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tecnológica, em que o cinema, a TV, a internet e os novos suportes ocupam espaços<br />
imensos no nosso cotidiano. Isto sucede numa sociedade que, segundo alguns, rejubilando-se<br />
de cultuar a imagem, desprezaria a oralidade como se ela fosse um suporte<br />
primitivo e ultrapassado. Nesse sentido, assim como nos últimos cem anos alardearam<br />
tantas mortes em nossa cultura – morte do autor, morte da arte, morte do homem, etc.<br />
– seria de se esperar que tivesse ocorrido a “morte” da arte de contar estórias.<br />
Não ocorreu. Ocorreu o contrário.<br />
Anotemos que uma das falácias de nosso tempo, seduzido pela visualidade, foi<br />
dizer que uma imagem vale mais que mil palavras. Será Ou se poderia dizer o contrário:<br />
uma metáfora, um hai-kai, uma estória valem mais que mil imagens De qualquer<br />
forma, são afirmativas radicais que não ajudam muito a entender a riqueza do<br />
nosso contexto cultural.<br />
Penso, para efeito de raciocínio, nuns exemplos concretos, dentro da própria arte da<br />
visualidade: o cinema, por exemplo. Poderia citar o caso de um filme nacional, Narradores<br />
de Javé, de Eliane Caffé: aí toda uma comunidade recorre à narração para salvar-se<br />
do naufrágio no tempo e espaço, quando uma projetada represa expandisse suas águas<br />
sobre as casas da comunidade. A estória, a narratividade e a memória passaram a ser<br />
a barragem imaginária contra a destruição, a ilha de salvação do imaginário humano.<br />
A filmografia sobre o valor das estórias orais tornou-se mais rica nos últimos tempos.<br />
E isto é sintomático do que estou dizendo. Penso num outro filme: Balzac e a costureirinha<br />
chinesa, tirado do romance homônimo de Dai Sigie. De novo estão o cinema<br />
e o romance nos dizendo da importância da narrativa oral. Mais do que isto, dentro<br />
deste filme/romance há algo fascinante: uma personagem confessa gostar mais da narrativa<br />
de um determinado filme do que do filme propriamente dito. Eis o cinema prestando<br />
homenagem à contação de estórias como uma predecessora da arte de narrar. E<br />
assim poderíamos lembrar mais um filme, A camareira do Titanic, película que repousa<br />
sobre a inventiva capacidade de um personagem de ir incrementando sua estória falsa<br />
& verdadeira e assim aumentando cada vez mais sua plateia até transformar a sua<br />
estória num espetáculo à parte.<br />
Affonso Romano de Sant’Anna<br />
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