Hip-hop : dentro do movimento / Alessandro Buzo
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<strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong><br />
<strong>do</strong> <strong>movimento</strong>
<strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>: <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
<strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong><br />
Programa Petrobras Cultural<br />
Apoio
Copyright © 2010 <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong><br />
COLEÇÃO TRAMAS URBANAS (LITERATURA DA PERIFERIA BRASIL)<br />
organização<br />
HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA<br />
consultoria<br />
ECIO SALLES<br />
produção editorial<br />
CAMILLA SAVOIA<br />
projeto gráfico<br />
CUBICULO<br />
HIP-HOP: DENTRO DO MOVIMENTO<br />
produtor gráfico<br />
SIDNEI BALBINO<br />
designer assistente<br />
DANIEL FROTA<br />
revisão<br />
ELISA ROSA<br />
ITALA MADUELL<br />
JOANA FARO<br />
revisão tipográfica<br />
CAMILLA SAVOIA<br />
B996h<br />
<strong>Buzo</strong>, <strong>Alessandro</strong>, 1972-<br />
<strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> : <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> / <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong>. - Rio de Janeiro :<br />
Aeroplano, 2010. il., retrs. - (Tramas urbanas)<br />
Anexos<br />
ISBN 978-85-7820-055-8<br />
1. <strong>Hip</strong>-Hop (Cultura popular). 2. Rap (Música). 3. Músicos de rap -<br />
Entrevistas. I. Programa Petrobras Cultural. II. Título. III. Série.<br />
10-6288. CDD: 305.2350981<br />
CDU: 316.346.32-053.6(81)<br />
06.12.10 09.12.10 023115<br />
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS<br />
AEROPLANO EDITORA E CONSULTORIA LTDA<br />
AV. ATAULFO DE PAIVA, 658 / SALA 401<br />
LEBLON – RIO DE JANEIRO – RJ<br />
CEP: 22.440-030<br />
TEL: 21 2529-6974<br />
TELEFAX: 21 2239-7399<br />
aeroplano@aeroplanoeditora.com.br<br />
www.aeroplanoeditora.com.br
A ideia de falar sobre cultura da periferia quase sempre<br />
esteve associada ao trabalho de avalizar, qualificar<br />
ou autorizar a produção cultural <strong>do</strong>s artistas que se<br />
encontram na periferia por critérios sociais, econômicos<br />
e culturais. Faz parte da percepção de que a cultura<br />
da periferia sempre existiu, mas não tinha oportunidade<br />
de ter sua voz.<br />
No entanto, nas últimas décadas, uma série de trabalhos<br />
vem mostrar que não se trata apenas de artistas<br />
procuran<strong>do</strong> inserção cultural, mas de fenômenos orgânicos,<br />
profundamente conecta<strong>do</strong>s com experiências<br />
sociais específicas. Não raro, boa parte dessas histórias<br />
assume contornos biográficos de um sujeito ou de um<br />
grupo mobiliza<strong>do</strong>s em torno da sua periferia, das suas<br />
condições socioeconômicas e da afirmação cultural de<br />
suas comunidades.<br />
Essas mesmas periferias têm gera<strong>do</strong> soluções originais,<br />
criativas, sustentáveis e autônomas, como são exemplos<br />
a Cooperifa, o Tecnobrega, o Viva Favela e outros<br />
tantos casos que estão entre os títulos da primeira fase<br />
desta coleção.<br />
Viabiliza<strong>do</strong> por meio <strong>do</strong> patrocínio da Petrobras, a continuidade<br />
<strong>do</strong> projeto Tramas Urbanas trata de procurar<br />
não apenas dar voz à periferia, mas investigar nessas<br />
experiências novas formas de responder a questões<br />
culturais, sociais e políticas emergentes. Afinal, como<br />
diz a cura<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> projeto, “mais <strong>do</strong> que a internet,<br />
a periferia é a grande novidade <strong>do</strong> século XXI”.<br />
Petrobras - Petróleo Brasileiro S.A.
Na virada <strong>do</strong> século XX para o XXI, a nova cultura da<br />
periferia se impõe como um <strong>do</strong>s <strong>movimento</strong>s culturais<br />
de ponta no país, com feição própria, uma indisfarçável<br />
dicção proativa e um claro projeto de transformação<br />
social. Esses são apenas alguns <strong>do</strong>s traços de inovação<br />
nas práticas que atualmente se des<strong>do</strong>bram no panorama<br />
da cultura popular brasileira, uma das vertentes<br />
mais fortes de nossa tradição cultural.<br />
Ainda que a produção cultural das periferias comece<br />
hoje a ser reconhecida como uma das tendências criativas<br />
mais importantes e, mesmo, politicamente inaugural,<br />
sua história ainda está para ser contada.<br />
É nesse senti<strong>do</strong> que a coleção Tramas Urbanas tem<br />
como objetivo maior dar a vez e a voz aos protagonistas<br />
desse novo capítulo da memória cultural brasileira.<br />
Tramas Urbanas é uma resposta editorial, política e afetiva<br />
ao direito da periferia de contar sua própria história.<br />
Heloisa Buarque de Hollanda
Dedico esse livro a to<strong>do</strong>s os amantes <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, <strong>do</strong> Acre a São Paulo,<br />
por cada esta<strong>do</strong> deste Brasil. Dedico ainda ao meu filho, Evandro Borges,<br />
que o hip-<strong>hop</strong> possa guiar os seus passos. E se é bom para o meu filho,<br />
só posso indicar a to<strong>do</strong>s.
Agradecimentos<br />
Queria agradecer à Heloisa Buarque de Hollanda e ao<br />
Ecio Salles por acreditarem que seria possível esse projeto.<br />
É o 11º livro da minha carreira, sétimo como autor e<br />
outros quatro como organiza<strong>do</strong>r.<br />
Queria agradecer a Deus pela disposição e pelas pessoas<br />
maravilhosas que coloca no meu caminho. A to<strong>do</strong>s os<br />
entrevista<strong>do</strong>s e a quem deu depoimento para essa obra,<br />
obriga<strong>do</strong> por confiarem no meu trabalho. Não podia deixar<br />
de agradecer ainda a minha esposa, Marilda, e a meu<br />
filho, Evandro Borges, por estarem comigo em tu<strong>do</strong> que<br />
eu realizo. Esse é o bonde <strong>do</strong> bem, espalhan<strong>do</strong> literatura<br />
e hip-<strong>hop</strong> pelo Brasil.<br />
<strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong>
Sumário<br />
12 Apresentação Tu<strong>do</strong> que você sempre quis saber<br />
sobre o hip-<strong>hop</strong>, mas não tinha pra<br />
quem perguntar…<br />
17 Préfacio Conversa de mano<br />
18 Cap.01 O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
70 Cap.02 Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
94 Cap.03 Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
122 Cap.04 Polêmicas<br />
132 Cap.05 Pelo Brasil<br />
186 Cap.06 Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
218 Cap.07 Posses <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
224 Cap.08 Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa<br />
242 Cap.09 Grafite<br />
258 Cap.10 Freestyle<br />
270 Epílogo<br />
279 Considerações finais<br />
281 Anexos: Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e<br />
fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
Os manos e as minas<br />
315 Sobre o autor
Apresentação<br />
Tu<strong>do</strong> que você sempre quis saber sobre o hip-<strong>hop</strong>,<br />
mas não tinha pra quem perguntar...<br />
Entrevistas com Dário (Porte Ilegal-SP), Nelson Triunfo<br />
(SP), Alexandre de Maio (SP), DJ Cia (RZO-SP), Rappin<br />
Hood (SP), Markão II (DMN-SP), Thaíde (SP), Cleber (Ao<br />
Cubo-SP), Tio Fresh (SP Funk-SP), Toni C (SP), Crônica<br />
Mendes (SP), Douglas (Realidade Cruel-SP), Prega<strong>do</strong>r Luo<br />
(SP), Dudu de Morro Agu<strong>do</strong> (RJ), Freitas (Radar Urbano-<br />
SP), B.Dog (Rapevolusom-RJ), DJ Cortecertu (Central<br />
<strong>Hip</strong>-Hop – SP), Juliana Penha (de SP, atualmente mora<br />
em Portugal), Maria Amélia (SP), Emicida (SP), Cabal<br />
(SP), Jéssica Balbino (MG), Celso Athayde (Cufa-RJ), DJ<br />
Dex (Arquivo Negro-PR), Gaspar (Z’África Brasil-SP),<br />
GOG (DF), Augusto <strong>do</strong> <strong>Hip</strong>-Hop (Acre), Gil BV (PI), DJ Raffa<br />
(DF), Ariel Feitosa (DF), Japão (Viela 17-DF), Nelson Maca<br />
(Blackitude-BA), Léo da XIII (RJ), Mandrake (Portal Rap<br />
Nacional-SP, atualmente SC), Dexter (MG), DJ Dico (SP,<br />
atualmente em Portugal), Zinho Trindade (SP), Fex Ban<strong>do</strong>llero<br />
(SP), Grand-E (SP), Mikimba (SP), Aninha (Atitude<br />
Feminina-DF), Pathy de Jesus (SP), Re.Fem. (RJ), Nina<br />
Fideles (DF, atualmente SP), Bonga (SP), Dingos (SP), MC<br />
Marechal (RJ), Kamau (SP) e ParteUm (SP)... Ufa!!!<br />
Não podemos esquecer os depoimentos de Adunias da<br />
Luz (SP), Paula Lima (cantora), Fernan<strong>do</strong> Bonassi (escritor<br />
e roteirista-SP), Negra Li (cantora-SP), Gerson King<br />
12
13<br />
Combo (RJ), Tubarão (Du Lixo-SP), Tom (Função RHK-SP),<br />
Renato Vital (SP), Jefferson Leandro (Tonhão-MG), Zulu<br />
Tiquinho (SP), Corvo (Família Pic Favela-SP), Gordinho<br />
(Primeiro Ato-SP), Tio Pac (cineasta da Cidade Tiradentes-<br />
SP), Lucía Tennina (Argentina) e Walter Limonada (SP).<br />
Eternamente grato às 62 pessoas que humildemente<br />
acreditaram no trabalho e participaram, <strong>do</strong>aram um<br />
pouco de seu conhecimento, seja por meio de entrevista<br />
ou mesmo em um depoimento.<br />
Eu, <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong>, faço parte <strong>do</strong> quinto elemento <strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong>, o conhecimento, livros e filmes. Os outros quatro,<br />
se não sabe, são MC, DJ, break e grafite. Há aproximadamente<br />
onze anos, quan<strong>do</strong> comecei minha carreira<br />
de escritor, a literatura marginal, periférica, divergente<br />
caminhava la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> com o rap, como uma irmã. Logo<br />
depois <strong>do</strong> lançamento de meu primeiro livro O trem –<br />
basea<strong>do</strong> em fatos reais, em 2000, acabei conhecen<strong>do</strong><br />
muitos rappers, e, com o passar <strong>do</strong>s anos, conheci<br />
quase to<strong>do</strong>s os grupos, além de b.boys, grafiteiros e DJs.<br />
Antes disso, eu era apenas fã das músicas, mesmo<br />
ten<strong>do</strong> passa<strong>do</strong> a a<strong>do</strong>lescência mais próximo <strong>do</strong> samba,<br />
parti<strong>do</strong> alto principalmente. Também curti rock nacional<br />
(Titãs, Legião e outros), até que conheci o rap, por<br />
meio <strong>do</strong>s meus amigos Ci<strong>do</strong> — hoje da Banda Nação<br />
Nesta, de Limeira-SP, amigo de infância, irmão preto,<br />
que morou seis meses na minha casa — e meu irmão<br />
de sangue Álvaro <strong>Buzo</strong>: os <strong>do</strong>is ouviam Racionais MC’s e<br />
Planet Hemp. Identifiquei-me com as letras, os protestos,<br />
que antes só conhecia na voz <strong>do</strong> Bezerra da Silva,<br />
mas aquela música era sobre as coisas <strong>do</strong> meu dia a<br />
dia, sobre a quebrada, e eu era mora<strong>do</strong>r dela, nasci<strong>do</strong> e<br />
cria<strong>do</strong> no extremo leste de São Paulo, no Itaim Paulista.<br />
Prestei mais atenção e comecei a ler tu<strong>do</strong> o que achava<br />
sobre hip-<strong>hop</strong>, como as revistas Rap Brasil e Planeta
14<br />
<strong>Hip</strong>-Hop, e o jornal Estação <strong>Hip</strong>-Hop; em pouco tempo<br />
sabia por esses veículos tu<strong>do</strong> sobre o <strong>movimento</strong>. O restante<br />
conheci nas ruas, nos shows.<br />
Lembro a primeira vez que assisti a um show <strong>do</strong>s Racionais<br />
MC’s no Amigão (casa de shows que se encontra<br />
fechada) na divisa de São Miguel com Itaim Paulista.<br />
Parecia mentira, os manos ali fazen<strong>do</strong> um megashow<br />
e eu junto curtin<strong>do</strong>. Alguns outros shows (no mesmo<br />
local) depois, o Brown fechou a apresentação dan<strong>do</strong> um<br />
salve para vários presentes que estavam ali no palco, eu<br />
estava lá e ele disse: “Salve, <strong>Buzo</strong>.” Meu celular tocou<br />
no meio <strong>do</strong> barulho, e só ouvi um amigo dizer: “Caraio,<br />
moleque, o Brown man<strong>do</strong>u um salve pra você.” “Eu vi.” Vi<br />
ali <strong>do</strong> la<strong>do</strong>, curtin<strong>do</strong> o show na lateral <strong>do</strong> palco.<br />
Quan<strong>do</strong> entrei para a literatura produzida nas periferias,<br />
acabei conhecen<strong>do</strong> pelo tema “trem” o RZO e virei<br />
amigo <strong>do</strong>s manos. Posso afirmar que o primeiro grupo que<br />
eu conheci de fato, virei amigo. Foi o RZO, no tempo da<br />
famosa “Laje da casa <strong>do</strong> Helião”. Ali conheci Helião, Sandrão,<br />
DJ Cia, Negra Li, DBS e toda a família, que era numerosa.<br />
Vários talentos como o Tom, hoje <strong>do</strong> Função RHK,<br />
que já era bom e colava na Família RZO pra se aprimorar.<br />
Uma escola de rap, era mais ou menos isso que eu via ali<br />
em Pirituba. Depois, no decorrer da caminhada, conheci<br />
muitos outros, principalmente a partir de 2004, quan<strong>do</strong><br />
comecei a promover na rua o evento de hip-<strong>hop</strong> Favela<br />
Toma Conta, de graça. Já levei ao Itaim Paulista grandes<br />
nomes <strong>do</strong> rap nacional. Sinto-me capacita<strong>do</strong> para a<br />
missão importante e séria de escrever um livro sobre o<br />
<strong>movimento</strong>, encaro como um desafio. Mas estou certo<br />
de que vai ser importante para o <strong>movimento</strong>, e para tal<br />
missão decidi chamar a rapa <strong>do</strong> rap. Este livro contém<br />
entrevistas e depoimentos de ícones da cena. Mas, no<br />
capítulo 1, vou fazer um balanço <strong>do</strong> rap no século XXI,
15<br />
como está o rap no início de 2010, na minha visão. Vamos<br />
lá, a partir de uma matéria <strong>do</strong> Mano Brown na capa de<br />
uma grande revista em circulação nas bancas.<br />
A revista em questão é a Rolling Stone, e a matéria provocou<br />
grande repercussão. As poucas exposições <strong>do</strong> líder<br />
<strong>do</strong>s Racionais MC’s na mídia são sempre assim. Ele é um<br />
ícone <strong>do</strong> rap e <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>. E é avesso a programas<br />
de TV e à grande mídia em geral. Mas até onde o<br />
Mano Brown mantém o discurso de antes Será que não<br />
temos um novo Mano Brown, mais aberto, nos dias de<br />
hoje Afinal, os anos 1980 foram uma coisa, e estamos em<br />
2010. Quem imaginaria Brown num projeto da Nike, com<br />
um CD que ele recentemente produziu e vários rappers<br />
mandaram a rima, disponível no site da empresa<br />
Ser o Brown não deve ser fácil, ele é o centro das atenções<br />
por onde passa. Ele não esconde que não quer<br />
para si a liderança de nada, dispensa isso, mas queren<strong>do</strong><br />
ou não ele é uma referência para jovens em to<strong>do</strong><br />
o país, não dá pra fugir. Particularmente, acho suas<br />
letras pura poesia, são rimas refinadas. O show <strong>do</strong>s<br />
Racionais também é top. No palco, o grupo é perfeito,<br />
envolve. Se o rapper mu<strong>do</strong>u de visual ou não, acho que<br />
é um assunto particular dele. O caso da Nike é comercial,<br />
dim dim. Ele foi muito bem pago para fazer e fez.<br />
Só isso, o trabalho paga as contas no fim <strong>do</strong> mês. Cabe<br />
a ele saber se o vínculo interessa, as críticas serão inevitáveis,<br />
como na ida <strong>do</strong> MV Bill à Daslu.<br />
Hoje é muita informação circulan<strong>do</strong>, e-mails, blogs,<br />
sites, Myspace, Twitter. Ficou mais fácil fazer parcerias,<br />
cada um sabe até onde isso fere ou não seu discurso,<br />
sua militância. Eu também faço as minhas parcerias.<br />
Sempre vai ter alguém critican<strong>do</strong>, falan<strong>do</strong> isso ou aquilo.<br />
Mas hoje o rap está fortaleci<strong>do</strong>. O Ministério da Cultura<br />
criou, por exemplo, o Prêmio Cultura <strong>Hip</strong>-Hop para dar
16<br />
suporte financeiro a muitos projetos que merecem. O<br />
rap não é moda. Não existe moda que dure mais de vinte<br />
anos. O público que o rap perdeu nos últimos anos para<br />
o funk carioca, por exemplo, nas periferias de São Paulo,<br />
vai voltar em <strong>do</strong>bro com o que está por vir. O rap vai<br />
abraçar a juventude que está aberta para o que é bom.<br />
O rap está bem, obriga<strong>do</strong>. Eventos como a festa 100%<br />
Favela, o Favela Toma Conta e a Rinha <strong>do</strong>s MCs provam<br />
que existe público para to<strong>do</strong>s os estilos. Pra quem curte<br />
Realidade Cruel, Consciência Humana, Ndee Naldinho<br />
e Facção Central, um rap mais sério e de raiz. Também<br />
tem público para a novíssima e talentosa “nova escola”,<br />
como Kamal, Emicida e Criolo Doi<strong>do</strong>.<br />
A internet é facilita<strong>do</strong>ra, coloca o mun<strong>do</strong> ali <strong>do</strong> la<strong>do</strong>.<br />
Rappers antena<strong>do</strong>s como o Dudu de Morro Agu<strong>do</strong> já<br />
estão in<strong>do</strong> para fora. Em 2009, Dudu passou um mês na<br />
França. Sem falar no quinto elemento da cultura hip-<strong>hop</strong>:<br />
o conhecimento. Livros e filmes sen<strong>do</strong> lança<strong>do</strong>s (este<br />
livro é um exemplo), escritores in<strong>do</strong> para outros países.<br />
O hip-<strong>hop</strong> é igual ao vinho, quanto mais velho, melhor.<br />
Podem me chamar de otimista, mas quem trabalhar<br />
sério vai crescer. Quem viver verá... A frase a seguir<br />
reflete o que acredito:<br />
Destaco to<strong>do</strong>s os que plantaram a semente, cercaram a<br />
muda e regaram a árvore. Só não destaco os que ficam apenas<br />
à sombra <strong>do</strong> plantio alheio; mas aplau<strong>do</strong> os que podam<br />
os galhos degrada<strong>do</strong>s e arrancam os parasitas <strong>do</strong> entorno.<br />
NELSON MACA / BLACKITUDE (SALVADOR-BA)
Prefácio<br />
Conversa de mano<br />
Este livro foi inventa<strong>do</strong> no susto. Numa certa tarde, no<br />
meio de uma conversa, <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong> me disse: “Não<br />
existe ainda uma história <strong>do</strong> rap visto de <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>.<br />
E isso seria muito importante para to<strong>do</strong>s. Eu me<br />
disponho a fazer isso em três meses para você.” Os prazos<br />
eram curtos para fechar a segunda leva da Coleção<br />
Tramas Urbanas e <strong>Buzo</strong> sabia disso. Uma história <strong>do</strong> rap<br />
em três meses... Será Hesitei um pouco, mas resolvi<br />
arriscar. Na semana passada recebi a primeira versão<br />
<strong>do</strong>s originais prometi<strong>do</strong>s e me surpreendi. Para uma<br />
professora de longa data como eu, uma história <strong>do</strong> rap<br />
obedeceria a meto<strong>do</strong>logias de mapeamentos, pesquisas<br />
em diversas fontes, análise e interpretação de da<strong>do</strong>s,<br />
enfim, rituais <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r ou <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r acadêmico.<br />
Mas o livro que <strong>Buzo</strong> me ofereceu não ia por aí. Era<br />
um papo de mano, praticamente ao vivo, uma conversa<br />
de mesa de bar, gostosa, cheia de pistas e novidades.<br />
Um mapeamento arbitrário e pessoal, um descortinar<br />
de uma cena particular, de inicia<strong>do</strong>s. Como editora, pedi<br />
poucas mudanças. Alguns esclarecimentos factuais para<br />
leigos como eu. Resolvi me permitir embarcar no clima<br />
que <strong>Buzo</strong> propôs e entrar pela fresta nesse mun<strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s basti<strong>do</strong>res <strong>do</strong> rap. Valeu, <strong>Buzo</strong>!<br />
Heloisa Buarque de Hollanda<br />
17
Cap.01<br />
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>
Para falar como o hip-<strong>hop</strong> surgiu, mas principalmente o<br />
rap nacional, fomos falar com uma pessoa que vive o rap<br />
24 horas por dia. Seu nome é Dário Nunes Silva, 37 anos,<br />
nasci<strong>do</strong> em Santo André-SP, mais conheci<strong>do</strong> como<br />
Dário da Porte Ilegal.<br />
BUZO: Como e onde surgiu a Porte Ilegal<br />
DÁRIO: A Porte Ilegal surgiu em uma loja na Rua 24 de<br />
Maio, começamos a trabalhar com o Grupo GOG, no<br />
Dia a Dia da Periferia, onde deu prosseguimento com<br />
a venda e distribuição de CDs, aí vieram vários grupos<br />
como RZO, Visão de Rua, Consciência Humana, Sistema<br />
Negro, Realidade Cruel entre eles, são vários.<br />
BUZO: Quem fez a logo e deu o nome<br />
DÁRIO: O nome foi cria<strong>do</strong> pelo letrista GOG, e a logomarca<br />
foi ideia minha e projeto gráfico <strong>do</strong> Man <strong>do</strong><br />
Filosofia de Rua.<br />
BUZO: Tem ideia de quantos CDs de rap nacional você<br />
lançou com o Selo da Porte<br />
DÁRIO: Não. Mas em torno de uns cinquenta.<br />
BUZO: Quais os maiores sucessos de vendas entre eles<br />
DÁRIO: Na mira da sociedade, que foi uma coletânea com<br />
GOG, RZO, Consciência Humana entre outros, foi a que<br />
mais vendeu, cerca de 30 mil cópias. Outros sucessos<br />
20
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
21<br />
foram Consciência Humana, Dexter, Realidade Cruel...<br />
Lembran<strong>do</strong> que o sistema de venda de CDs hoje não se<br />
compara ao da época <strong>do</strong>s CDs cita<strong>do</strong>s anteriormente,<br />
hoje quem vende 5 mil se compara a quem vendeu<br />
50 mil há dez anos.<br />
BUZO: Um clássico que você destaca que marcou época<br />
DÁRIO: Racionais MC’s com Raio-X <strong>do</strong> Brasil, o próprio Na<br />
mira da sociedade. Num tempo mais recente, cito Realidade<br />
cruel.<br />
BUZO: Qual foi a época de ouro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil<br />
DÁRIO: Na minha opinião, a época de ouro não existiu,<br />
mas a melhor fase foi entre os anos de 1998 a 2002.<br />
BUZO: Por quê<br />
DÁRIO: O giro financeiro era grande pros grupos, pra<br />
shows, e foi quan<strong>do</strong> o rap foi mais ouvi<strong>do</strong> nas periferias<br />
<strong>do</strong> Brasil, era popular.<br />
BUZO: Rap no Brasil, anos 1980<br />
DÁRIO: Anos 1980, na minha opinião, foi o começo, não<br />
tem muito que explicar, foi o surgimento de várias bandas<br />
que vieram a estourar nos anos 1990, saíram ainda<br />
as primeiras coletâneas <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> – Cultura de rua, com<br />
surgimento <strong>do</strong> Thaíde e DJ Hum, o álbum O som das<br />
ruas, com destaque para Sampa Crew, Ndee Naldinho,<br />
que era Ndee Rap, e outros, além <strong>do</strong> Kaskatas – Ousadia<br />
<strong>do</strong> Rap, se destacan<strong>do</strong> Geração Rap.<br />
BUZO: Anos 1990<br />
DÁRIO: Foi quan<strong>do</strong> o Brasil soube o que era rap, quan<strong>do</strong><br />
ele ficou conheci<strong>do</strong> no país e ganhou mais adeptos, surgin<strong>do</strong><br />
o grupo Racionais MC’s, com lançamento de vários<br />
álbuns <strong>do</strong> Thaíde e DJ Hum e veio tu<strong>do</strong> depois.
22 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Século XXI, como está o rap hoje<br />
DÁRIO: O século XXI começou com milhares de grupos em<br />
to<strong>do</strong> o país, só com disco grava<strong>do</strong> tem mais de mil grupos<br />
diferentes. Se contarmos quem está fora <strong>do</strong> meu conhecimento<br />
ou não lançou, dá muito mais que o <strong>do</strong>bro.<br />
BUZO: O que espera dele pro futuro<br />
DÁRIO: Há uma grande expectativa, pois os grupos aprenderam<br />
a ser independentes e estão fortalecen<strong>do</strong> o merca<strong>do</strong><br />
novamente, hoje não existe mais grava<strong>do</strong>ra.<br />
BUZO: Uma história inesquecível nestes anos to<strong>do</strong>s de rap<br />
DÁRIO: No auge <strong>do</strong> sucesso da Porte Ilegal, o músico<br />
Snoop Dogg, quan<strong>do</strong> veio ao Brasil, pediu para usar uma<br />
camiseta da Porte Ilegal.<br />
BUZO: Você trabalha sempre com o Dexter, o que pode nos<br />
dizer sobre ele<br />
DÁRIO: Uma pessoa de caráter 100% e hoje uma pessoa<br />
100% regenerada, tem um talento nato e muito carisma<br />
com o público, estamos aguardan<strong>do</strong> a saída dele ainda<br />
este ano para fortalecer o merca<strong>do</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Quem é o Dário da Porte Ilegal, por ele mesmo<br />
DÁRIO: Eu me julgo uma pessoa administrativa <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>,<br />
e não um artista.<br />
Quan<strong>do</strong> fazemos essa pergunta, sobre o início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>,<br />
para pessoas que viveram os tempos de São Bento<br />
(Estação São Bento <strong>do</strong> Metrô de São Paulo), to<strong>do</strong>s citam<br />
Nelson Triunfo, de São Paulo. Então falamos com o Nelsão,<br />
com apoio <strong>do</strong> Gilberto Yoshinaga, que está escreven<strong>do</strong> a<br />
biografia dele. Vamos ver o que o pai <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> nacional<br />
tem a nos dizer, uma honra suas palavras aqui no livro.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
23<br />
BUZO / GILBERTO YOSHINAGA: Nos fale <strong>do</strong>s tempos da Rua 24<br />
de Maio e da São Bento.<br />
NELSON TRIUNFO: Tenho ótimas lembranças dessa época.<br />
Entre 1983 e 1984, muitos guardas implicavam com<br />
a gente, por isso não tínhamos um lugar defini<strong>do</strong> para<br />
dançar, mas geralmente ficávamos na região central.<br />
Fomos leva<strong>do</strong>s para a delegacia várias vezes. A polícia<br />
dizia que a gente não podia dançar na rua porque a multidão<br />
parava para ver e aquilo e atrapalhava a passagem<br />
<strong>do</strong>s pedestres. Aí, pediam para ver nossa carteira<br />
de trabalho e nos acusavam de vadiagem. Mas sempre<br />
éramos libera<strong>do</strong>s depois da canseira. Uma vez, um policial<br />
me disse que, no meio da aglomeração, tinha uma<br />
molecada rouban<strong>do</strong> carteiras de pedestres. E, como eu<br />
era uma voz ativa da roda de break, ele iria me acusar<br />
se alguém fosse rouba<strong>do</strong>. Eu respondi: “E eu posso acusar<br />
você por to<strong>do</strong>s os roubos que acontecem nos outros<br />
pontos da cidade”. O policial disse que eu era abusa<strong>do</strong>,<br />
mas eu não abaixava a cabeça pra esse tipo de intimidação,<br />
porque estávamos na rua com o único intuito de<br />
dançar, praticar a nossa arte das ruas.<br />
Na maioria das vezes, ficávamos ali nos arre<strong>do</strong>res das<br />
ruas 24 de Maio, Barão de Itapetininga e Dom José de<br />
Barros, ali na Praça da República. Às vezes, dançávamos<br />
na Sé. Eu me lembro que, naquela época, Caju e Castanha<br />
também cantavam naquela região, nas ruas. Havia<br />
umas coisas curiosas, também. Por exemplo, office<br />
boys que paravam para ver a roda de break e chegavam<br />
atrasa<strong>do</strong>s no trabalho. Alguns perderam o emprego por<br />
isso, e depois apareceram na roda e começaram a dançar<br />
com a gente, viraram b.boys.<br />
A roda de break nas ruas cresceu e logo apareceu na<br />
mídia, em jornais e revistas. Ainda em 1984, essa repercussão<br />
levou a gente para a televisão, quan<strong>do</strong> eu e outros
te Ilegal) e <strong>Buzo</strong> Dário (Porte Ilegal) e <strong>Buzo</strong>
26 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
b.boys participamos da abertura da novela Parti<strong>do</strong> alto,<br />
misturan<strong>do</strong> <strong>movimento</strong>s de break com passos de samba.<br />
Em 1985, tive um problema de saúde, machuquei o<br />
joelho e precisei me afastar um pouco da dança. Foi<br />
quan<strong>do</strong> o João Break e o Luizinho, irmão dele, levaram<br />
o break para a estação São Bento <strong>do</strong> metrô. E ali se formou<br />
o embrião <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> brasileiro, porque o espaço<br />
começou a se popularizar e atrair muita gente que hoje<br />
é referência nacional, como os Racionais, o Thaíde, o DJ<br />
Hum, os grafiteiros Osgemeos, o Marcelinho Back Spin e<br />
muitas outras pessoas.<br />
BUZO / GILBERTO YOSHINAGA: O que mais te dá saudade<br />
daquele tempo<br />
NELSON TRIUNFO: Naquela época, o hip-<strong>hop</strong> era mais uni<strong>do</strong><br />
porque ninguém via o outro como concorrente, até o<br />
surgimento das crews. Era um clima de família, mesmo.<br />
Dançávamos por diversão, por amor à arte, e nos ajudávamos<br />
bastante. Lembro que muitas vezes passamos<br />
o chapéu junto ao público para levantar uns troca<strong>do</strong>s.<br />
Assim, conseguíamos pagar as nossas passagens<br />
de trem ou ônibus e comer alguma coisa. Quan<strong>do</strong> saiu<br />
o filme Beat Street, usamos o chapéu para pagar os<br />
ingressos no cinema. Acho que vi o filme umas dez vezes<br />
naquela época. Foi importante porque a partir dali é que<br />
começamos a entender o que é a cultura hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO / GILBERTO YOSHINAGA: Como é estar ou ser há tantos<br />
anos <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong> e ainda ter toda a disposição<br />
pra seguir adiante<br />
NELSON TRIUNFO: Fisicamente não é tão fácil pra mim, porque<br />
estou com 55 anos de idade, quarenta anos de dança<br />
nas costas. De vez em quan<strong>do</strong> eu me machuco ou sinto<br />
algumas <strong>do</strong>res. Mas minha disposição vem <strong>do</strong> amor que<br />
eu tenho pelo hip-<strong>hop</strong>, principalmente pela dança. Em
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
27<br />
to<strong>do</strong>s os momentos, desde o soul e o black power até o<br />
hip-<strong>hop</strong> de rua e os <strong>movimento</strong>s sociais, sempre fui fiel<br />
a esse meu amor pela coisa. Isso é minha vida, e me dá<br />
força para prosseguir, independentemente da idade, que<br />
nem o Romário e o Roger Milla [joga<strong>do</strong>r de futebol camaronês],<br />
por exemplo, que sempre jogaram por prazer e só<br />
aban<strong>do</strong>naram os grama<strong>do</strong>s depois <strong>do</strong>s 40 anos. Agora,<br />
tenho me dedica<strong>do</strong> mais ao meu la<strong>do</strong> músico, que pouca<br />
gente conhece porque sempre me destaquei mais como<br />
dançarino e arte-educa<strong>do</strong>r. Mas também sou músico e<br />
poeta, tenho centenas de composições próprias e, no<br />
momento, quero me dedicar a esse la<strong>do</strong>. Sem contar que<br />
estou mais presente para a minha família, é claro.<br />
BUZO / GILBERTO YOSHINAGA: No seu show participam seus<br />
filhos. Como é trabalhar em família<br />
NELSON TRIUNFO: Somos uma verdadeira “família hip-<strong>hop</strong>”,<br />
e não sei se existe outra igual a nós. Minha esposa<br />
Heloísa ama o hip-<strong>hop</strong> e participa da maneira que<br />
pode, preparan<strong>do</strong> nossas roupas, opinan<strong>do</strong>, filman<strong>do</strong><br />
os eventos e tiran<strong>do</strong> fotos. O Jean, meu filho mais<br />
velho, joga basquete, que é um esporte relaciona<strong>do</strong><br />
ao hip-<strong>hop</strong>, e também canta, dança e faz beatbox. O<br />
Andrinho, caçula, é b.boy desde os 3 anos de idade e<br />
dança em vários estilos. Apesar da pouca idade, ele<br />
também já faz freestyle no rap.<br />
É muito gostoso e gratificante ter a família toda participan<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s eventos comigo. E o mais legal é que<br />
nunca forcei eles a participarem de nada, é tu<strong>do</strong> muito<br />
espontâneo. No papel de pai, eu abro o leque de conhecimentos<br />
para eles fazerem o que quiserem. E fico feliz<br />
porque o envolvimento deles com o hip-<strong>hop</strong> sempre foi<br />
algo natural. Acho que a cultura de rua hip-<strong>hop</strong> está<br />
no nosso DNA (risos).
28 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO / GILBERTO YOSHINAGA: Se você acha o hip-<strong>hop</strong> bom<br />
para os seus filhos, indica para o filho de qualquer outra<br />
pessoa, é isso <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> faz bem pra crianças e jovens<br />
NELSON TRIUNFO: Sim, o hip-<strong>hop</strong> é muito bom para crianças<br />
e jovens, desde que se tenha a responsabilidade de<br />
saber que é muito importante buscar outros conhecimentos,<br />
estudar, se aperfeiçoar. A maior prova de que o<br />
hip-<strong>hop</strong> faz bem para os jovens são as várias pessoas que<br />
passaram pelas minhas palestras e oficinas de dança e<br />
venceram na vida. Cheguei a trabalhar com jovens que<br />
estavam desacredita<strong>do</strong>s e, hoje, estão espalha<strong>do</strong>s pelo<br />
mun<strong>do</strong>. Tem b.boys moran<strong>do</strong> na Holanda, na Alemanha,<br />
na Finlândia, nos EUA. Também trabalhei com garotas<br />
que tinham aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> a escola e, graças ao hip-<strong>hop</strong>,<br />
se motivaram a voltar a estudar e, hoje, são professoras,<br />
pedagogas, psicólogas, entre outras profissões.<br />
Uma coisa gratificante é saber que muitos ex-alunos se<br />
tornaram educa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> e já formaram novos<br />
educa<strong>do</strong>res. Já estamos na terceira geração de multiplica<strong>do</strong>res<br />
da educação através <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. E, se não fosse<br />
a cultura de rua, não sei o que seria da maioria dessas<br />
pessoas. Uma vez, o Joul, MC <strong>do</strong> grupo Matéria Rima,<br />
estava num avião comigo e começou a chorar. Eu perguntei<br />
o porquê e ele me disse que estava emociona<strong>do</strong> de ver<br />
o Rio de Janeiro lá <strong>do</strong> alto, e que a<strong>do</strong>raria poder dividir<br />
aquele momento com os amigos de infância, mas a maioria<br />
tinha si<strong>do</strong> presa ou já estava debaixo da terra.<br />
BUZO / GILBERTO YOSHINAGA: Acha que o hip-<strong>hop</strong>, no geral,<br />
está num bom momento<br />
NELSON TRIUNFO: Sim, acredito que o hip-<strong>hop</strong> está num<br />
momento de transformação. Acho que aquela linha<br />
mais pesada <strong>do</strong> rap sofreu um certo desgaste, e poucos<br />
sobreviveram, só os mais verdadeiros. Vejo os chama<strong>do</strong>s<br />
“undergrounds” subin<strong>do</strong> pra caramba.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
29<br />
Muita gente que batalhou por vários anos está viven<strong>do</strong><br />
um momento glorioso, inclusive no break e no grafite.<br />
Por exemplo, os grafiteiros Osgemeos hoje são respeitadíssimos<br />
no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>. Além disso, o Brasil está no<br />
circuito das batalhas internacionais de break, e vários<br />
b.boys brasileiros têm se destaca<strong>do</strong> em competições<br />
pelo mun<strong>do</strong> afora.<br />
Dentro <strong>do</strong> Brasil, existem bons grupos de rap em to<strong>do</strong>s<br />
os esta<strong>do</strong>s, concursos de dança, trabalhos sociais.<br />
Cada vez mais temos livros volta<strong>do</strong>s para o hip-<strong>hop</strong>,<br />
teses de universidades, <strong>do</strong>cumentários... Isso tu<strong>do</strong> é<br />
um reconhecimento à cultura de rua.<br />
BUZO / GILBERTO YOSHINAGA: O que espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong><br />
movi mento<br />
NELSON TRIUNFO: Espero que chegue a um status de respeito,<br />
de nome, de alto nível na cultura brasileira, como<br />
tem hoje a Ivete Sangalo, por exemplo. E que a gente<br />
consiga sobreviver de forma sólida, que tenha independência<br />
financeira e possa gerar empregos, mas de<br />
forma unida, sem se isolar.<br />
Espero que o hip-<strong>hop</strong> se mantenha como um <strong>movimento</strong><br />
social, musical, educacional, politiza<strong>do</strong> e transforma<strong>do</strong>r<br />
também. E que as pessoas envolvidas não tenham me<strong>do</strong><br />
de interagir com outras manifestações culturais e artísticas,<br />
ou com os esportes, por exemplo. Não podemos ter<br />
me<strong>do</strong> de diversificar, mudar, evoluir, parar no tempo.<br />
O hip-<strong>hop</strong> tem muda<strong>do</strong> com o tempo. Os quatro elementos<br />
permanecem vivos, mas há outros elementos<br />
se relacionan<strong>do</strong> com ele, crian<strong>do</strong> coisas paralelas,<br />
enriquecen<strong>do</strong> ainda mais a cultura. O “tempo bom que<br />
não volta nunca mais”, como canta o Thaíde, foi maravilhoso,<br />
mas hoje há outras coisas boas. Eu tinha a<br />
barba preta e hoje ela é branca, mas eu continuo sen<strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong> desde aquela época.
