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Contadores de Histórias: um exercício para muitas vozes 116 Meu pai tocava piano e tínhamos uma conexão pela música. Não me esqueço de estar sentada em seu colo e ele me contando a história da suíte dos Pescadores de Dorival Caymmi. Ouvíamos o disco e ele explicava. Lembro-me da tristeza poética daquele momento quando descobri que o homem morria no mar. Tristeza boa de sentir. O pai de meu pai era o rei das histórias, só que com H maiúsculo. Era um grande historiador e contava para nós a história do nosso país. Mas não era de um jeito chato ou didático, nada disso! Aos domingos os netos reuniam-se na casa desses avós. Era uma casa de três andares. No último ficava a biblioteca do Vovô Meco. Tinha mais de não sei quantos mil livros. Uma delícia aquele cheiro! Meu avô mandava encadernar todos os livros e colocar o seu Ex Libris. Às vezes as histórias vinham no meio da conversa, às vezes na dúvida de algum primo que estava estudando determinado assunto. O vovô contava os episódios de nossa História como se tivesse participado de todos os fatos. Era um ótimo contador de histórias! Minha avó Gilda, mãe do meu pai, me ensinou a fazer crochê. Era muito carinhosa e seu talento eram os doces. Que eu adorava comer, mas fazer... Este já não era meu forte. Ela me apresentou Agatha Christie e seu indefectível Monsieur Hercule Poirot, de quem eu fiquei fã. Vovó tinha a coleção completa. Minha adolescência foi recheada desse tipo de literatura, adorava Arsène Lupin, um personagem tipo ladrão de casacas. Este foi meu pai que me apresentou. Em casa, almoçávamos e jantávamos quase sempre juntos e nesses momentos conversávamos bastante. Não havia TV na sala e tínhamos tempo de trocar ideias. Tornei-me uma boa leitora. Com nove anos elegi como meu preferido Os colegas, da Lygia Bojunga Nunes, que li nove vezes seguidas... Chegava ao fim, virava para a primeira página e começava de novo. (Coincidência os nove anos e as nove vezes...) Depois me apaixonei pela A fada que tinha idéias, da Fernanda Lopes de Almeida! Eu queria ser a Clara Luz! Meus pais sempre nos levaram para ver peças de teatro. Vi todas as montagens do Tablado, do Grupo Navegando, do Ilo Krugli... Fui aluna do Ilo aos sete anos, numa escola que ele tinha no Rio de Janeiro, chamada NAC (Núcleo de Artes Criativas),
depois, na minha adolescência, fui aluna da Maria Clara Machado, no Tablado. Já querendo fazer teatro como profissão. Meu mundo simbólico foi incessantemente alimentado e eu aproveitei cada gota disso. Hoje, quando dou aulas sobre “como contar histórias”, costumo conversar com os alunos e pergunto sobre suas experiências. Constato que é uma benção que de vez em quando falte energia elétrica, pois na maioria das vezes os depoimentos se referem às historias contadas nesses momentos. A família se reúne em volta de uma vela e pronto! Que maravilha! Conversam, contam fatos, histórias, memórias... Hoje são olhos grudados em telas. Muitas vezes constato também que as pessoas esquecem as referências do seu passado e quando começamos a conversar sobre as lembranças e as narrativas do passado... Rememoram e se emocionam. Às vezes têm um mundo simbólico enorme, cheio de experiências profundas, mas abandonam estas histórias, guardam-nas tão fechadas e tão escondidas que se esquecem que elas existem e de como são importantes para a construção do ser que somos. Com uma produção de livros infantis cada vez maior e mais rica nas livrarias, os pais às vezes se contentam em oferecer belas publicações a seus filhos. Muitas vezes a escolha é feita pela beleza e não pelo conteúdo. Perde-se a chance de compartilhar com o filho o momento mágico de uma história que pode ser significativa para ambos. Conversar, contar histórias faz com que a gente reflita sobre nós, sobre o mundo, sobre as relações humanas. Assim, nos tornamos seres críticos e comprometidos com a nossa vida e com a vida dos outros. É com grata satisfação que vejo o crescimento dos contadores de histórias pelas cidades e o interesse das pessoas em assistir a estas apresentações. É como se esse universo das histórias e da memória tivesse rompido as paredes das casas e invadido os espaços da cidade. Surgiram contadores de histórias urbanos, que fazem cursos, misturam linguagens, usam objetos, músicas, figurinos... A narração vira performance e entra em espaços culturais. Os pais levam seus filhos e experimentam juntos o papel de ouvintes. Ana Luísa Lacombe 117
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depois, na minha adolescência, fui aluna da Maria Clara Machado, no Tablado. Já<br />
querendo fazer teatro como profissão.<br />
Meu mundo simbólico foi incessantemente alimentado e eu aproveitei cada gota disso.<br />
Hoje, quando dou aulas sobre “como contar histórias”, costumo conversar com os<br />
alunos e pergunto sobre suas experiências.<br />
Constato que é uma benção que de vez em quando falte energia elétrica, pois na<br />
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A família se reúne em volta de uma vela e pronto! Que maravilha! Conversam, contam<br />
fatos, histórias, memórias...<br />
Hoje são olhos grudados em telas.<br />
Muitas vezes constato também que as pessoas esquecem as referências do seu passado<br />
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Rememoram e se emocionam. Às vezes têm um mundo simbólico enorme,<br />
cheio de experiências profundas, mas abandonam estas histórias, guardam-nas tão<br />
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Com uma produção de livros infantis cada vez maior e mais rica nas livrarias, os<br />
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Conversar, contar histórias faz com que a gente reflita sobre nós, sobre o mundo,<br />
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É com grata satisfação que vejo o crescimento dos contadores de histórias pelas<br />
cidades e o interesse das pessoas em assistir a estas apresentações. É como se esse universo<br />
das histórias e da memória tivesse rompido as paredes das casas e invadido os espaços<br />
da cidade. Surgiram contadores de histórias urbanos, que fazem cursos, misturam<br />
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