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E se os contos nos encantam tanto, nos inspiram tanto e neles nos reconhecemos<br />
tanto, é porque eles trazem expressas em metáforas as nossas necessidades primordiais<br />
de aprender com a vida, de viver as suas aventuras, e o fio da história vem como um<br />
rio, nos carregando na sua correnteza para dentro dela, e estar em uma enfermaria<br />
de hospital, definitivamente, não nos impede de nada. Porque através da partilha da<br />
palavra neste cenário montado entre Contador, criança, história e hospital, o Contador<br />
que também escuta a história da criança busca dosificar (e também dulcificar)<br />
a carga pesada de suas histórias humanas, a aproximação com a morte, com o medo,<br />
com a solidão, com a dúvida, com a dor. É diferente de fingir que elas não existem,<br />
atenção! Mas é tentar buscar um equilíbrio, subjetivo, claro, sem receitas, entre toda<br />
a mazela emocional que a aflige e a promessa de felicidade perpétua que encerra as<br />
histórias literárias. E assim, as histórias acabam por às vezes ajudar a curar, n’outras a<br />
aliviar e n’outras ainda a consolar crianças e pais em situação de longo internamento.<br />
Os pais se aproximam mais dos filhos, e o diálogo flui mais transparente, brando, feito<br />
água de nascente. E cada vez mais os pais escolhem participar e partilhar histórias<br />
ouvidas, vividas e inventadas.<br />
Porque cada vez mais as pessoas buscam voltar ao tempo deste contato perdido,<br />
de partilhar o olhar, o gesto terno, a graça, a verdade das palavras. E o Contador de<br />
Histórias ganha força neste cenário, porque, para além da história que amortece o<br />
correr dos batimentos cardíacos, amacia a velocidade da pressão arterial, ele, o Contador,<br />
oferece no hospital este ambiente de possibilidades. Traz um viver feliz para<br />
sempre provável e a cada encontro, perpetua esta probabilidade. E acreditar nesta<br />
possibilidade de cura pode inverter muitos papéis de doenças. Porque esta crença<br />
acaricia a autoestima, passa um bálsamo na imunidade, elevando os números das<br />
defesas orgânicas. Fisiologicamente as histórias mexem conosco também. Elas entram<br />
pelos nossos poros, pelos nossos olhos, pelas janelas da nossa alma e se alojam ali,<br />
lá dentro, no sótão do nosso coração e a gente sabe que o sangue que passa, carrega<br />
tudo, inclusive os sonhos de cura que as histórias plantam lá naquele cantinho tão<br />
‘desavistado’ dentro de nós.<br />
...<br />
Kika Freyre<br />
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