Nelson Triunfo e <strong>Buzo</strong> Nelson Triunfo e B
32 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Acho interessante preservarmos os valores, mas temos<br />
que assimilar concepções diferentes de se ver e produzir<br />
cultura, respeitan<strong>do</strong> a diversidade. Uns trabalham<br />
mais a questão racial, outros seguem uma linha romântica,<br />
politizada, gospel ou underground, entre outras.<br />
Tu<strong>do</strong> isso junto é que dá ao hip-<strong>hop</strong> a beleza que ele tem.<br />
É até legal ter esse ar de “desorganização”, porque isso<br />
é que dá total liberdade de expressão e criação. Acho<br />
que, se organizarmos demais a cultura, ela se estraga.<br />
Chico Science já dizia, né “(...) Que eu me organizan<strong>do</strong><br />
posso desorganizar.”<br />
Alguns fatores fazem <strong>do</strong> ano de 2010 (o mesmo em que<br />
eu escrevo esta obra) importante na história, e acho<br />
que um desses fatores foi a criação <strong>do</strong> Prêmio Cultura<br />
<strong>Hip</strong>-Hop, edição Preto Ghóez. Uma significativa quantia<br />
em dinheiro foi distribuída entre os ganha<strong>do</strong>res<br />
das categorias. O prêmio teve a ONG Ação Educativa<br />
na organização e o MinC como suporte. Um <strong>do</strong>s responsáveis<br />
por toda a arte, logos e divulgação <strong>do</strong> prêmio<br />
foi o jornalista Alexandre de Maio, que por muitos<br />
anos esteve nas bancas com publicações voltadas ao<br />
público hip-<strong>hop</strong>, como as revistas Rap Brasil, Rap News,<br />
Planeta <strong>Hip</strong>-Hop e Graffiti. A editora Escala e depois<br />
a Minuano, com a revista Cultura <strong>Hip</strong>-Hop, tiraram os<br />
veículos de circulação por baixa nas vendas, reflexo de<br />
um <strong>movimento</strong> que tem os jovens das periferias e, logo,<br />
de menor poder aquisitivo, como público-alvo. O fim das<br />
revistas deixou uma legião de segui<strong>do</strong>res órfãos de uma<br />
publicação que atendesse o interesse deles.<br />
Mas sobre isso falaremos mais para a frente com Alexandre<br />
de Maio. Nossa primeira entrevista com ele, no início<br />
de fevereiro de 2010, foi para sabermos mais e <strong>do</strong>cumentar<br />
aqui em livro o que se podia esperar <strong>do</strong> Prêmio Cultura<br />
<strong>Hip</strong>-Hop <strong>do</strong> MinC, vamos à entrevista.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
33<br />
BUZO: Fale <strong>do</strong> Prêmio Cultura <strong>Hip</strong>-Hop, qual a importância<br />
dele e por quê<br />
ALEXANDRE DE MAIO: O Prêmio Cultura <strong>Hip</strong>-Hop - Edição<br />
Preto Ghóez é um iniciativa <strong>do</strong> Ministério da Cultura,<br />
mais precisamente da Secretaria da Identidade e da<br />
Diversidade Cultural. Ele vai ser em forma de edital e<br />
vai premiar mais de 128 projetos, totalizan<strong>do</strong> mais de<br />
1 milhão e 700 mil reais em prêmios. Um prêmio como<br />
esse é de grande importância porque vamos conseguir<br />
mapear as ações <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> em to<strong>do</strong> o Brasil. Teremos a<br />
real dimensão da nossa cultura e de suas atividades em<br />
to<strong>do</strong> o país. Vai ser uma oportunidade para nos conhecermos<br />
melhor. E um incentivo pra quem já trabalha<br />
com as situações das mais adversas e merece reconhecimento<br />
<strong>do</strong> poder público. Pois o <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
aju<strong>do</strong>u a eleger o atual governo e a sua força é notoriamente<br />
conhecida e respeitada.<br />
BUZO: Esse dinheiro no meio <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> vai consolidar o<br />
<strong>movimento</strong>, financeiramente falan<strong>do</strong><br />
ALEXANDRE DE MAIO: Parece uma grande quantia, mas<br />
quan<strong>do</strong> ela é dividida fica em torno de 20 mil reais em<br />
média para cada projeto. Então acho que será um incentivo<br />
para quem já realiza um trabalho. Não vai mudar a<br />
vida de ninguém, mas com certeza vai ajudar, e muito, os<br />
projetos e incentivar outros a começarem novos projetos.<br />
BUZO: Quanto desse prêmio surgiu daquele encontro de<br />
líderes <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> com o Lula<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Pelo que pude apurar, aquele encontro<br />
foi o estopim para o reconhecimento <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> <strong>dentro</strong><br />
<strong>do</strong> governo. Dali em diante, muitas organizações e projetos<br />
cresceram. Depois, debates, encontros e muita<br />
militância principalmente de nomes como Preto Ghóez<br />
(que é homenagea<strong>do</strong> no prêmio) foram decisivos para
34 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
que o prêmio saísse <strong>do</strong> papel. Vejo como um conquista<br />
coletiva da cultura hip-<strong>hop</strong>. Cada cara que canta rap,<br />
cada b.boy que dá oficina, cada grafite na rua, cada DJ<br />
que ensina ou se apresenta nas quebradas, cada mano<br />
que faz um blog, um site para divulgar a cena. Cada um<br />
teve papel nesse gigante que é a cultura hip-<strong>hop</strong> no Brasil.<br />
Soman<strong>do</strong> todas essas ações, conquistamos esse<br />
prêmio e mudamos a cara das periferias no Brasil. O<br />
hip-<strong>hop</strong> uni<strong>do</strong> ainda pode conquistar muito mais. Conquistamos<br />
algumas coisas, mas estamos longe de uma<br />
sociedade mais justa.<br />
BUZO: Como vê as perspectivas <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> pro futuro<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Eu trabalho com organizações em to<strong>do</strong><br />
o país, e em cada cidade <strong>do</strong> Brasil vejo esses projetos<br />
crescen<strong>do</strong>. Vejo cada vez mais o rap brasileiro ganhan<strong>do</strong><br />
respeito na música, nosso b.boys são considera<strong>do</strong>s os<br />
melhores <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, o grafite nem se fala, a safra de<br />
artistas ganhou o mun<strong>do</strong>. Os DJs cada vez mais são os<br />
<strong>do</strong>nos das festas. No terceiro setor o hip-<strong>hop</strong> também<br />
se mostra uma das alternativas mais eficazes. Vejo um<br />
futuro promissor para a nossa cultura. Mas para poder<br />
enxergar isso as pessoas precisam colocar os óculos <strong>do</strong><br />
trabalho, da força e da vontade de mudar. Quem se acomodar<br />
e pensar que a “fita tá <strong>do</strong>minada” só vai ver fracasso.<br />
Eu vejo milhares de artistas, militantes, comunica<strong>do</strong>res<br />
acordan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> dia ce<strong>do</strong> em to<strong>do</strong> o Brasil e<br />
trabalhan<strong>do</strong> pela cultura. Como isso pode dar erra<strong>do</strong><br />
BUZO: Existe o tal “quinto elemento”<br />
ALEXANDRE DE MAIO: O quinto elemento é um forma de<br />
agregar as artes <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> a um conteú<strong>do</strong> mais profun<strong>do</strong>,<br />
um algo a mais que a simples forma de se expressar.<br />
É no quinto elemento que o hip-<strong>hop</strong> se diferencia<br />
na música, nas artes plásticas, nos toca-discos, e
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
35<br />
na dança. Conhecimento é a chave, a história mostrou<br />
que a verdadeira revolução se faz pela educação. Não<br />
tem outro caminho. E o hip-<strong>hop</strong> traz isso – vamos nos<br />
expressar, vamos fazer arte.<br />
A entrevista com Alexandre de Maio mostra uma expectativa<br />
e um otimismo pareci<strong>do</strong>s com os meus. Eu também<br />
vejo assim, com muito trabalho iremos crescer e <strong>do</strong>minar<br />
a fita. Se não encararmos como trabalho e tentarmos<br />
nos profissionalizar, nada vai mudar, e to<strong>do</strong> estilo musical<br />
que surgir no país vai ter mais espaço que o hip-<strong>hop</strong>,<br />
mesmo que seja uma moda como a lambada e vá embora<br />
seis meses depois, tão rápi<strong>do</strong> quanto surgiu, mas antes<br />
vai passar no Faustão, no Gugu e vender um absur<strong>do</strong> de<br />
CDs, enquanto no hip-<strong>hop</strong> está muito difícil vender 10<br />
mil unidades de um disco. Claro que parte da culpa é da<br />
internet, os manos baixam música e cada vez mais os<br />
artistas a disponibilizam sem ter lança<strong>do</strong> oficialmente<br />
em disco nenhum. Mais vale hoje “bombar” na internet<br />
e depois ganhar dinheiro venden<strong>do</strong> shows. Alguns grupos<br />
de rap, não mais que dez, viajam por to<strong>do</strong> o país, se<br />
apresentan<strong>do</strong> em uma série de eventos. Os grupos que<br />
mais se apresentam fora <strong>do</strong> seu esta<strong>do</strong> de origem são os<br />
Racionais MC’s, de São Paulo, e o GOG, de Brasília. Em<br />
minhas andanças pelo Brasil, pude ter uma certeza <strong>do</strong><br />
tamanho que a coisa ficou. Há muitos anos não é mais<br />
uma cena apenas paulistana, tem rap <strong>do</strong> Sul <strong>do</strong> país até<br />
o Norte, o Nordeste, tem rap em qualquer lugar <strong>do</strong> Brasil.<br />
O MinC só criou o Prêmio Cultura <strong>Hip</strong>-Hop porque viu a<br />
mesma situação. Em uma tribo indígena no Amazonas<br />
tem rap, vai na mais distante quebrada deste país, tem<br />
hip-<strong>hop</strong>. Algumas viagens que fiz como repórter da<br />
revista Rap Brasil, cobrin<strong>do</strong> eventos para escrever a<br />
coluna “Pelo Brasil”, me trouxeram outra visão que vai<br />
muito além das centenas, ou milhares, de grupos que
36 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
existem no esta<strong>do</strong> de São Paulo onde o rap surgiu. E os<br />
jovens <strong>do</strong> Acre, de outras localidades que visitei, amam<br />
a parada, vivem por ela. Confesso que não sabia o que ia<br />
encontrar quan<strong>do</strong> embarquei em 2007 para o Acre, para<br />
cobrir o Primeiro Encontro Norte de <strong>Hip</strong>-Hop, organiza<strong>do</strong><br />
pelo Augusto <strong>do</strong> <strong>Hip</strong>-Hop e sua esposa, com alguns alia<strong>do</strong>s.<br />
O evento teria duração de <strong>do</strong>is dias, com debates<br />
e palestras no primeiro e show no segun<strong>do</strong>. Mais a presença<br />
de militantes de outros esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Nordeste, além<br />
<strong>do</strong>s locais de Rio Branco.<br />
Já no primeiro dia vi que os participantes <strong>do</strong>s debates<br />
tinham discurso de protesto, com temas diferentes <strong>do</strong>s<br />
nossos, falavam da preservação da Amazônia e coisas<br />
assim. Mas tinham o mesmo estilo <strong>do</strong> rap militante <strong>do</strong>s<br />
anos 1980 e 1990 em São Paulo, só lutavam por outras<br />
causas. No segun<strong>do</strong> dia, a minha nova surpresa: o nível<br />
<strong>do</strong>s b.boys e depois <strong>do</strong>s grupos de rap locais era de fato<br />
muito bom, e eles tinham rimas envolventes. Saí de lá com<br />
a certeza de que o rap era forte em qualquer lugar <strong>do</strong> Brasil.<br />
Como uma vez em que fomos para Goiânia, eu (<strong>Buzo</strong>),<br />
Juliana Penha e Marilda Borges cobrir o lançamento <strong>do</strong><br />
primeiro DVD de rap <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, evento e DVD, ambos organiza<strong>do</strong>s<br />
pelo DJ Fox, militante de mil anos na cena.<br />
O número de grupos segui<strong>do</strong>res era impressionante,<br />
a molecada nova tu<strong>do</strong> firme e forte no rap, curtin<strong>do</strong><br />
os sons, vestin<strong>do</strong> camisetas de grupos locais e de São<br />
Paulo. No segun<strong>do</strong> dia, fomos jantar com um pessoal<br />
<strong>do</strong> rap gospel em Aparecida de Goiânia, grande Goiânia.<br />
Chegan<strong>do</strong> a uma igreja evangélica, esperamos acabar o<br />
culto que acontecia. Saiu um mano de social, dizen<strong>do</strong><br />
ser o MC tal, falava que assim que os irmãos esvaziassem<br />
a igreja eles tinham autorização <strong>do</strong> pastor para nos<br />
receber no local. Perguntei: “Não era um jantar Uma<br />
fome da gota.” E ele respondeu: “É que avisamos a um<br />
pessoal que vocês viriam, da Rap Brasil de São Paulo, e<br />
eles querem conhecer vocês.” Olhei para o outro la<strong>do</strong> de
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
37<br />
uma rua de duas pistas, tinha cerca de quarenta jovens<br />
vesti<strong>do</strong>s ao melhor estilo hip-<strong>hop</strong>. Vieram na direção da<br />
igreja, e a Juliana falou: “O que a gente faz, <strong>Buzo</strong>” Respondi:<br />
“Vamos improvisar uma palestra, um bate-papo.”<br />
E assim aconteceu. Os caras e as minas tomaram conta<br />
da igreja, faixas de crews foram penduradas e falei (ou<br />
falamos) por cerca de uma hora.<br />
O MC que nos recebeu trocou não sei onde a roupa social<br />
por vestimentas <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. Nem parecia a mesma pessoa.<br />
Algumas fotos e missão cumprida! Depois nos levaram<br />
para uma quebradinha de periferia, muitas ruas sem<br />
pavimentação, a cidade toda é meio periférica, então<br />
sim, um maravilhoso jantar nos aguardava, prepara<strong>do</strong><br />
pelas esposas <strong>do</strong>s manos. Então, como àquela altura a<br />
fome era maior que qualquer outra coisa, comemos, e<br />
muito bem, obriga<strong>do</strong>.<br />
São tantas histórias, como na minha ida à Bahia, leva<strong>do</strong><br />
pelo Nelson Maca, <strong>do</strong> Coletivo Blackitude – Vozes Negras<br />
da Bahia, além de palestras em faculdades. O Maca fez<br />
questão de me levar para conhecer os manos <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
na cidade de Alagoinhas-BA. No local, conheci um mano<br />
deficiente físico chama<strong>do</strong> “Mama”, que é MC, e outros<br />
rappers ou militantes. A casa era um local humilde, mas<br />
fizeram questão de nos receber com um belo almoço.<br />
Isso mostra que o rap é mesmo uma grande família, e na<br />
maioria das vezes acolhe<strong>do</strong>ra, basta saber chegar.<br />
Sempre disse isto: se toda periferia curtisse rap, o sistema<br />
ia tremer, porque a revolta ia vir junto com a informação,<br />
com a denúncia e com a cobrança. Mas a maioria<br />
da população periférica prefere o forró com duplo senti<strong>do</strong>,<br />
o cantor ou a cantora que vai ao Faustão. Só é um<br />
grande escritor se for ao Jô Soares, só é famoso se sair<br />
na Veja, então eles <strong>do</strong>minam a informação e passam para<br />
o povo programas sem conteú<strong>do</strong> como o Big Brother, da<br />
Globo, e A Fazenda, da Record. Um povo aliena<strong>do</strong> é sempre<br />
mais fácil de manipular. O rico continua rico, o pobre,
38 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
cada vez mais pobre, e sonhan<strong>do</strong> apenas com o celular<br />
de última geração, muitas vezes sem crédito para fazer<br />
ligação, um carro melhor que o <strong>do</strong> vizinho, igualzinho<br />
ao que ele viu na TV. Compre, compre, consuma e seja<br />
vence<strong>do</strong>r, não ajude ninguém, na selva de pedra é assim:<br />
“Eles matam os humildes demais”, como diria um som<br />
<strong>do</strong>s Racionais.<br />
Mas o rap no Brasil prega outra coisa, talvez até mesmo<br />
a dita união nunca tenha si<strong>do</strong> plenamente vivida, embora<br />
ela ainda seja difundida. O rap exige uma postura, uma<br />
conduta, e são os militantes que fazem o <strong>movimento</strong><br />
seguir adiante, mesmo nas piores crises. Se você perguntar<br />
a opinião das pessoas de <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>,<br />
de como elas veem o rap no momento, a resposta vai ser<br />
muito diferente de um para o outro, porque alguns são<br />
mais otimistas, e outros nem tanto. Na verdade, poucos<br />
têm coragem de dizer o que pensam de forma tão direta<br />
como o DJ Cia numa entrevista exclusiva para mim, em<br />
fevereiro de 2010, publicada no meu blog 1 sobre o rap nos<br />
dias de hoje. Ele disse: “O rap, a meu ver, está perdi<strong>do</strong>,<br />
me desculpem a franqueza, ninguém tá fazen<strong>do</strong> algo<br />
que dê uma explosão mesmo, e precisamos disso, digo<br />
até mesmo <strong>do</strong> nosso la<strong>do</strong>. Existe uma fórmula e é o que<br />
corremos atrás, <strong>do</strong> jeito que está é muito cômo<strong>do</strong>, não<br />
vai mudar nada se continuar assim, precisamos colocar o<br />
rap na rua, nos carros, nas casas, nas rádios, tem que ser<br />
febre como o samba, as pessoas têm que cantar como se<br />
canta samba, o samba é da favela, não é <strong>do</strong>s boys, você<br />
não vê boy fazen<strong>do</strong> samba, a diferença é a união. Pô, é<br />
loko, sim, underground, freestyle etc., mas to<strong>do</strong>s são um<br />
só nego, enfraquece ao invés de fortalecer, está cada um<br />
no seu canto, ninguém fala de ninguém, não ajuda, não<br />
comenta, não fala bem, só fala mal, se não for <strong>do</strong> seu<br />
bolo então... tá erra<strong>do</strong>. Pensem nisso.”<br />
1 www.buzoentrevista.blogspot.com
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
39<br />
Pensamos sim, tanto que fizemos a mesma pergunta<br />
para outros <strong>do</strong> nosso meio, não para provar que o DJ Cia<br />
estava erra<strong>do</strong>, porque na verdade o que ele nos disse é,<br />
de certa forma, verdade. Falta o que mais pregamos no<br />
rap: a união. Mas o que sobra são adeptos em to<strong>do</strong>s os<br />
lugares <strong>do</strong> Brasil, fazen<strong>do</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> uma das expressões<br />
que mais dialoga com a juventude <strong>do</strong> país. E com<br />
mais de vinte anos, deixou de ser encara<strong>do</strong> como moda,<br />
é um estilo consolida<strong>do</strong> e que cresce mais e mais. As<br />
dificuldades e limitações impostas são muitas, desde o<br />
preconceito em cidades <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> país, até perseguição<br />
policial nas grandes cidades. Alguns casos viraram<br />
notícia, como o da Virada Cultural de 2008, quan<strong>do</strong> o<br />
palco <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> era o mais afasta<strong>do</strong>, o de mais difícil<br />
acesso e o único com forte esquema policial, dan<strong>do</strong> geral<br />
em quem chegava para assistir aos shows. Surgiram<br />
vários protestos, principalmente na internet, e a solução<br />
foi no ano seguinte não ter mais o palco <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. Uma<br />
ou outra atração ligada ao <strong>movimento</strong> foi espalhada pela<br />
cidade, mas nenhuma delas era exclusiva para os adeptos<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. Ver isso acontecer há tão pouco tempo,<br />
e na cidade de São Paulo, berço da cultura no país, é de<br />
fato um caso para se preocupar.<br />
Existem outros exemplos, como o texto preconceituoso<br />
da jornalista Bárbara Gancia publica<strong>do</strong> no jornal Folha<br />
de S.Paulo. Na época, vários militantes escreveram textos<br />
contra a jornalista e mandaram para o jornal, mas<br />
nada aconteceu. Nesses protestos, mais militantes <strong>do</strong><br />
que artistas, grandes nomes da cena geralmente não<br />
tomam parti<strong>do</strong>. Se isso ajuda ou atrapalha, cabe a cada<br />
um tirar suas conclusões. Eu acho que se nomes de peso<br />
se manifestam publicamente, trazem consigo o seu<br />
público; é a minha opinião sobre esse caso. Na semana<br />
em que escrevo estas palavras, aconteceu um fato muito<br />
triste para o rap nacional. Morreu a rapper Dina Di, <strong>do</strong><br />
grupo Visão de Rua, uma das pioneiras no rap feminino,
40 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
referência para mulheres de to<strong>do</strong> o país. Não poderia ser<br />
diferente: to<strong>do</strong>s os sites e blogs de hip-<strong>hop</strong>, cada um a<br />
sua maneira, publicaram homenagens, mas na grande<br />
mídia quase nenhuma matéria, nem em jornais, nem nos<br />
principais sites, nem telejornais, porque o agravante<br />
é que em pleno século XXI ela morreu de uma infecção<br />
hospitalar 17 dias depois de dar à luz sua filha Aline<br />
(02/03/2010), em 19 de março de 2010. Não vi nenhum<br />
comentário na grande mídia, assim é o rap no Brasil, discrimina<strong>do</strong><br />
porque incomoda.<br />
O <strong>movimento</strong> precisa se juntar para discutir ações e<br />
diminuir esses descasos, mas é pouco provável que isso<br />
venha a acontecer. Muitos se preocupam apenas por<br />
questões diretamente ligadas a sua música, sua carreira.<br />
Por falta de tempo, de dinheiro, de interesse até<br />
de alguns. O Mano Brown, há algum tempo, convocou<br />
centenas de líderes <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> e de grupos de ponta.<br />
A questão a ser abordada era o conteú<strong>do</strong> das letras,<br />
porque muitas vezes os moleques seguem o que ouvem<br />
ao pé da letra e sem prestar atenção na parte em que o<br />
bandi<strong>do</strong> morre, vai preso. Músicas como a <strong>do</strong>s Racionais<br />
que diz “Hoje eu sou ladrão, artigo 157, as cachorras me<br />
amam, os playboys se derretem...” pode ser mal interpretada.<br />
Era isso que o Brown queria passar nessa tal<br />
reunião que não trouxe nenhuma mudança concreta,<br />
mas é esse tipo de encontro que precisaria ser realiza<strong>do</strong><br />
com maior frequência, para juntos arrumarmos saída<br />
para todas as questões que envolvem o hip-<strong>hop</strong>. As principais<br />
são como fazer dinheiro, como viver da nossa arte,<br />
como diminuir o preconceito e estourar na mídia para,<br />
como disse o DJ Cia, chegar a to<strong>do</strong>s os lugares como o<br />
samba. Sabotage já disse e sua mensagem é clara: “Rap<br />
é compromisso, não é viagem”.<br />
Como estamos falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> início de tu<strong>do</strong>, fomos buscar<br />
uma pessoa que viveu aquele momento na São Bento, o<br />
berço <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> nacional, para nos contar mais detalhes.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
41<br />
No mês de maio de 2010, estivemos na quadra da Impera<strong>do</strong>r<br />
<strong>do</strong> Ipiranga. A missão era entrevistar com exclusividade<br />
para este livro um <strong>do</strong>s principais nomes <strong>do</strong> rap<br />
nacional. Falo de Rappin Hood, que agora é vice-presidente<br />
da escola da samba Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Ipiranga. Hood me<br />
recebeu muito bem, somos amigos desde que trabalhamos<br />
juntos no programa Manos e minas da TV Cultura.<br />
A entrevista dele é importante, afinal, Rappin Hood é<br />
um <strong>do</strong>s manos que estão na cena desde o início na São<br />
Bento. Falamos de muitos assuntos e agora você, leitor,<br />
confere na íntegra.<br />
BUZO: Rappin Hood, o assunto é hip-<strong>hop</strong>. Se eu te falar só<br />
essa palavra, o que vem na sua mente<br />
HOOD: Na minha mente vêm breakers dan<strong>do</strong> giro de costas<br />
no chão, grafiteiros grafitan<strong>do</strong>, MCs riman<strong>do</strong>, DJs<br />
tocan<strong>do</strong> aqueles raps pesa<strong>do</strong>s. Pô, hip-<strong>hop</strong> é tu<strong>do</strong> isso,<br />
vejo também a questão social, a reivindicação, a militância.<br />
Vejo a molecada se divertin<strong>do</strong> num baile, manos<br />
e minas tiran<strong>do</strong> uma onda, curtin<strong>do</strong> um som, isso pra<br />
mim é o hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Existe pra você, sei que para outros pode existir,<br />
mas pra você existe rap sem protesto<br />
HOOD: Não. Como diria o Sabotage, rap é compromisso,<br />
eu aprendi assim, né, mano, eu sou um nome da velha<br />
escola <strong>do</strong> rap brasileiro, mas acho que o rap também<br />
serve para divertir. Eu acho que a nova molecada saca<br />
que o rap nacional não tem que carregar isso nas costas,<br />
mas também não pode perder isso de vista, né, não<br />
pode esquecer, acho que dá pra fazer as duas coisas,<br />
divertir e mandar a mensagem, eu acredito nisso.<br />
BUZO: Você vem daquele tempo da São Bento, como era<br />
fazer o som no cesto de lixo <strong>do</strong> metrô, fazer daquilo um<br />
instrumento, como era isso
42 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
HOOD: Isso aí foi o começo de tu<strong>do</strong>, foi uma fase boa<br />
porque eu pude conhecer o hip-<strong>hop</strong>, entender o que é<br />
hip-<strong>hop</strong>. Compara<strong>do</strong> aos mestres <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, era muito<br />
ingênuo, a gente se reunia ali simplesmente para dançar<br />
o break, buscar informações. Naquele tempo não tinha<br />
internet, a informação era difícil, então eu tinha uma<br />
informação, o outro tinha outra e assim a gente aprendeu<br />
o hip-<strong>hop</strong>. Era muito da hora poder estar numa lata<br />
de lixo, batucan<strong>do</strong> e cantan<strong>do</strong> ao la<strong>do</strong> de MC Jack, JRW,<br />
Estilo Selvagem, ver Jabaquara Breakers, Back Spin,<br />
duelan<strong>do</strong> ali no break, foi um tempo maravilhoso, foi<br />
uma efervescência cultural. O começo, né, foi muito<br />
bom e é algo que eu sempre procuro manter vivo em<br />
minha mente, não perder de vista, saber de onde eu vim,<br />
de onde o hip-<strong>hop</strong> veio e me manter firme naquele propósito.<br />
Hoje são novos tempos, mas acredito que aquele<br />
começo maravilhoso é a base de tu<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Você veio com aquela primeira safra, pessoas<br />
estavam descobrin<strong>do</strong> o hip-<strong>hop</strong>. Quan<strong>do</strong> deixou de ser<br />
diversão e passou a ser profissão<br />
HOOD: Na verdade, eu nunca vi o rap como fonte de renda.<br />
Quan<strong>do</strong> eu comecei, era mais um hobby, um lazer que eu<br />
tinha, eu trabalhava de office boy e no fim de semana eu<br />
ia lá me reunir com o povo. Quan<strong>do</strong> tinha algum trampo<br />
no centro, passava na galeria e tal, mas nunca calculei<br />
isso. Na verdade, começo da década de 1990, quan<strong>do</strong> eu<br />
comecei a gravar meu primeiro CD, eu abri o selo Raízes<br />
junto com o KL Jay, aquele momento foi um momento em<br />
que eu pensei nisso. Parei de trabalhar pra viver só de<br />
hip-<strong>hop</strong>, pra lançar o Raízes Discos, pra lançar o disco<br />
<strong>do</strong> Posse Mente Zulu e dali pra frente foi só hip-<strong>hop</strong>,<br />
né, <strong>Buzo</strong>. Não é fácil, 99% transpiração, 1% de inspiração,<br />
viver <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, <strong>do</strong> rap, não é fácil, mas tem como<br />
se viver <strong>do</strong> rap, se você for dedica<strong>do</strong>, se você batalhar,<br />
acreditar em Deus, em você mesmo, aí pode conseguir,
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
43<br />
sim. Tem vários parceiros que vêm <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> como eu.<br />
Hoje, no Brasil, o hip-<strong>hop</strong> é forte, tem muita coisa acontecen<strong>do</strong>,<br />
não vai ser assim aquela vida de gala, mas dá,<br />
tem como se viver <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, <strong>do</strong> rap.<br />
BUZO: E o hip-<strong>hop</strong>, salva<br />
HOOD: Salva pô, salva.<br />
BUZO: Em qual senti<strong>do</strong><br />
HOOD: Salvou vários parceiros meus. O exemplo maior<br />
que eu tenho pra falar disso é o Sabotage, né, cara.<br />
Quan<strong>do</strong> eu conheci ele, éramos moleques no Clube <strong>do</strong><br />
Rap, e depois disso a gente ficou um tempo sem se ver,<br />
depois a gente se encontrou, ele foi num show meu e<br />
falou: “Pô, tô com umas rimas, queria te mostrar e tal.”<br />
E aí teve aquele célebre capítulo em que eu e o Sandrão<br />
fomos buscar ele na Espraiada, pra começar a cantar<br />
com a gente nos shows, pra começar a fazer o projeto <strong>do</strong><br />
que seria o primeiro disco dele.<br />
BUZO: Existiu mesmo aquele caso de o pessoal <strong>do</strong> meio que<br />
ele trabalhava perguntar pra vocês <strong>do</strong> que ele ia viver<br />
HOOD: Teve isso, sim, uma conversa séria com os meninos<br />
com quem ele trabalhava, ele era funcionário, né, de<br />
um certo patrão, e aí quan<strong>do</strong> surgiu essa ideia ele falou:<br />
“Firmeza”, eu libero ele, mas o que vocês vão fazer por<br />
ele, porque se ele voltar aqui pedin<strong>do</strong> emprego eu não<br />
vou dar, se ele quiser até deixo um dinheiro até ele se<br />
estabelecer. A conversa foi essa: “O que vocês vão fazer<br />
com meu menino, ele vai ficar legal, ele vai trabalhar,<br />
ele vai poder sustentar a família dele”.<br />
BUZO: Aí surgiu o RZO na fita<br />
HOOD: Nós já estávamos juntos, estávamos eu, o Sandrão<br />
e o Paulinho Pedroso, que é aqui da comunidade<br />
(Vila Carioca) e deu uma carona pra gente. A partir dali
e filho DJ Cia e filho
46 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
ele começou a ir aos shows <strong>do</strong> Posse Mente e <strong>do</strong> RZO,<br />
ia comigo, ganhava um qualquer, ia com o RZO, ganhava<br />
um qualquer. Aí o Brown deu uma força pra ele gravar o<br />
disco dele no YD, com o Gonzales, o Ganja, essa é a história<br />
<strong>do</strong> neguinho, a trajetória <strong>do</strong> neguinho, depois disso<br />
to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabe o que aconteceu.<br />
BUZO: A previsão quan<strong>do</strong> ele (Sabotage) nos deixou era<br />
que fosse estourar não só no rap, mas no cinema. Como<br />
você acha que estaria o rap com ele aqui, um alicerce<br />
para estar em outro patamar<br />
HOOD: Com certeza, o Sabotage era uma pessoa forte<br />
que estava se destacan<strong>do</strong>, levan<strong>do</strong> o hip-<strong>hop</strong> pra outras<br />
frentes, por exemplo, eu... hoje em dia já fiz <strong>do</strong>is filmes<br />
atuan<strong>do</strong>, com fala, que foram Carandiru e Nina, mas<br />
tu<strong>do</strong> começou com o Sabotage em Carandiru, eu lembro<br />
como se fosse hoje, eu falei pra ele: “Eu não sou ator.”<br />
Ele disse: “Neguinho de periferia não sabe imitar um<br />
ladrão, você é ator, porra.” (risos). Ele tinha uma visão<br />
legal de expansão, de progresso, né, ele ia estar gigante,<br />
monstro, fazen<strong>do</strong> uns trabalhos legais, levan<strong>do</strong> o hip-<strong>hop</strong><br />
pra outras fontes, pra outras margens.<br />
BUZO: Ia te perguntar de três ícones <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, um deles<br />
era o Sabotage, que você já falou, queria saber de outras<br />
duas pessoas, primeiro... Nelson Triunfo<br />
HOOD: Pô, o Nelsão, sem palavras, pô, irmão, eu assisti<br />
ao Nelsão no Bozo, cara, eu era garoto, programa <strong>do</strong><br />
Bozo, Nelsão e Funk e Cia. dançan<strong>do</strong>, e tive a oportunidade<br />
de conhecê-lo nos bailes da Chic Show, Zimbabwe,<br />
admiro a humildade dele, ele passou por todas as<br />
gerações e continua aí firme e forte até hoje, fazen<strong>do</strong><br />
suas palestras, suas oficinas, seus shows, eu tenho<br />
uma admiração muito grande pelo Nelsão, pelo que ele<br />
representa pro nosso <strong>movimento</strong>, se fosse lá fora ele<br />
seria um James Brown.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
47<br />
BUZO: Falta valorização no Brasil<br />
HOOD: Acho que ele merece muito mais, ele é com certeza<br />
o grande ícone <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> nacional, o Nelsão vem<br />
da fase <strong>do</strong> James Brown, ele conhece a história <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
<strong>do</strong> país, é o Papa Down <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> brasileiro,<br />
gosto muito da pessoa dele, a família dele é sensacional,<br />
sou fã dele.<br />
BUZO: Última pessoa de três personalidades, Sabotage,<br />
Nelsão e por fim... Dexter. Como pode um cara exila<strong>do</strong> vir<br />
de vez em sempre inovan<strong>do</strong><br />
HOOD: O Dexter é muito inteligente, né, a gente é da<br />
mesma safra de rap, abrimos muito show <strong>do</strong>s Racionais,<br />
Thaíde, Sampa Crew... Lembra, Dexter Bons tempos...<br />
E é um cara verdadeiro, o que ele pensa, ele fala. Amante<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, espero que em breve ele possa estar em<br />
liberdade total, pra trabalhar aí pelo país inteiro, ajudar<br />
a gente aí nessa missão <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, fazer shows, palestras,<br />
acho que o relato dele é muito bonito, importante<br />
pra molecada saber, conhecer. Eu vejo ele hoje como<br />
um homem recupera<strong>do</strong>, regenera<strong>do</strong> e mais uma pilastra<br />
forte <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> brasileiro, eu sou fã dele como músico,<br />
tenho a satisfação de ser amigo dele, né, a gente está se<br />
falan<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> pode, quan<strong>do</strong> dá.<br />
Realmente, uma das maiores emoções da minha vida<br />
foi poder, quan<strong>do</strong> eu estava na TV Cultura, ter i<strong>do</strong> entrevistá-lo<br />
<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> complexo carcerário, viver aquele<br />
momento de emoção e de carinho entre um amigo e<br />
outro, foi realmente emocionante, fazia um tempo que<br />
a gente não se via, espero que ele possa ainda crescer<br />
muito mais, fazer mais e melhores raps pra gente curtir.<br />
BUZO: Desta nova safra, manos que estão surgin<strong>do</strong> agora,<br />
com talento, inovação, quem você acompanha e curte
48 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
HOOD: Sou suspeito, tem alguns, <strong>do</strong>is que são meus<br />
parceiros, eu gosto muito deles, outro não é próximo<br />
de mim, mas tô ven<strong>do</strong> o trabalho dele, gosto muito <strong>do</strong><br />
Lui MR, que é um menino que eu tô gravan<strong>do</strong> o disco<br />
dele, sou um fã <strong>do</strong> trabalho dele, ainda tem muito pra<br />
render, pra mostrar pro rap nacional. Bom também é<br />
meu parceiro de Posse Mente, o Johnny MC, que não é<br />
mais um garoto, mas é o primeiro disco dele, o debute<br />
dele, então acho que ele também vai surpreender, é um<br />
disco legal, a gente gravou, está pra sair.<br />
Tem os meninos lá <strong>do</strong> Sul, que ganharam o Melhor Demo<br />
no Hutúz, que é o Rafuagi, gosto muito <strong>do</strong> trabalho<br />
deles, acho que têm muito pra mostrar.<br />
Tem o Mandamentos, grupo que só lançou uma música<br />
na coletânea Rima forte, mas que eu tenho expectativa<br />
ainda de fazer um trabalho com eles, lançar um disco<br />
deles, uma banda que admiro muito também.<br />
Tem o Mizuri Sana, que é a banda <strong>do</strong> meu irmão (ParteUm),<br />
não porque é meu irmão, não, mas eu gosto, é diferente,<br />
gosto das produções deles, tem outro menino que tenho<br />
visto se destacan<strong>do</strong> bastante, que é o Emicida, né, cara,<br />
e que gosto também <strong>do</strong> trabalho dele, ele vem crescen<strong>do</strong>,<br />
participan<strong>do</strong> de programas de ponta no país, essa nova<br />
geração <strong>do</strong> Freestyle, então eu acho que vem uma nova<br />
geração <strong>do</strong> rap brasileiro, que tem muita coisa pra acontecer,<br />
no Brasil inteiro tem uma molecada escreven<strong>do</strong> e<br />
fazen<strong>do</strong>, no Rio de Janeiro, por exemplo, conheci o Papo<br />
Reto, um moleque que eu gostei de ver o trabalho dele,<br />
gosto muito da rima dele, tem uma molecada chegan<strong>do</strong><br />
pra fortalecer, por exemplo o Rapadura, acho fenomenal<br />
também, e tem alguns antigos, que não são tão novos<br />
assim e têm trabalhos maravilhosos, como por exemplo o<br />
Criolo Doi<strong>do</strong>, sou fã <strong>do</strong> trabalho dele, acho que ele ainda<br />
vai render muito pro rap nacional, acho que nós estamos<br />
bem servi<strong>do</strong>s, está chegan<strong>do</strong> uma safra boa.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
49<br />
BUZO: Hood, existem grandes nomes <strong>do</strong> rap nacional,<br />
da sua época, que parecem que não acompanharam a<br />
evolução <strong>do</strong>s tempos, hoje é tu<strong>do</strong> muito rápi<strong>do</strong>, Nextel,<br />
internet... alguns grupos de ponta, não precisamos citar<br />
nomes, mas concorda que isso acontece e eles estão<br />
fora da cena hoje em dia<br />
HOOD: Com certeza isso acontece às vezes, até às vezes<br />
por sau<strong>do</strong>sismo, mas o novo sempre vem, hoje nós estamos<br />
em tempos novos, uma fase nova, diferente, a gente<br />
tem que se adaptar, a nossa geração precisa procurar<br />
acompanhar, tem pessoas que são sau<strong>do</strong>sistas, mas o<br />
tempo não vai voltar, gente, temos que seguir firmes,<br />
procurar acompanhar e estar junto, dan<strong>do</strong> um alicerce,<br />
mostran<strong>do</strong> o que é o hip-<strong>hop</strong>, aonde a gente quer chegar,<br />
almeja chegar, sou a favor da renovação. Os novos não<br />
podem esquecer das raízes, de onde viemos, mas é legal<br />
e saudável vir o novo também.<br />
BUZO: As festas de rap estão voltan<strong>do</strong> de certa forma, o<br />
Clube <strong>do</strong> Rap voltou, esses dias você estava na Hole com<br />
vários outros rima<strong>do</strong>res. Acha que essas festas demoraram<br />
a voltar, que são importantes<br />
HOOD: Muito importantes, se eu pudesse eu pediria<br />
encarecidamente pra que todas as equipes de baile,<br />
Chic Show, Black Mad, Zimbabwe, Kaskatas, Circuit<br />
Power, Rot Gang, Black News voltassem, rapa!!!! Voltem<br />
que precisamos de vocês, era muito bom aquele tempo,<br />
era muito show, muito baile, eu sinto falta, sim.<br />
BUZO: Você foi um <strong>do</strong>s pioneiros <strong>do</strong> rap a misturar outros<br />
estilos musicais, Zélia Duncan, Leci Brandão, Caetano<br />
Veloso. Isso aconteceu naturalmente, por acaso, como foi<br />
HOOD: Na verdade, era algo que eu tinha em mente, eu<br />
sempre quis fazer um rap com RG brasileiro, um rap com<br />
características brasileiras, da cultura brasileira. No<br />
meu primeiro solo eu caí pra cima dessa mistura.
