa e que resultaram em dois livros: Uma história para contar (2004) e<br />
Histórias que ouvi, histórias que vivi: o lado inusitado e pitoresco da Justiça Mineira (2005).<br />
O Conto Sete em Ponto hoje é realizado também em Ouro Preto e, em Belo Horizonte,<br />
os espetáculos acontecem mensalmente no Palácio das Artes.<br />
Os contos tradicionais e a literatura escrita, por possuírem ensinamentos que<br />
ultrapassaram séculos e regiões do mundo inteiro, têm o poder de nos apontar<br />
direções, de produzir insights e de nos despertar de um longo sono. Alguns têm verdadeiro<br />
poder de cura e parecem chegar na hora certa para nos auxiliar em momentos<br />
de escolhas difíceis, mudanças de fases de vida e início de novos projetos. Além do<br />
mais, uma roda de histórias é sempre uma diversão e um momento de religação com<br />
o que temos de mais humano: nossa capacidade de nos percebermos como seres em<br />
movimento; partes de um elo ancestral que nos une e nos lembra de nossa verdadeira<br />
identidade. Em um mundo cheio de padrões e modelos a seguir e a consumir (roupas,<br />
comida, música, modo de vida etc.), as histórias nos ajudam a nos lembrar quem<br />
somos, de onde viemos e para onde vamos. Nesse trajeto, sem dúvida, estaremos mais<br />
seguros se acompanhados de uma boa história.<br />
Em setembro de 2004, recebi uma carta inusitada. O Juiz da Vara de Execuções<br />
Penais de Itaúna, Dr. Paulo Antônio de Carvalho, que conhecia o meu trabalho com<br />
a arte de contar histórias, convidou-me a ministrar oficinas semanais de contos para<br />
os presos da APAC de Itaúna — MG (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados).<br />
Arrematou o convite com um verso de Cecília Meireles: “Não faças de ti um<br />
sonho a realizar. Vai”. Confesso que dúvidas e medos me cercaram. Estaria pronta<br />
para a tarefa Senti que chegava a hora de experimentar o poder da palavra do contador<br />
de histórias no espaço da coerção, da punição, da privação da liberdade: a prisão.<br />
Lembrei-me da situação carcerária no Brasil, que, diga-se de passagem, é ampla-