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09.02.2015 Views

Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes 160 mente, numa entidade externa, se alojam com tensões e complacências, nos sentimentos e afetos do oprimido, subjugando-o. De toda forma, para romper essa submissão, não pode ser dispensado nem o desejo de liberdade, nem as condições concretas de libertação, que precisam ser criadas e mobilizadas. Por isso, Paulo Freire valorizou a educação para a liberdade, como um exercício de autonomia, sempre inconcluso, em que os oprimidos se apropriam da vida, do mundo, para refazê-lo. Esses novos tipos de movimentos sociais, mesmo sob silenciamentos e suspeitas acadêmicas, foram construindo outras formas de ações políticas, intensificando solidariedades em circuitos crescentes, capilarizando-se e encontrando-se com aqueles até então banidos da fruição dos bens materiais e imateriais que a sociedade vinha produzindo. O avanço do capitalismo com suas forças necrófilas, foi derrubando fronteiras (como entre as Alemanhas) para reduzir a criação de mundos possíveis, proclamando a urgência de sofisticar, globalizando um mundo único; mundo que as políticas neoconservadoras e neoliberais pretendem infligir a tudo e a todos, como o Império irrecusável. Mas o preço da participação nesse império é não somente alto, muito alto, mas impagável, pois atinge de muitos modos a vida, o planeta, os corpos, enfim, toda uma múltipla realidade, enredando-os em relações agenciadoras em que nem faltam coerções cruéis e explícitas, nem tão pouco manipulações sutis e sedutoras. Assim, apesar das cadeias relacionais que se instalam e se apresentam como redes inescapáveis, emerge desse cerceamento formas múltiplas de afirmações de vida que vão instituindo fagulhas com que se constroem possibilidades de outros mundos mais solidários, em que as multiplicidades se dispersam e confluem diferindo e singularizando sujeitos coletivos e individuais, pelas interdependências entre objetos e sujeitos, rompendo com as formas de organização binária da vida (Lazaratto, 2006). Portanto, escapando de concepções e práticas endurecidas pela imutabilidade das utopias, Negri e Hardt (2001) vão ressignificar a concepção e a prática de multidão, tomando-a como resistência, multiplicidade e potência, atualizando-a pela apropriação dos circuitos cibernéticos.

É bom observar o comportamento das multidões em suas iniciativas que tomam celulares para mobilização social que se dispersa, atuando de modo livre, mas confluindo na causa comum de defesa da vida, da liberdade. Por isso, valorizam a pluralidade dos sujeitos e instrumentos reinventando, em sintonia com nosso tempo, militâncias interativas. Vale concluir lembrando a analogia que Negri (2001) faz entre as multidões e Francisco de Assis: “(...) encontramo-nos na situação de Francisco, propondo contra a miséria do poder a alegria do ser. Esta é a revolução que nenhum poder controlará”. Para minha mãe Alice e minha irmã Anna Maria que, em meio a labirintos, me fizeram encontrar movimentos sociais, que se recriam e com os quais me reinvento sem parar. Leituras Inspiradoras u Estado de exceção. Giorgio Agamben. Boitempo, 2004. u Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Walter Benjamin. Brasiliense, 1993. u Identidade: a face oculta dos novos movimentos sociais. Tilman Evers. In: Revista Novos Estudos CEBRAP, vol.2, nº 4, Abril de 1984. u Microfísica do poder. Michel Foucault. Organização e Tradução de Roberto Machado. Edições Graal, 1984. u Educação como prática da liberdade. Paulo Freire. Paz e Terra, 1992. u Império. Michael Hardt & Antonio Negri. Record, 2001. u As revoluções do capitalismo. Maurizio Lazzarato. Civilização Brasileira, 2006. u Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-80. Eder Sader. Paz e Terra, 1988. Célia Linhares 161

Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes<br />

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mente, numa entidade externa, se alojam com tensões e complacências, nos sentimentos<br />

e afetos do oprimido, subjugando-o.<br />

De toda forma, para romper essa submissão, não pode ser dispensado nem o<br />

desejo de liberdade, nem as condições concretas de libertação, que precisam ser criadas<br />

e mobilizadas. Por isso, Paulo Freire valorizou a educação para a liberdade, como<br />

um exercício de autonomia, sempre inconcluso, em que os oprimidos se apropriam<br />

da vida, do mundo, para refazê-lo.<br />

Esses novos tipos de movimentos sociais, mesmo sob silenciamentos e suspeitas<br />

acadêmicas, foram construindo outras formas de ações políticas, intensificando solidariedades<br />

em circuitos crescentes, capilarizando-se e encontrando-se com aqueles até então<br />

banidos da fruição dos bens materiais e imateriais que a sociedade vinha produzindo.<br />

O avanço do capitalismo com suas forças necrófilas, foi derrubando fronteiras<br />

(como entre as Alemanhas) para reduzir a criação de mundos possíveis, proclamando a<br />

urgência de sofisticar, globalizando um mundo único; mundo que as políticas neoconservadoras<br />

e neoliberais pretendem infligir a tudo e a todos, como o Império irrecusável.<br />

Mas o preço da participação nesse império é não somente alto, muito alto, mas<br />

impagável, pois atinge de muitos modos a vida, o planeta, os corpos, enfim, toda uma<br />

múltipla realidade, enredando-os em relações agenciadoras em que nem faltam coerções<br />

cruéis e explícitas, nem tão pouco manipulações sutis e sedutoras.<br />

Assim, apesar das cadeias relacionais que se instalam e se apresentam como redes<br />

inescapáveis, emerge desse cerceamento formas múltiplas de afirmações de vida que<br />

vão instituindo fagulhas com que se constroem possibilidades de outros mundos mais<br />

solidários, em que as multiplicidades se dispersam e confluem diferindo e singularizando<br />

sujeitos coletivos e individuais, pelas interdependências entre objetos e sujeitos,<br />

rompendo com as formas de organização binária da vida (Lazaratto, 2006).<br />

Portanto, escapando de concepções e práticas endurecidas pela imutabilidade das<br />

utopias, Negri e Hardt (2001) vão ressignificar a concepção e a prática de multidão,<br />

tomando-a como resistência, multiplicidade e potência, atualizando-a pela apropriação<br />

dos circuitos cibernéticos.

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