50 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Você conhecia to<strong>do</strong>s ou conheceu fazen<strong>do</strong> o convite<br />
HOOD: Foi bem ao natural mesmo, encontrei com um que<br />
me disse: “A gente podia fazer uma música junto.” E eu:<br />
“Você está falan<strong>do</strong> sério”.<br />
BUZO: De repente ele tinha interesse, mas nunca tinha<br />
si<strong>do</strong> convida<strong>do</strong>.<br />
HOOD: Foi uma troca muito honesta e tu<strong>do</strong> começou com<br />
a Leci Brandão. Parece que depois que eles viram a<br />
Leci, fortaleceu mais ainda esse elo, com o samba, com<br />
outros ritmos, com a música popular brasileira, e é algo<br />
que eu sempre quis fazer, juntou a fome com a vontade<br />
de comer, encontrei o Caetano, ele me convi<strong>do</strong>u pra participar<br />
<strong>do</strong> show dele nos 450 anos de São Paulo, aí ele<br />
chegou pra mim no ensaio: “Meu, gosto pra caramba de<br />
‘Tu<strong>do</strong> no meu nome’, ‘Sou negão’, ‘Suburbano’... queria<br />
que você cantasse essas músicas no show, mas queria<br />
um numero especial, eu e você, uma coisa diferente<br />
e tal.” Aí eu falei: “Tem uma música sua que eu gosto<br />
demais que é ‘Odara’. Não dá pra gente fazer um negócio<br />
com ela Você canta e eu venho riman<strong>do</strong>, improvisan<strong>do</strong> e<br />
tal.” Foi tu<strong>do</strong> muito natural, depois que a gente fez esse<br />
show ele falou: “Mano, vamos gravar isso.” “No meu<br />
disco ou no seu “Ele falou: “Tanto faz.” E aí já veio essa<br />
parceria com o Caetano, nesse mesmo dia estava o Gilberto<br />
Gil e me disse: “A gente precisa fazer alguma coisa<br />
junto qualquer hora.” “Pode crê, estou gravan<strong>do</strong> meu<br />
CD.” Ele falou: “Eu participo.” Foi tu<strong>do</strong> muito natural, o<br />
Fun<strong>do</strong> de Quintal, por exemplo, eu fui fazer uma matéria<br />
pra MTV, primeira vez que eles iam fazer a MTV. A emissora<br />
queria alguém jovem pra conduzir essa entrevista,<br />
apresentan<strong>do</strong> o Fun<strong>do</strong> de Quintal pro público da emissora,<br />
e aí acabou viran<strong>do</strong> um samba a matéria, e depois<br />
virou mais uma música, nunca planejei, se tivesse planeja<strong>do</strong>,<br />
talvez não tivesse consegui<strong>do</strong> executar.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
51<br />
BUZO: Existe uma frase que é assim: “Não saben<strong>do</strong> que<br />
era impossível, foi lá e fez.”<br />
HOOD: É mais ou menos isso, eu só posso agradecer a esses<br />
ícones da música brasileira pela oportunidade de estar<br />
ao la<strong>do</strong> deles e de provar também que o rap é música, que<br />
ainda hoje tem gente que acha que rap não é música, é<br />
legal estar com eles e ajudar a consolidar o rap nacional.<br />
BUZO: Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Ipiranga: como é essa nova empreitada,<br />
você que pega ela no grupo de acesso, pro carnaval<br />
2011 levar ela pro especial e se firmar<br />
HOOD: É fazer um trabalho de que a comunidade possa se<br />
orgulhar, sou um filho da comunidade, tanto eu quanto<br />
o Buiú (presidente), amigo de infância, estamos nessa<br />
dupla agora, cuidan<strong>do</strong> da casa, pra mim é uma responsabilidade,<br />
mas também é muito prazeroso, desde<br />
garoto desfilo aqui, sou Corinthians, mas sou Impera<strong>do</strong>r.<br />
Pra mim é satisfação e desafio, peguei a escola num<br />
momento delica<strong>do</strong>, desceu <strong>do</strong> grupo especial pro de<br />
acesso, está com contas pra acertar, então nossa busca<br />
é endireitar a casa e voltar para o nosso lugar, voltar<br />
pro especial, quero atuar forte também no la<strong>do</strong> social<br />
da escola, eu acho que posso colaborar muito nisso e<br />
pôr o carnaval na rua, convocar as comunidades <strong>do</strong> Ipiranga,<br />
de Heliópolis, São João Clímaco, Vila Arapuá, Vila<br />
Carioca, região toda aqui, colocar a maior autoestima<br />
possível na avenida, essa é a nossa luta, quero convocar<br />
to<strong>do</strong>s os parceiros e parceiras, manos e minas, guerreiros<br />
e guerreiras <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Pra finalizar, este livro sai antes <strong>do</strong> carnaval 2011:<br />
podemos esperar uma ala com personalidades da<br />
periferia<br />
HOOD: Claro, <strong>Buzo</strong>, pode contar, e quero você junto nesse<br />
projeto, tu<strong>do</strong> nosso!!!
52 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Depois de falarmos com o Rappin Hood, seguimos com<br />
personalidades que estão há muitos anos envolvidas<br />
nesse <strong>movimento</strong> contagiante chama<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, e um <strong>do</strong>s<br />
grupos que são referência vem da Zona Leste de São Paulo<br />
e atende pelo nome de DMN. Falamos com Markão II, que é<br />
um <strong>do</strong>s rappers, ou MCs, mais politiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> país.<br />
Abrimos a entrevista falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> um <strong>do</strong>s maiores clássicos<br />
<strong>do</strong> rap nacional, a música H.Aço <strong>do</strong> DMN. Vamos lá.<br />
BUZO: H.Aço. Como é ter um <strong>do</strong>s maiores clássicos <strong>do</strong> rap<br />
nacional<br />
MARKÃO II: Desde a primeira vez que o LF me mostrou e<br />
rimou a letra, entendi a proposta e percebi o potencial.<br />
E com a base <strong>do</strong> Edi Rock, o casamento foi perfeito.<br />
Realizamos um sonho e alcançamos um objetivo. Sonho<br />
porque to<strong>do</strong>s nós, que fazemos um som, esperamos lançar<br />
algo que atinja o maior número de pessoas possível.<br />
Na época, eu tinha como exemplo Thaíde e DJ Hum, com<br />
Corpo fecha<strong>do</strong>. A música já tinha “mil anos” e to<strong>do</strong>s continuavam<br />
cantan<strong>do</strong>. E, quan<strong>do</strong> percebemos que conseguimos<br />
eternizar H.Aço no gosto, no coração, na história de<br />
vida das pessoas, foi sensacional. Ficamos (DMN) sempre<br />
comentan<strong>do</strong>: “Caramba, mais de dez anos depois e<br />
em to<strong>do</strong> lugar que tocamos a rapa canta H.Aço com orgulho,<br />
sentimento”. É incrível, recompensa<strong>do</strong>r.<br />
Participamos de vários episódios que firmam o nome<br />
DMN na história <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil, mas essa música<br />
para nós (ainda mais depois de ter si<strong>do</strong> premiada como<br />
“Música <strong>do</strong> Século” pelo prêmio Hutúz) é a coroa, o desfecho<br />
com chave de ouro, a sinalização de que o caminho<br />
que seguimos é o correto.<br />
Essa música também nos proporcionou alcançar o objetivo<br />
de divulgar aos quatro cantos <strong>do</strong> Brasil os problemas<br />
ainda sofri<strong>do</strong>s pela juventude preta e pobre das
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
53<br />
periferias. O sucesso desse som a to<strong>do</strong> instante continuará<br />
fazen<strong>do</strong> jovens (homens e mulheres) refletirem<br />
sobre o que nos prejudica por conta <strong>do</strong> racismo,<br />
machismo, violência policial etc.<br />
BUZO: O que você destaca no hip-<strong>hop</strong> nacional nos<br />
anos 1980<br />
MARKÃO II: Black Junior, Pepeu, Ndee Rap (Naldinho), Thaí de<br />
e DJ Hum, MC Jack e DJ Ninja, Código 13, Os Metralhas,<br />
Dee Mau, Sampa Crew, DJ Raffa e os Magrelos e os produtores<br />
Cuca e Dinamic Duo.<br />
BUZO: Anos 1990<br />
MARKÃO II: Vixe!!! Tem vários, mas vou citar alguns: GOG,<br />
Ndee Naldinho, Basea<strong>do</strong> nas Ruas, Câmbio Negro,<br />
Sampa Crew, Geração Rap, Rap Sensation, Consciência<br />
Humana, Posse Mente Zulu, Sistema Negro, Visão<br />
de Rua, Doctors MCs, Facção Central, SNJ, Potencial 3,<br />
Filosofia de Rua, RPW, De Menos Crime, Face Negra, MT<br />
Bronks, Sharylaine, F.N.R. (meu antigo grupo), GangMaster<br />
90, Pavilhão 9, M.R.N., Detentos <strong>do</strong> Rap, Frank Frank,<br />
Ice Rock, Coman<strong>do</strong> DMC, Duck Jam e a Nação <strong>Hip</strong>-Hop.<br />
BUZO: Como vê o rap na última década, depois da virada<br />
<strong>do</strong> milênio<br />
MARKÃO II: Perdi<strong>do</strong>. Muitos esforços foram despendi<strong>do</strong>s,<br />
mas sem planejamento veio o fracasso, o zero como<br />
resulta<strong>do</strong>. Continuamos sen<strong>do</strong> campeões de mobilização,<br />
de admiração, mas sem poder de organização. Isso<br />
fez muita gente perder as forças e aban<strong>do</strong>nar projetos<br />
que poderiam ser promissores, revolucionários.<br />
Acabou a época de fazer na raça, sem calcular as ações<br />
e objetivos. Estamos no momento <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, da estratégia,<br />
<strong>do</strong> aprender a negociar. Somente por amor não<br />
iremos alcançar mais <strong>do</strong> que já alcançamos.<br />
<strong>Buzo</strong>: O que espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>
54 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
MARKÃO II: Acredito que o <strong>movimento</strong> vai continuar forte<br />
como sempre. Muita gente fazen<strong>do</strong> trabalhos sociais,<br />
discutin<strong>do</strong> sobre racismo, machismo, sexismo, distribuição<br />
de renda, violência policial e melhorias para a periferia.<br />
Espero que outras organizações nasçam e cresçam<br />
fortes, espalhadas pelo Brasil e, principalmente, com<br />
o olhar volta<strong>do</strong> para as crianças e os jovens. Não tenho<br />
problema com o la<strong>do</strong> ideológico <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> e daqueles<br />
que fazem política através da ótica <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
Agora, artisticamente, temos muito a aprender. Espero<br />
que nós, que fazemos rap, possamos ter uma postura<br />
diferente da caricatura de pessoas politicamente corretas,<br />
sérias e que fazem tu<strong>do</strong> pelo <strong>movimento</strong>. Devemos,<br />
acima de tu<strong>do</strong>, ser verdadeiros com nós mesmos. Há<br />
tempos deixei de acreditar num hip-<strong>hop</strong> em que to<strong>do</strong>s<br />
pensam e agem da mesma maneira, em que to<strong>do</strong>s têm<br />
o mesmo objetivo e em que ter compromisso e representar<br />
a periferia é primordial. Reconheço as diferenças<br />
e sei que nem to<strong>do</strong>s que estão no hip-<strong>hop</strong> têm perfil<br />
para ser porta-voz, estar na política, ou têm vocação<br />
para estudar as contradições que dela brotam a to<strong>do</strong><br />
momento. Assim como eu, por mais que tente, nunca<br />
serei um bom improvisa<strong>do</strong>r como o Emicida. Enfim,<br />
cada um tem que encontrar e desenvolver seu próprio<br />
caminho, e não reproduzir modelos já consagra<strong>do</strong>s.<br />
Mas, independente desta mudança que levará tempo,<br />
alguns nomes como em qualquer outro gênero musical<br />
irão se destacar neste processo. O bom seria se isso<br />
acontecesse em bloco, mas, como não irá acontecer tão<br />
ce<strong>do</strong>, ficaremos vigilantes e apoian<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s aqueles<br />
que superarão as adversidades e continuarão a representar<br />
nossa Cultura de Rua.
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
55<br />
A entrevista com Markão II <strong>do</strong> DMN é uma aula de rap<br />
nacional, os nomes cita<strong>do</strong>s por ele são pessoas que fizeram<br />
parte <strong>do</strong> alicerce <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>.<br />
Para seguir falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil,<br />
uma pessoa não poderia ficar de fora, cita<strong>do</strong> por muitos<br />
que foram entrevista<strong>do</strong>s nesta obra, ele é um <strong>do</strong>s pioneiros.<br />
Seu nome Thaíde.<br />
No início de junho de 2010, Thaíde nos recebeu num hotel<br />
no Centro de São Paulo e o assunto era: hip-<strong>hop</strong>.<br />
Vamos conferir o que ele nos disse agora mesmo. Com<br />
vocês, Thaíde, afinal, “Vamos que vamos, que o som<br />
não pode parar.”<br />
BUZO: Se eu te falasse uma única palavra e ela fosse:<br />
hip-<strong>hop</strong><br />
THAÍDE: Vida. Acima de tu<strong>do</strong>, vida. Vi muita gente melhorar<br />
na vida, então o hip-<strong>hop</strong> nos inspira a própria vida.<br />
BUZO: Você participou daquele início na São Bento, onde<br />
vocês se reuniam para ouvir um som, fazer um som, trocar<br />
informação. Como você chegou até ali<br />
THAÍDE: É o seguinte, quem achou a São Bento foi o Luizinho.<br />
Tem o Luizinho e o João Break, então eles chamaram<br />
dizen<strong>do</strong> que tinha um espaço legal para dançar um break<br />
e tal, foi quan<strong>do</strong> surgiu a história da São Bento, a notícia<br />
da São Bento começou a circular nas ruas, aí a gente<br />
foi conhecer a São Bento e eu fiquei, não fui o primeiro a<br />
chegar na São Bento, pessoas chegaram antes da minha<br />
pessoa lá, mas eu cheguei bem no início, é como se você<br />
tivesse chega<strong>do</strong> lá na semana passada e eu cheguei uma<br />
semana depois. Era um bagulho muito louco.<br />
BUZO: Você era b.boy ou isso é lenda<br />
THAÍDE: Eu fui um <strong>do</strong>s maiores b.boys aqui de São Paulo,<br />
com certeza o “Moinho de Vento” mais alto da São Bento.
56 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: E quan<strong>do</strong> foi que o Thaíde b.boy virou o Thaíde MC,<br />
como foi a passagem<br />
THAÍDE: Foi uma coisa natural, porque a música e a<br />
dança, uma não pode viver sem a outra, então eu dançava<br />
muitas vezes instrumentais, já admirava o pessoal<br />
que rimava em cima <strong>do</strong> instrumental, tive muita influência<br />
da música brasileira, principalmente <strong>do</strong> samba, aí<br />
comecei a escrever as letras falan<strong>do</strong> sobre brincadeira,<br />
diversão, aí passei a escrever sobre coisas mais<br />
importantes. Eu tive uma pessoa que me ensinou muitas<br />
coisas que é o Marcos Teleforo, que infelizmente já<br />
faleceu, ele escreveu as principais músicas <strong>do</strong> início<br />
<strong>do</strong> Thaíde e DJ Hum, composições dele, ele escrevia,<br />
eu lapidava e colocava minha parte... Corpo fecha<strong>do</strong>, A<br />
noite, Algo vai mudar, Homens da lei... Ele foi um grande<br />
letrista <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> brasileiro.<br />
BUZO: Aí você começou a rimar, mas como, onde e por que<br />
surgiu a dupla Thaíde e DJ Hum<br />
THAÍDE: Ele tocava na Archote, uma casa noturna lá de<br />
Moema que agora é o McDonald’s, se não me engano.<br />
Ele tocava lá e eu não gostava muito de dançar em salão,<br />
mas o pessoal me convenceu e eu fui, ele tocava as<br />
músicas que eu gostava de ouvir, a gente fez uma amizade<br />
naquela época, passaram <strong>do</strong>is anos, o lugar onde<br />
ele tocava fechou e a gente se reencontrou numa festa<br />
que aconteceu no Espaço Mambembe, organiza<strong>do</strong> pelo<br />
Nasi <strong>do</strong> Grupo Ira e também Escova... e me convidaram<br />
pra fazer um som, inclusive a rapaziada <strong>do</strong> Fabrica Fargos,<br />
que era uma banda que fazia um som interessante<br />
na época, eles que foram até a São Bento e tal e fizeram<br />
contato. Nisso o Nasi começou a colar algumas vezes<br />
na São Bento, uma ou duas vezes, mas ele foi. E desse<br />
jeito a gente começou, então. Fui fazer um som com<br />
meu antigo parceiro de rima que era o Anderson, que
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
57<br />
morava lá no Guarapiranga, nesse dia o DJ Hum apareceu<br />
e fazia uns <strong>do</strong>is anos que a gente não se via, ele era<br />
o DJ Humberto na época e nessa noite foi a primeira vez<br />
que fiz um som meu no palco e tal, e a rapaziada gostou<br />
bastante, fiquei surpreso, existe essa gravação inclusive,<br />
o Nasi tem essa gravação. E aí teve outra coisa, a<br />
empolgação <strong>do</strong> momento me levou a conversar com o<br />
DJ Humberto, perguntei se ele não queria formar uma<br />
dupla para trabalhar profissionalmente o rap, onde vem<br />
a famosa frase que ele me disse: “Mas eu não sei fazer<br />
scratch.” E eu respondi: “Mas eu também não sei rimar,<br />
a gente vai aprender junto.”<br />
BUZO: Que ano era isso<br />
THAÍDE: 1987.<br />
BUZO: Em que ano veio o primeiro álbum <strong>do</strong> Thaíde e DJ Hum<br />
THAÍDE: Um ano depois, 1988.<br />
BUZO: E quantos álbuns foram juntos<br />
THAÍDE: Foram nove álbuns, não vou saber dizer com precisão,<br />
foram oito ou nove álbuns.<br />
BUZO: Eu viajo pelo Brasil inteiro e sempre que vou falar<br />
com um cara que curte rap há muito tempo ele cita<br />
Racionais MC’s e Thaíde e DJ Hum. Como você se sente,<br />
como vê esse reconhecimento Pode ser no Acre, Goiás,<br />
enfim... como você recebe isso Esse carinho, as pessoas<br />
te reconhecerem como um pioneiro.<br />
THAÍDE: Eu fico agradeci<strong>do</strong>, eu tenho muita gratidão a<br />
essas pessoas, porque tu<strong>do</strong> o que eu tenho hoje eu devo<br />
às pessoas que ouviram meu trabalho e confiaram no que<br />
eu estava dizen<strong>do</strong>, tá entenden<strong>do</strong> Não tem como eu ser<br />
uma pessoa sem a palavra “obriga<strong>do</strong>”, não existe Thaí de<br />
ou Altair Gonçalves. Porque essas pessoas que me
Thaíde e DJ Hum – Marcelinho Back Spin
Thaíde e DJ Hum – Marcelinho Back Spin
60 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
fizeram chegar até aqui, conquistar tu<strong>do</strong> o que eu conquistei,<br />
foi porque essas pessoas me deram condições<br />
pra eu criar minha família. Então o público para o artista<br />
é tu<strong>do</strong>, porque ele acaba não sen<strong>do</strong> apenas um fã, depois<br />
que você conhece ele vira amigo, apoio espiritual.<br />
BUZO: Thaíde, o tempo passou, vários álbuns depois,<br />
vários shows depois, a dupla Thaíde e DJ Hum chegou ao<br />
final. Qual a sua relação hoje com o DJ Hum<br />
THAÍDE: Olha, hoje a gente se fala muito por telefone, a<br />
gente se vê pouco e a gente fala mais sobre negócios,<br />
não existe uma conversa tipo vamos fazer um churrasco<br />
ou vamos passear, relembrar os tempos, não existe<br />
isso, pode ser por vários outros motivos, mas principalmente<br />
pela falta de tempo, quan<strong>do</strong> a gente se fala é só<br />
sobre trabalho... Infelizmente, é claro.<br />
BUZO: E aí, com o fim da dupla, você veio com o trabalho<br />
solo e o disco Thaíde apenas, como foi esse trabalho<br />
solo Outros solos virão<br />
THAÍDE: Eu preten<strong>do</strong> ainda fazer muita coisa com a<br />
música, eu não posso parar só porque hoje eu estou trabalhan<strong>do</strong><br />
na televisão, agradeço a oportunidade de trabalhar<br />
na TV, quero trabalhar muito ainda na TV.<br />
BUZO: Mas antes de tu<strong>do</strong> você é músico<br />
THAÍDE: Eu não posso esquecer isso, não posso simplesmente<br />
deixar de la<strong>do</strong> a música, o hip-<strong>hop</strong>, então este<br />
ano eu quero fazer muita coisa relacionada à música.<br />
BUZO: Talvez um DVD<br />
THAÍDE: Sim, um DVD, ou <strong>do</strong>is, ou três, porque a gente tem<br />
bastante história e projeto pra isso, mas independente<br />
de qualquer outra coisa, a minha maior preocupação<br />
é procurar um jeito de buscar forças, pra que pessoas
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
61<br />
possam se juntar à gente, pra fortalecermos de novo o<br />
cenário <strong>do</strong> rap aqui de São Paulo. Isso é a minha meta,<br />
eu quero fazer músicas, shows, ganhar dinheiro, mas<br />
eu quero melhorar esse merca<strong>do</strong> para to<strong>do</strong>s, porque se<br />
existir só eu e mais um ou <strong>do</strong>is, a gente realmente não vai<br />
sair <strong>do</strong> lugar, precisamos de muita gente trabalhan<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Você não acha que a gente está superan<strong>do</strong> essa<br />
época em que ganhar dinheiro no rap é se vender Você<br />
acha que essa fase já ficou pra trás ou ainda tem pessoas<br />
que pensam coisas pequenas desse tipo<br />
THAÍDE: Acho que cada pessoa é a <strong>do</strong>na da sua verdade.<br />
Eu respeito muito a opinião das outras pessoas, só que<br />
essa época já foi, está mais que comprova<strong>do</strong> que você<br />
pode fazer um trabalho digno, um trabalho sério e vender<br />
o seu trabalho. <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong>, você, um cara que<br />
vem lá da leste, <strong>do</strong> fundão da leste, eu fui várias vezes<br />
no seu evento, certo Imagina se você não vivesse <strong>do</strong><br />
seu trabalho, você tem esposa, você tem família, você<br />
é uma pessoa importante, então você não pode apenas<br />
fazer as coisas e querer que as pessoas recebam seu<br />
trabalho de graça, você tem uma vida e pra você continuar<br />
seu trabalho precisa de condições, estrutura, o<br />
seu trabalho vai te dar isso, porque as pessoas estão<br />
pagan<strong>do</strong> pelas suas ideias, por aquilo que elas acreditam,<br />
então não é crime, e nunca vai ser, ganhar dinheiro<br />
com isso. O erra<strong>do</strong>, na minha opinião, é você passar tantas<br />
coisas boas pras pessoas e no fim das contas você<br />
mesmo não conseguir os seus objetivos, isso eu acho<br />
chato, acho um erro.<br />
BUZO: Aí seria uma derrota<br />
THAÍDE: Eu acho que seria uma derrota, porque você falou<br />
para to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> se dar bem na vida e, no final das contas,<br />
você mesmo não se deu valor, não an<strong>do</strong>u pra frente,
62 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
temos que ganhar dinheiro sim, porque quanto mais<br />
dinheiro a gente tiver, mais estrutura a gente vai ter e<br />
o merca<strong>do</strong> vai ser nosso, porque sem grana a gente não<br />
faz nada e ninguém faz nada.<br />
BUZO: Quan<strong>do</strong> você lançou o disco Thaíde apenas, devem<br />
ter chega<strong>do</strong> aos seus ouvi<strong>do</strong>s algumas críticas <strong>do</strong>s mais<br />
radicais, não só artistas, mas parte <strong>do</strong> público. Eles<br />
acharam seu som muito dançante, muito isso, muito<br />
aquilo. Era muito balada. Eu particularmente acho que<br />
na última faixa, a 17, que não lembro o nome agora....<br />
THAÍDE: Deus tá contigo.<br />
BUZO: Isso... Ali você diz tu<strong>do</strong>. Ali você mostra tu<strong>do</strong> o que<br />
passou até chegar esse álbum. Como você encara essas<br />
críticas Você supera sem traumas ou fica chatea<strong>do</strong><br />
THAÍDE: Eu já fiquei muito chatea<strong>do</strong>, já fui moleque já, já<br />
fui criança, então eu me chateava muito com isso, hoje<br />
não, sou um cara maduro, sei o que eu quero da vida, e<br />
as pessoas têm que ter a noção de que eu sou uma pessoa<br />
que veio pra começar alguma coisa. Então fui o primeiro<br />
em muitas outras coisas, estilos musicais, estilo<br />
de letras, shows bem produzi<strong>do</strong>s, equipe bem estruturada,<br />
então graças a Deus eu fui o primeiro em muitas<br />
coisas, minha missão é essa, mostrar quais caminhos<br />
a gente pode tomar. Então se hoje eu tenho a possibilidade<br />
de fazer um disco dançante, é porque minha missão<br />
é essa, mostrar pros rappers, MCs que podemos fazer<br />
isso sem perder nossas raízes, quantas vezes me criticaram<br />
por eu fazer música com refrão canta<strong>do</strong> e hoje to<strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> faz música com refrão canta<strong>do</strong>... Eu fui o primeiro<br />
a colocar uma mulher pra fazer refrão da música na noite<br />
e depois to<strong>do</strong>s colocaram também, eu já fazia shows com<br />
b.boys no palco há muito tempo e hoje to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> faz<br />
isso. Então, se essa é minha missão, não tem problema
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
63<br />
nenhum, só não posso ficar para<strong>do</strong>, hoje eu estou na TV,<br />
se amanhã aparecer a oportunidade de fazer um outro<br />
trabalho diferente eu vou, porque eu não tenho limites.<br />
BUZO: Eu conheço o Thaíde que já foi no Favela Toma Conta<br />
só pelo transporte, que já foi na Fundação Casa de graça,<br />
é isso mesmo, Thaíde, pegar onde tem que pegar e quan<strong>do</strong><br />
dá, fazer o la<strong>do</strong> social, no Guacuri, no Itaim Paulista<br />
THAÍDE: Eu sempre dei muita importância à minha própria<br />
história, e a minha história é igual à de milhares<br />
de pessoas no país inteiro, entendeu Se eu tenho possibilidade<br />
de trabalhar, de viajar pra Santa Catarina,<br />
Porto Alegre, Bahia, Rio de Janeiro, não importa onde,<br />
ganhan<strong>do</strong> um cachê digno <strong>do</strong> meu trabalho, onde a gente<br />
tem um contrato, com infraestrutura pra garantir o meu<br />
dia a dia, por que eu vou recusar fazer um show de graça<br />
numa comunidade, ou pelo transporte apenas, ou coisa<br />
parecida É uma retribuição, de uma certa forma. Você<br />
está entenden<strong>do</strong>, tem pessoas que não podem pagar<br />
meu cachê, que não é barato, graças a Deus, só que eu<br />
vou naquela comunidade que sei que não tem realmente<br />
condições e o trabalho é sério.<br />
BUZO: Thaíde, falan<strong>do</strong> em ser pioneiro, <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
ninguém teve tantas participações na TV quanto você,<br />
em programas diferentes, vamos falar deles por ordem<br />
de tempo... O que você lembra, qual sua recordação <strong>do</strong><br />
YO! MTV Raps<br />
THAÍDE: Aquele programa da MTV eu gostei de fazer porque<br />
foi meu primeiro contato direto com a câmera e<br />
aquilo me ensinou a me posicionar diante dela, aquilo<br />
me ensinou alguns truques de câmera. Tem toda uma<br />
equipe, então na MTV aprendi a lidar com isso.<br />
BUZO: Foi seu primeiro trabalho na TV
64 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
THAÍDE: Com certeza, e depois veio TV e cinema.<br />
BUZO: A <strong>do</strong>bradinha <strong>do</strong> Antônia, cinema e TV.<br />
THAÍDE: Isso, aí depois disso tive a possibilidade de trabalhar<br />
no programa Manos e minas.<br />
BUZO: Mas vamos por partes, vamos falar <strong>do</strong> Antônia.<br />
Como é estar num canal de maior audiência <strong>do</strong> país, com<br />
uma série que durou <strong>do</strong>is anos, como é isso nas ruas,<br />
como as pessoas te viam, você já era um cara público,<br />
mas ficou mais em evidência pra quem não era <strong>do</strong> rap<br />
THAÍDE: As pessoas começaram a me chamar de Diamante<br />
(nome <strong>do</strong> personagem), entendeu... Algumas<br />
coisas muito engraçadas... eu estava no merca<strong>do</strong> e a<br />
menina disse pra mãe: “Olha mãe, aquele homem lá da<br />
Antônia”, e ela disse: “Aquele sem vergonha, safa<strong>do</strong>,<br />
que só quer enrolar as meninas.” Isso mostrou o quanto<br />
eu estava mais popular, então eu não posso ter me<strong>do</strong><br />
disso. E também, como posso dizer, não posso recusar<br />
esse tipo de trabalho, porque eu penso o seguinte: existem<br />
várias pessoas, homens e mulheres <strong>do</strong> país inteiro<br />
que vão me ver na TV e vão acreditar mais, se virem a<br />
gente na TV, no teatro, então nós somos exemplo, precisamos<br />
dar um bom exemplo.<br />
BUZO: Uma temporada apresentan<strong>do</strong> o Manos e minas, no<br />
qual você era o apresenta<strong>do</strong>r, âncora, uma hora no ar...<br />
Como foi pra você fazer esse programa<br />
THAÍDE: Vou te falar uma coisa, achava ele muito a minha<br />
cara. Quan<strong>do</strong> apareceu a oportunidade de apresentar<br />
ele, pra mim foi uma maravilha, porque era diverti<strong>do</strong>,<br />
equipe maravilhosa, sinto muita falta de trabalhar no<br />
programa Manos e minas, muita falta de verdade, sem<br />
falar que eu estava ali apresentan<strong>do</strong> um programa que<br />
visava divulgar pessoas que fazem o mesmo trabalho
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
65<br />
que eu faço, entende, então eu estava de uma certa<br />
maneira contribuin<strong>do</strong>. Quan<strong>do</strong> eu saio nas ruas, as<br />
pessoas falam pra mim <strong>do</strong> Manos e minas. As pessoas<br />
assistem, isso me dá uma noção de público, de emissora,<br />
então graças a Deus eu tenho esse privilégio de<br />
poder trabalhar em tantas emissoras grandes <strong>do</strong> país,<br />
poder passar isso pras pessoas, não perden<strong>do</strong> as raízes,<br />
poder sair nas ruas, continuar sen<strong>do</strong> a mesma pessoa,<br />
acho que quan<strong>do</strong> eu perder a minha liberdade de<br />
sair nas ruas, não vai valer mais a pena.<br />
BUZO: Acho que muito de não perder as raízes e poder<br />
andar nas ruas é porque você é espontâneo, o cara te<br />
aborda, você é receptivo e aí já era...<br />
THAÍDE: Hoje posso te confessar que está mais difícil<br />
andar nas ruas, mas eu não posso perder essa liberdade.<br />
BUZO: A liga, você estreou agora em 2010 esse programa<br />
da Band, no qual você é um <strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>res, com<br />
enorme sucesso, a gente tem acompanha<strong>do</strong>, e é um programa<br />
totalmente diferente, porque não é de hip-<strong>hop</strong>,<br />
agora você está nesse programa que entra como jornalístico.<br />
Como é isso Eu penso que você, sen<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso<br />
meio, fazen<strong>do</strong> um trabalho fora, abre novas portas. É de<br />
novo o Thaíde sen<strong>do</strong> pioneiro<br />
THAÍDE: Tomara que sim, quan<strong>do</strong> me chamaram pra fazer<br />
A liga, o que mais me chamou a atenção foi isso, não ter<br />
nenhum vínculo com o hip-<strong>hop</strong>, eu sempre quis fazer um<br />
trabalho diferente, que não fosse no hip-<strong>hop</strong>, porque eu<br />
ficava pensan<strong>do</strong>: será que eu só sei fazer coisas ligadas<br />
ao hip-<strong>hop</strong> Será que a minha capacidade se limita a<br />
isso Quan<strong>do</strong> veio A liga foi como se tivessem escuta<strong>do</strong><br />
minha reclamação e me da<strong>do</strong> essa oportunidade, eu não<br />
sou repórter, estou sen<strong>do</strong> repórter, tá entenden<strong>do</strong>...<br />
Estou conhecen<strong>do</strong> mais as coisas, a vida, as pessoas.
66 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Estou me tornan<strong>do</strong> a cada dia mais profissional, isso<br />
eu vou levar pros palcos, pras minhas letras, e estou<br />
conhecen<strong>do</strong> o país mais <strong>do</strong> que eu já conhecia.<br />
BUZO: A liga é um programa nacional. Como estão sen<strong>do</strong><br />
os temas aborda<strong>do</strong>s Eu vi, na cadeia, que você se sentiu<br />
um pouco incomoda<strong>do</strong> de estar se sentin<strong>do</strong> preso, porque<br />
você ama a sua liberdade, mas como está encaran<strong>do</strong><br />
esses temas, depois abor<strong>do</strong>u o lixo, o programa de hoje<br />
(era terça, dia de exibição <strong>do</strong> programa na Band) aborda<br />
“da favela à fama”, como está isso<br />
THAÍDE: Então, eles sempre arrumam matérias que têm a<br />
ver comigo, sabe como que é, eu acabo me dan<strong>do</strong> bem,<br />
os diretores chegam pra mim e dizem: “Tal dia vai ter<br />
gravação e o tema é tal.” Você está entenden<strong>do</strong> Vai vir<br />
um que o tema é casamento e optei por fazer o indígena.<br />
Eu comecei a poder escolher, mas até agora eles escolhiam<br />
e me dei muito bem, graças a Deus. É como se<br />
fosse a sequência <strong>do</strong> meu trabalho, sempre fiz música<br />
desde a época de ouro <strong>do</strong> rap, como as pessoas falam,<br />
hoje faço um trabalho na TV, que a gente atacou tanto,<br />
que mostra a realidade de pessoas que são invisíveis na<br />
sociedade, então graças a Deus continuo nessa batalha.<br />
BUZO: Pra encerrar, eu falo o tema e você diz o que tem<br />
pro futuro... música<br />
THAÍDE: Novidades, obviamente. Tem o projeto com Os<br />
Donos da Cidade, e como você disse, talvez um DVD.<br />
BUZO: TV, o que espera de A liga, mais sucesso<br />
THAÍDE: A gente espera que continue bem de audiência e<br />
tenha uma segunda temporada. Eu quero futuramente<br />
voltar a apresentar um programa musical na TV.<br />
BUZO: Cinema, além <strong>do</strong> Antônia você fez algumas pontas,<br />
quais foram e as perspectivas pro futuro Tem trabalhos<br />
em vista
O início <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
67<br />
THAÍDE: Tem um filme que estreia no final <strong>do</strong> ano, ou em<br />
2011, que se chama Dois coelhos, eu faço um bandi<strong>do</strong>,<br />
um carinha ali que está precisan<strong>do</strong> de dinheiro. Fiz uma<br />
ponta no filme Caixa <strong>do</strong>is, além <strong>do</strong> Antônia.<br />
BUZO: Quem é você no dia a dia, não o artista, mas em<br />
família, entre amigos<br />
THAÍDE: Eu sou um guerreiro 24 horas por dia. Então,<br />
com a minha família, minha mulher, meus amigos, eu<br />
sou um guerreiro sem armadura, mas na rua não tem<br />
jeito, tem que ser guerreiro com armadura, 24 por 48,<br />
tá me entenden<strong>do</strong><br />
BUZO: Vou perguntar de duas pessoas, você me diz o que<br />
pensa delas. Primeiro... Nelson Triunfo<br />
THAÍDE: O Nelson Triunfo é o meu grande í<strong>do</strong>lo, foi a primeira<br />
pessoa que <strong>dentro</strong> da cultura hip-<strong>hop</strong>, famosa, me<br />
mostrou respeito pelo ser humano, encontrei com ele,<br />
me lembro muito bem como se fosse hoje, estava in<strong>do</strong><br />
pro Clube da Cidade e eu não sabia ir, encontrei ele no<br />
metrô Santa Cecília e eu era fã dele, ele me disse: “Pô,<br />
gostei <strong>do</strong> seu estilo”, queria me colocar nos esquemas.<br />
Ele também estava in<strong>do</strong> pro Clube da Cidade e fomos<br />
juntos, chegan<strong>do</strong> lá ele liberou minha entrada, aí fomos<br />
e ele passou direto, e o segurança me barrou, deu geral<br />
em mim e nele não, eu falei: “Quero um dia ser que nem<br />
ele”. Ele nem me conhecia e me tratou com muito respeito,<br />
então a partir daquele dia eu tive a certeza de que o<br />
caminho era respeitar as pessoas, em to<strong>do</strong>s os senti<strong>do</strong>s.<br />
BUZO: King Nino Brown<br />
THAÍDE: Aí você tá fácil, Nino Brown é um irmão, parceiro...<br />
Conheci ele em São Bernar<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> eu morava<br />
lá no Riacho Grande, é uma pessoa que sempre me informou<br />
sobre as coisas, me deu ideias, uma pessoa muito
68 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
importante, uma pessoa que eu respeito muito, acho que<br />
o Bambaataa não tinha pessoa melhor no Brasil pra ser<br />
presidente da Zulu Nation Brasil <strong>do</strong> que King Nino Brown.<br />
BUZO: Thaíde, ainda em 2010 as pessoas vão ler esta sua<br />
entrevista neste livro. O que você tem a dizer nesta obra,<br />
pra molecada que te curte, pros mais velhinhos também<br />
THAÍDE: A gente sempre tem que bater na tecla da educação,<br />
da informação, leiam tu<strong>do</strong> o que vocês puderem ler,<br />
respeitem seus pais, os amigos, as boas amizades, porque<br />
dessa forma vocês vão chegar aonde quiserem, com<br />
uma caminhada de respeito, de vitória. Tem que estudar,<br />
respeitar o pai e a mãe, porque eles pensam que<br />
fazer rap é fácil, mas rap de qualidade tem que estudar,<br />
aprender, é isso.<br />
To<strong>do</strong> meu respeito à pessoa <strong>do</strong> Thaíde, pra mim um <strong>do</strong>s<br />
grandes e imortais pioneiros <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> nacional, destaco<br />
da entrevista seu comentário quanto a ganhar dinheiro<br />
com o nosso trabalho, porque a gente precisa definitivamente<br />
parar de pensar que as pessoas que se dão bem no<br />
hip-<strong>hop</strong> se venderam, se ninguém tivesse da<strong>do</strong> certo, já<br />
teria acaba<strong>do</strong>, como diz sabiamente o Thaíde: “Acho que<br />
cada pessoa é a <strong>do</strong>na da sua verdade, eu respeito muito a<br />
opinião das outras pessoas, só que essa época já foi, está<br />
mais que comprova<strong>do</strong> que você pode fazer um trabalho<br />
digno, um trabalho sério e vender o seu trabalho.”<br />
Eu assino embaixo e acrescento que precisamos ter cada<br />
vez mais... profissionalismo.<br />
E é justamente sobre esse tema que vamos falar no próximo<br />
capítulo.
s Donos da Cidade <strong>Buzo</strong>, Thaíde e Os Donos da Cidade
Cap.02<br />
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong>
Muitas vezes percebo em alguns grupos uma falta de<br />
planejamento, falta profissionalismo, mas existem<br />
exceções. Uma dessas exceções é o grupo Ao Cubo, que<br />
desde quan<strong>do</strong> surgiu, em 2004, mostrou um diferencial,<br />
isso ficou bem claro pra mim.<br />
Não podia deixar de falar com eles e saber o que pensam<br />
disso. Nosso porta-voz no grupo foi o Cleber, confirman<strong>do</strong><br />
as informações que eu já sabia.<br />
Uma curiosidade: o primeiro show <strong>do</strong> grupo foi na minha<br />
quebrada, Itaim Paulista. No evento Balada Gospel,<br />
organiza<strong>do</strong> e apresenta<strong>do</strong> pelo pastor Anderson.<br />
Abrimos a entrevista falan<strong>do</strong> dessa primeira vez...<br />
BUZO: O primeiro show <strong>do</strong> Ao Cubo foi no Itaim Paulista.<br />
Vocês imaginavam naquele dia o sucesso que o grupo ia<br />
alcançar<br />
CLEBER / AO CUBO: Lembro como se fosse hoje. Dia 29 de<br />
maio de 2004, no final da tarde, chegamos ansiosos<br />
pra subir ao palco daquela escola em frente à favela <strong>do</strong><br />
Tijuco Preto. Nossa música há pouco tempo, coisa de<br />
três meses, havia começa<strong>do</strong> a tocar nas rádios e nem<br />
imaginávamos como seria o retorno <strong>do</strong> público ao cantarmos<br />
a música “Naquela sala”. Ali, naquele dia, sentimos<br />
algo sobrenatural, e tínhamos a certeza de que algo<br />
diferencia<strong>do</strong> aconteceria dali em diante. Tu<strong>do</strong> foi muito<br />
72
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
73<br />
rápi<strong>do</strong>. Nós tínhamos feito alguns planejamentos, mas<br />
não imaginávamos que aconteceria tu<strong>do</strong> tão rápi<strong>do</strong> da<br />
forma que ocorreu.<br />
BUZO: Às vezes temos me<strong>do</strong> de mudanças. Vocês eram de<br />
um grupo, saíram e formaram o Ao Cubo. Como foi isso<br />
CLEBER / AO CUBO: A princípio, todas as mudanças provocam<br />
me<strong>do</strong> e um pouco de insegurança, mas vimos que<br />
na posição em que nos encontrávamos não iríamos chegar<br />
muito longe. Resolvemos reformular nossas ideias<br />
como: foco, postura, músicas e profissionalismo. Estávamos<br />
cheios de ideias e vontade. Quan<strong>do</strong> conseguimos<br />
expor isso, foi muito louco ver a arte final <strong>do</strong> produto e o<br />
povo aderin<strong>do</strong> a nossas ideias.<br />
BUZO: Gospel e secular, como é isso pra vocês<br />
CLEBER / AO CUBO: Rótulos que alguém colocou. Não gostamos<br />
de rótulos, eles separam as pessoas.<br />
Temos um estilo musical que é o rap. Cada integrante<br />
<strong>do</strong> grupo tem uma vida particular e juntos servimos<br />
ao mesmo Deus. O rap nacional é uma música em que<br />
os compositores colocam suas experiências de vida, e,<br />
como somos nós mesmos que escrevemos nossas canções,<br />
não teria como ser diferente. Fica pro público e<br />
pro Cria<strong>do</strong>r rotularem quem somos.<br />
BUZO: O Ao Cubo, desde que surgiu, vem com uma postura<br />
empresa. Isso ajuda a chegar ao sucesso<br />
CLEBER / AO CUBO: Tenho certeza disso. Temos diversos<br />
exemplos lá fora e aqui no país de músicos bem-sucedi<strong>do</strong>s.<br />
To<strong>do</strong>s eles muito bem assessora<strong>do</strong>s. Seria impossível<br />
chegarmos ao sucesso sem profissionalismo. Li<br />
um livro uma vez que dizia assim: “O sucesso só chega<br />
quan<strong>do</strong> duas coisas se encontram: a preparação e a<br />
oportunidade.” No hip-<strong>hop</strong> nacional ninguém ainda
74 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
chegou ao sucesso, pois em alguns casos se acha preparação,<br />
mas ainda não houve oportunidade e assim<br />
vice-versa.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
CLEBER / AO CUBO: Não acredito que o hip-<strong>hop</strong> salva, mas<br />
acredito que ele seja uma grande estratégia que Deus<br />
usou pra me salvar um dia.<br />
BUZO: O que falta para o rap nacional <strong>do</strong>minar a cena,<br />
rádios, carros, casas<br />
CLEBER / AO CUBO: No rap nacional temos muitos escritores<br />
e rima<strong>do</strong>res bons, mas falta se aprofundar na música,<br />
estudar, investir, fazer planejamentos, ter uma boa<br />
postura, se vestir bem, guardar dinheiro, ter juízo, respeitar<br />
o próximo, e se espelhar sempre nos melhores.<br />
Em uma empresa, quan<strong>do</strong> o novo empresário começa<br />
a ganhar dinheiro no ramo em que está, ele precisa se<br />
aprofundar, se não ele trava. Precisa se aliar a bons profissionais<br />
pra fazer sua empresa deslanchar.<br />
BUZO: Pra finalizar, a pergunta que não quer calar... O que<br />
espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
CLEBER / AO CUBO: É um <strong>movimento</strong> que mostrou que tem<br />
futuro. Lá nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, é a música número um nas<br />
paradas, o grafite é a arte plástica que mais aparece, e<br />
a dança de rua conquistou um ótimo espaço nos palcos<br />
e casas de espetáculos. Precisamos nos conscientizar e<br />
unir forças, eleger nossos representantes, fazer parcerias<br />
e ser mais profissionais. Assim chegaremos a lugares<br />
que nem mesmo nós imaginamos um dia chegar.<br />
Que o Ao Cubo e outros grupos que tentam se profissionalizar,<br />
como, por exemplo, A Família, possam servir de<br />
exemplo a to<strong>do</strong>s.
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
75<br />
Uma outra cena comum hoje em dia é ver artistas de<br />
grupos tradicionais lançarem carreira solo paralela aos<br />
grupos, no DMN por exemplo, o Elly lançou um CD solo<br />
e o Markão deve seguir o mesmo caminho. Não sei até<br />
onde isso pode ser normal e não atrapalhar o andamento<br />
<strong>do</strong> próprio grupo. O Gaspar tem um trampo solo, Ilícito,<br />
paralelo ao Z’África Brasil, o Funk Buia, <strong>do</strong> mesmo grupo,<br />
também faz participações extra grupo.<br />
Acho que isso, sen<strong>do</strong> conversa<strong>do</strong> abertamente entre os<br />
integrantes <strong>do</strong> grupo e sem vaidades, pode funcionar<br />
perfeitamente.<br />
Um <strong>do</strong>s que andam preparan<strong>do</strong> um CD solo é o Tio Fresh<br />
<strong>do</strong> grupo SP Funk. Fomos falar com ele para saber mais...<br />
BUZO: Você vem de muito tempo com o SP Funk, alguns da<br />
sua geração não acompanharam a evolução <strong>do</strong>s tempos,<br />
da internet, e estão fican<strong>do</strong> para trás. Como você vê isso<br />
TIO FRESH: É uma pena, porque temos que acompanhar<br />
a evolução de tu<strong>do</strong>, na real o coração é que manda, né,<br />
meu... Se alguns manos desistiram é porque não era <strong>do</strong><br />
coração a vontade de ser hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: SP Funk e Tio Fresh solo, como andam seus corres<br />
TIO FRESH: SP Funk ano que vem (2011) tem coisa nova,<br />
eu terminei meu CD solo com participação de: Rappin<br />
Hood, Kamau, Kljay, DJ Hum, SP Funk, Sombra, Emicida,<br />
Max B.O., SamPrazer, Xis, Dani Voguel.<br />
BUZO: Uma história curiosa vivida nesses anos de carreira<br />
TIO FRESH: Uma vez dei autógrafo pro mano no buzão, o<br />
mano ficou decepciona<strong>do</strong> por eu ser o Tio Fresh e estar<br />
andan<strong>do</strong> de ônibus, ele falava alto, tá liga<strong>do</strong>: “Como<br />
pode Você tinha que estar de carrão importa<strong>do</strong>, mano,<br />
te vi na Globo!” Falei: “Mano, tamo no Brasil!!”.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva
76 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
TIO FRESH: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> direciona!<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
TIO FRESH: O melhor. Os manos têm que se profissionalizar,<br />
saber conversar com empresas, o hip-<strong>hop</strong> não é<br />
só dança e música, é geração de empregos também,<br />
é entretenimento!<br />
A história <strong>do</strong> Tio Fresh no buzão me fez lembrar quan<strong>do</strong><br />
estive em Goiânia. Quem me levou foi o DJ Fox, ele é a<br />
maior referência de hip-<strong>hop</strong> no esta<strong>do</strong> de Goiás, apesar<br />
de ter articulação, de estar na época lançan<strong>do</strong> o primeiro<br />
DVD coletânea de rap goiano, e de ter, por exemplo, consegui<strong>do</strong><br />
passagem aérea para três pessoas da equipe<br />
da revista Rap Brasil, que foi cobrir o lançamento (<strong>Buzo</strong>,<br />
Marilda Borges e Juliana Penha), ele se encontrava numa<br />
situação financeira delicada. Separa<strong>do</strong> da esposa, ele<br />
sofria por ter que trabalhar num trailer de yakisoba na<br />
madrugada, atenden<strong>do</strong> várias pessoas embriagadas.<br />
Nada contra o trampo dele, trabalhan<strong>do</strong> dignamente,<br />
mas quan<strong>do</strong> fui visitá-lo no trailer, achei que o mano que<br />
tinha tanta história <strong>dentro</strong> da cena hip-<strong>hop</strong> local e nacional<br />
merecia uma ocupação mais cultural, talvez, ou pelo<br />
menos um trampo melhor, com um salário maior.<br />
Fox me contou uma história assim: seu filho estava na<br />
escola pública onde estudava (nada contra ser pública,<br />
meu filho estuda em uma), mas um outro garoto na tal<br />
escola ouvia um som <strong>do</strong> DJ Fox, seu filho disse: “Meu<br />
pai que canta essa música.” O outro olhou pra ele e<br />
disse: “Tá maluco Quem canta esse som é o DJ Fox.”<br />
Na cabeça daquele garoto, o filho <strong>do</strong> DJ Fox não poderia<br />
estar ali, estudan<strong>do</strong> naquela escola. Como disse o Tio<br />
Fresh: “Tamo no Brasil.”
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
77<br />
Outras histórias como essa poderiam ser contadas. Afinal,<br />
quantos manos e minas que são referência no rap<br />
nacional não estão financeiramente debilita<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong><br />
que trabalhar na ocupação que surgir, simplesmente<br />
pela sobrevivência<br />
Não tem como viver de rap para a grande maioria, poucos<br />
grupos podem se dar ao luxo de viver só de rap no país.<br />
Muitos grupos praticamente acabaram, não têm som<br />
novo, não fazem show nenhum, só não anunciam o fim.<br />
Preferem acreditar que vai mudar, melhorar, aparecer<br />
um show com cachê pra dar um alivio na dura realidade,<br />
por isso continuam “na ativa”, se é que pode se dizer que<br />
eles ainda estão na ativa.<br />
Não digo isso <strong>do</strong>s milhares de grupos que existem no<br />
país, que nunca lançaram CD, não são conheci<strong>do</strong>s. Estou<br />
afirman<strong>do</strong> que grupos que já foram destaque na cena se<br />
encontram, infelizmente, nessa situação.<br />
No Brasil é complica<strong>do</strong> viver de cultura.<br />
Mas não podemos deixar de trabalhar para mudar essa<br />
realidade. Exemplos temos alguns, de pessoas <strong>do</strong> nosso<br />
meio que transformam isso e realizam coisas. Um deles é<br />
o Toni C, que fez <strong>do</strong>cumentário, livros...<br />
Falan<strong>do</strong> nele, vamos viajar até Carapicuíba e bater um<br />
papo com nosso amigo Toni C. Confira então...<br />
BUZO: Você dirigiu o <strong>do</strong>cumentário Tu<strong>do</strong> nosso!. Como foi produzir<br />
três horas de hip-<strong>hop</strong> em diversos esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> país<br />
TONI C: Três horas é o resulta<strong>do</strong> final, só de material bruto<br />
são quase trezentas horas. Percebia que estávamos<br />
fazen<strong>do</strong> história, mas somos péssimos para registrar,<br />
<strong>do</strong>cumentar o que fazemos, eu me angustiava com essa<br />
carência. Por isso arrumei uma câmera e passei a registrar<br />
minha caminhada. Fui testemunha ocular da história,<br />
e agora to<strong>do</strong>s poderão ser também.
78 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: O que mais te surpreendeu durante a produção<br />
(uma história)<br />
TONI C: Muitas coisas, <strong>Buzo</strong>. Sabia que muitos fatos eram<br />
inéditos, não tem replay nem dublê, se não registrasse,<br />
já era. A inauguração da biblioteca Suburbano Convicto<br />
<strong>dentro</strong> de uma escola de samba no Itaim Paulista é um<br />
exemplo disso. Mas sem dúvida uma das coisas que mais<br />
me emociona é ver o Loto, grafiteiro de Pernambuco que<br />
também é DJ e MC. Esta pessoa incrível dá uma lição de<br />
vida e tanto, por fazer tu<strong>do</strong> isso mesmo depois de ter<br />
perdi<strong>do</strong> a visão. Quan<strong>do</strong> conheci Loto, falei: o hip-<strong>hop</strong><br />
precisa conhecê-lo.<br />
BUZO: Como é ter um portal de hip-<strong>hop</strong> <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> site <strong>do</strong><br />
PC <strong>do</strong> B<br />
TONI C: Pior seria se fosse no site <strong>do</strong> PSDB (risos). Mas o<br />
<strong>Hip</strong>-Hop a Lápis é um site manti<strong>do</strong> pelo Ponto de Cultura,<br />
hospeda<strong>do</strong> no Portal Vermelho, maior site de política <strong>do</strong><br />
Brasil. Temos total autonomia na seção de hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Você produziu <strong>do</strong>is livros com o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> “Vermelho”.<br />
Fale sobre eles<br />
TONI C: Em 2002, criamos a seção semanal <strong>Hip</strong>-Hop a Lápis<br />
no Portal Vermelho. São artigos de pessoas <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
em to<strong>do</strong>s os cantos <strong>do</strong> país. Com um ano, pensamos fazer<br />
algo especial, e nos demos conta de que se juntássemos<br />
to<strong>do</strong>s aqueles textos, teríamos produzi<strong>do</strong> um livro. Como<br />
não encontramos editoras interessadas nessa publicação,<br />
foi só após a fundação da Nação <strong>Hip</strong>-Hop Brasil que<br />
editamos nosso livro. Hoje produzimos um segun<strong>do</strong> livro<br />
através de nosso próprio Ponto de Cultura.<br />
BUZO: Quantos autores nas duas edições <strong>do</strong> livro<br />
TONI C: Só neste segun<strong>do</strong> livro (Literatura <strong>do</strong> Oprimi<strong>do</strong>),<br />
somos sessenta autores. Sabe o que significa<br />
São mais escritores que os da Academia Brasileira de
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
79<br />
Letras. Queremos deselitizar a literatura. Nesta etapa,<br />
quantidade é fundamental.<br />
BUZO: Então a periferia e o hip-<strong>hop</strong> estão escreven<strong>do</strong><br />
TONI C: Para o azar deles.<br />
BUZO: Você faz parte da Nação <strong>Hip</strong>-Hop Brasil. Fale sobre ela.<br />
TONI C: A Nação <strong>Hip</strong>-Hop Brasil é a necessidade que o<br />
<strong>movimento</strong> tem de se organizar. Ao perceber que periferia<br />
é periferia em qualquer lugar, que os problemas também<br />
são os mesmo em to<strong>do</strong> canto, artistas <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
se deram conta de que poderia haver solução parecida,<br />
foi aí que foi fundada há cinco anos a entidade, uma<br />
rede de articulação <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>.<br />
BUZO: A Nação conta com o Alia<strong>do</strong> G, que já se aventurou<br />
na política. Como você vê essa ligação entre hip-<strong>hop</strong> e<br />
política<br />
TONI C: Alia<strong>do</strong> G é presidente da Nação <strong>Hip</strong>-Hop Brasil,<br />
e deixou muitas vezes de la<strong>do</strong> o próprio grupo, Face da<br />
Morte, para se dedicar à construção da Nação. A atuação<br />
política <strong>do</strong> mano não é uma aventura, faz parte de<br />
uma construção estratégica que na eleição passada<br />
por exemplo lançou mais de trinta candidaturas <strong>do</strong><br />
<strong>movimento</strong>. Alia<strong>do</strong> G é pioneiro ao se lançar candidato<br />
a deputa<strong>do</strong> estadual, e na eleição seguinte pleitear a<br />
prefeito de sua cidade, Hortolândia. Hoje o hip-<strong>hop</strong><br />
tem alguns verea<strong>do</strong>res e suplentes de deputa<strong>do</strong>s em<br />
alguns cantos <strong>do</strong> país, além de leis como a da Semana<br />
da Cultura <strong>Hip</strong>-Hop, fruto desta construção. Como eu<br />
vejo essa ligação <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> invadin<strong>do</strong> a política Ah,<br />
mano! É o espaço de decisão que interfere na realidade<br />
de nosso povo Então precisamos ocupar mesmo. Pra<br />
fazer ser de fato... tu<strong>do</strong> nosso!<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva
80 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
TONI C: <strong>Hip</strong>-Hop é um instrumento, utiliza<strong>do</strong> ao gosto <strong>do</strong><br />
porta<strong>do</strong>r. Da mesma forma que um martelo sozinho não<br />
constrói uma casa, hip-<strong>hop</strong>, dependen<strong>do</strong> como é utiliza<strong>do</strong>,<br />
pode salvar vidas, mas não faz milagres.<br />
BUZO: Como você vê o momento atual <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
TONI C: Enquanto escrevo temos um hip-<strong>hop</strong> craveja<strong>do</strong><br />
de balas. É um <strong>movimento</strong> arrasa<strong>do</strong> pelo boicote, pela<br />
ganância, pela perseguição, pela desleixo muitas vezes<br />
de nós mesmos. Tem quem pense que é <strong>do</strong>no <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>,<br />
como se ele tivesse planta<strong>do</strong> uma semente de hip-<strong>hop</strong> no<br />
seu quintal, que virou uma grande árvore. <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> não dá<br />
em pé de árvore, mas é pareci<strong>do</strong> com uma árvore por precisar<br />
de condições e cuida<strong>do</strong>s, erva daninha é mato.<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
TONI C: Não espero. No lugar, <strong>do</strong>u minha contribuição<br />
para que o hip-<strong>hop</strong> se reerga. Da maneira que está no<br />
atual momento, está bom pra quem<br />
De to<strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s que responderam essa mesma<br />
pergunta, acho que o Toni C deu a melhor resposta <strong>do</strong> que<br />
espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>: “Não espero. No lugar,<br />
<strong>do</strong>u minha contribuição.”<br />
Esse é o espírito transforma<strong>do</strong>r, esse é o caminho, é isso<br />
e assim que devemos pensar.<br />
Alguns grupos se preocupam em fazer um trabalho<br />
social, um desses grupos é A Família. Fomos falar com<br />
um de seus integrantes, o Crônica Mendes, e saber como<br />
é conciliar as duas coisas: o la<strong>do</strong> artístico e o social. Você<br />
confere agora essa entrevista exclusiva pro livro.<br />
BUZO: Qual a importância da música Castelo de madeira<br />
para consolidar o trabalho <strong>do</strong> grupo A Família
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
81<br />
CRÔNICA MENDES / A FAMÍLIA: Castelo de madeira representou<br />
e representa uma importância na vida de muita<br />
gente, pois valorizou não só a periferia em si, mas também<br />
as pessoas que fazem dela um lugar melhor para<br />
viver. Mesmo estan<strong>do</strong> isolada e, de certa forma, aban<strong>do</strong>nada,<br />
essa gente nossa faz <strong>do</strong> seu barraco um castelo. A<br />
música devolveu a autoestima <strong>do</strong>s jovens das periferias,<br />
as mulheres vinham de uma fase em que eram chamadas<br />
de cachorras, os parceiros eram chama<strong>do</strong>s de vagabun<strong>do</strong>s,<br />
marginais, tu<strong>do</strong> pior possível. Com a música Castelo<br />
de madeira, os mesmos foram chama<strong>do</strong>s de princesas<br />
e príncipes <strong>do</strong> gueto. A música nos possibilitou nos<br />
comunicar com pessoas de vários esta<strong>do</strong>s brasileiros e<br />
nos levou a conhecer de perto a realidade e o trabalho <strong>do</strong><br />
MST. Muitos se enganam ao pensar que a realidade das<br />
periferias nacionais é isolada, pois a realidade no campo<br />
é da mesma forma. O governo os esqueceu também. Os<br />
jovens <strong>do</strong> MST se identificaram muito com a música,<br />
assim como as famílias também, por isso resolvemos<br />
homenageá-los no clipe. Castelo de madeira devolveu<br />
o rap nacional à sua boa fase, foi a música mais tocada<br />
durante os <strong>do</strong>is anos pós-lançamento, é considerada<br />
um hino, um clássico da música rap nacional. Foi ela que<br />
anunciou o nascimento <strong>do</strong> A Família pra vida.<br />
BUZO: Vocês são bem próximos de causas e <strong>movimento</strong>s<br />
sociais. Comente isso e quais são esses <strong>movimento</strong>s.<br />
CRÔNICA MENDES / A FAMÍLIA: Desde o início <strong>do</strong> A Família,<br />
nós trabalhávamos juntamente com o GOG e com a Nina<br />
Fideles para que pudéssemos fortalecer nosso conhecimento<br />
e desenvolver uma consciência politizada. Trabalhar<br />
o social, mas sem esquecer a música, valorizar<br />
a periferia, não por luxo de estar ali, mas sim porque a<br />
periferia tem seu la<strong>do</strong> bom e enquanto existir periferia<br />
façamos dela um lugar melhor de se viver dia após dia, e
82 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
não um campo de guerra como o sistema quer. Acredito<br />
que o rap nacional é uma causa social em si, pois vem<br />
da rebeldia, <strong>do</strong> grito de “não estamos mortos”. Toda<br />
música tem sua raiz, sua identidade. O rap nacional,<br />
como música que é, vem da periferia, sua causa maior<br />
deve ser a periferia, mas isso não faz <strong>do</strong> rap música<br />
ímpar. O rap é pra to<strong>do</strong>s e não tem <strong>do</strong>no, mas precisa<br />
ter sempre conteú<strong>do</strong>. Trabalho musicalmente envolven<strong>do</strong><br />
o social, pois acredito na transformação que a<br />
música e as ações coletivas podem fazer nas pessoas<br />
e, a partir daí, as pessoas podem transformar a realidade<br />
à sua volta, buscan<strong>do</strong> sempre um diálogo e o trabalho<br />
coletivo. Tu<strong>do</strong> parte de uma organicidade, para a<br />
qual a música rap pode contribuir muito, pois os jovens<br />
das periferias escutam nossas músicas, buscam se<br />
espelhar em nós, direta ou indiretamente, e nós, músicos,<br />
que fazemos a música que eles escutam, podemos<br />
e devemos inserir conteú<strong>do</strong> para que desperte nesta<br />
juventude o espírito de luta por uma causa que não seja<br />
ímpar. O rap transformou toda uma juventude, deu valores<br />
a ela, e isso precisa continuar, o próximo passo, o<br />
próximo degrau tem que vir, e que venha com firmeza,<br />
conhecimento, informação e causa. Com nosso trabalho<br />
musical e social, tivemos uma grande aproximação<br />
com o Movimento <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais Sem Terra<br />
(MST), onde pudemos, de certa forma, desenvolver um<br />
trabalho contra a marginalização de ambos os <strong>movimento</strong>s.<br />
Como isso Nós levamos militantes <strong>do</strong> MST até<br />
as escolas nas periferias, para que os jovens pudessem<br />
conhecer verdadeiramente o que é o MST, sua luta, sua<br />
causa, sua história, diziman<strong>do</strong> assim a visão errônea<br />
que eles tinham por influência da televisão. Da mesma<br />
forma, nós íamos aos acampamentos e assentamentos<br />
<strong>do</strong> MST, mostrar pra eles o que é o hip-<strong>hop</strong> e quais<br />
suas ações. Aprendemos muito, e com o aprendiza<strong>do</strong>
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
83<br />
fomos desenvolver nossos próprios projetos sociais<br />
volta<strong>do</strong>s para a juventude <strong>dentro</strong> e fora das escolas, e<br />
suas famílias. Um projeto de conhecimento sobre o hip<strong>hop</strong><br />
e o estu<strong>do</strong>. Desenvolvemos projetos de atuação na<br />
área pública de saúde, na questão da prevenção das<br />
DSTs e <strong>do</strong> HIV/Aids, organizamos mutirões de limpeza<br />
e consciên cia ambiental nas favelas <strong>do</strong> interior de São<br />
Paulo... A Família, nosso trabalho, sempre esteve liga<strong>do</strong><br />
ao social e assim prossegue.<br />
BUZO: Você, Crônica Mendes, está bastante envolvi<strong>do</strong><br />
com a poesia e a literatura. Como se deu isso e qual é a<br />
importância da literatura <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
CRÔNICA MENDES / A FAMÍLIA: Meu envolvimento com a poesia<br />
e a literatura se deu no mesmo momento em que<br />
passei a compor músicas. Antes de compor meu primeiro<br />
rap, eu já fazia poesia, sempre gostei de ler,<br />
embora leia pouco e escreva bem mais. O envolvimento<br />
foi praticamente simultâneo. Rap, poesia e literatura.<br />
Na minha formação musical esses três se completam<br />
de tal forma, que são essenciais para se fazer uma boa<br />
música. A poesia está nos versos <strong>do</strong> dia a dia <strong>do</strong> rap e a<br />
literatura enriquece o vocabulário, traz conhecimento,<br />
boa nova, amplia o horizonte, acaba que se tornam um<br />
só em cada música. Pra mim é impossível separá-los. E<br />
digo mais: como uma boa literatura, a música se torna<br />
mais coletiva, mais viva, e pode atingir pessoas que<br />
antes asseguravam odiar o rap, fazen<strong>do</strong> assim uma<br />
nova visão da nossa música. A partir deste ponto, surge<br />
a música livre, para pais e filhos, derruban<strong>do</strong> o mito de<br />
que a música rap nacional é coisa de bandi<strong>do</strong>, ignorante,<br />
e outros adjetivos injustos. O rap, a literatura e a poesia<br />
são um só corpo. Se faltar um, faltará muito mais.<br />
BUZO: Conhecimento é o quinto elemento da cultura hip-<strong>hop</strong>
84 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
CRÔNICA MENDES / A FAMÍLIA: Não diria que o quinto, mais<br />
sim um elemento fundamental para se desenvolver<br />
uma boa música, um belo grafite, uns scratches impecáveis<br />
e um <strong>movimento</strong> deslumbrante. Conhecimento<br />
é a base para seguirmos em frente com conteú<strong>do</strong> e<br />
equilíbrio. Sem conhecimento somos vazios, e vazio<br />
não para em pé. Sen<strong>do</strong> assim, seríamos fáceis de sermos<br />
abati<strong>do</strong>s, engana<strong>do</strong>s, manipula<strong>do</strong>s, mortos e, por<br />
fim, esqueci<strong>do</strong>s. Conhecimento é uma questão pessoal,<br />
conhecer a si mesmo é um grande exercício para<br />
se libertar da escravidão mental.<br />
BUZO: Um história curiosa ou engraçada vivida <strong>dentro</strong><br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
CRÔNICA MENDES / A FAMÍLIA: Ainda no tempo em que atuávamos<br />
no palco junto com o GOG, isso bem antes <strong>do</strong> A<br />
Família nascer oficialmente. A formação atual era eu,<br />
Demis, DJ Silvinho, Gato Preto e Luciano. Nós estávamos<br />
fazen<strong>do</strong> um show incrível em São Paulo, não me recor<strong>do</strong><br />
o nome da comunidade, mas era na Zona Leste. No show<br />
nós ousávamos bastante com performances ensaiadas,<br />
fogos de artifício, bombas ninja (bomba de fumaça), era<br />
um show de rap psicodélico. E nessa apresentação na<br />
Leste, lembro que o Luciano era o cara responsável pelas<br />
bombas ninja junto comigo, nesse dia não sei o que deu<br />
nele, estávamos cantan<strong>do</strong> a música Fogo no pavio, era<br />
o último refrão e na sequência o GOG faria um discurso<br />
daqueles inflamáveis, mas não foi o que aconteceu. O<br />
Luciano resolveu que ao invés de jogar uma bomba e<br />
eu a outra, ele ia jogar duas e eu uma, tornan<strong>do</strong>-se três<br />
(risos). Nós jogávamos a bomba bem na hora que o GOG<br />
reaparecia no palco chaman<strong>do</strong> o povo junto no refrão.<br />
Quan<strong>do</strong> ele reapareceu, o Luciano jogou as duas bombas,<br />
eu joguei a terceira. Acabou que o GOG sumiu no<br />
meio daquela fumaceira, engasgou com tanta fumaça,<br />
não conseguiu fazer o discurso, ninguém conseguia
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
85<br />
ver mais nada no palco, e o show acabou naquele instante,<br />
faltan<strong>do</strong> mais três músicas. E o engraça<strong>do</strong> é que<br />
o público foi ao delírio acreditan<strong>do</strong>, até agora, que era<br />
parte <strong>do</strong> show mesmo o sumiço <strong>do</strong> GOG entre a fumaça.<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
CRÔNICA MENDES / A FAMÍLIA: Não espero nada, mas estou<br />
tentan<strong>do</strong> mudar a realidade de hoje <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, que é<br />
erradicar de uma vez por todas essa ideia de que o rap<br />
não é música, que o grafite não é arte, que o DJ não é<br />
músico e que o break é uma coisa qualquer. Se não<br />
transformarmos o presente <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, se não buscarmos<br />
a tão desejada organização e não nos tratarmos<br />
como profissionais, dificilmente teremos um futuro<br />
bom. Minha preocupação é com o presente, com os<br />
rumos que “novas caras” estão toman<strong>do</strong>. A mudança,<br />
quan<strong>do</strong> mal interpretada, pode acontecer de maneira<br />
desrespeitosa e nem merece o nome de mudança, e sim<br />
regresso. Se não tiver um presente consistente, desenvolvi<strong>do</strong><br />
musicalmente, e postura, não dá pra imaginar<br />
futuro. Claro que, se for para elucubrar, quero sim ver o<br />
hip-<strong>hop</strong> no topo, forte e cada vez mais verdadeiro.<br />
Eu particularmente gosto demais de grupos que misturam<br />
cultura e social, eu mesmo faço muito isso. Então,<br />
destaco além de A Família, grupos como o Z’África Brasil,<br />
que faz um trampo da hora no Jardim Leme, em Taboão<br />
da Serra, alia<strong>do</strong>s com a posse A Firma e o time de várzea<br />
Ponte Preta <strong>do</strong> Jardim Leme. Da hora, verdadeiro.<br />
Cito também o Função RHK, que faz o evento Cultura na<br />
Quadra em Itapevi, e outros. Não podemos perder de<br />
vista isso, porque é o que faz <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> um <strong>movimento</strong>,<br />
e não uma coisa que com o tempo vai acabar. O rap não é<br />
moda, é compromisso, logo...
86 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Um <strong>do</strong>s maiores representantes <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> “gangsta<br />
rap”, o grupo Realidade Cruel, da cidade de Sumaré-SP,<br />
mostra muita organização e, por isso mesmo, lança muitos<br />
trabalhos e faz bastantes shows, além de manter um<br />
público fiel. Fomos até Sumaré para gravar meu quadro<br />
“Buzão – Circular Periférico” pro programa Manos e<br />
minas da TV Cultura e entrevistamos o Douglas, vocal<br />
e líder <strong>do</strong> Realidade Cruel. A seguir, parte dessa entrevista,<br />
e você pode acessar o quadro no Youtube. 2<br />
BUZO: Estamos em Sumaré, interior de São Paulo. Como<br />
essa cidade entrou no cenário <strong>do</strong> rap nacional<br />
DOUGLAS / REALIDADE CRUEL: Sumaré hoje tem nomes que a<br />
representam no cenário nacional, não só regional, como<br />
nós <strong>do</strong> Realidade Cruel, tem A Família, Face da Morte,<br />
Condenação Brutal, Inquérito.<br />
Essa questão de Sumaré ser, de uma certa maneira,<br />
um lugar que proporcionou grandes nomes, acho que é<br />
isso, uma escola, a raiz, a influência também que vem<br />
de Campinas, os bailes, os grupos de lá como Sistema<br />
Negro, Visão de Rua e assim por diante.<br />
BUZO: O nosso amigo, o poeta <strong>do</strong> rap GOG, morou aqui por<br />
um tempo. Como foi isso<br />
DOUGLAS / REALIDADE CRUEL: Pra nós <strong>do</strong> cenário rap foi<br />
importante, porque o GOG, como to<strong>do</strong>s sabem, ele é o<br />
professor, acrescentou muito no aprendiza<strong>do</strong>, trouxe<br />
uma influência muito positiva pra to<strong>do</strong>s os grupos,<br />
inclusive pra nós <strong>do</strong> Realidade, enquanto informação<br />
sobre grupos de rap, informação musical, como pessoa<br />
também, né, porque...<br />
BUZO: No dia a dia<br />
DOUGLAS / REALIDADE CRUEL: É imensurável a qualidade<br />
como pessoa também, é um grande parceiro.<br />
2 http://www.youtube.com/watchv=anBfOOQMN5o
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
87<br />
BUZO: As letras <strong>do</strong> “gangsta rap” nacional não podem ser<br />
confundidas como apologia ao crime<br />
DOUGLAS / REALIDADE CRUEL: O que nós fazemos é narrar o<br />
cotidiano da sociedade.<br />
BUZO: Se o cotidiano é violento, vai refletir nas letras<br />
DOUGLAS / REALIDADE CRUEL: Vai refletir nas músicas, a<br />
gente começou a falar de problemas, começou a falar<br />
de contexto, começou a retratar nas músicas to<strong>do</strong> esse<br />
tipo de denúncia social, isso com os Racionais MC’s no<br />
início <strong>do</strong>s anos 1990 e depois vieram os demais, Realidade<br />
Cruel, Facção Central, Consciência Humana,<br />
GOG... Criou-se na sociedade um sinal de alerta: “Esses<br />
caras aí, o que eles estão falan<strong>do</strong> aí é perigoso, eles<br />
estão alertan<strong>do</strong> gente demais.”<br />
Por ter essa postura séria, a gente procura através da<br />
música, de uma certa forma, fazer um papel de resgate<br />
social mesmo.<br />
O que podemos destacar dessa entrevista, pra mim, com<br />
certeza, sem me<strong>do</strong> de errar, é esse me<strong>do</strong> da sociedade,<br />
da mídia, da elite, que impede o rap de ter uma total<br />
abertura na mídia. Para quem está no poder é interessante<br />
continuar tu<strong>do</strong> igual, um povo instruí<strong>do</strong> é difícil de<br />
ser manipula<strong>do</strong>.<br />
O rap instrui, e isso sempre incomo<strong>do</strong>u. Quan<strong>do</strong> o Douglas<br />
diz “Esses caras aí, o que eles estão falan<strong>do</strong> aí é<br />
perigoso, eles estão alertan<strong>do</strong> gente demais”, é a mais<br />
pura verdade, por estar alertan<strong>do</strong> gente demais, nunca<br />
deram espaço pra gente na TV, nos jornais, nas revistas.<br />
O rap incomoda porque pra quem está no poder é mais<br />
interessante ver o Latino, por exemplo, cantan<strong>do</strong> “Hoje<br />
é festa lá no meu apê, pode aparecer, vai rolar bundalelê,<br />
tem birita até o amanhecer.” Ou seja, alienação em<br />
massa. Ponto pro sistema.
88 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Encerran<strong>do</strong> este capítulo, no qual pretendíamos tratar<br />
de profissionalismo <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> nosso <strong>movimento</strong>, uma<br />
entrevista com o Prega<strong>do</strong>r Luo, exemplo de mano que<br />
corre pelo certo, mas olhan<strong>do</strong> de cima pra baixo e não o<br />
contrário. Vamos ver por quê.<br />
BUZO: Como você, Luo, vê os shows <strong>do</strong> gospel e <strong>do</strong> secular<br />
Frequenta os <strong>do</strong>is ou não faz secular Quais as diferenças<br />
PREGADOR LUO: Salve, <strong>Buzo</strong>, respeito e amor a você e sua<br />
família em primeiro lugar! Sim, frequento os <strong>do</strong>is meios,<br />
afinal, tô no mun<strong>do</strong> e o mun<strong>do</strong> é isso mesmo, uma mistura<br />
de culturas que temos que conhecer e valorizar, ou<br />
não. Porém, meu mun<strong>do</strong> é muito mais que apenas esses<br />
<strong>do</strong>is universos. Procuro viver ao menos uma pequena<br />
porcentagem <strong>do</strong> cosmos, que é infinitamente maior<br />
que o mun<strong>do</strong> secular e o da Igreja. A diferença entre<br />
esses <strong>do</strong>is universos é enorme. Musicalmente falan<strong>do</strong>,<br />
a música secular e a evangélica têm suas diferenças<br />
em discurso ideológico, e isso cada um percebe de uma<br />
maneira. Tanto num estilo quanto no outro, a música só<br />
vai falar ao meu coração de maneira mais profunda se<br />
eu sentir nela a alma de quem a compôs. Mesmo se ela<br />
tocar como um mantra nas rádios e eu não sentir algo<br />
em meu coração, tal música para mim não significará<br />
nada além de notas musicais e palavras vazias.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
PREGADOR LUO: Não, quem salva é Jesus! O hip-<strong>hop</strong> educa,<br />
pelo menos tem essa obrigação. O hip-<strong>hop</strong> serve pra<br />
muita coisa hoje. É a música que vai <strong>do</strong>minar o merca<strong>do</strong><br />
por muito tempo, assim como já vem fazen<strong>do</strong>. Pode ser<br />
usa<strong>do</strong> pra vender produtos em campanhas publicitárias,<br />
fazer apologia, eleger presidentes e derrubá-los e mais<br />
uma porrada de coisas. Ele pode servir pra muita coisa<br />
sem ter a obrigação de ser o que as pessoas esperam
Profissionalismo no hip-<strong>hop</strong><br />
89<br />
dele. Isso vai de cada pessoa, da forma como cada um<br />
usa sua vida e seu talento pra fazer grafite, dançar<br />
break, ser DJ ou MC. Pra mim, o hip-<strong>hop</strong> já agrega outros<br />
elementos como skate, MMA, literatura, moda e business.<br />
E a cada dia vai somar algo mais pra nossa cultura.<br />
Ele não salva, mas pode voltar a apontar o caminho da<br />
salvação, pois força pra isso ele tem. Quem quiser ser<br />
verdadeiramente salvo para sempre e não só por algumas<br />
décadas, tem que ler 1 João, capítulo 3 inteiro, e<br />
crer de to<strong>do</strong> seu ser nisso!<br />
BUZO: Apocalipse 16: o que representa na sua vida<br />
PREGADOR LUO: Apocalipse 16 representa a minha vida! É a<br />
minha marca neste mun<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Vocês lançaram um CD numa grande casa de shows<br />
de São Paulo, divulgaram nos cadernos culturais <strong>do</strong>s<br />
maiores jornais de São Paulo. Quan<strong>do</strong> vi fiquei orgulhoso,<br />
porque nesses espaços nunca sai nada de rap (no<br />
máximo, Marcelo D2). Esse é o caminho Atacar por cima<br />
PREGADOR LUO: Sim, analisar tu<strong>do</strong> de cima, planejar tu<strong>do</strong><br />
macro, assim como uma majestosa águia faz lá nas<br />
alturas. Sacar qual é o momento certo, mas é difícil<br />
para alguns. Quan<strong>do</strong> lancei meu DVD no Via Funchal em<br />
2006, fiz um investimento altíssimo que está me dan<strong>do</strong><br />
retorno. O rap no Brasil não acredita em si mesmo, as<br />
pessoas estão desacreditadas, não confiam mais nem<br />
em si mesmas. Ficam com me<strong>do</strong> de investir. Oras, se tu<br />
mesmo não crê que pode, quem vai crer em você então<br />
Mas tem que ser sensato, pois o sucesso tão almeja<strong>do</strong><br />
não vem pra to<strong>do</strong>s, não é só perseverar, temos que pensar:<br />
“Será que consigo entrar no ringue e derrotar aquele<br />
cara, ou será que ele vai me quebrar de pau porque treinou<br />
mais <strong>do</strong> que eu e se preparou melhor”. Se você não<br />
quiser quebrar a cara, tem que se autoavaliar sempre e
(Real<br />
90 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
pedir que outros te avaliem sem me<strong>do</strong> de escutar a verdade.<br />
Marcelo D2 tem seu mérito e aprendi admirá-lo<br />
por isso. Enquanto muitos encolhiam a mão e não cumprimentavam<br />
certas pessoas, ele fez ao contrário, e por<br />
suas atitudes está colhen<strong>do</strong> o que tem. Uns dez anos<br />
atrás, ele me deu uma das primeiras grandes oportunidades<br />
da minha vida, que foi abrir seu show no Palace.<br />
Até hoje ele me trata com respeito e igualdade. Tire toda<br />
a maconha e to<strong>do</strong> o palavrão da música de D2 e a escute<br />
com calma e você terá um bom exemplo de sucesso no<br />
hip-<strong>hop</strong> BR. Ninguém é o que é por acaso!<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
PREGADOR LUO: Vou trabalhar pra que o presente seja o<br />
melhor possível e pra que o futuro seja promissor. Já<br />
fiz muita coisa e preten<strong>do</strong> fazer mais. O mun<strong>do</strong> muda o<br />
tempo to<strong>do</strong>, pois tá em <strong>movimento</strong>. Se colocarmos mais<br />
as nossas ideias em <strong>movimento</strong>, tirá-las <strong>do</strong> campo mental<br />
e trouxermos à tona nossos melhores pensamentos<br />
em forma de realidade, vamos fazer o hip-<strong>hop</strong> BR encostar<br />
no <strong>do</strong> EUA, em números, em prestígio e aceitação. Só<br />
precisamos de homens e mulheres que tenham valores<br />
a repassar e corações cheios de boa vontade. Isso o Brasil<br />
tem, só precisa acreditar. Precisamos entender que<br />
o hip-<strong>hop</strong> não tem vontade própria, está aí pra nos servir.<br />
O que faz o hip-<strong>hop</strong> acontecer são pessoas em <strong>movimento</strong>.<br />
Por isso, não parem, acreditem! Movam-se!
idade Cruel)<br />
<strong>Buzo</strong> e Douglas (Realidade Cruel)
<strong>Buzo</strong>, Ao Cubo e Pastor Anderson<br />
<strong>Buzo</strong>, Ao Cubo e Pastor Anderson<br />
nderson
Cap.03<br />
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
Cap.03
Mídia <strong>do</strong>
Como falamos da mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, não podíamos deixar<br />
de dar voz aos maiores veículos, sites que fazem um<br />
trabalho de não deixar que assuntos passem bati<strong>do</strong>s,<br />
que mostram o que muitas vezes a grande mídia não se<br />
interessa em mostrar.<br />
Os sites contata<strong>do</strong>s foram:<br />
www.enraiza<strong>do</strong>s.com.br<br />
www.radarurbano.com.br<br />
www.rapevolusom.cotm<br />
www.centralhip<strong>hop</strong>.com.br<br />
Um quinto grande site <strong>do</strong> meio foi contata<strong>do</strong>, mas até o<br />
fechamento da obra não havia retorna<strong>do</strong> as respostas<br />
sobre o tema “A mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>”.<br />
Dudu de Morro Agu<strong>do</strong>, de Nova Iguaçu, falou pelo Enraiza<strong>do</strong>s,<br />
site <strong>do</strong> Movimento Enraiza<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> qual é presidente.<br />
Já pelo Radar Urbano falou o Freitas, de São Paulo, que<br />
era <strong>do</strong> Real <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>. Depois de se batizar e passar a ser<br />
cristão, lançou esse novo veículo.<br />
O B.Dog, <strong>do</strong> Rio de Janeiro, respondeu pelo seu site<br />
Rapevolusom.<br />
Por último, o Central <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>, conheci<strong>do</strong> pelo tradicional<br />
nome de Bocada Forte, foi representa<strong>do</strong> pelo DJ Cortecertu,<br />
militante <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> e repórter.<br />
96
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
97<br />
Vamos ver a diferença de pensamento entre eles. Porque<br />
para to<strong>do</strong>s foram feitas as mesmas perguntas. Confira o<br />
que pensam as pessoas que fazem a nossa mídia.<br />
Claro que existem outros veículos, sites e blogs, mas os<br />
cita<strong>do</strong>s com certeza representam os demais.<br />
BUZO: Como você vê nos dias atuais a mídia especializada<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
DUDU DE MORRO AGUDO (WWW.ENRAIZADOS.COM.BR): Existe uma<br />
grande variedade de sites que representam a mídia<br />
especializada <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> brasileiro, alguns com milhares<br />
de acessos, respeito e reconhecimento em to<strong>do</strong> o<br />
Brasil. As rádios comunitárias também têm sua importância,<br />
mas as notícias comunitárias e regionais não<br />
ganham força para circular outras regiões, então eles<br />
acabam repetin<strong>do</strong> as notícias que são publicadas nos<br />
grandes veículos, que nem sempre são específicos <strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong>. Mas creio que alguns veículos de comunicação<br />
de massa que transitem em to<strong>do</strong> o território nacional<br />
são totalmente necessários e precisam estar de volta,<br />
como a revista Rap Brasil. Necessitamos de programas<br />
de hip-<strong>hop</strong> em grandes rádios FM não somente no<br />
esta<strong>do</strong> de São Paulo, Brasília ou Porto Alegre, precisamos<br />
estar organiza<strong>do</strong>s e uni<strong>do</strong>s para termos articulação<br />
suficiente para conseguirmos programas em grandes<br />
rádios na maioria <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s brasileiros. Estamos<br />
chegan<strong>do</strong> aos poucos na TV, com espaços em canais<br />
como TV Brasil, TV Cultura e Canal Futura, conquistas<br />
que chegam aos poucos e com muito trabalho. O mais<br />
importante é que to<strong>do</strong>s esses veículos de comunicação<br />
precisam ser construí<strong>do</strong>s por pessoas que têm comprometimento<br />
com o hip-<strong>hop</strong> nacional, e mais ainda, precisam<br />
estar em sintonia uns com os outros.<br />
FREITAS (WWW.RADARURBANO.COM.BR): Hoje em dia vejo um<br />
grande avanço devi<strong>do</strong> à internet. Praticamente, a mídia<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> é a web. Revistas, não tenho notícia de
98 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
nenhuma publicação no Brasil. E temos alguns programas<br />
de TV, mas nenhum com 100% de foco no hip-<strong>hop</strong>,<br />
temos programas que são volta<strong>do</strong>s para a cultura periférica,<br />
cultura black. Mas acho tu<strong>do</strong> váli<strong>do</strong>. Sonho ter<br />
um programa de TV originalmente hip-<strong>hop</strong>. Depois de<br />
11 anos à frente de veículos de hip-<strong>hop</strong> na web, estamos<br />
crian<strong>do</strong> uma rede de grandes sites de cultura<br />
urbana e hip-<strong>hop</strong>, para com isso juntarmos diversos<br />
públicos e para que esses internautas tenham to<strong>do</strong>s<br />
os tipos e estilos de informações da rua.<br />
B.DOG (WWW.RAPEVOLUSOM.COM): Falar <strong>do</strong>s meus pares é<br />
como estar falan<strong>do</strong> sobre o próprio Rapevolusom.com.<br />
Estamos nos organizan<strong>do</strong> e esta organização nos permite<br />
buscar algo bem maior <strong>do</strong> que já conseguimos em<br />
um passa<strong>do</strong> recente. Claro que existem as diferenças<br />
de estilos, coberturas, formas de trabalhar e mostrar<br />
os fatos, mas em geral vejo to<strong>do</strong>s trabalhan<strong>do</strong> com um<br />
grande profissionalismo. Nem sempre agradamos a<br />
to<strong>do</strong>s, mas é assim mesmo. Para alcançarmos espaços<br />
ainda maiores, precisamos ser uni<strong>do</strong>s. Não digo que<br />
temos que andar juntos para cima e para baixo, mas<br />
saber respeitar o espaço, os créditos, as fotos, as fontes<br />
um <strong>do</strong> outro.<br />
DJ CORTECERTU / CENTRAL HIP-HOP / BOCADA FORTE: Os sites e<br />
blogs especializa<strong>do</strong>s em hip-<strong>hop</strong> cumprem um papel<br />
importante na cena. É através desses veículos que a<br />
maioria das pessoas baixa novas músicas, conhece a<br />
história <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>, os lançamentos e atividades <strong>do</strong>s<br />
artistas, shows, palestras, eventos de dança, mostras<br />
literárias, saraus, debates etc. Os meios de comunicação<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> ainda carecem de autonomia financeira<br />
e profissionalismo. Isso se deve ao fato de a mídia <strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong> atuar como vitrine para divulgação e meio jornalístico,<br />
algo um tanto confuso, pois não há separação
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
99<br />
entre as duas áreas citadas. Falta uma melhor elaboração<br />
de conteú<strong>do</strong> nos meios de comunicação, esse é um<br />
<strong>do</strong>s nossos principais defeitos. Releases e textos elabora<strong>do</strong>s<br />
pelos artistas e suas assessorias são copia<strong>do</strong>s<br />
e espalha<strong>do</strong>s pela web sem uma intervenção <strong>do</strong>s editores<br />
de sites e blogs. O que era para ser um ponto de<br />
partida para uma reportagem acaba se transforman<strong>do</strong><br />
em conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong>s blogs e sites. Sem dúvida alguma,<br />
os créditos sempre são respeita<strong>do</strong>s, mas não há soma<br />
de conhecimento. Um vídeo ou um trabalho em áudio<br />
que chega na caixa de entrada <strong>do</strong>s responsáveis pelos<br />
meios de comunicação alternativos são matéria-prima<br />
para desenvolvimento de conteú<strong>do</strong>, mas acabam sen<strong>do</strong><br />
o produto final. Temos que melhorar esse ponto, além<br />
de escrever melhor. Um texto bem escrito é sinal de profissionalismo<br />
e de preocupação com o público leitor.<br />
BUZO: Como é o trabalho <strong>do</strong> seu veículo Qual é a importância<br />
da existência dele<br />
DUDU DE MORRO AGUDO (WWW.ENRAIZADOS.COM.BR): O Portal<br />
Enraiza<strong>do</strong>s foi cria<strong>do</strong> para ser um ponto de encontro virtual<br />
entre os praticantes <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> brasileiro. Com o<br />
tempo e as necessidades, fomos alteran<strong>do</strong> o formato até<br />
chegar ao de hoje. Mantemos as atividades fundamentais<br />
e os objetivos, que são os de dar visibilidade aos artistas<br />
e pensa<strong>do</strong>res da cultura hip-<strong>hop</strong> que não têm tanta projeção<br />
nos veículos de comunicação convencionais, esta é<br />
uma característica <strong>do</strong> Portal Enraiza<strong>do</strong>s, onde famosos e<br />
anônimos têm as mesmas oportunidades.<br />
FREITAS (WWW.RADARURBANO.COM.BR): O Radar Urbano está<br />
há <strong>do</strong>is anos no ar, após eu sair da sociedade <strong>do</strong> Real<br />
<strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>, decidi criar um site mais abrangente. Vi que<br />
o hip-<strong>hop</strong> estava in<strong>do</strong> além, sentia <strong>do</strong> público a necessidade<br />
de mais informações sobre outras culturas,<br />
sobre a moda, sobre tecnologia. Daí veio o nome num
100 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
brainstorm imediato. Registrei, e estamos aí... Hoje o<br />
R.U., além de reunir conteú<strong>do</strong> após fazer pesquisas diárias<br />
em centenas de sites pelo mun<strong>do</strong>, cria conteú<strong>do</strong>,<br />
o que vejo ser um diferencial em relação a vários sites,<br />
sem desmerecer ninguém, cada um tem um perfil. Mas<br />
achamos que além de traduzir textos gringos, além de<br />
buscarmos fontes nacionais, também temos de ter conteú<strong>do</strong>s<br />
próprios: entrevistas, coberturas, seções especiais.<br />
Um exemplo de inovação é nossa seção de Blogs<br />
Convida<strong>do</strong>s, onde temos blogueiros que falam de vários<br />
assuntos, sneakers, rap internacional, moda, maquiagem<br />
e cabelos, cinema, games, tecnologia...<br />
B.DOG (WWW.RAPEVOLUSOM.COM): O Rapevolusom.com foi<br />
cria<strong>do</strong> no intuito de estar informan<strong>do</strong>/entreten<strong>do</strong> o<br />
público e auxilian<strong>do</strong> os grupos a se comunicarem com a<br />
galera que curte rap e outros elementos <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> Efó.<br />
Considero o Rapevolusom.com um <strong>do</strong>s portais de notícias<br />
mais relevantes na década de 2000. Conseguimos<br />
utilizar uma ferramenta gratuita na internet, o blog, de<br />
uma forma dinâmica e passar informações quase que<br />
24 horas por dia. Hoje somos um portal, mas mantivemos<br />
o jeito de postagens em tempo real e na medida em<br />
que ficamos saben<strong>do</strong> de novidades pelos Twitters de<br />
artistas, grava<strong>do</strong>ras e sites internacionais, procuramos<br />
estar atualizan<strong>do</strong> o nosso portal.<br />
DJ CORTECERTU / CENTRAL HIP-HOP / BOCADA FORTE: O Central<br />
<strong>Hip</strong>-Hop/Bocada Forte é um veículo que tem 11 anos de<br />
experiência. Trabalhamos com uma rede de colabora<strong>do</strong>res<br />
que produzem textos, imagens, pautas e articulações<br />
com as diversas áreas da cultura hip-<strong>hop</strong>. A existência<br />
<strong>do</strong> site representa a pluralidade de opiniões e a<br />
diversidade artística e ideológica <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Seu site vende anúncios, se paga ou ainda sobrevive<br />
no vermelho
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
101<br />
DUDU DE MORRO AGUDO (WWW.ENRAIZADOS.COM.BR): Nos dez<br />
anos em que o Portal Enraiza<strong>do</strong>s está no ar, sempre<br />
colocamos o banner <strong>do</strong>s parceiros, mas nunca cobramos<br />
nada por isso, porque mesmo se cobrássemos, a<br />
galera não tinha como pagar. Como eu trabalhava em<br />
um supermerca<strong>do</strong>, tirava uma parte <strong>do</strong> meu salário para<br />
pagar a hospedagem. A única proposta que a gente teve<br />
foi um intermediário da Eletropaulo que queria se aproximar<br />
da periferia e queria colocar um banner nos sites<br />
de hip-<strong>hop</strong>. Ofereceram 3 mil reais, mas depois sumiram.<br />
Hoje o portal mantém o fundamento e serve também<br />
como vitrine para os projetos que o Movimento<br />
Enraiza<strong>do</strong>s executa. Mas dinheiro nunca rolou.<br />
FREITAS (WWW.RADARURBANO.COM.BR): Hoje em dia temos<br />
nosso mídia kit e plano de negócios pronto, essa experiência<br />
de 11 anos nos fez aprender um pouco. Atualmente,<br />
não temos anunciantes pagos de verdade, até<br />
por isso veio a ideia de criação desta rede. Pois, infelizmente,<br />
tem sites que nivelam o nosso merca<strong>do</strong> por<br />
baixo, ou seja, pra ter o status de ter um banner de tal<br />
marca, aceita quatro camisetas e 100 reais por mês.<br />
Enquanto mantivermos essa mentalidade no meio,<br />
seremos sempre motivo de piada. Temos que ter nosso<br />
mídia kit, enviar para as agências de publicidade, fazer<br />
contatos com grandes marcas de forma digna, parar<br />
com o vocabulário “tá liga<strong>do</strong>, manooo”...<br />
B.DOG (WWW.RAPEVOLUSOM.COM): De 2002 a 2009, o Rapevolusom.com<br />
sempre foi manti<strong>do</strong> com custos próprios.<br />
Agora, em 2010, a<strong>do</strong>tamos a política de aluguel de espaços<br />
publicitários. Estamos buscan<strong>do</strong> empresas interessadas<br />
em anunciar e não nos importamos de qual<br />
segmento elas sejam. O mun<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> não é diferente<br />
<strong>do</strong>s outros estilos, então é um merca<strong>do</strong> que compra<br />
desde vestuário até produto alimentício.
102 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
DJ CORTECERTU / CENTRAL HIP-HOP / BOCADA FORTE: O site trabalha<br />
com parcerias e contratos publicitários. Ainda não<br />
gera lucro, fato liga<strong>do</strong> ao confuso cenário econômico <strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong>/rap. Lutamos para que essa situação mude. Por<br />
enquanto, o site se paga, não ficamos no vermelho.<br />
BUZO: Por que a grande mídia, salvo raras exceções, não<br />
mostra o hip-<strong>hop</strong><br />
DUDU DE MORRO AGUDO (WWW.ENRAIZADOS.COM.BR): Eles mostram<br />
aquilo que convém a eles. Mas se você reparar bem,<br />
já mostraram alguns nomes <strong>do</strong> rap. Agora precisamos<br />
refletir o que queremos que apareça na grande mídia,<br />
quais são as nossas prioridades Porque o hip-<strong>hop</strong>, na<br />
minha opinião, não se resume apenas a música ou a<br />
qualquer outro tipo de arte. Se queremos que apareça<br />
a música, então os rappers precisam focar e trabalhar<br />
muito nisso que, na minha opinião, não vale a pena, não<br />
vale a pena tratar o hip-<strong>hop</strong> como produto, o hip-<strong>hop</strong> é<br />
essência. Se deseja que o rap seja hit de verão, então<br />
faça um hit de verão sem conteú<strong>do</strong>, que aparecerá na<br />
grande mídia como um fenômeno avassala<strong>do</strong>r, mas<br />
desaparecerá assim que chegar o outono; ou, se preferir,<br />
faça algo verdadeiro, que talvez a grande mídia dê<br />
atenção, mas também se não der hoje, foda-se.<br />
FREITAS (WWW.RADARURBANO.COM.BR): Será que o hip-<strong>hop</strong><br />
está prepara<strong>do</strong> para ir pras grandes mídias, salvo raras<br />
exceções Pelo que tenho visto e vimos de perto em<br />
2009, o hip-<strong>hop</strong> não está prepara<strong>do</strong> para ir pras grandes<br />
mídias, não está prepara<strong>do</strong> pois quase nenhum<br />
grupo tem sua assessoria de imprensa, tem suas fotos<br />
de divulgação, ninguém quase tem um release pronto.<br />
Vídeo de apresentação se for b.boy, apresentação mix<br />
se for DJ, portfólio fotográfico se for grafiteiro... Ou<br />
seja, temos que estar prepara<strong>do</strong>s, é isso que falo, temos
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
103<br />
que nos profissionalizar, para daí sim cobrar presença<br />
nas mídias. Temos que sair desse espaço de comodismo<br />
e parar de culpar os grandes pela nossa incompetência.<br />
B.DOG (WWW.RAPEVOLUSOM.COM): Na verdade, a mídia não<br />
mostra o nosso gênero musical (rap). Outros elementos<br />
da nossa cultura sempre estão presentes na grande<br />
mídia. As obras de artes <strong>do</strong> Osgemeos, os torneios de DJ<br />
e as Batalhas de b.boys sempre recebem um destaque<br />
na grande mídia.<br />
DJ CORTECERTU / CENTRAL HIP-HOP / BOCADA FORTE: Existem<br />
fatores que proporcionam essa situação, questões<br />
ideo lógicas: parte <strong>do</strong> rap/hip-<strong>hop</strong> luta contra o capitalismo<br />
e suas formas de opressão. A grande mídia é parte<br />
<strong>do</strong> sistema capitalista, aí está a razão para a omissão<br />
(em relação ao la<strong>do</strong> político <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>) das instituições<br />
que representam a grande mídia. Falta de profissionalismo:<br />
muitos artistas ainda fazem trabalhos medianos<br />
e, apesar de desejarem aparecer nos grande meios, não<br />
conseguem desenvolver uma articulação com a TV e<br />
com a imprensa escrita. Quan<strong>do</strong> artistas mostram competência<br />
para trabalhar sua imagem na grande mídia,<br />
são ataca<strong>do</strong>s por parte <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>. Isso gerou a<br />
atual situação da nossa cultura/arte/<strong>movimento</strong>.<br />
É necessário o equilíbrio de forças para conquistar<br />
espaço. Precisamos de uma economia interna e solidária,<br />
algo difícil de concretizar. Por enquanto, veremos<br />
alguns artistas lucran<strong>do</strong> por trabalharem de maneira<br />
organizada nos moldes <strong>do</strong> capitalismo. Isso é ruim Se<br />
for, qual a alternativa Poucos querem discutir isso de<br />
maneira séria. Produtores envolvi<strong>do</strong>s no hip-<strong>hop</strong> e na<br />
grande mídia não querem largar o osso, uma atitude que<br />
sufoca a cena, não mostra a diversidade e não gera uma<br />
economia que proporcione uma indústria forte baseada<br />
nos princípios <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.
104 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Acha váli<strong>do</strong> os grandes nomes <strong>do</strong> rap irem à TV, por<br />
exemplo Por quê<br />
DUDU DE MORRO AGUDO (WWW.ENRAIZADOS.COM.BR): Acho váli<strong>do</strong>,<br />
não só os grandes nomes <strong>do</strong> rap irem à TV, mas defen<strong>do</strong> a<br />
ideia de que qualquer pessoa que tenha vontade e esteja<br />
preparada para ir à TV, vá e enalteça o nome <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
FREITAS (WWW.RADARURBANO.COM.BR): Como disse antes,<br />
temos que estar prepara<strong>do</strong>s: ir por ir, para falar besteira,<br />
para envergonhar, é melhor não ir. Temos, sim, que ir<br />
mostrar trabalhos dignos, feitos com qualidade, levar a<br />
essência <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, o trabalho social, politiza<strong>do</strong> e também,<br />
é claro, o hip-<strong>hop</strong> festa. Tu<strong>do</strong> é hip-<strong>hop</strong>. Gangsta,<br />
Festa, Politiza<strong>do</strong>, o chama<strong>do</strong> rap Underground, Gospel,<br />
tu<strong>do</strong> é rap!!! GOG, por exemplo, abriu um debate no Twitter<br />
sobre sua ida à Globo. Disse a ele exatamente isso. Se<br />
a Globo quer a presença dele, é por <strong>do</strong>is motivos: ele tem<br />
algo a falar e ele dá ibope. De que forma isso pode se converter<br />
a seu e a nosso favor Usar esse ibope para falar<br />
verdades das periferias, para divulgar seu trabalho, CD,<br />
DVD, mostrar a realidade <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> nacional. E uma via<br />
de mão dupla e temos que ir se quisermos crescer.<br />
B.DOG (WWW.RAPEVOLUSOM.COM): Esta é uma pergunta que<br />
eu sempre gosto de responder. Acho não só váli<strong>do</strong>, mas<br />
totalmente necessário para a sobrevivência e o crescimento<br />
<strong>do</strong> nosso estilo de som. Sou um cara que costuma<br />
seguir um bom exemplo não me importan<strong>do</strong> de qual cultura<br />
ou país ele venha. Se você quer sobreviver <strong>dentro</strong><br />
<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> da música, é necessário vender. Veja o exemplo<br />
<strong>do</strong> sertanejo, <strong>do</strong> forró e de outros gêneros musicais.<br />
Os caras se reinventaram com o estilo “universitário”. E<br />
o rap, quan<strong>do</strong> vai crescer e sair da escola<br />
O mantra que foi repeti<strong>do</strong> durante anos, “não canto rap<br />
na televisão”, infelizmente tomou uma proporção tão<br />
grande que agora grupos ou rappers que chegam à TV<br />
são considera<strong>do</strong>s vendi<strong>do</strong>s.
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
105<br />
Bom, se você é rapper/grupo e não quer vender o seu<br />
som, pode procurar outra coisa para fazer.<br />
DJ CORTECERTU / CENTRAL HIP-HOP / BOCADA FORTE: Sim, acho<br />
váli<strong>do</strong>. Os grandes nomes <strong>do</strong> rap precisam fazer essa<br />
conexão, pois têm algo pra mostrar e dizer, possuem<br />
experiência e visão. Mas é necessário que busquem mostrar<br />
a diversidade no rap e levar os outros elementos.<br />
Não é uma questão romântica, é simples de entender: se<br />
apenas um estilo de rap aparecer na TV, se os outros elementos<br />
não forem valoriza<strong>do</strong>s pelos MCs e DJs que forem<br />
pra grande mídia, esses fatos impedirão o crescimento<br />
da cena, o dinheiro não vai circular, não teremos selos<br />
e agências autossustentáveis. A 105 FM é um grande<br />
exemplo de como se tratar o rap de maneira errada e<br />
gerar lucro para alguns sem criar uma indústria maior.<br />
Hoje vivemos num cenário onde to<strong>do</strong>s querem/precisam<br />
de espaço, isso é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s erros <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, mas<br />
os mais novos apenas dizem que não cometerão esses<br />
erros... sem saber que estão no mesmo caminho. Precisamos<br />
de profissionais que lidem de maneira séria com<br />
o rap, aí não nos preocuparemos se alguém for ou não<br />
pra TV, pois teremos a diversidade imposta pelo hip-<strong>hop</strong><br />
mesmo que tentem manipular, pois sempre tentarão.<br />
Depois que, nos anos de 2008 e 2009, todas as revistas<br />
impressas de hip-<strong>hop</strong> (Rap Brasil, Rap BR, Cultura <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>,<br />
Planeta <strong>Hip</strong>-Hop, Rap News, Graffiti) saíram de circulação,<br />
a importância <strong>do</strong>s sites especializa<strong>do</strong>s cresceu.<br />
Mas por que editoras como a Escala e a Minuano tiraram<br />
esses veículos de circulação Fomos falar de novo com<br />
Alexandre de Maio, que anteriormente já havia nos fala<strong>do</strong><br />
sobre o Prêmio Cultura <strong>Hip</strong>-Hop, e agora vem esclarecer<br />
essa questão, já que ele foi editor da maioria das revistas<br />
que por anos deram voz à cena <strong>do</strong> rap nacional.
e <strong>Buzo</strong>
Dudu <strong>do</strong> Morro Agu<strong>do</strong> e <strong>Buzo</strong><br />
Dudu <strong>do</strong> Mo
108 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Em março de 2010, quan<strong>do</strong> pergunta<strong>do</strong> sobre o porquê<br />
das revistas terem saí<strong>do</strong> de circulação, ele nos disse:<br />
BUZO: Por que “todas” as revistas de hip-<strong>hop</strong> deixaram<br />
de circular<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Como eu fazia cada uma com uma<br />
equipe diferente, mas todas através <strong>do</strong> mesmo estúdio,<br />
uma dependia da outra. E quan<strong>do</strong> as editoras mudaram<br />
suas políticas de vendas, exigin<strong>do</strong> mais vendas, e<br />
uma parte em comercial, os projetos ficaram inviáveis.<br />
A única que tinha um comercial um pouco mais forte<br />
era Rap Brasil, que ainda durou um tempo a mais, mas<br />
mesmo assim se mostrou inviável no modelo comercial<br />
em que trabalhávamos e também não resistiu às pressões<br />
<strong>do</strong> merca<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Quais as chances de voltarmos a ter nas bancas<br />
uma revista de rap e qual seria a outra opção<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Acho que a opção hoje em dia são os<br />
sites, colocar uma revista na banca é bem difícil. Coloquei<br />
ao longo de dez anos mais de 180 números, distribuí<strong>do</strong>s<br />
em diversos títulos, foram mais de 2 milhões de<br />
exemplares nas ruas. Mas o que as pessoas talvez não<br />
saibam é que para se colocar um único numero de uma<br />
revista na rua são precisos mais de 40 mil reais de investimentos.<br />
Uma quantia difícil de conseguir movimentar<br />
em uma revista alternativa hoje em dia, principalmente<br />
com o fim da indústria <strong>do</strong> CD. Talvez uma alternativa seja<br />
através de projetos, mas também é muito difícil, pois<br />
imprensa livre, como eram as minhas revistas, não combina<br />
muito com os propósitos da maioria <strong>do</strong>s editais.<br />
BUZO: Existe um exército <strong>do</strong> rap nas quebradas. Por que<br />
então a revista tinha problemas com vendas Seis ou<br />
sete reais é caro pro nosso público
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
109<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Eu acho que o problema não foi só<br />
venda, porque as “grandes” revistas não se viabilizam<br />
apenas através das vendas, mas sim de um merca<strong>do</strong><br />
forte e organiza<strong>do</strong> com marcas estruturadas que<br />
apoiam. O hip-<strong>hop</strong> no Brasil tem um caráter social muito<br />
forte e profissional. Já na área comercial está engatinhan<strong>do</strong>,<br />
ainda está aprenden<strong>do</strong> a comercializar os produtos<br />
gera<strong>do</strong>s pelo hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Como você vê a importância <strong>do</strong>s sites de hip-<strong>hop</strong>, e<br />
quem mais divulga rap no Brasil<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Com certeza hoje a internet é o meio<br />
em que mais o hip-<strong>hop</strong> tem espaço. Na mídia impressa<br />
as portas são mínimas, como a revista Raça ou o jornal<br />
Agora. Na televisão são poucos programas especializa<strong>do</strong>s<br />
no Brasil, e só na TV pública. No rádio, as comunitárias<br />
perderam a força, programas são poucos e a única<br />
radio que toca rap brasileiro é a 105 FM.<br />
Então a internet, um meio de divulgação que não exige<br />
um investimento alto, se tornou a forma mais viável de<br />
se divulgar nossa cultura.<br />
Hoje na net to<strong>do</strong>s têm importância. Junte os sites, os<br />
blogs, o Twitter, o Orkut, o Facebook, temos uma grande<br />
rede de comunicação hoje.<br />
BUZO: Por que você acha que o rap tem pouco espaço na<br />
grande mídia<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Vejo por exemplo que o caso <strong>do</strong> rap<br />
é diferente <strong>do</strong> caso <strong>do</strong> grafite. O rap brasileiro ainda<br />
é muito carrega<strong>do</strong> de protesto, de denúncia, não se<br />
encaixa na música “feliz” que está na mídia. É um<br />
produto ainda “indigesto” pra indústria da música.<br />
Mas também enten<strong>do</strong> que o objetivo <strong>do</strong> rap não é ir<br />
para a grande mídia, talvez seja até o contrário, ele é
110 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
direciona<strong>do</strong> pra “pequena” mídia, mas que é aquela<br />
mídia que atinge aquele cara que quer fazer a mudança.<br />
Acho que quan<strong>do</strong> o rap estiver diariamente na grande<br />
mídia vamos ter saudades de quan<strong>do</strong> ele era marginal. E<br />
a grande mídia não é sinônimo imediato de progresso,<br />
rappers como o Xis ou grupos como o Racionais estão aí<br />
para mostrar isso de ângulos diferentes.<br />
Não sou contra quem chega na grande mídia, mas acho<br />
que isso tem que ser um acidente de percurso de quem<br />
faz música boa, e não um objetivo, porque quan<strong>do</strong> você<br />
<strong>do</strong>mestica o rap e faz dele uma música para agradar a<br />
massa, você mata sua principal característica e seu<br />
diferencial, que são a irreverência e o protesto.<br />
BUZO: Isso um dia vai mudar<br />
ALEXANDRE DE MAIO: Se analisarmos outros <strong>movimento</strong>s<br />
musicais que começaram com um forte teor de protesto,<br />
como o rock e o punk, a tendência <strong>do</strong> rap é ser<br />
absorvi<strong>do</strong> pela sociedade e se encaixar nos padrões da<br />
grande mídia junto com o processo natural de aperfeiçoamento<br />
da técnica, da comercialização e da música.<br />
Também os avanços sociais <strong>do</strong> nosso país, pouco a<br />
pouco, podem esvaziar o discurso de protesto. Por outro<br />
la<strong>do</strong>, os problemas da violência, da educação, não só no<br />
Brasil como no mun<strong>do</strong>, só aumentam, o que faz com que<br />
eu pense que o hip-<strong>hop</strong> tem um papel fundamental na<br />
política mundial nos próximos anos.<br />
A força <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> é muito grande, e eu vejo como um<br />
<strong>do</strong>s poucos <strong>movimento</strong>s globais que podem pressionar<br />
a política mundial por melhorias <strong>do</strong> planeta. Assim<br />
como no Brasil, em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> o exército <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
só cresce, e seus artistas têm forte influência na sociedade,<br />
to<strong>do</strong>s juntos, pode ser utópico, mas tem a força<br />
para mudar o curso da história.
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
111<br />
O DJ americano Afrika Bambaataa, a cantora Beyoncé,<br />
Mano Brown, os grafiteiros Osgemeos, os b.boys <strong>do</strong><br />
TSunami, Nelson Triunfo, Thaíde, MV Bill, entre outros<br />
artistas, hoje influenciam o mun<strong>do</strong>.<br />
Depois de falar com o Alexandre de Maio, fomos até<br />
Portugal. Lá, mora há três anos uma mina que somou<br />
por anos com a Rap Brasil. Seu nome é Juliana Penha, e<br />
mesmo longe, sempre está presente quan<strong>do</strong> convocada.<br />
Ano passa<strong>do</strong> (2009), foi colunista <strong>do</strong> jornal Boletim <strong>do</strong><br />
Kaos, de São Paulo.<br />
Juliana Penha viu e viveu muita coisa <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
nacional e hoje soma junto com outros brasileiros em<br />
Portugal, para abrir espaços pro nosso rap lá na Europa.<br />
Vamos saber como ela está e o que tem feito.<br />
BUZO: Por muito tempo você fez parte da revista Rap Brasil.<br />
Quais as maiores dificuldades que você via para ter<br />
uma revista nas bancas<br />
JULIANA PENHA: Acho que a maior dificuldade era o monopólio<br />
das distribui<strong>do</strong>ras. Para chegar a um grande<br />
número de leitores, a revista dependia de uma grande<br />
distribui<strong>do</strong>ra, e isso, de certa forma, limitava um pouco<br />
o nosso trabalho. Recebíamos cartas de to<strong>do</strong>s os cantos<br />
<strong>do</strong> Brasil, e é muito importante, a revista chegava<br />
em quase to<strong>do</strong> o Brasil. Hoje penso que o hip-<strong>hop</strong> brasileiro<br />
tem uma rede que se comunica muito bem e, talvez,<br />
quan<strong>do</strong> outra revista surgir, possa seguir um caminho<br />
diferente da Rap Brasil, com mais liberdade.<br />
BUZO: Hoje você vive em Portugal. Fale como é o hip-<strong>hop</strong><br />
daí, e se tem protesto como aqui.<br />
JULIANA PENHA: Vivo em Lisboa há três anos. É um pouco<br />
complica<strong>do</strong> falar da cultura hip-<strong>hop</strong> aqui porque não<br />
tenho uma participação ativa como tinha no Brasil.
112 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Existem pessoas que acreditam que o hip-<strong>hop</strong> é uma<br />
cultura de protesto e outros que o veem apenas como<br />
entretenimento. Aqui existe uma diversidade cultural<br />
que o hip-<strong>hop</strong> deveria repensar e trabalhar junto.<br />
São tantas comunidades de outros países num espaço<br />
tão pequeno, e se houvesse a integração de todas as<br />
comunidades africanas, brasileiras, asiáticas e europeias<br />
que vivem aqui, o hip-<strong>hop</strong> em Portugal teria uma<br />
riqueza inestimável. Com relação a existir protesto<br />
aqui, existem iniciativas, mas não faz senti<strong>do</strong> comparar<br />
com o Brasil, porque temos outra dimensão, tanto territorial,<br />
como histórica e cultural. Em Portugal existem<br />
coisas acontecen<strong>do</strong>, mas muito lentamente.<br />
BUZO: O que tem feito no hip-<strong>hop</strong> daí Algum projeto em<br />
andamento<br />
JULIANA PENHA: Tenho uma vida de imigrante, ou seja,<br />
tenho que lutar diariamente para pagar minhas despesas<br />
aqui, incluin<strong>do</strong> os meus estu<strong>do</strong>s. Viver em outro<br />
país sozinha é uma experiência e tanto. No tempo que<br />
me sobra procuro escrever projetos para quan<strong>do</strong> voltar<br />
ao Brasil. O DJ Dico e o DJ Loko, que também são de São<br />
Paulo e vivem aqui, estrearam um programa numa rádio<br />
FM, o Gueto em festa, um programa dedica<strong>do</strong> ao hip-<strong>hop</strong><br />
<strong>do</strong>s países que falam língua portuguesa, e estou me<br />
organizan<strong>do</strong> pra somar nesse time. Espero que seja<br />
mais uma ponte para o hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: O que mais te dá saudade <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> nacional<br />
JULIANA PENHA: Tenho muita saudade das amizades, das<br />
ideias que trocava, <strong>do</strong>s eventos de que participava. O<br />
hip-<strong>hop</strong> brasileiro tem uma energia única, conheci pessoas<br />
maravilhosas de várias partes <strong>do</strong> país, que fazem<br />
parte da minha história de vida. Estou há muito tempo fora<br />
e não sei como será quan<strong>do</strong> eu voltar, mas também não
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
113<br />
tenho me<strong>do</strong> das mudanças, elas são necessárias. Quan<strong>do</strong><br />
voltar continuarei a dar minha contribuição para continuar<br />
a fazer parte de uma cultura que transforma vidas.<br />
BUZO: Acha que nossos rappers devem estar na grande<br />
mídia<br />
JULIANA PENHA: Eu penso que é uma decisão pessoal.<br />
Os rappers é que devem decidir o que fazer com suas<br />
carreiras. Acredito no livre arbítrio. A grande mídia já<br />
está sen<strong>do</strong> utilizada por alguns rappers e por outros<br />
integrantes da cultura hip-<strong>hop</strong> há algum tempo e<br />
houve resulta<strong>do</strong>s positivos. Só acho que qualquer<br />
representante da cultura hip-<strong>hop</strong> deve pensar se a<br />
sua presença em determina<strong>do</strong>s programas ou conteú<strong>do</strong>s<br />
da grande mídia contribui de alguma forma para<br />
a evolução da cultura. E se não vai contribuir, para que<br />
perder tempo Né não<br />
Agradecemos a atenção da irmã que chegou pra somar<br />
nesta obra, provan<strong>do</strong> que distância não é barreira<br />
quan<strong>do</strong> queremos fazer acontecer.<br />
Mas o assunto mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> vai seguir falan<strong>do</strong> com as<br />
mulheres, afinal de contas, é uma mulher que comanda<br />
o programa que mais tem hip-<strong>hop</strong> na TV <strong>do</strong> país, seja ela<br />
aberta ou canal pago. Seu nome é Maria Amélia, e ela é<br />
editora-chefe <strong>do</strong> programa Manos e minas da TV Cultura,<br />
que estreou em 7 de maio de 2008 com o Rappin Hood de<br />
apresenta<strong>do</strong>r. Depois, em 2009, com a saída <strong>do</strong> Rappin<br />
Hood, o programa passou a ser apresenta<strong>do</strong> pelo Thaíde,<br />
que ficou o ano to<strong>do</strong>, mas deixou o mesmo no início de<br />
2010 para encarar um novo desafio: ser um <strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong> programa A liga, da Band. A responsabilidade<br />
de estar à frente <strong>do</strong> Manos e minas ficou pro Max B.O.,<br />
que veio da Rede TV!, onde fazia o quadro “MC Repórter”<br />
<strong>do</strong> programa Brothers.
114 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Desde o começo no time, e desde 2009 no coman<strong>do</strong>,<br />
Maria Amélia mostrou experiência para a missão, afinal,<br />
não é marinheira de primeira viagem. Antes da entrevista<br />
exclusiva com ela, vamos ver seu currículo:<br />
Editora-chefe <strong>do</strong> Manos e minas<br />
Assessora da presidência da Fundação Bienal de São Paulo<br />
Editora-chefe <strong>do</strong> Caderno de TV <strong>do</strong> Jornal da Tarde<br />
Diretora da revista Raça Brasil<br />
Diretora <strong>do</strong> programa Vitrine, da TV Cultura<br />
Editora-chefe <strong>do</strong> programa Metrópolis, da TV Cultura<br />
Integrante da equipe de criação <strong>do</strong> programa Metrópolis<br />
Editora-assistente de cultura da revista Veja<br />
Estagiária, repórter e crítica de música no Jornal da<br />
Tarde/Estadão<br />
Em 2000 foi agraciada com a Comenda da Ordem de<br />
Zumbi <strong>do</strong>s Palmares, <strong>do</strong> Ministério da Justiça/Governo<br />
Federal. Esta é Maria Amélia <strong>do</strong> Manos e minas, vamos<br />
então falar com ela.<br />
BUZO: Como é ser diretora <strong>do</strong> Manos e minas da TV Cultura<br />
MARIA AMÉLIA: Sou editora-chefe <strong>do</strong> Manos e minas, o que,<br />
traduzin<strong>do</strong>, quer dizer que sou a pessoa responsável<br />
pelo conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> programa. Dou a palavra final sobre<br />
as reportagens que serão exibidas, aprovo os musicais,<br />
dirijo o apresenta<strong>do</strong>r, escrevo o roteiro final. Da minha<br />
experiência profissional talvez seja o projeto mais desafia<strong>do</strong>r.<br />
Dar voz à cultura de periferia tem si<strong>do</strong> um aprendiza<strong>do</strong><br />
diário. Os parâmetros são outros porque a relação <strong>do</strong><br />
nosso público com o programa também é diferente. Não<br />
há outro Manos na TV aberta brasileira. Então, nossos<br />
especta<strong>do</strong>res têm um carinho especial por ele, é uma voz<br />
que eles não querem que se cale. “Vigiam” nossos passos,<br />
cobram, sugerem, são também “<strong>do</strong>nos <strong>do</strong> pedaço”.<br />
E a gente tem de descobrir uma maneira de fazer um bom<br />
programa de televisão ao mesmo tempo em que funcionamos<br />
como uma ilha para o povo da periferia.
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
115<br />
BUZO: O Manos e minas é o programa que mais passa<br />
hip-<strong>hop</strong> na TV <strong>do</strong> país, seja ela aberta ou canal pago.<br />
Como você encara isso, e como tem si<strong>do</strong> trabalhar com<br />
hip-<strong>hop</strong> no Brasil<br />
MARIA AMÉLIA: A sensação é muito boa, especialmente<br />
quan<strong>do</strong> vemos – ainda que esporadicamente – outras<br />
emissoras chaman<strong>do</strong> artistas de rap que já passaram<br />
pelo nosso palco. Estamos abrin<strong>do</strong> um caminho, não<br />
resta a menor dúvida. Trabalhar com hip-<strong>hop</strong> nesse<br />
universo que descrevi na resposta anterior é estimulante<br />
e difícil ao mesmo tempo. Manos e minas é um<br />
programa de televisão numa TV educativa, volta<strong>do</strong> para<br />
um público juvenil. Há parâmetros <strong>dentro</strong> da programação,<br />
e isso também norteia o nosso quadro de atrações<br />
musicais, por exemplo. Não podemos no fim de tarde <strong>do</strong><br />
sába<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> o programa é exibi<strong>do</strong>, levar um tipo de<br />
música incompatível com o horário e o público a que se<br />
destina. Muita gente contesta isso, mas entre não exibir<br />
algumas atrações e manter o programa no ar, escolho a<br />
segunda opção. É importante que Manos e minas continue<br />
na grade de programação da emissora.<br />
BUZO: O que sente, você pessoa e não diretora, sobre o<br />
hip-<strong>hop</strong> no Brasil<br />
MARIA AMÉLIA: Talvez seja a cultura que, neste momento,<br />
mais representa a juventude brasileira – pelo menos a<br />
de menor poder aquisitivo. Ninguém mais precisa de uma<br />
grava<strong>do</strong>ra, de um teatro ou de uma galeria para mostrar<br />
sua música, sua dança ou o seu desenho. Se tu<strong>do</strong> isso é<br />
nega<strong>do</strong> à população mais pobre, ela simplesmente transforma<br />
a cidade no seu espaço. Os grafites estão pelas<br />
paredes, as músicas, no Youtube, com pouco investimento<br />
dá para fazer uma mixtape e se dança em to<strong>do</strong> e<br />
qualquer lugar. Ou seja, ninguém segura o hip-<strong>hop</strong>.
116 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Você chegou a trabalhar com os três apresenta<strong>do</strong>res<br />
que já passaram pelo programa: Rappin Hood,<br />
Thaí de e Max B.O. (atual). Quais as diferenças de estilos<br />
e como foi (e é) trabalhar com eles<br />
MARIA AMÉLIA: São três atitudes completamente diferentes<br />
e isso aju<strong>do</strong>u o programa a marcar época. Rappin<br />
Hood fazia o estilo mais grave e intransigente. Thaíde é<br />
uma figura histórica <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> e trazia consigo essa<br />
bagagem. Alegre, bem-humora<strong>do</strong>, emotivo e de ótimo<br />
convívio profissional, fez <strong>do</strong> seu perío<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s melhores<br />
para to<strong>do</strong>s os que estavam encarrega<strong>do</strong>s de produzir,<br />
editar e colocar Manos e minas no ar. Vivemos agora a<br />
fase de Max B.O. É o mais novo <strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>res e tem<br />
uma empatia muito grande com a garotada. Mestre nas<br />
rimas, transforma os textos na hora e acrescenta uma<br />
boa <strong>do</strong>se de improviso ao programa. Surpreende tanto a<br />
plateia quanto a própria equipe. Considero os três fundamentais<br />
para o crescimento <strong>do</strong> Manos e minas.<br />
BUZO: O Manos e minas completou <strong>do</strong>is anos no ar em<br />
maio de 2010. Força total para a terceira temporada<br />
MARIA AMÉLIA: Total! Entramos no terceiro ano com a<br />
garra <strong>do</strong> começo. Como coincidiu de termos um novo<br />
apresenta<strong>do</strong>r a cada temporada, é como se estreássemos<br />
um novo programa a cada ano. Só que com uma<br />
equipe mais experiente, mais <strong>do</strong>na <strong>do</strong> assunto, cada<br />
vez mais apaixonada.<br />
Falan<strong>do</strong> em Manos e minas, o Emicida, MC da nova geração,<br />
a partir de 2010 surgiu com o quadro “A rua é nóiz”<br />
no programa. Perguntamos a ele sobre essa nova caminhada.<br />
“Sempre quis saber como funcionava a TV por<br />
<strong>dentro</strong>. Estou lá agora. Até quan<strong>do</strong> eles acharem que sou<br />
um acréscimo bacana pro programa, tenho um quadro<br />
chama<strong>do</strong> “A rua é nóiz”, e tenho feito entrevistas com
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
117<br />
diversos artistas aí, Sandra de Sá, Ed Motta, Oswaldinho<br />
da Cuíca, só monstrão, e eu tô curtin<strong>do</strong> o espaço e o que<br />
tenho feito, é um desafio, mesmo sen<strong>do</strong> duas vezes por<br />
mês, exige uma responsa monstro, mostrar o melhor da<br />
nossa cultura pra essa molecada”, diz ele.<br />
Mas antes <strong>do</strong> Emicida fazer parte <strong>do</strong> time <strong>do</strong> Manos<br />
e minas da TV Cultura, ele já havia fura<strong>do</strong> o bloqueio<br />
da mídia, foi finalista <strong>do</strong> Prêmio MTV, saiu na primeira<br />
página <strong>do</strong> caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo, foi ao<br />
programa Altas Horas <strong>do</strong> Serginho Groisman na TV Globo,<br />
entre outras proezas. Vamos saber como foi:<br />
BUZO: Como você furou o bloqueio da mídia e chegou à<br />
capa da Ilustrada da Folha, no Altas Horas e outros<br />
EMICIDA: Não sei te dizer ao certo. Sempre acreditei nesse<br />
bloqueio também, nesta barreira que nos deixa de fora<br />
sempre, mas comigo a coisa aconteceu de uma forma<br />
muito natural num esforço conjunto de minha parte com<br />
minha assessoria de imprensa na época e a boa intenção<br />
e vontade da Adriana, da Folha, que foi até lá em casa<br />
conversar. Com o Altas Horas foi a mesma coisa, me mandaram<br />
um e-mail, mas eu não tinha a data, fomos conversan<strong>do</strong>,<br />
e foi um puta acerto, porque acabamos in<strong>do</strong> no dia<br />
da Sandra de Sá, que é sempre bom ver e ouvir!<br />
Acredito que há um bloqueio por parte de grandes veículos,<br />
mas alguns jornalistas me parecem bem intenciona<strong>do</strong>s<br />
com relação ao rap, e temos que sincronizar<br />
nossas energias para o crescimento da coisa e a exposição<br />
dela com suas reais intenções, essência etc. Quem<br />
perde por acompanhar veículos que discriminam um<br />
certo gênero são seus leitores e especta<strong>do</strong>res, porque<br />
as cenas vivem e seguem intensamente, independente<br />
da imprensa e <strong>do</strong> espaço que lhes é da<strong>do</strong>, espaço deve<br />
ser conquista<strong>do</strong>, sempre dissemos isso! Vamos continuar<br />
com essa filosofia, o rap é o maior exemplo de vida
118 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
fora <strong>do</strong>s tabloides, vivemos e somamos com quem acreditamos<br />
ser correto em suas intenções, pois é muito<br />
fácil ser mal interpreta<strong>do</strong>.<br />
Mas não podíamos deixar de falar com o Rappin Hood<br />
sobre mídia e hip-<strong>hop</strong>, afinal foi ele que levou o rap pra<br />
TV Cultura, com o Manos e minas. Quisemos saber como<br />
foi o processo desde antes, quan<strong>do</strong> ele entrou com um<br />
quadro no programa Metrópolis, na mesma TV Cultura.<br />
BUZO: Você foi um <strong>do</strong>s pioneiros a adentrar um canal de<br />
TV, com mensagem voltada pra periferia, pro hip-<strong>hop</strong>.<br />
Como você chegou no Metrópolis da TV Cultura, qual foi<br />
a ponte pra você apresentar o quadro “Mano a mano”<br />
HOOD: Foi um <strong>do</strong>cumentário que se chamou No olho da<br />
rua, participavam João Carlos Martins, a Maria Amélia,<br />
Gilberto Dimenstein. Eu fui um <strong>do</strong>s repórteres desse<br />
<strong>do</strong>cumentário que foi produzi<strong>do</strong> pela TV Cultura, depois<br />
disso houve a proposta de transformá-lo num programa,<br />
inclusive eu fui contrata<strong>do</strong> para isso na TV Cultura, só<br />
que depois houve um problema, com quem ia dirigir o<br />
programa, o projeto naufragou. Como eu já estava contrata<strong>do</strong>,<br />
me mandaram pro programa Metrópolis e aí eu<br />
comecei a fazer esse quadro que se chamava “Mano a<br />
mano”, e que depois de <strong>do</strong>is anos resultou no projeto <strong>do</strong><br />
Manos e minas, que está no ar até hoje.<br />
BUZO: Você fez o Manos e minas da estreia, o primeiro ano<br />
inteiro e depois se desligou. Qual o sentimento quan<strong>do</strong><br />
você vê no ar, bate uma saudade<br />
HOOD: Eu não assisto, cara, não tenho saudade nenhuma,<br />
pra falar a verdade pra você. Eu sei que realizei um bom<br />
trabalho, mas não tenho saudade porque não tinha equipe,<br />
sentimos saudade de pessoas que gostam da gente. Eu<br />
achei legal o que a gente fez, o trabalho que foi feito, só<br />
que pra mim eu me sinto traí<strong>do</strong>, porque a gente ficou um
Mídia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
119<br />
ano fazen<strong>do</strong> reuniões, meu segun<strong>do</strong> ano no Metrópolis<br />
fiquei to<strong>do</strong> fazen<strong>do</strong> reuniões pra chegar nesse projeto,<br />
quer dizer que eu sou um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res desse projeto,<br />
mas chegou um determina<strong>do</strong> momento que minha opinião<br />
não importava mais, eu preferi me retirar. Eu sinto<br />
vontade de fazer outro programa, outro projeto em outro<br />
lugar, mas saudade <strong>do</strong> Manos e minas eu não tenho.<br />
BUZO: Eu comecei com você desde o primeiro Manos e<br />
minas e estou lá até hoje, e nas ruas me perguntam de<br />
você. Como vê o carinho desse público e quais as perspectivas<br />
pra TV<br />
HOOD: Pode acontecer, mas no momento tô concentra<strong>do</strong><br />
no meu trabalho, CD, DVD, faz cinco anos que estou sem<br />
lançar. Tenho essa nova missão onde a gente está aqui,<br />
que é a Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Ipiranga, estou na vice-presidência,<br />
tem assim contatos, conversas rolan<strong>do</strong>, especulações,<br />
sondagens, de um novo projeto pro Rappin Hood na TV.<br />
BUZO: Você está na disposição<br />
HOOD: Eu faria, se for algo que eu sinta que vou ter autonomia<br />
pra fazer, eu faço, eu gostaria. Rappin Hood ainda<br />
pode ancorar outro programa na TV, com certeza.<br />
BUZO: Você está em outros veículos, como a 105 FM e a<br />
revista Raça. Como foi isso<br />
HOOD: São dez anos de 105 FM e quase <strong>do</strong>is anos na<br />
Raça. É algo que eu gosto, eu amo o veículo, foram sete<br />
anos de rádio Heliópolis, agora são dez anos de 105 FM,<br />
e é muito legal fazer rádio, me amarro, gosto de escutar<br />
e fazer também.<br />
E a Raça é legal por poder passar informação, o disco<br />
que saiu, o show que vai rolar. Um pouco de eu estar<br />
nesses veículos é que sempre procuramos todas as formas<br />
de divulgar o hip-<strong>hop</strong>, levar ele longe, pra frente.
Rappin Hood Rappin Hood
Cap.04<br />
Polêmicas
O rap vira e mexe arruma uma polêmica, e uma que já<br />
vem de uns anos pra cá é a <strong>do</strong> rapper Cabal, que faz um<br />
rap mais pop e recebe sempre muitas críticas. Fomos<br />
falar com ele porque aqui não pode ficar ninguém de<br />
fora, esta obra tem o propósito de dar voz ao <strong>movimento</strong><br />
e não cabe excluir, to<strong>do</strong>s devem dar suas versões <strong>do</strong>s<br />
fatos, e nessa bombástica entrevista Cabal falou, e<br />
como falou. Confira agora.<br />
BUZO: Você é branco, nasceu na classe média, viveu nos<br />
Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. Quan<strong>do</strong> entrou pro cenário rap nacional<br />
sofreu algum tipo de discriminação<br />
CABAL: Sempre rolou discriminação, mas eu nunca sofri!<br />
A discriminação existe em to<strong>do</strong>s os lugares, mas penso<br />
que sofrer é opcional, sofre quem quer... Eu escolhi fazer<br />
o meu trabalho sem me fazer de vítima, saca Agradeço<br />
a quem gosta, a quem não gosta, mas respeita, e foda-se<br />
quem discrimina.<br />
BUZO: Por que esse tipo <strong>do</strong> perseguição, se o hip-<strong>hop</strong><br />
prega união<br />
CABAL: Boa pergunta, eu também queria saber (risos). Na<br />
verdade, nossa cultura é muito hipócrita. Prega a união,<br />
mas critica os “boys”, os “gays”, os “emos”... Enquanto<br />
os rappers e as pessoas que vivem o hip-<strong>hop</strong> não<br />
124
Polêmicas<br />
125<br />
entenderem que, independente <strong>do</strong> “rótulo”, tu<strong>do</strong> é rap,<br />
nós vamos ficar nessa merda, nesse “balde de caranguejo”,<br />
onde um puxa o outro pra baixo. Tem espaço pra<br />
to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, ninguém precisa gostar de tu<strong>do</strong>, só precisa<br />
respeitar. Precisamos aprender a conviver uns com os<br />
outros. Convivemos com pessoas com gostos e ideias<br />
diferentes diariamente, em nossas famílias, em nossos<br />
trabalhos, por que não podemos conviver assim em<br />
nossa cultura Precisamos nos unir pro rap crescer, um<br />
rapper que se destaca faz o rap se destacar, de novo,<br />
independente <strong>do</strong> estilo. Veja os outros gêneros musicais,<br />
to<strong>do</strong>s têm subgêneros, é saudável ter a “raiz”,<br />
o “alternativo” e, por que não o “pop”, o segmento de<br />
entretenimento. Até porque o rap nasceu como uma<br />
alternativa de diversão, pras pessoas esquecerem os<br />
problemas, deixarem a violência, mesmo que seja por<br />
alguns momentos. “Peace, love, unity and having fun”,<br />
os mandamentos da Zulu Nation, lembram disso Outra<br />
coisa, quem tem dinheiro Os “boys”. Como vamos tomar<br />
esse dinheiro, xingan<strong>do</strong> eles Não, venden<strong>do</strong> músicas<br />
pra eles, invadin<strong>do</strong> a mídia e aumentan<strong>do</strong> nosso público,<br />
nosso merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. O problema é que quan<strong>do</strong> se<br />
fala em vender músicas, as pessoas confundem com “se<br />
vender”. Muitos falam “não me ven<strong>do</strong>”, mas quem quer<br />
comprar No Brasil, foi cria<strong>do</strong> um estereótipo de que<br />
rapper tem que ser humilde, mas confundem humildade<br />
com pobreza. Precisamos fazer dinheiro de verdade com<br />
o rap, assim como os rappers norte-americanos fizeram<br />
e fazem. Não vamos ficar milionários como eles, mas eu<br />
quero ver os rapper brasileiros com casa própria, com<br />
carro <strong>do</strong> ano, tiran<strong>do</strong> 5, 10 mil reais por mês, por que<br />
não Protestar é importante, mas não adianta ficar só<br />
reclaman<strong>do</strong> e esperar o governo fazer alguma coisa, o<br />
rap tá protestan<strong>do</strong> faz tempo e o que mu<strong>do</strong>u As favelas<br />
continuam aí, a molecada continua fuman<strong>do</strong> crack, os
126 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
problemas continuam... Se os rappers fizerem dinheiro<br />
com o rap, eles podem mudar suas realidades e a realidade<br />
das pessoas próximas, em suas comunidades.<br />
BUZO: Você, com toda certeza, é a pessoa que mais contribui<br />
para levantar um rap mais pop, mais comercial.<br />
Quais as principais diferenças <strong>do</strong> rap hoje, 2010, com o<br />
de quan<strong>do</strong> você começou<br />
CABAL: Agradeço seu reconhecimento! Hoje, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
é “rapper”, “cantor”, “produtor”, e a maioria sem<br />
carisma, sem personalidade, sem qualidade, tá liga<strong>do</strong>...<br />
Hoje, o rap brasileiro tem mais “artistas” <strong>do</strong> que fãs<br />
(risos), to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é “artista”, só que não tem espaço<br />
pra to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Isso gera uma competição onde poucos,<br />
os melhores, se destacam e vivem <strong>do</strong> rap. Quase<br />
to<strong>do</strong>s que não conseguem ficam frustra<strong>do</strong>s e, ao invés<br />
de se espelharem nos exemplos de sucesso, viram<br />
“fala<strong>do</strong>res”. Falam que não se vendem, mas quem quer<br />
comprar Falam mal de quem se dá bem, a<strong>do</strong>ram tretas<br />
no rap e querem que os rappers se fodam, claro, eles já<br />
tão fodi<strong>do</strong>s! É tipo balde de caranguejo, nenhum sobe,<br />
um puxa o outro pra baixo...<br />
Hoje, o rap brasileiro é mais dividi<strong>do</strong> ainda <strong>do</strong> que<br />
quan<strong>do</strong> eu comecei! Tem a “cena underground”, que se<br />
organizou e faz eventos, mas é a “cena alternativa”, e a<br />
essência <strong>do</strong> “alternativo” é o oposto <strong>do</strong> “mainstream”,<br />
Globo, Multishow, Jovem Pan etc. Então, precisamos<br />
organizar “nossa cena” pra ocupar esses espaços que<br />
tocam “nosso estilo” de rap, porém, gringo!<br />
E isso não quer dizer que o “pop” é melhor que o “under”,<br />
tem espaço pros <strong>do</strong>is, cada um no seu espaço. Um na<br />
rua, no club Hole e o outro no Faustão, no club Pink Elephant.<br />
O foda é que a molecada não aceita diferenças,<br />
não respeita o gosto, nem o trabalho <strong>do</strong>s outros, não<br />
entende que pra um ser bom, o outro não tem que ser
Polêmicas<br />
127<br />
ruim, que só porque você não gosta, não quer dizer que<br />
é ruim, tá liga<strong>do</strong> Rapper “under” é verdadeiro e rapper<br />
“pop” é falso (risos). Se eu falo o que eu vivo, a minha<br />
verdade, eu não sou “verdadeiro” Alguém é “<strong>do</strong>no da<br />
verdade” Fora essa molecada de Orkut que ouve Lil<br />
Wayne, 50 Cent, Jay-Z etc. e não fortalece “nossa cena”!<br />
Pior, enfraquece, fala mal, que é “copia <strong>do</strong>s gringos”<br />
(risos), e o rap “under” daqui não é “cópia” <strong>do</strong> de lá Ou o<br />
rap “under” foi cria<strong>do</strong> aqui<br />
Falta respeito, tá liga<strong>do</strong>, não precisamos ser “amigos”,<br />
mas não podemos ser “inimigos”! Eu tô fazen<strong>do</strong> a minha<br />
parte, vi que errei com minhas tretas, procurei os envolvi<strong>do</strong>s,<br />
desenrolei e, pelo menos da minha parte, não<br />
tenho mais treta com ninguém, respeito to<strong>do</strong>s, inclusive<br />
o Marechal, respeito ele e ele sabe disso, mas eu<br />
acredito que são vários caminhos e um só respeito,<br />
caminhos diferentes, cada um no seu, tá liga<strong>do</strong>...<br />
Você não curte meu som, firmeza, mas respeita minha<br />
correria! Senhorita, Cquarta, Grammy etc. Isso é trabalho,<br />
amigo, sou pai de família, não tô de brincadeira,<br />
independente de você gostar ou não, respeita quem tá<br />
tentan<strong>do</strong> fazer uma parada que vai ajudar muita gente!<br />
Isso não é só pra mim, se o rap “crescer”, vai abrir portas<br />
e gerar empregos pra várias pessoas que acreditam<br />
“nesse” rap, que, infelizmente, perdeu o “timing”<br />
e ficou pra trás no Brasil. A cena <strong>do</strong> rap “pop”, “comercial”<br />
nacional, hoje, é mais forte, mas a gente tá, literalmente,<br />
corren<strong>do</strong> atrás...<br />
Salve Souldarua, WX, SevenLox, Thaíde, Bomba, Jacksom,<br />
Thig e os manos que se destacam na cena, os verdadeiros<br />
artistas, vamos profissionalizar esse rap nacional!<br />
E você que tá len<strong>do</strong> isso, para pra pensar se você realmente<br />
tem o <strong>do</strong>m, se você realmente é dedica<strong>do</strong> e disciplina<strong>do</strong><br />
pra fazer a diferença no rap, irmão, não se ilude,
128 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
se você não é artista, você pode trabalhar com (e ajudar)<br />
o rap de outras maneiras (técnico de som, jornalista,<br />
organiza<strong>do</strong>r de eventos etc.) e você deve ser fã! Reconheça<br />
quem são os artistas que se destacam na “nossa<br />
cena” e fortaleça eles, seja fã mesmo, veja os fãs das<br />
bandas de rock, não seja preconceituoso, cubra shows<br />
na sua cidade, ligue nas rádios e peça as músicas, compre<br />
produtos originais etc. Porque só assim, o rap “pop”<br />
vai ficar forte no Brasil!<br />
BUZO: Você fez parcerias com sertanejos e grupos da<br />
mídia. Por que essas escolhas<br />
CABAL: O Prega<strong>do</strong>r Luo fez som com o KLB, o Helião fez<br />
parceria com o Felipe Dylon, o MV Bill fez parceria com<br />
o Di <strong>do</strong> NX Zero, entre outros, mas enfim, responden<strong>do</strong><br />
sua pergunta... Fiz essas parcerias, primeiro, porque eu<br />
quis! Segun<strong>do</strong>, porque eu não separo música por gêneros<br />
musicais, separo música por qualidade, música boa<br />
e música ruim. Ninguém pode falar que Chitãozinho &<br />
Xororó, por exemplo, são ruins. Podem não gostar, mas<br />
negar que é bom, <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> que eles fazem, é uma visão<br />
extremamente limitada, ignorante. Eu não ouço Beethoven,<br />
por exemplo, mas não posso negar que é bom,<br />
entende Então, fiz essas parcerias porque eu quis, porque<br />
são pessoas que, como eu, fazem música com qualidade<br />
e porque eu quero popularizar o rap, aumentar<br />
nosso público. Pra isso, são fundamentais as parcerias,<br />
pra colocar nosso rap na mídia.<br />
BUZO: Isso não ajuda a aumentar as críticas ao seu trabalho<br />
CABAL: Eu não me preocupo com as críticas ao meu trabalho.<br />
Tenho minha missão que é popularizar o rap. Respeito<br />
quem é contra, mas espero que respeitem que,<br />
assim como eu, existem milhares de pessoas que querem<br />
ver o rap nacional na mídia. Quem não quer pode
Polêmicas<br />
129<br />
continuar ouvin<strong>do</strong> o rap fora da mídia, não assiste os<br />
programas de auditório, não ouve as rádios “pop” e finge<br />
que eu não existo, simples assim.<br />
BUZO: O que vem a ser a PROHIPHOP, um tipo de uma<br />
posse Ou uma empresa de marketing Nos explique<br />
como ela trabalha.<br />
CABAL: PROHIPHOP é o nome da minha editora, grava<strong>do</strong>ra<br />
e produtora de eventos. É mais que uma “posse”, é uma<br />
Família de irmãos e sobrinhos que trabalham, muito, pro<br />
crescimento e profissionalização <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil.<br />
Hoje, a PROHIPHOP é representada no Brasil to<strong>do</strong> com<br />
o Time PRO. Nosso “time”, com “joga<strong>do</strong>res” e “torce<strong>do</strong>res”<br />
que se identificam com nosso “estilo de jogo”,<br />
nossa “estratégia” e nossa “tática”. De novo, quem não<br />
se identifica respeita, e quem não respeita, como diria o<br />
Zagallo, “vai ter que engolir”.<br />
BUZO: Afinal, o que você faz é apenas rap nacional ou é um<br />
estilo próximo <strong>do</strong> pop<br />
CABAL: Vou responder por partes. Rap é “ritmo & poesia”.<br />
Minhas músicas têm ritmo e eu faço poesia. Antes<br />
que falem que minhas letras não têm conteú<strong>do</strong>, poesia<br />
é livre, pode falar sobre qualquer assunto, então,<br />
eu faço rap. Sou brasileiro e faço rap no Brasil, então,<br />
eu faço rap “nacional”. Tenho a missão de popularizar<br />
o rap no Brasil, então, eu faço rap “nacional” “pop”. Em<br />
algum momento da história <strong>do</strong> rap no Brasil, criaram<br />
uma regra que o rap não pode ser “pop”, pior, falam <strong>do</strong><br />
“pop” como se fosse um gênero musical e não percebem<br />
que “pop” é um adjetivo pra rotular música popular,<br />
independente <strong>do</strong> gênero, existe rock “pop”, reggae<br />
“pop”, por que o rap não pode ser “pop” também<br />
Então, eu não faço “apenas” rap “nacional”, eu faço<br />
rap, nacional e pop, mas não deixa de ser rap.
130 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Qual a mensagem que gostaria de deixar a to<strong>do</strong>s<br />
que amam o rap nacional e o hip-<strong>hop</strong> em geral<br />
CABAL: Abram suas mentes. Aprendam a respeitar as<br />
diferenças. Se você não gosta, não quer dizer que é<br />
ruim. Acreditem ou não, eu também amo o rap nacional<br />
e o hip-<strong>hop</strong> é minha vida.
a São Bento Época da São Bento
Cap.05<br />
Pelo Brasil
O hip-<strong>hop</strong> está espalha<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o território nacional,<br />
isso eu garanto.<br />
Quan<strong>do</strong> estive no Acre, pude conferir o que já sabia.<br />
Nas minhas várias viagens por dez esta<strong>do</strong>s brasileiros,<br />
fazen<strong>do</strong> palestras e matérias para a revista Rap Brasil, vi<br />
que cada esta<strong>do</strong> tem seu estilo e características regionais,<br />
mas em to<strong>do</strong>s o hip-<strong>hop</strong> tem forte apelo entre os<br />
jovens, com diversos segui<strong>do</strong>res.<br />
Em to<strong>do</strong>s esses locais, vimos que existe um preconceito<br />
contra o <strong>movimento</strong>, a sociedade no geral ainda acha que<br />
rap é coisa de bandi<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> que, na verdade, o rap e o<br />
hip-<strong>hop</strong> resgatam jovens que estão no crime, no tráfico.<br />
Vamos falar com militantes de to<strong>do</strong> o país e descobrir<br />
como é a cena nas suas localidades, e vamos começar<br />
falan<strong>do</strong> com a Jéssica Balbino, 3 ela é jornalista <strong>do</strong> jornal<br />
Mantiqueira em Poços de Caldas-MG, foi coautora <strong>do</strong> livro<br />
Pelas periferias <strong>do</strong> Brasil – vol I e é militante <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
Perguntamos a ela:<br />
BUZO: Como você vê a importância <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> na periferia<br />
JÉSSICA BALBINO: O hip-<strong>hop</strong> é fundamental para a periferia.<br />
Ele é a força que vem <strong>do</strong> la<strong>do</strong> negro, pobre e inferioriza<strong>do</strong>.<br />
É o grito que emana <strong>do</strong>s morros, guetos e favelas.<br />
É a voz <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s da periferia. É a ferramenta<br />
para quem já nasce condena<strong>do</strong> à exclusão social.<br />
3 www.jessicabalbino.blogspot.com<br />
134
Pelo Brasil<br />
135<br />
O hip-<strong>hop</strong> é a cultura capaz de pregar paz, amor, diversão<br />
e união <strong>dentro</strong> da periferia que já tem toda <strong>do</strong>r e<br />
sofrimento incuti<strong>do</strong>s na história. Por meio <strong>do</strong>s elementos,<br />
DJ, MC, break, grafite e conhecimento, o <strong>movimento</strong><br />
traz arte, expressão, luta e igualdade de direitos <strong>dentro</strong><br />
<strong>do</strong>s barracos. Consegue, de alguma forma que eu não<br />
sei explicar, trazer luz para <strong>dentro</strong> das pessoas e incentivar<br />
a produção cultural.<br />
Onde toda força da maré é contrária, surge o hip-<strong>hop</strong>,<br />
que vem para proteger os personagens reais, cerca<strong>do</strong>s<br />
pela miséria, violência e desinformação.<br />
Entre as várias guerras e armas, o hip-<strong>hop</strong> se revela,<br />
para a periferia, a mais sublime de todas as aniquilações<br />
<strong>do</strong> inimigo: o conhecimento e a sabe<strong>do</strong>ria.<br />
Assim, essa cultura que nasceu nas ruas, feita <strong>do</strong> povo<br />
para o povo, é uma das coisas mais importantes na periferia<br />
e para os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s locais menos favoreci<strong>do</strong>s.<br />
Na minha vida, o hip-<strong>hop</strong> representa resgate, estilo de<br />
vida, cultura e objetivos. Não me imagino fazen<strong>do</strong> outra<br />
coisa. Não sei existir longe deste universo.<br />
Para mim, hip-<strong>hop</strong> e periferia se fundem e se transformam<br />
em amor e <strong>do</strong>r. Paralelamente, enchen<strong>do</strong> de arte e<br />
cor a vida de quem mora na quebrada.<br />
Na minha visão, a periferia tem um compromisso com<br />
o hip-<strong>hop</strong>, que sempre a acolheu, ensinou e humanizou.<br />
As pessoas se tornam bem melhores quan<strong>do</strong> percebem<br />
que têm muito para acrescentar a esta cultura,<br />
que indiscutivelmente, tem muito para acrescentar às<br />
pessoas e, por conseguinte, aos guetos.<br />
Minha vivência mostra que por meio das expressões<br />
intensas que o hip-<strong>hop</strong> oferece ao povo, está a vontade<br />
de viver e a motivação. O mínimo proposto pela cultura é<br />
um olhar livre os preconceitos em direção à (r)evolução.
136 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Não consigo ver o hip-<strong>hop</strong> separa<strong>do</strong> da periferia. É tu<strong>do</strong><br />
tão mágico que qualquer definição aquém de fundamental<br />
parece fora da realidade. E o hip-<strong>hop</strong> é isso: real.<br />
Vejo-o oferecer oportunidades de empregos, chance<br />
de desabafo por meio das rimas, conforto através das<br />
letras de rap que ecoam nos aparelhos de som supermodernos<br />
e contrastam com a falta de alimentos, vejo<br />
esta cultura alimentar os sonhos da molecada através<br />
da atitude, da postura, <strong>do</strong>s eventos, da literatura.<br />
Vejo novos escritores surgirem a cada dia de <strong>dentro</strong> <strong>do</strong><br />
<strong>movimento</strong>, brotan<strong>do</strong> na terra seca da periferia como<br />
planta cultivada com carinho. Vejo palavras duras e<br />
ásperas que não são nada mais <strong>do</strong> que a realidade crua<br />
de quem não tem o que comer, de quem enfrenta as filas<br />
<strong>do</strong> presídio para visitar quem está <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de <strong>dentro</strong>, de<br />
quem cruza a ponte para o la<strong>do</strong> de cá e deixa <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong><br />
muitos sonhos massacra<strong>do</strong>s e o preconceito deslava<strong>do</strong>.<br />
Enxergo no hip-<strong>hop</strong> a importância de trazer de volta<br />
os sonhos daqueles que já não têm mais nada além da<br />
esperança nesta cultura, que colore os muros cinzentos<br />
das cidades com a alegria <strong>do</strong> grafite, que ofende a elite<br />
com traços gigantes que revelam as mazelas sociais.<br />
Vejo as ações beneficentes desencadeadas por meio<br />
de eventos com arrecadação, de eventos para distração,<br />
de debates para fomento da cultura. Vejo um povo<br />
que luta por dias melhores e que, mesmo sen<strong>do</strong> vítima<br />
<strong>do</strong> sistema que tenta combater, não desiste da guerra<br />
diária pela vida. Vejo o hip-<strong>hop</strong>, de uma forma ou de<br />
outra, estar interligan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> isso, como o mixer de um<br />
toca-discos, como o som de um scratch, como um passo<br />
de break, como um traço colori<strong>do</strong> na parede cinzenta,<br />
como a voz de um MC que grita as desigualdades, como<br />
a palavra de um escritor que registra tu<strong>do</strong> isso e pede:<br />
paz, amor, diversão e união!
Pelo Brasil<br />
137<br />
Jéssica Balbino deu esse depoimento em abril de 2010.<br />
Ela, como dissemos, é jornalista, escritora e se declara<br />
apaixonada pela cultura hip-<strong>hop</strong>.<br />
A Jéssica Balbino nos traz um depoimento otimista e que<br />
não deixa de ser verdadeiro, mas é o contrário, por exemplo,<br />
<strong>do</strong> que nos diz um <strong>do</strong>s mais influentes produtores de<br />
hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> país, o “poderoso” Celso Athayde, idealiza<strong>do</strong>r<br />
da Cufa (Central Única das Favelas) e que tem grande<br />
poder no país. Sua instituição está presente em to<strong>do</strong>s os<br />
esta<strong>do</strong>s e promoveu por dez anos o maior prêmio de hip-<strong>hop</strong><br />
da América Latina, o Hutúz.<br />
Celso Athayde não dá muitas entrevistas e nos concedeu<br />
esta, exclusivamente para o livro, no mesmo abril de 2010<br />
em que a Jéssica Balbino nos deu o depoimento anterior.<br />
Isso mostra que o hip-<strong>hop</strong> é encara<strong>do</strong> de formas diferentes,<br />
dependen<strong>do</strong> de quem vê, da sua posição, <strong>do</strong> seu<br />
ponto de vista, mas se fizermos a mesma pergunta a dez<br />
pessoas envolvidas no <strong>movimento</strong>, com certeza teremos<br />
visões totalmente diferentes. Mas vamos à bombástica<br />
entrevista de <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong> com o cria<strong>do</strong>r da Cufa.<br />
Com vocês, Celso Athayde.<br />
BUZO: Você imaginou que um dia a Cufa ia chegar aonde<br />
chegou<br />
CELSO ATHAYDE: Seria politicamente correto eu dizer que<br />
não. Mas eu imaginei, sim, ou sonhei. Reconhecer isso é<br />
ter compromisso com a verdade. A Cufa é maior <strong>do</strong> que<br />
as pessoas têm notícia, temos hoje mais de quatrocentos<br />
projetos e estamos presentes em to<strong>do</strong>s os esta<strong>do</strong>s.<br />
Organizar uma nave como a Cufa com uma base<br />
de loucos e loucas não é difícil, é impossível... Sempre<br />
tive a certeza de que as pessoas precisavam acreditar<br />
em nós para que, se isso fosse possível, então o milagre<br />
acontecesse. E aí o impossível aconteceu.<br />
BUZO: Qual fator foi determinante para o crescimento<br />
da Cufa
138 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
CELSO ATHAYDE: Independência e autonomia. Criar uma<br />
organização para ser o chefe era tu<strong>do</strong> que não me<br />
seduzia, criar uma chefia era reproduzir a opressão<br />
que o nosso discurso negava. Por outro la<strong>do</strong>, era preciso<br />
ter articulação e coman<strong>do</strong>. Esse equilíbrio não<br />
é fácil e vai ser sempre a nossa encruzilhada. A Cufa<br />
chegou até aqui desprezan<strong>do</strong> o me<strong>do</strong> e assumin<strong>do</strong> riscos.<br />
Até onde ela vai eu não sei, mas pelo que parece<br />
ela não vai parar em função das suas características e<br />
membros. Mas sempre soubemos que se os membros<br />
da Cufa não fossem os reais <strong>do</strong>nos das suas conquistas<br />
individuais para enriquecer o coletivo, não daria<br />
certo. Pode até não dar certo no futuro, mas não vamos<br />
abrir mão desse protagonismo e da busca pela independência<br />
em to<strong>do</strong>s os momentos.<br />
BUZO: MV Bill. Quan<strong>do</strong> você viu que ele se tornaria um <strong>do</strong>s<br />
maiores nomes <strong>do</strong> rap nacional...<br />
CELSO ATHAYDE: Desde o primeiro momento que conheci<br />
o Bill, ele era disciplina<strong>do</strong> e obstina<strong>do</strong> pelo sucesso.<br />
A diferença foi que, na época, o sucesso pra mim era<br />
ele se tornar um grande vende<strong>do</strong>r de discos, depois eu<br />
encontrei com ele no trem entregan<strong>do</strong> prospectos, não<br />
era de show, eram papéis que diziam que o rap poderia<br />
salvar as pessoas. Ele fazia isso como faziam os evangélicos,<br />
só que ele pregava o rap, o hip-<strong>hop</strong>...<br />
Ele veio trabalhar numa grava<strong>do</strong>ra que eu tinha e numa<br />
loja de discos. Com o tempo percebi que o sucesso pra<br />
ele não era algo relaciona<strong>do</strong> a vendas, mas a uma convicção,<br />
seu desejo era levar essa convicção ao maior<br />
número de pessoas. Eu já sabia que ele tinha potencial<br />
artístico desde que ele abria os shows <strong>do</strong> Racionais,<br />
mas agora ele tinha o que o diferencia <strong>do</strong>s outros até<br />
hoje: ele não pregava no palco, ele praticava na rua.
Pelo Brasil<br />
139<br />
BUZO: Você escreveu livros em parceria. Como vê a importância<br />
da literatura na sociedade e na periferia<br />
CELSO ATHAYDE: A palavra periferia me remete a tu<strong>do</strong> o<br />
que é afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> centro, então os ricos das periferias<br />
como Barra da Tijuca e outras se camuflam de mais ou<br />
menos pobres para usar nosso discurso e se apropriar<br />
com legitimidade dessa literatura que incentivamos.<br />
Em relação à literatura produzida por nós, favela<strong>do</strong>s,<br />
eu não vejo outra saída que não seja ela, não só como<br />
produtores de conhecimento como de consumi<strong>do</strong>res.<br />
Precisamos levar a arte de MV Bill, <strong>Buzo</strong>, Ferréz, Afro-<br />
Reggae e outros tantos, pois é importante ler os “asfaltistas”,<br />
mas é igualmente importante que eles nos<br />
leiam, sobretu<strong>do</strong> os jovens das chamadas “periferias”,<br />
pois eles precisam reconhecer esses novos atores como<br />
suas referências, nas mais diversas formas de artes.<br />
BUZO: Por que surgiu o Hutúz e por que parar agora, depois<br />
da 10ª edição<br />
CELSO ATHAYDE: Eu entrei no rap por ver nele uma chance<br />
de ganhar dinheiro, nada mais. O tempo me mostrou a<br />
sua importância e as contradições. Eu já fazia eventos,<br />
era um produtor fali<strong>do</strong> e passei a contratar alguns grupos<br />
de rap por causa da demanda. Com o tempo, eu vi<br />
que os grupos eram agressivos e ingênuos, reproduziam<br />
discursos de outros grupos e nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is sabia o<br />
que estava falan<strong>do</strong>. Eu ficava impressiona<strong>do</strong> quan<strong>do</strong><br />
a mídia valorizava a nossa ignorância, como se fosse<br />
uma manifestação cultural legítima, como se to<strong>do</strong>s da<br />
favela ou da periferia fossem necessariamente aquilo.<br />
Eu achava que podíamos falar gírias, palavrões e andar<br />
com roupas largas, mas aquilo tinha que ser uma opção,<br />
exatamente como os góticos que trabalham na Bolsa de<br />
Valores. Mas não, a nossa comunicação era restrita ao<br />
nosso mun<strong>do</strong> “guetifica<strong>do</strong>” e, lógico, os manos nunca
140 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
saberiam disso se não se esforçassem para ver o que<br />
tem <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> da cortina. Sempre que apareciam os<br />
manos, a mídia dizia: “Olha, lá vêm os meninos e meninas<br />
trava<strong>do</strong>res da periferia”, e assim éramos reconheci<strong>do</strong>s<br />
como os jovens que protestavam, reclamavam e que<br />
falavam a realidade... A minha história sempre foi a rua,<br />
aquele papinho era um prato cheio para a imprensa, mas<br />
pra mim, não. Tinha grupo que odiava a televisão, outros<br />
diziam que a televisão não ia ser televisionada, e to<strong>do</strong>s<br />
falavam isso em videoclipe na MTV, além de ser televisão<br />
era e é a porta-voz da classe média. Nada contra,<br />
mas aquilo não me seduzia. Eu não queria ser reconheci<strong>do</strong><br />
como quem protestava, mas como quem mudava<br />
a lógica. Não queria ser visto como quem denunciava,<br />
mas como quem oferecia alternativas. Essa era a postura<br />
que eu achava certa. E ainda acho, por isso surgiu a Cufa,<br />
que apesar de ter como fio condutor o hip-<strong>hop</strong> e respeitar<br />
todas as tendências, não somos o “hip-<strong>hop</strong>ismo”, como se<br />
o mun<strong>do</strong> girasse sobre quatro elementos. Veja, não estou<br />
negan<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> rap, estou dizen<strong>do</strong> que até um<br />
momento é bacana, mas se você não altera e avança<br />
pode virar um câncer social para varias gerações, como<br />
virou. O Hutúz parou exatamente porque eu não acredito<br />
nesse rap que aí está. Acho de verdade que o Hutúz<br />
tem valoriza<strong>do</strong> esse modelo que tá destruin<strong>do</strong> a vida de<br />
milhões de jovens no Brasil. Eu fui aos bailes de rap e<br />
fico com vergonha, e jamais deixaria meus filhos irem.<br />
Antes <strong>do</strong>s grupos entrarem no palco, metade <strong>do</strong> público<br />
está deitada no chão, em transe... Isso seria anormal se<br />
fosse com qualquer seguimento musical, mas se tratan<strong>do</strong><br />
de hip-<strong>hop</strong>, de um seguimento que deseja fazer<br />
revolução, isso é o caos. O Hutúz surgiu para apresentar<br />
uma alternativa e revelar outros talentos, que viessem<br />
para protagonizar novas virtudes e ajudar a repensar<br />
nossos equívocos, mas o Hutúz não foi capaz de fazer
Pelo Brasil<br />
141<br />
isso, falhamos. O que fizemos foi simplesmente legitimar<br />
esse modelo que temos, no qual podemos contar<br />
nos de<strong>do</strong>s os que desejaríamos que nossos filhos seguissem.<br />
E um <strong>movimento</strong> deve ser o espelho de uma juventude,<br />
e não vejo sinceramente o hip-<strong>hop</strong> como uma saída<br />
decente para a nossa. Vejo, sim, o hip-<strong>hop</strong> como um grito<br />
de alerta e <strong>do</strong>r. Até quan<strong>do</strong> queremos sentir isso A Cufa<br />
entra exatamente aí, sinalizan<strong>do</strong> para uma qualificação,<br />
superação e construção de poder a partir de uma outra<br />
linguagem, postura e compromisso. E por isso eu afirmo:<br />
quanto mais a Cufa cresce e transforma, mais eu tenho<br />
convicção de que eu estou certo...<br />
BUZO: Como você encara uma crítica Imagino que receba<br />
algumas, é inevitável.<br />
CELSO ATHAYDE: Não tenho acesso a elas, em geral. Por<br />
duas razões: uma porque falo pouco, prefiro realizar,<br />
tanto que você deve ter li<strong>do</strong> duas entrevistas minhas<br />
no máximo em 15 anos de hip-<strong>hop</strong>. E segun<strong>do</strong> porque<br />
as pessoas que fazem criticas não fazem por acreditar<br />
nelas, fazem por desabafo, e acho normal. O Hutúz,<br />
por exemplo, não chegaria à décima edição, e no Rio,<br />
se fosse menor <strong>do</strong> que as críticas; o Oscar é critica<strong>do</strong> e<br />
to<strong>do</strong>s querem ir vê-lo. Problema é quan<strong>do</strong> ninguém critica,<br />
aí sim eu teria que repensar. As pessoas chegavam<br />
ao Rio acreditan<strong>do</strong> que seus trabalhos seriam capazes<br />
de vencer o Racionais por exemplo, e quan<strong>do</strong> o envelope<br />
era aberto elas se achavam injustiçadas e reclamavam.<br />
O Hutúz foi capaz de revelar grandes nomes e represar o<br />
sonho de muitos. Isso era parte <strong>do</strong> jogo, um jogo de adultos<br />
que nem to<strong>do</strong>s sabem jogar. Mas agora o jogo acabou<br />
por opção minha e eu não acredito que um dia exista um<br />
prêmio como o Hutúz, a menos que seja feito pelos boys.<br />
Criticar é algo que não dá muito trabalho, mas produzir<br />
um livro, um filme, um prêmio, uma organização presente<br />
em vários países, um conceito de basquete de rua
142 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
capaz de agregar mais de 80 mil pessoas e outras ações,<br />
isso sim faz a gente perder tempo. Acho que a sociedade<br />
é assim, uns ficam na depressão apontan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os<br />
defeitos <strong>do</strong> que os outros fazem, e uns fazem milhões de<br />
coisas e viram o alvo. Eu vou sempre preferir surfar no<br />
olho <strong>do</strong> furacão, e antes de levar em consideração uma<br />
crítica, devemos perguntar ao crítico quais ações eles<br />
fez para saber se está credencia<strong>do</strong>, pois até para críticar<br />
tem que ter moral, se não tu<strong>do</strong> vira a mesma coisa,<br />
e não é.<br />
BUZO: O hip-<strong>hop</strong> no Brasil está num bom momento<br />
CELSO ATHAYDE: Seria simpático dizer que sim, mas eu não<br />
vou conseguir mentir pra mim mesmo. Por que estaria<br />
melhor Faz 15 anos que eu escuto dizer que agora o rap<br />
está em alta. De lá pra cá os grupos vendem menos discos,<br />
fazem menos shows, os grupos femininos desapareceram,<br />
e se fizermos uma pesquisa vamos descobrir que<br />
nenhum cantor de rap tem plano de saúde. Só para fazer<br />
uma reflexão. Será que estamos num bom momento<br />
Se a revista Veja me perguntar, eu vou dizer que o rap tá<br />
arrebentan<strong>do</strong>, que estamos venden<strong>do</strong> horrores, que os<br />
bailes estão cheios, que as lojas de roupas e de discos<br />
são nossas e que nossas grava<strong>do</strong>ras estão muito bem,<br />
e vou dizer mais, que os grupos vivem de rap. Mas como<br />
eu posso dizer isso para o <strong>Buzo</strong>, que sabe que é mentira<br />
Vivemos de poucas exceções, a maioria <strong>do</strong>s grupos está<br />
passan<strong>do</strong> até fome ou viven<strong>do</strong> tragicamente, o meu<br />
maior problema é que não conheço as pessoas pelos jornais,<br />
conheço os basti<strong>do</strong>res, então não vou vender ilusão.<br />
BUZO: O que podemos esperar <strong>do</strong> futuro<br />
CELSO ATHAYDE: A minha contradição é essa, é apesar dessas<br />
conclusões acreditar no futuro, e por isso a Cufa<br />
criou o RPB, um festival de rap popular brasileiro. Com
Pelo Brasil<br />
143<br />
isso eu renuncio ao Hutúz e deixo de premiar um modelo<br />
em que eu não acredito que sirva de referência e passamos<br />
a investir de fato em novos modelos. Em jovens<br />
hoje com 15 anos, sem esses “vícios”, posso agregar<br />
um novo valor ao hip-<strong>hop</strong> e que o Hutúz possa voltar em<br />
2030 com um hip-<strong>hop</strong> que realmente seja uma referência<br />
para a vida <strong>do</strong>s jovens, que construa identidade, que<br />
forme cientistas, comandantes, e não somente comanda<strong>do</strong>s.<br />
Que saiam <strong>do</strong> discurso comum e simplista de que<br />
o rap tira o jovem <strong>do</strong> crime. Não que não seja possível,<br />
apesar <strong>do</strong> contrário, mas que o rap, assim como a Cufa,<br />
possa ser um veículo real de transformação, e não de<br />
discurso, que esteja prepara<strong>do</strong> para lidar com o mun<strong>do</strong><br />
real, pois enquanto estamos limita<strong>do</strong>s a falar: “Morô,<br />
mano, tá liga<strong>do</strong>”, os boys estão aí, tiran<strong>do</strong> onda e ten<strong>do</strong><br />
acesso a tu<strong>do</strong> o que pertence a eles, e como sobremesa<br />
comen<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> o que é nosso.<br />
Como vimos, Celso Athayde, apesar de ser um <strong>do</strong>s maiores<br />
empresários <strong>do</strong> meio e, por que não, uma das pessoas<br />
que mais soube captar recursos e parceiros, não está<br />
satisfeito com o rumo que o <strong>movimento</strong> toma. Concor<strong>do</strong><br />
com ele no que diz respeito a meia dúzia de grupos, no<br />
máximo dez, talvez, viverem <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> e to<strong>do</strong> o restante,<br />
que somasse aí milhares de pessoas, estar longe<br />
de poder viver só de hip-<strong>hop</strong>. Alguns têm trabalhos paralelos,<br />
e muitos passam sérias dificuldades financeiras.<br />
Quan<strong>do</strong> ele diz que nenhum rapper tem plano de saúde,<br />
por exemplo, acho que está exageran<strong>do</strong>, mas nem tanto,<br />
com certeza bem poucos devem ter.<br />
Mas isso em contraste ao depoimento anterior, da jornalista<br />
Jéssica Balbino de Poços de Caldas-MG, mostra o<br />
quanto é complexo o assunto e que ninguém no hip-<strong>hop</strong><br />
é <strong>do</strong>no da verdade, cada um tem sua opinião, cada um vê<br />
por um ângulo diferente.
144 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Como disse, Celso Athayde é, sem dúvida, um <strong>do</strong>s mais<br />
bem-sucedi<strong>do</strong>s empresários <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, mas como ele<br />
mesmo falou “eu entrei no rap por ver nele uma chance<br />
de ganhar dinheiro, nada mais. O tempo me mostrou a<br />
sua importância e as contradições.”<br />
Não acho erra<strong>do</strong> alguém querer ganhar dinheiro, é para<br />
isso que to<strong>do</strong>s trabalhamos, só que pouquíssimas pessoas<br />
no hip-<strong>hop</strong> teriam coragem de assumir isso assim<br />
abertamente, talvez por isso o Celso Athayde seja polêmico<br />
e receba críticas, mas ninguém pode negar que ele<br />
é um grande articula<strong>do</strong>r.<br />
Cada esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil tem suas particularidades em se<br />
tratan<strong>do</strong> de hip-<strong>hop</strong>, existem esta<strong>do</strong>s onde o hip-<strong>hop</strong> é<br />
trata<strong>do</strong> como cultura e outros em que é, ainda nos dias<br />
de hoje, marginaliza<strong>do</strong>.<br />
Lembro quan<strong>do</strong> fui a Curitiba pela primeira vez, quem me<br />
levou e mostrou um pouco da cidade-modelo foi o pessoal<br />
<strong>do</strong> Centro de Estu<strong>do</strong>s Políticos e Culturais Ernesto Che<br />
Guevara. Eles fizeram questão de me pôr a par da realidade.<br />
Fora <strong>do</strong> centro-modelo pulsa uma periferia, com favelas e<br />
problemas mil, fomos falar com o DJ Dex (dex@iddeha.org.<br />
br), <strong>do</strong> grupo de rap Arquivo Negro, para saber como anda a<br />
cena no Paraná. Acompanhe agora o bate-papo.<br />
BUZO: Qual a importância <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> na sua vida<br />
DEX: Por mais que seja discurso já bati<strong>do</strong> por muitos da<br />
cultura hip-<strong>hop</strong>, eu sempre vou falar que a importância<br />
pra mim foi que mu<strong>do</strong>u minha vida.<br />
Eu era mais um na favela que pra sociedade não chegaria<br />
a lugar nenhum. Hoje, com 34 anos, poderia estar morto<br />
ou na cadeia, mais hoje tô aqui, sou educa<strong>do</strong>r de um<br />
projeto social onde posso resgatar jovens que como eu<br />
não tiveram muitas chances nessa sociedade, sou DJ <strong>do</strong><br />
grupo de rap Arquivo Negro e uma referência <strong>dentro</strong> da
Pelo Brasil<br />
145<br />
cultura que me resgatou. Pra mim hip-<strong>hop</strong> vai além <strong>do</strong><br />
que muitos veem por aí, é uma filosofia de vida, o seu<br />
proceder no dia a dia.<br />
BUZO: Como é o hip-<strong>hop</strong> em Curitiba e no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
Paraná Quem você destaca<br />
DEX: O hip-<strong>hop</strong> de Curitiba é forte, mas é oprimi<strong>do</strong> pela<br />
cultura da cidade que diz ser de estilo europeu (risos),<br />
é citada por aí como cidade-modelo de primeiro mun<strong>do</strong><br />
(risos).<br />
Aí o investimento pra cultura hip-<strong>hop</strong> é pouco, os espaços<br />
são bem restritos para eventos, assim mesmo nós,<br />
da cultura hip-<strong>hop</strong>, estamos corren<strong>do</strong> atrás de projetos,<br />
fazen<strong>do</strong> eventos nas quebradas, cada um <strong>do</strong> seu jeito,<br />
associa<strong>do</strong>s a ONGs, associações ou mesmo atrás de<br />
editais que possam beneficiar algum centro da cultura.<br />
No Paraná há alguns trabalhos em destaque que a<br />
gente tem notícias por aí, como exemplo nós mesmos<br />
<strong>do</strong> grupo Arquivo Negro, em parceria com a ONG<br />
IDDEHA, associação de cultura de rua, o MH2O também,<br />
tem o pessoal fazen<strong>do</strong> um trabalho por aqui com<br />
o grupo Alia<strong>do</strong>s Linha de Frente, o Nação com o Will,<br />
os meninos de Ponta Grossa <strong>do</strong> grupo Ponta Rap e <strong>do</strong><br />
<strong>movimento</strong> HPG, a galera <strong>do</strong> Thiagão e os Kamikazes <strong>do</strong><br />
Gueto, sei que em Londrina tem uma rapa que também<br />
faz um trabalho foda, tem também uma irmã da Igreja<br />
Católica que faz um trabalho com hip-<strong>hop</strong> em Paranaguá.<br />
Como vê, há muitos trabalhos, mas como falei,<br />
também é uma luta pra mostrar, conseguir espaços no<br />
meio da burguesia que mantém a tradição de Curitiba a<br />
“cidade-modelo”.
146 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Um <strong>do</strong>s grupos de rap que considero mais politiza<strong>do</strong>s e<br />
que fala de temas brasileiros como Zumbi <strong>do</strong>s Palmares<br />
é o Z’África Brasil. Falamos com o Gaspar, integrante <strong>do</strong><br />
Z’África, 4 para saber dele como é esse lance de falar das<br />
nossas raízes e de outros assuntos. O grupo é um <strong>do</strong>s poucos<br />
no país com carreira internacional. Vamos ver o que<br />
nos falou o Gaspar, com exclusividade, em abril de 2010.<br />
BUZO: Z’África Brasil, politiza<strong>do</strong> até no nome. Como foi a<br />
escolha <strong>do</strong> mesmo<br />
GASPAR: Sim, o nome foi cria<strong>do</strong> em 1995 pelo nosso<br />
grande mestre Zulu Z’África, DJ e um grande coleciona<strong>do</strong>r<br />
de carros e discos antigos. Tivemos a ideia de fazer<br />
um rap bem brasileiro em que pudéssemos contar a verdadeira<br />
história <strong>do</strong>s povos com a visão da periferia.<br />
Z – Zulu, Z’África, Zumbi – Brasil um pedaço D’África<br />
onde nossa história parte <strong>do</strong> Quilombo <strong>do</strong>s Palmares<br />
até os dias de hoje.<br />
Zulu, além da referência da nação africana somos membros<br />
da Universal Zulu Nation Brasil, organização que é<br />
uma batalha <strong>do</strong> King Nino Brown, Nelson Triunfo, Casa<br />
<strong>do</strong> <strong>Hip</strong>-Hop e Áfrika Bambaataa.<br />
BUZO: Vocês falam de Zumbi nas músicas. Qual a importância<br />
dele na história <strong>do</strong> Brasil<br />
GASPAR: O Quilombo <strong>do</strong>s Palmares resistiu durante<br />
cem anos, e teve grandes líderes importantes em<br />
sua história, mas nenhum foi tão poderoso e conheci<strong>do</strong><br />
como Zumbi <strong>do</strong>s Palmares. Suas estratégias de<br />
defesa e suas lutas vitoriosas se espalharam por to<strong>do</strong><br />
o país, ele era brasileiro nasci<strong>do</strong> livre em terras palmarinas.<br />
Após trezentos anos de sua morte, o dia 20<br />
de novembro se tornou o Dia da Consciência Negra no<br />
4 www.myspace.com/zafricabrasil
Pelo Brasil<br />
147<br />
Brasil, e a importância de sua luta é que ele representa<br />
a verdadeira face <strong>do</strong> povo brasileiro.<br />
BUZO: Vocês são um <strong>do</strong>s poucos grupos com carreira<br />
internacional. Em quais países se apresentaram e qual<br />
foi a melhor experiência no estrangeiro<br />
Gaspar: É isso mesmo, a primeira vez que viajamos para<br />
o exterior foi em 1999, pra Itália, onde gravamos o nosso<br />
primeiro trabalho, Conceitos da rua. Depois fomos algumas<br />
vezes pra França, onde em 2005/07 gravamos o<br />
nosso último trabalho, Verdade e traumatismo. Também<br />
fomos pra Bretanha, Inglaterra (Reino Uni<strong>do</strong>), Espanha.<br />
O Funk Buia foi pra Índia e Alemanha, o Gaspar foi pro<br />
Canadá. No estrangeiro o melhor de tu<strong>do</strong> foi a experiência<br />
e os aprendiza<strong>do</strong>s que adquirimos e todas as andanças<br />
tiveram seus la<strong>do</strong>s positivos e negativos.<br />
BUZO: Existe rap sem protesto<br />
GASPAR: Pro Z’África, não! Isso depende da realidade<br />
de cada um.<br />
Ritmo e Poesia pra nós tem bastante protesto, mas<br />
existem mil formas de se expressar e cada um tem o<br />
livre arbítrio pra cantar o que quiser, vivemos a cultura<br />
hip-<strong>hop</strong> e o que fazemos é música com conhecimento e<br />
muito respeito a qualquer ser humano que a ouve.<br />
BUZO: Pra você, como está o cenário <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> na atualidade,<br />
vê um bom momento<br />
GASPAR: Pra mim essa fase é muito boa, muitos talentos,<br />
muita atividade, to<strong>do</strong>s os elementos em alta rotatividade,<br />
programa de TV, filmes, saraus de poesia, muitos<br />
projetos sociais. É claro que acredito que ainda tá<br />
faltan<strong>do</strong> mais circuitos e eventos de hip-<strong>hop</strong> e cultura<br />
da periferia e que nas quebradas tenha mais oficinas e<br />
lojas especializadas em nossa cultura.
148 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Pra quem vive a periferia e tem o hip-<strong>hop</strong> como estilo de<br />
vida, todas as fases são boas. Que fase!<br />
BUZO: O que espera pro futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
GASPAR: Que tenha mais profissionalismo, intercâmbios<br />
pelo Brasil e pelo mun<strong>do</strong> e que possamos criar nossa<br />
base de subsistência para aqueles que realmente vivem<br />
e respiram hip-<strong>hop</strong> e arte da periferia.<br />
E é isso, estar sempre em <strong>movimento</strong> viver o presente<br />
plantan<strong>do</strong> pro futuro.<br />
Podemos observar que Gaspar e o seu grupo vão pra<br />
cima, sem ficar se lamentan<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> ele diz: “Pra mim<br />
essa fase é muito boa.”<br />
Não vejo como um otimismo exagera<strong>do</strong>, e sim, como a<br />
visão de um cara que não vê obstáculos que não possam<br />
ser venci<strong>do</strong>s.<br />
Visitei a quebrada <strong>do</strong>s manos, o Jardim Leme, em Taboão<br />
da Serra, para filmar o meu quadro na TV Cultura, o<br />
“Buzão – Circular Periférico”, e o trabalho deles lá é de<br />
integração total com a comunidade, junto ao coletivo A<br />
Firma e ao time de futebol de várzea Ponte Preta <strong>do</strong> Jardim<br />
Leme. Os manos estão fazen<strong>do</strong> a revolução.<br />
Por exemplo, um político faz propaganda num muro da<br />
quebrada, eles vão na sequência e conversam com o<br />
mora<strong>do</strong>r, propõem um grafite bem louco em cima da propaganda.<br />
Isso é combater o sistema, porque aquele candidato<br />
só lembra <strong>do</strong> Jardim Leme em época de eleição,<br />
depois não volta mais.<br />
No dia em que filmamos, um <strong>do</strong>mingo, o que se via no<br />
local era incrível; de to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s surgiam pessoas<br />
(de crianças a pessoas da melhor idade), vestin<strong>do</strong> com<br />
orgulho a camisa da Ponte Preta <strong>do</strong> Jardim Leme, muitas<br />
pessoas. Os grafites que o pessoal faz (CONG) trazem a
Pelo Brasil<br />
149<br />
imagem de um gorila. Perguntei por quê, e a explicação<br />
foi a seguinte: “Aqui não vem bater de frente que ninguém<br />
é macaquinho, é tu<strong>do</strong> King Kong.”<br />
Aí, na moral, nem tenta que o barato é mil grau. Sintonia<br />
total entre rap, grafite e comunidade.<br />
De Taboão da Serra para o Distrito Federal, falamos com o<br />
rapper GOG (abreviação <strong>do</strong> seu nome). Genival, ou GOG, é<br />
um <strong>do</strong>s nomes mais importantes <strong>do</strong> cenário, um <strong>do</strong>s mais<br />
politiza<strong>do</strong>s e também um <strong>do</strong>s que mais viajam por to<strong>do</strong> o<br />
país, levan<strong>do</strong> o rap e o hip-<strong>hop</strong> social por onde passa.<br />
Tive o prazer de me tornar seu amigo, visitar sua casa<br />
em Brasília e recebê-lo na minha em São Paulo. GOG<br />
fala pelos cotovelos e envolve a to<strong>do</strong>s com um turbilhão<br />
de ideias e rimas.<br />
No bate-papo exclusivo pra este livro, GOG nos falou de<br />
como é estar há mais de vinte anos na cena hip-<strong>hop</strong>, de<br />
sua visão <strong>do</strong> momento atual e de sua ligação próxima com<br />
o governo federal. Leia agora o que nos falou o “poeta <strong>do</strong><br />
rap nacional”, como também é conheci<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Como é viver o hip-<strong>hop</strong> há mais de vinte anos<br />
GOG: É acima de tu<strong>do</strong> superação. Fico pensan<strong>do</strong>: quanta<br />
gente talentosa e que teria uma contribuição imensa<br />
ao <strong>movimento</strong> acabou desistin<strong>do</strong> por falta de oportunidades,<br />
de um apoio financeiro mínimo. Isso me deixa<br />
triste, mas não pode jamais nos fazer desistir da caminhada.<br />
Por isso, sempre que posso estou apresentan<strong>do</strong><br />
talentos e propostas.<br />
BUZO: Hoje você dialoga com o governo federal. Qual a<br />
sua ligação<br />
GOG: Creio que um <strong>do</strong>s caminhos para que a falta de<br />
oportunidades e de acesso diminua seja o diálogo<br />
com os outros atores sociais e culturais. Os governos,<br />
sejam nacionais, estaduais ou municipais, são atores
150 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
no processo de formação cultural brasileira, mas se<br />
não forem provoca<strong>do</strong>s, continuarão com a mesma política<br />
de inclusão que há séculos não nos atende. Daí a<br />
necessidade de capilarizar essas veias, ocupar espaços<br />
estratégicos. O meu diálogo com o governo federal<br />
é muito bom, até porque votei para que ele se estabelecesse,<br />
e hoje, a convite <strong>do</strong> ministro da Cultura, Juca<br />
Ferreira, sou membro <strong>do</strong> Conselho Nacional de Política<br />
Cultural, um órgão colegia<strong>do</strong> que assessora o ministro<br />
na aplicação e criação de políticas públicas na área cultural.<br />
Não recebo salário e nem sou <strong>do</strong> governo. Participo,<br />
contribuo, enfim, assumo meu papel social, uma<br />
missão que o hip-<strong>hop</strong> me ensinou a praticar.<br />
BUZO: Você acha que o Prêmio Cultura <strong>Hip</strong>-Hop vai dar um<br />
fôlego novo ao <strong>movimento</strong><br />
GOG: Pois é. Uma das maiores conquistas que o hip-<strong>hop</strong><br />
alcançou nessa relação com o governo federal foi a<br />
abertura <strong>do</strong> edital <strong>do</strong> Prêmio <strong>Hip</strong>-Hop, que na sua primeira<br />
edição homenageia postumamente o nosso parceiro<br />
e eterno líder, Preto Ghóez, e que vai fazer girar,<br />
financeiramente, nossa engrenagem. Serão contempla<strong>do</strong>s<br />
128 projetos em to<strong>do</strong> o Brasil, dividi<strong>do</strong>s em cinco<br />
categorias. As premiações somam R$ 1,7 milhão. São<br />
válidas iniciativas individuais e em grupos, cujas ações<br />
comprovem que o hip-<strong>hop</strong> tem um caráter social. O prêmio<br />
para cada vence<strong>do</strong>r é de R$ 13 mil e vai fazer girar,<br />
financeiramente, nossa engrenagem. Maiores informações<br />
<strong>do</strong> prêmio no site. 5<br />
BUZO: Como você descreve a cena hip-<strong>hop</strong> hoje em dia no<br />
Distrito Federal<br />
GOG: O hip-<strong>hop</strong> brasiliense é um <strong>movimento</strong> imenso e<br />
cada vez mais organiza<strong>do</strong>. Os bailes continuam lota<strong>do</strong>s.<br />
Temos os quatro elementos fortíssimos, rádios<br />
5 www.cultura.gov.br
Pelo Brasil<br />
151<br />
comunitárias, a literatura avança, assim como a discussão.<br />
Uma grande conquista recente <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
foi a criação <strong>do</strong> Sindicato <strong>do</strong>s DJs. DJs Brother, Elyvio,<br />
Celsão, Nino Mix, Ocimar, entre vários outros e outras,<br />
estão se organizan<strong>do</strong> e discutin<strong>do</strong> a música e as transformações<br />
mundiais. Isso é essencial para o entendimento<br />
<strong>do</strong> momento atual, pensan<strong>do</strong> no futuro.<br />
BUZO: Você acha que o hip-<strong>hop</strong> está num bom momento<br />
GOG: Sim. O hip-<strong>hop</strong> nos aponta infinitas possibilidades,<br />
temos que ter a percepção disso. Temos b.boys viajan<strong>do</strong><br />
o mun<strong>do</strong> inteiro com grupos de dança contemporânea.<br />
Outros participan<strong>do</strong> de campeonatos importantíssimos<br />
pelo planeta. Veja o momento maravilhoso por que<br />
passa o Emicida. O Dexter, mesmo exila<strong>do</strong>, fez uma das<br />
maiores celebrações que o hip-<strong>hop</strong> já viu! Tu<strong>do</strong> isso é<br />
fruto de muito trabalho!<br />
BUZO: O que você espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil<br />
GOG: Que os seus integrantes voltem a ler sua cartilha. É<br />
de uma profundidade e sabe<strong>do</strong>ria imensa!<br />
Pra mim, o mais importante <strong>do</strong> que acabou de nos dizer<br />
o GOG, é: “O hip-<strong>hop</strong> nos aponta infinitas possibilidades,<br />
temos que ter a percepção disso.”<br />
Concor<strong>do</strong> com ele 100%. As possibilidades existem,<br />
estão aí, mas precisamos enxergá-las pra alcançá-las.<br />
O discurso <strong>do</strong> “Tá liga<strong>do</strong>, mano” é coisa <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.<br />
Devemos sim manter nossa gíria (gíria não, dialeto), mas<br />
saber falar a linguagem de onde estivermos, dialogar de<br />
igual pra igual na favela, mas também junto ao governo,<br />
isso é necessário, é fora <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> que devemos<br />
buscar apoio financeiro pro hip-<strong>hop</strong> crescer, isso não é<br />
se vender, se vender talvez seria não devolver nada para<br />
a periferia, aban<strong>do</strong>nar suas raízes.
152 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Recebi algumas críticas (não diretamente, mas quem<br />
tem língua fala, e uns têm a língua grande demais)<br />
quan<strong>do</strong> mudei <strong>do</strong> Itaim Paulista para o bairro quase<br />
central da Casa Verde, um bairro de classe média baixa,<br />
cain<strong>do</strong> pra alta. Mas essa mudança tinha propósitos,<br />
e hoje, pouco mais de um ano depois, eu não me arrepen<strong>do</strong><br />
nem um minuto. Explico:<br />
Ia mudar de casa de qualquer jeito, no final de 2008, porque<br />
completava dez anos que eu, minha esposa e meu<br />
filho morávamos numa casa de <strong>do</strong>is cômo<strong>do</strong>s no Itaim<br />
Paulista, onde vivi ainda minha infância e a<strong>do</strong>lescência.<br />
Pra quem não é de São Paulo, ou mesmo para quem é e<br />
não conhece, o Itaim Paulista tem aproximadamente 400<br />
mil habitantes e é o último bairro da Zona Leste, a 38 quilômetros<br />
<strong>do</strong> Centro.<br />
Quan<strong>do</strong> procurei casa no Itaim, descobri que praticamente<br />
pelo mesmo valor de aluguel lá eu poderia morar<br />
na Casa Verde por exemplo, estaria então a 15 minutos<br />
<strong>do</strong> Centro. Como os locais onde que eu trabalhava eram<br />
quase to<strong>do</strong>s na região central e próximos dela, acabaria<br />
ten<strong>do</strong> mais tempo para trabalhar, e melhor, mais tempo<br />
pra ficar com minha família.<br />
Pesou bastante o mo<strong>do</strong> como essa mudança seria vista<br />
pelo <strong>movimento</strong>, afinal sou o “Suburbano Convicto”, mas<br />
preferi não me preocupar com o que diriam as más línguas,<br />
primeiro porque ninguém, nos dez anos que morei<br />
em <strong>do</strong>is cômo<strong>do</strong>s na favela, com córrego fedi<strong>do</strong> nos fun<strong>do</strong>s<br />
(um inferno no verão), ninguém foi lá perguntar se eu<br />
estava bem, se precisava de alguma coisa.<br />
Segun<strong>do</strong> porque minha casa, em cima da minha sogra,<br />
continuaria sen<strong>do</strong> minha e quan<strong>do</strong> quisesse estar no<br />
Itaim Paulista, ficaria na “minha casa”, terceiro porque<br />
tinha a certeza de que morar mais próximo <strong>do</strong> Centro ia<br />
me possibilitar produzir mais, ganhar mais e concretizar,<br />
como ainda preten<strong>do</strong>, ter minha casa própria, seja na<br />
Casa Verde ou no Itaim. Esse é meu projeto maior de vida,<br />
ter um teto para chamar de meu. Então, se para isso eu
Pelo Brasil<br />
153<br />
tive que vir pagar aluguel na Casa Verde ou onde quer que<br />
seja, para fazer uma ponte, não iria deixar de fazer pelo<br />
que os outros iriam dizer.<br />
Tinha certeza de que a minha contribuição cultural e<br />
social ao Itaim Paulista poderia seguir independente de<br />
não estar mais moran<strong>do</strong> no bairro, e foi o que aconteceu.<br />
No ano de 2009, que foi o primeiro que passei inteiro na<br />
Casa Verde (desde dezembro de 2008), promovi no Itaim<br />
Paulista três edições <strong>do</strong> meu evento Favela Toma Conta,<br />
uma dessas edições, o tradicional Dia das Crianças, pelo<br />
sexto ano segui<strong>do</strong> no CDHU Itaim. Então, não estar diariamente<br />
no bairro não impediu que eu fosse a pessoa<br />
que mais promove eventos no mesmo. Isso é o que chamo<br />
de não aban<strong>do</strong>nar suas raízes.<br />
O discurso de “Daqui eu não saio” é antigo.<br />
Mas você não mudar <strong>do</strong> lugar, e não fazer nada por ele,<br />
não adianta nada.<br />
Em 2009 eu produzi, sem captar nenhum real em lugar<br />
o filme Profissão MC, grava<strong>do</strong> na Comunidade D’Avó, no<br />
Itaim, levei o bairro para as telas <strong>do</strong>s cinemas, quase<br />
90% <strong>do</strong>s atores e figurantes eram compostos por mora<strong>do</strong>res<br />
<strong>do</strong> Itaim. Isso vale mais <strong>do</strong> que eu morar ou não<br />
no lugar.<br />
O Itaim Paulista será eternamente minha quebrada, porque<br />
ela não é só o meu CEP, ela é a minha vida, minhas<br />
raízes e minha bússola. Costumo dizer que “sou de um<br />
lugar distante, que talvez você não queira conhecer, mas<br />
é lá que me sinto bem.”<br />
Cito o bairro também numa poesia que costumo declamar<br />
nos vários saraus espalha<strong>do</strong>s pela cidade:<br />
Me chamo <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong><br />
Orgulho de ser brasileiro<br />
Não só em ano de Copa,<br />
São Paulo, metrópole,<br />
Minha terra, meu lugar.
154 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Só lá <strong>do</strong> fundão da Leste.<br />
Lugar de cabra da peste.<br />
O Itaim é o Paulista,<br />
Não é o Bibi 6 <strong>do</strong>s boy<br />
Gueto, periferia, favela<br />
É tu<strong>do</strong> isso que vejo,<br />
Olhan<strong>do</strong> da minha janela.<br />
Lugar melhor que lá não existe.<br />
É lá que escrevo meus livros.<br />
É lá que cresce meu filho.<br />
Gosto tanto <strong>do</strong> lugar<br />
Que costumam me chamar...<br />
De Suburbano Convicto<br />
Essa poesia foi a primeira minha que meu filho declamou<br />
na vida, em público.<br />
Eu não me considero um poeta, porque sou escritor de<br />
romances e crônicas, mas tento a sorte de vez em quan<strong>do</strong><br />
na poesia, que admiro bastante.<br />
Ver meu filho declamar essa poesia “sozinho” numa palestra<br />
minha, uma vez numa escola particular classe AAA, me<br />
encheu de orgulho. Depois disso andamos declaman<strong>do</strong>-a<br />
juntos por aí, quan<strong>do</strong> o Evandro está a fim.<br />
Ela reafirma de onde eu sou e de onde eu me orgulho de ser.<br />
Falem o que quiserem, como diz o dita<strong>do</strong>: “Falem bem,<br />
falem mal, mas falem de mim.”<br />
Só que eu sou favela toma conta, suburbano convicto e<br />
Itaim Paulista até depois <strong>do</strong> final.<br />
No segun<strong>do</strong> semestre de 2010, cain<strong>do</strong> pra 2011, tô articulan<strong>do</strong><br />
de ter o Espaço Suburbano Convicto, um local<br />
6 Trata-se de uma comparação <strong>do</strong> Itaim Paulista (periferia) com o Itaim Bibi,<br />
reduto da elite paulistana.
Pelo Brasil<br />
155<br />
no Itaim Paulista com apoio capta<strong>do</strong> de fora pra <strong>dentro</strong>,<br />
onde preten<strong>do</strong> ter uma biblioteca, sala de exibição de<br />
filmes e ainda diversas palestras e oficinas. Um sonho<br />
grandioso, mas se é para sonhar, vamos sonhar alto e,<br />
principalmente, viabilizar para não ficar apenas no sonho<br />
e trazer isso para a realidade.<br />
Mas seguin<strong>do</strong> em nossa viagem pelo Brasil <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>,<br />
fomos falar com um cara que tem o <strong>movimento</strong> até no<br />
nome, mas ele não é de São Paulo ou <strong>do</strong> Rio de Janeiro,<br />
ele é <strong>do</strong> Acre. Existe (e muito) hip-<strong>hop</strong> no Acre. Falou com<br />
a gente sobre isso o Augusto <strong>do</strong> <strong>Hip</strong>-Hop, direto de Rio<br />
Branco, capital <strong>do</strong> Acre (fronteira com a Bolívia). Ele é<br />
organiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Encontro Norte de <strong>Hip</strong>-Hop.<br />
Como disse anteriormente, o hip-<strong>hop</strong> está em to<strong>do</strong> o<br />
país. Confira aí.<br />
BUZO: Nos fale <strong>do</strong> projeto atual de vocês aí no Acre, o<br />
Repensan<strong>do</strong> a Juventude.<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP (DIRETO DE RIO BRANCO-ACRE): Bom, o projeto<br />
Repensan<strong>do</strong> foi uma iniciativa nossa, a gente faz<br />
projetos <strong>dentro</strong> das comunidades pra rapaziada, formamos<br />
grupos de rap, ajudamos a fortificar os mesmos,<br />
mas na hora de produzir, quem produz Aqui no Acre tem<br />
que ralar pra gravar, e como a gente corre atrás, conseguimos.<br />
Conseguimos um convênio com a prefeitura de<br />
Rio Branco através <strong>do</strong> próprio prefeito da capital, uma<br />
verba para ser aplicada em produção, elaboramos o<br />
projeto para aquisição <strong>do</strong>s equipamentos, através dele<br />
produziremos cinco grupos de rap da capital e <strong>do</strong> interior,<br />
com selo da Seringueiro Records.<br />
BUZO: O hip-<strong>hop</strong> aí aborda temáticas locais. Vocês falam<br />
<strong>do</strong> que nas letras<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: Falamos de tu<strong>do</strong> um pouco: polícia,<br />
selva, tráfico de drogas, pe<strong>do</strong>filia, revolução acreana,<br />
desigualdade social, meio ambiente, tráfico de animais,
156 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
das estradas de acesso aos outros municípios daqui, <strong>do</strong><br />
governo, de nós mesmos, de Deus, enfim, tem uma gama<br />
que se eu for relatar vai entrar por outro dia...<br />
BUZO: Como é o Encontro Norte de <strong>Hip</strong>-Hop que você<br />
promove<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: Cara, o Encontro Norte é onde a gente<br />
troca ideia, o MHF, MHHOB, organizações de hip-<strong>hop</strong><br />
daqui e de fora <strong>do</strong> Acre. Geralmente quem participa é<br />
rapaziada <strong>do</strong> Peru, da Bolívia, <strong>do</strong> Acre, de Rondônia.<br />
BUZO: Rio Branco, no Acre, tem ideia de quantos grupos<br />
tem aí de rap<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: O Acre já sabe quem somos, pois<br />
estamos em to<strong>do</strong>s os <strong>movimento</strong>s, isso é, o Núcleo de<br />
<strong>Hip</strong>-Hop Mocambo, organização da qual eu sou o coordena<strong>do</strong>r<br />
geral. Hoje no Mocambo temos em torno de<br />
sete grupos de rap na ativa, fora outros grupos <strong>do</strong> interior<br />
que fazem parte da rede Mocambo de hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Quan<strong>do</strong> eu estive aí, vi que tem muito break e grafite.<br />
Como está a cena <strong>do</strong>s quatro elementos hoje<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: (Risos) Se Deus quiser vai colar de<br />
novo (risos), mas aqui nós estamos nos forman<strong>do</strong> e nos<br />
informan<strong>do</strong> cada vez mais. Eu sou o primeiro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
<strong>do</strong> Acre a se formar, e junto comigo no Mocambo temos<br />
mais oito integrantes que estão em fase final da faculdade.<br />
Pra você ver, nós estamos crian<strong>do</strong> o conceito de<br />
sustentabilidade <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> acreano, mas nos<br />
forman<strong>do</strong> tecnicamente em algumas áreas acadêmicas<br />
afins, pois então a cena tá forte em alguns segmentos,<br />
em outros não. Não temos, por exemplo, DJ aqui.<br />
Temos apenas break, rap, grafite, e o conhecimento<br />
que se prolifera graças a Deus, feito praga (risos). Fora<br />
o DJ, o resto tá “fogo,fogo”!<br />
BUZO: Como vocês veem o rap de São Paulo aí
Pelo Brasil<br />
157<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: Pô, São Paulo é inspiração, caboco.<br />
Tamo no corre de trazer a Realidade Cruel em novembro,<br />
Racionais prevalece em to<strong>do</strong>, beco, em toda selva.<br />
Pra você ter ideia, meu trampo é longe pra caralho, fica<br />
a quase meio dia de barco pelo rio Acre, subin<strong>do</strong> contra<br />
a correnteza, e lá na escola em que eu leciono, os moleques<br />
de cinco séries tu<strong>do</strong> escutan<strong>do</strong> Facção, Racionais,<br />
A Família, A286 e Realidade Cruel, sem falar <strong>do</strong><br />
nosso som também, Corre Negão, Terra Conquistada,<br />
Não Pague pra Ver, entre outras. Por fim, temos inspiração<br />
em muitos grupos de São Paulo porque [o rap paulistano]<br />
é um marco, é o início, é respeito, faz parte da<br />
história, é difícil falar de rap e não falar de Racionais ou<br />
de GOG. Hoje respeitamos, mas assumimos identidade<br />
própria, nosso som é diferente, procuramos um elo perdi<strong>do</strong><br />
por entre nossas letras.<br />
BUZO: O que o hip-<strong>hop</strong> significa pra sua vida<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: Caralho! Essa pergunta novamente...<br />
Falar o que representa na minha vida, putz, mano até<br />
me emociono, é foda, mas, aê, vivo e respiro essa cultura,<br />
é minha família, é meu moleque, são os chega<strong>do</strong>s,<br />
é a nossa vitória, é uma <strong>do</strong>ença sem cura no meu organismo,<br />
mano, vou morrer por essa porra! Porque acredito<br />
que este <strong>movimento</strong> modifica, faz a diferença, e<br />
podemos ganhar a vida fazen<strong>do</strong> isso. Digo porque ganho<br />
a minha vida, sustento meus filhos e carrego a minha<br />
casa através <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> é minha escola, com a<br />
ajuda de Deus foi com ele que eu aprendi respeitar e ser<br />
respeita<strong>do</strong>, <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> Acre.<br />
BUZO: Seu nome é Augusto <strong>do</strong> <strong>Hip</strong>-Hop. Como é ter hip-<strong>hop</strong><br />
até no nome<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: Alegria, satisfação, humildade, respeito<br />
e responsabilidade.
158 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Neste livro você está sen<strong>do</strong> li<strong>do</strong> por pessoas de<br />
to<strong>do</strong> o país. Que mensagem o hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> Acre quer mandar<br />
neste momento, pra quem vai ler Fique à vontade, a<br />
palavra é toda sua.<br />
AUGUSTO DO HIP-HOP: Sou rapper, grafiteiro, popping e<br />
sociólogo. Deus me mostrou um norte na vida através<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, e sigo a mesma com esse propósito. Um dia<br />
me disseram que hip-<strong>hop</strong> não era futuro pra ninguém,<br />
e que eu ia morrer de fome se continuasse. Bom, hoje<br />
graças a Deus sou uma referência em to<strong>do</strong> o território<br />
nacional <strong>dentro</strong> desta cultura, e com muita humildade<br />
e respeito agradeço a Nino Brown, Nelsão e Bboy<br />
Danzinho, que têm meu respeito eterno. <strong>Buzo</strong>, um cara<br />
que, carai, sei lá, você e demais. Lamartine (Clanordestino),<br />
Mano Brown, Edi Rock e Kl Jay (Racionais), uns<br />
caras que trocaram umas ideias e sempre respeitaram<br />
a gente olhan<strong>do</strong> no olho. A rapaziada da Máfia Nortista,<br />
meu chega<strong>do</strong> Preto Michel <strong>do</strong> Pará, Fama de Rondônia<br />
e, por fim, minha esposa Nadir, que me fortalece quan<strong>do</strong><br />
pareço estar perden<strong>do</strong> a fé, meus quatro moleques de<br />
mães diferentes (risos) Arquiney, Jessica, Felipe e<br />
Neto, pérolas raras de um conto de fadas, sem palavras.<br />
A to<strong>do</strong>s que contribuem para este elenco, um abraço.<br />
Para os que não acreditam que o hip-<strong>hop</strong> pode ter sustentabilidade,<br />
eu apenas lamento, porque não penso<br />
assim, e sou prova disso. E para os que estão começan<strong>do</strong><br />
no <strong>movimento</strong>, cuida<strong>do</strong>, tenham paciência, porque<br />
senão o jacaré abraça. E para os que estão de longa<br />
data, calma, o que é nosso tá guarda<strong>do</strong>, ninguém toma.<br />
E para os inimigos, um abraço de serpente com choque<br />
de puraquê acompanha<strong>do</strong> de muita paz e obriga<strong>do</strong>, sem<br />
vocês para torcer contra não teria graça a nossa vitória!<br />
É isso aí, rapaziada. Deus é mais e “hip-<strong>hop</strong> não para”!
Pelo Brasil<br />
159<br />
Mas o Brasil é gigante e fomos até o Piauí, falar com o Gil<br />
BV, que é uma das referências <strong>do</strong> rap no esta<strong>do</strong>, saber<br />
dele como anda a cena por lá.<br />
BUZO: Como é a cena hip-<strong>hop</strong> no Piauí<br />
GIL BV: A cena no Piauí vem crescen<strong>do</strong> a cada dia. Hoje<br />
o trabalho <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> Piauí é mais volta<strong>do</strong> para projetos<br />
socioculturais. Já estamos com cinco anos que<br />
temos o Centro de Referência da Cultura <strong>Hip</strong>-Hop, que<br />
realiza capacitações nos elementos da cultura hip-<strong>hop</strong>,<br />
informática, mecânica.<br />
BUZO: A internet aju<strong>do</strong>u quem faz hip-<strong>hop</strong> fora <strong>do</strong> eixo<br />
Rio-SP<br />
GIL BV: A internet tem si<strong>do</strong> o maior veículo para que possamos<br />
divulgar nossas atividades, principalmente pros<br />
grupos de rap, e nossas atividades em comunidades de<br />
Teresina e <strong>do</strong> interior. Mas hoje podemos observar uma<br />
cena diferenciada <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> Norte e Nordeste pro<br />
hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> eixo Rio-SP, pelo conteú<strong>do</strong> político e social,<br />
e isso pode ser observa<strong>do</strong> nas centenas de blogs, sites,<br />
myspaces, onde os grupos não se preocupam somente<br />
com a qualidade cultural <strong>do</strong> elemento que representam,<br />
temos uma preocupação de resgate e valorização da<br />
autoestima <strong>do</strong> nosso povo.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
GIL BV: Salva, com certeza, mas ele não funciona como<br />
uma espécie de igreja onde terá um padre, um pastor<br />
pra fazer intervenções e direcionar os parceiros pra um<br />
determina<strong>do</strong> caminho. A salvação vem da força de vontade<br />
de cada um em conquistar seu lugar e direcionar<br />
sua força para o objetivo que pretende conquistar através<br />
da cultura hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Por que você entrou no hip-<strong>hop</strong> O que buscava
160 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
GIL BV: Quan<strong>do</strong> entrei, em 1994, só queria aprender a<br />
cantar, buscava instrumentais, queria local pra ensaiar,<br />
parceiros e alia<strong>do</strong>s para montar um grupo. Só que no<br />
decorrer da caminhada eu vi que isso era muito pouco<br />
pro tamanho da capacidade que tínhamos e pro tanto de<br />
capacidade que temos hoje, em pular obstáculos, realizar<br />
várias conquistas que vão da gravação <strong>do</strong>s CDs de<br />
vinte grupos de Teresina à conquista de políticas públicas<br />
específicas pro hip-<strong>hop</strong>, principalmente em Teresina-Piauí,<br />
esta<strong>do</strong> com o segun<strong>do</strong> menor IDH <strong>do</strong> Brasil.<br />
Mas temos pessoas que estão mudan<strong>do</strong> essa realidade,<br />
e uma grande parcela delas está pratican<strong>do</strong> um elemento<br />
da cultura hip-<strong>hop</strong> em Teresina, principalmente<br />
no Centro de Referência da Cultura <strong>Hip</strong>-Hop.<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no futuro<br />
GIL BV: Espero que vários parceiros possam viver e usufruir<br />
da nossa cultura como fonte de renda, o que já vem acontecen<strong>do</strong>,<br />
só que ainda é pouco; espero que possamos ser<br />
capazes de gerar mecanismos de autogestão e sustentação,<br />
nos quais os vários praticantes <strong>do</strong>s elementos da<br />
cultura hip-<strong>hop</strong> no Brasil sejam protagonistas <strong>do</strong>s grandes<br />
eventos, festivais e projetos <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> brasileiro.<br />
Outra referência <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> nacional e que não poderia<br />
deixar de falar é o produtor DJ Raffa de Brasília-DF. Ele<br />
produziu clássicos <strong>do</strong> rap nacional e ainda hoje lança<br />
trabalhos importantes, escreveu essa história no livro<br />
Trajetória de um guerreiro, biografia que saiu pela Aeroplano<br />
Editora.<br />
Sua vida é um livro aberto, e nesta entrevista exclusiva<br />
ele nos mostra toda a sua experiência. Vamos lá.<br />
BUZO: Você é um <strong>do</strong>s maiores produtores de rap <strong>do</strong> país.<br />
Narre um pouco <strong>do</strong> que já produziu nestes anos to<strong>do</strong>s.
Pelo Brasil<br />
161<br />
DJ RAFFA: Não sei se me considero um <strong>do</strong>s maiores produtores<br />
de rap <strong>do</strong> Brasil. O que eu tenho certeza é de<br />
ter contribuí<strong>do</strong> muito com o fortalecimento <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
brasileiro com as produções que eu fiz durante os meus<br />
mais de 25 anos de caminhada, e de ter ajuda<strong>do</strong> muitos<br />
grupos e de ter feito trabalhos que se tornaram clássicos<br />
<strong>do</strong> rap nacional. Acho que o que me tornou o que sou<br />
hoje, ten<strong>do</strong> esse reconhecimento, foram as minhas atitudes<br />
<strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>. Mas, graças a Deus,<br />
eu ainda estou em plena atividade e não preten<strong>do</strong> me<br />
aposentar tão ce<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Sua obra mais importante no hip-<strong>hop</strong><br />
DJ RAFFA: Isso fica muito difícil de responder. Você pode<br />
avaliar ela de várias maneiras. Por exemplo, se for por<br />
vendagem de discos é o De Menos crime – Fogo na<br />
bomba, 120 mil cópias vendidas. Se for pela introdução<br />
de um estilo que uma geração inteira copiou depois,<br />
Basea<strong>do</strong> nas Ruas – Bagulho na sequência. Se for pela<br />
música que se tornou hino de toda uma geração de<br />
amantes <strong>do</strong> rap nacional, Câmbio Negro, Sub-raça. Se<br />
for por um disco que praticamente tocaram todas as<br />
músicas em bailes e programas não só em São Paulo<br />
mais no Distrito Federal também, Coman<strong>do</strong> DMC – São<br />
Paulo está se arman<strong>do</strong>. Se for por colocar um <strong>do</strong>s maiores<br />
poetas <strong>do</strong> rap nacional entre os maiores artistas <strong>do</strong><br />
Brasil, GOG - CPI da favela, apesar de eu gostar muito <strong>do</strong><br />
Dia a dia da periferia. Se for por um grupo que marcou<br />
toda uma geração e conseguiu tocar as suas músicas em<br />
rádios não especializadas <strong>do</strong> rap, Consciência Humana,<br />
os <strong>do</strong>is primeiros discos. E, pra finalizar, se for por colocar<br />
as mulheres de igual pra igual sem dever nada para<br />
os homens, Atitude Feminina, com o disco Rosas, pra<br />
mim o divisor de águas da nova geração <strong>do</strong> rap feminino.
GOG
GOG
164 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Você escreveu um livro sobre sua trajetória. Afinal,<br />
o conhecimento é o quinto elemento<br />
DJ RAFFA: A responsabilidade e a consciência social aliadas<br />
ao conhecimento e ao voluntaria<strong>do</strong> de passar o<br />
conhecimento certo para as futuras gerações, isso pra<br />
mim e o resumo <strong>do</strong> quinto elemento.<br />
BUZO: Por que grandes nomes <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> estão perden<strong>do</strong><br />
campo pra uma galera da nova geração<br />
DJ RAFFA: Porque simplesmente não se reciclaram ou não<br />
aceitam que existe uma nova geração fazen<strong>do</strong> muitas<br />
músicas boas e ten<strong>do</strong> atitude positivas. Aí eles se trancam<br />
no seu mun<strong>do</strong> e ficam perdi<strong>do</strong>s por lá. Eu mesmo<br />
me considero um artista recicla<strong>do</strong> e procuro estar atualiza<strong>do</strong><br />
ao máximo respeitan<strong>do</strong> o trabalho da nova geração,<br />
mas ensina<strong>do</strong> que deve se respeitar aqueles que<br />
abriram as portas para eles.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
DJ RAFFA: Salva! E salva muito! Experiência própria com<br />
alunos que trabalhei e grupos que produzi que viam<br />
o caminho <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> para um mun<strong>do</strong> melhor e mais<br />
qualidade de vida.<br />
BUZO: Você produz o grupo feminino Atitude Feminina.<br />
Por que existem poucos grupos femininos, e por que cola<br />
pouca mina no <strong>movimento</strong> em geral, em shows etc.<br />
DJ RAFFA: Porque o rap nacional ainda é muito machista.<br />
E porque o cara machista que curte rap, se é casa<strong>do</strong><br />
não leva a esposa pro show de rap ou baile. Porque<br />
ainda tem muito grupo fazen<strong>do</strong> música só pra eles mesmos<br />
ou pra mostrar pra outros grupos de rap que eles<br />
podem ser melhores, em vez de fazer música para o<br />
povo, para o público. E porque as minas, quan<strong>do</strong> sobem<br />
no palco e rimam melhor <strong>do</strong> que os homens, ainda há<br />
preconceito porque eles não aceitam. E porque quan<strong>do</strong>
Pelo Brasil<br />
165<br />
um grupo de rap feminino se destaca, os homens “que<br />
têm grupo” não aceitam. E tu<strong>do</strong> isso e muito mais.<br />
Posso te dizer que, lamentavelmente, em um grupo de<br />
discussão que eu estive na Teia, em Fortaleza, sobre<br />
os pontos de cultura que trabalham com a cultura hip<strong>hop</strong>,<br />
quan<strong>do</strong> eu e um colega apontamos que queríamos<br />
uma mulher representan<strong>do</strong> o nosso grupo de trabalho,<br />
o machismo reinou na reunião. É lamentável que <strong>dentro</strong><br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> ainda tenhamos que discutir questões<br />
de gênero que, para mim, ao meu ver, já deveriam estar<br />
superadas há muito tempo.<br />
BUZO: Você vê o hip-<strong>hop</strong> num bom momento<br />
DJ RAFFA: Tenho me<strong>do</strong> que o hip-<strong>hop</strong> se torne uma moda<br />
tão grande que acabe. Eu luto exatamente contra isso.<br />
Acho que o hip-<strong>hop</strong> já é algo enraiza<strong>do</strong> a ponto de estar<br />
sempre presente sem precisar se tornar uma moda de<br />
roupinha ou musiquinha que não diz nada com nada!<br />
Respeito toda forma de arte <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, só<br />
não posso aceitar quan<strong>do</strong> querem deturpar tu<strong>do</strong> aquilo<br />
que levamos quase três décadas para construir. Porque<br />
no mun<strong>do</strong> sempre é mais fácil destruir <strong>do</strong> que construir.<br />
BUZO: O que você espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
DJ RAFFA: Pelo menos aqui no Brasil espero que ele se<br />
espalhe com consciência e positividade. Acho que já<br />
passamos da fase de ficar só reclaman<strong>do</strong>. Muitas coisas<br />
mudaram e melhoraram. Então chegou a hora de<br />
arregaçar as mangas e colocar o time em campo. Porque<br />
e muito fácil militar, ficar só na discussão e não realizar<br />
nada. Na maioria das vezes, só conseguem criticar e não<br />
dar ideia nenhuma. Ir pro campo de batalha, então, e<br />
fazer alguma coisa, aí nem se fala! Precisamos de mais<br />
ação e menos discussão!
166 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Outro produtor de destaque na cena rap nacional e que<br />
vem de Brasília-DF é o Ariel Feitosa, que fez recentemente<br />
a produção <strong>do</strong> CD e DVD <strong>do</strong> GOG, Cartão-postal bomba!<br />
Vamos bater um papo com ele e ver como Ariel Feitosa<br />
pensa o hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Como é ser um <strong>do</strong>s maiores produtores <strong>do</strong> país<br />
ARIEL FEITOSA: Pra mim é uma honra enorme, o nosso país<br />
é muito grande e tem várias pessoas muito talentosas e<br />
batalha<strong>do</strong>ras <strong>dentro</strong> da nossa cultura, e você ser reconheci<strong>do</strong><br />
e respeita<strong>do</strong> pelo seu trabalho e pela sua contribuição<br />
<strong>dentro</strong> da cultura hip-<strong>hop</strong> é muito gratificante.<br />
BUZO: Como anda a cena hip-<strong>hop</strong> no Distrito Federal<br />
ARIEL FEITOSA: A cena <strong>do</strong> Distrito federal está em um<br />
processo de evolução que me agrada muito, Brasília<br />
sempre foi um celeiro de ótimos produtores e artistas.<br />
A tecnologia, hoje em dia, está muito próxima das<br />
pessoas, isso facilita muito o processo de criação que<br />
automaticamente gerou uma demanda de vários produtores<br />
e novos trabalhos. Eu estou no coman<strong>do</strong> há mais<br />
de um ano de um programa de rádio na Rádio Nacional<br />
AM em parceria com a Cufa, que é um programa totalmente<br />
direciona<strong>do</strong> pro rap brasileiro, e automaticamente<br />
acabo escutan<strong>do</strong> e analisan<strong>do</strong> todas as músicas<br />
que chegam pra mim, que estão sen<strong>do</strong> criadas no Brasil<br />
e principalmente em Brasília, e o que eu vejo e escuto é<br />
uma postura mais profissional, relacionada às letras e<br />
ao áudio <strong>do</strong>s novos artistas. Vejo os grupos se preocupan<strong>do</strong><br />
com to<strong>do</strong>s os detalhes, desde visual gráfico, misturas<br />
<strong>do</strong>s ritmos com a batida <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, e uma preocupação<br />
mais cuida<strong>do</strong>sa com as letras, de falar temas não<br />
muito usa<strong>do</strong>s na caminhada <strong>do</strong> rap brasileiro, e isso me<br />
deixa muito orgulhoso. Cada vez mais estão aparecen<strong>do</strong><br />
vários artistas da cidade desapontan<strong>do</strong> para o Brasil.
Pelo Brasil<br />
167<br />
Gosto muito da Flora Matos, Abuh, Lívia Cruz, Ataque<br />
Beliz, Rapadura, <strong>do</strong> Duck Jay e da turma <strong>do</strong> Tribo da<br />
Periferia, fora os que já estão na cena há algum tempo,<br />
como o Viela 17, Atitude Feminina, o mestre GOG, entre<br />
outros, que estão ganhan<strong>do</strong> espaço e destaque no país.<br />
BUZO: Principais obras suas no hip-<strong>hop</strong><br />
ARIEL FEITOSA: Os meus principais trabalhos na atualidade<br />
são: DVD/CD ao vivo <strong>do</strong> GOG, Cartão-postal<br />
bomba, com a participação <strong>do</strong> Lenine, Maria Rita, Gerson<br />
King Combo; MV Bill, com o seu novo álbum, Causa<br />
e efeito; o novo álbum <strong>do</strong> grupo Consciência Humana,<br />
que será lança<strong>do</strong> no segun<strong>do</strong> semestre de 2010, Renega<strong>do</strong>,<br />
de Belo Horizonte; Rapadura, com Fita embolada<br />
<strong>do</strong> engenho; Natiruts, com um remix “Dentro da<br />
música”; Ellen Oléria, a maior revelação da música brasiliense;<br />
e estou lançan<strong>do</strong> pelo meu selo Haller Music,<br />
em 2010, a artista Lívia Cruz e o rapper Abuh de Brasília,<br />
que são um grande acha<strong>do</strong> na minha vida.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
ARIEL FEITOSA: Sempre! Mas você precisa trabalhar. Nada<br />
vai ser por acaso, é como você querer ser médico, tem<br />
que estudar muito, eu acho que o hip-<strong>hop</strong> como cultura<br />
dá um monte de oportunidades para os jovens, mas não<br />
adianta querer viver só de glamour, você tem que trabalhar<br />
duro pra conseguir as suas coisas, como em qualquer<br />
profissão. Como dizia o poeta Renato Russo, quem<br />
acredita sempre alcança!<br />
BUZO: Você acha que o hip-<strong>hop</strong>, com o prêmio <strong>do</strong> MinC<br />
entre outras coisas, está num bom momento<br />
ARIEL FEITOSA: Sim, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> está fican<strong>do</strong> mais profissional,<br />
to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> queren<strong>do</strong> entender como funciona<br />
esse processo to<strong>do</strong>, eu vejo um interesse muito grande
168 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
<strong>do</strong>s artistas que fazem a cena hip-<strong>hop</strong> buscan<strong>do</strong> se<br />
informar e saber como eles podem ser beneficia<strong>do</strong>s. Já<br />
que existe uma iniciativa governamental, por que não<br />
usar essas ferramentas Sobre o prêmio <strong>do</strong> MinC, eu<br />
acho uma iniciativa muito válida, é sinal de que estão<br />
de olho na cultura hip-<strong>hop</strong> no país e, se estão de olho, é<br />
porque ela é muito importante.<br />
BUZO: O que esperar <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
ARIEL FEITOSA: Eu sempre acreditei nas coisas que eu amo. O<br />
hip-<strong>hop</strong> no Brasil vem crescen<strong>do</strong> muito, você percebe as<br />
novas gerações muito antenadas com tu<strong>do</strong>, é uma geração<br />
que está usan<strong>do</strong> a internet como ferramenta de trabalho,<br />
e como o nosso país é muito grande e a diversidade<br />
cultural e musical é imensa, você vê garotos e meninas<br />
na cultura hip-<strong>hop</strong> em to<strong>do</strong>s os cantos, e isso me deixa<br />
muito feliz. Mesmo com todas dificuldades de divulgação<br />
e de estrutura artística a cultura hip-<strong>hop</strong> cresce muito e<br />
ainda vai ter um espaço mereci<strong>do</strong>. O futuro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no<br />
Brasil é muito próspero!<br />
Pela quantidade de pessoas de Brasília que se encontram<br />
neste livro, percebe-se claramente a importância<br />
<strong>do</strong> Distrito Federal <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> contexto <strong>do</strong> rap nacional, e<br />
quan<strong>do</strong> se fala de Brasília, um <strong>do</strong>s nomes fortes e referência<br />
de um cara batalha<strong>do</strong>r <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> rap é o Japão, <strong>do</strong><br />
grupo Viela 17. Ele acaba de lançar uma série em comemoração<br />
<strong>do</strong>s seus vinte anos de carreira e não podíamos<br />
deixar de falar com ele sobre isso.<br />
BUZO: Você está completan<strong>do</strong> vinte anos de carreira.<br />
Como é estar há tantos anos no <strong>movimento</strong> e o que ele<br />
representa na sua vida<br />
JAPÃO / VIELA 17: Na verdade, viver este momento é para<br />
poucos, com tanta dificuldade que passei no rap, altos<br />
e baixos, já era para ter desisti<strong>do</strong>, mas viver por muitos
Pelo Brasil<br />
169<br />
anos o rap só vem a provar que o rap não é somente um<br />
estilo musical, e sim um estilo de vida.<br />
BUZO: Conte como iniciou no rap.<br />
JAPÃO / VIELA 17: Comecei no final <strong>do</strong>s anos 1980, com um<br />
grupo chama<strong>do</strong> Esquadrão MCs. Era tu<strong>do</strong> muito complica<strong>do</strong>,<br />
as gravações eram feitas em fitas K-7, para produzir<br />
era caro demais, não tinha grava<strong>do</strong>ras interessadas,<br />
só tínhamos a força de vontade como aliada, mas vencemos<br />
mais uma barreira.<br />
BUZO: Você fez parte <strong>do</strong> time <strong>do</strong> GOG. Como foi esse<br />
tempo e o que ficou<br />
JAPÃO / VIELA 17: Participar deste time foi uma escola, vivemos<br />
muitas alegrias juntos, o GOG é um cara com suas<br />
ideias e convicções! Mas é um amigo e irmão que consegue<br />
absorver coisas ruins e fazer transformações positivas,<br />
participar com GOG, Mano Mix, Dino Black, Negro<br />
Dario e Edízio foi essencial para a afirmação profissional,<br />
aprendi e injetei algum conhecimento nesta família.<br />
BUZO: Ceilândia, o que tem a dizer desse lugar<br />
JAPÃO / VIELA 17: Ceilândia é minha vida territorial, tenho a<br />
mesma idade desta cidade, aqui fiz filme que foi superpremia<strong>do</strong>,<br />
aqui fiz minhas letras, e desenvolvi meu la<strong>do</strong><br />
familiar e profissional. É importante ressaltar que hoje,<br />
de to<strong>do</strong>s os grupos que aqui surgiram no começo <strong>do</strong><br />
rap, eu sou o único que ainda está na ativa, Ceilândia é<br />
terra de Câmbio Negro e Viela 17 e de inúmeros grupos<br />
expressivos, Ceilândia é minha vida e inspiração.<br />
BUZO: Viela 17, fale da trajetória <strong>do</strong> seu grupo.<br />
JAPÃO / VIELA 17: Montei o Viela 17 logo após sair <strong>do</strong> grupo<br />
GOG. Era inicialmente para ser um CD solo, “que farei<br />
este ano”, mas resolvi juntar com Mano Mix e Dino Black<br />
e montar o grupo. Gravei com o DJ Raffa o primeiro CD,
170 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
mas passei uma dificuldade financeira e tive que me<br />
afastar <strong>do</strong> rap por uns quatro anos. Mudei novamente<br />
para São Paulo, me animei novamente com a visita <strong>do</strong><br />
DJ Raffa e sua esposa, e voltei a Brasília. Fiz um disco<br />
bacana e voltei à cena com força total.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
JAPÃO / VIELA 17: Salva e revigora. Tive algumas experiência<br />
com amigos que tinham a vida perdida no crime, e<br />
tiveram no hip-<strong>hop</strong> seu único conselheiro e parceiro na<br />
hora <strong>do</strong> desabafo e atitude.<br />
BUZO: Como vê o momento atual <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
JAPÃO / VIELA 17: Vejo com euforia, sempre acreditei no<br />
<strong>movimento</strong>. Hoje temos acesso a tecnologias que facilitam<br />
tu<strong>do</strong>, temos ótimos artistas surgin<strong>do</strong> e mandan<strong>do</strong><br />
ver, só temos que pensar que a revolução só estará completa<br />
com a estrutura financeira definida. Infelizmente, o<br />
<strong>movimento</strong> só nos proporcionou até agora investimentos<br />
com pouco retorno e carteira profissional em branco.<br />
BUZO: O que espera pro futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
JAPÃO / VIELA 17: Espero investimento individual e coletivo,<br />
que toda a história seja lembrada como um ato heróico,<br />
feito única e exclusivamente para tirar o povo pobre <strong>do</strong><br />
descrédito e <strong>do</strong> ócio urbano.<br />
BUZO: Salve aos que vão te ler neste livro.<br />
JAPÃO / VIELA 17: Que Deus ilumine to<strong>do</strong>s os que estão<br />
len<strong>do</strong> este livro, e que to<strong>do</strong>s tenham fé e acreditem<br />
neste <strong>movimento</strong> de literatura marginal, roupas sujas<br />
pela dança, muros colori<strong>do</strong>s com nosso suor, letras com<br />
compromisso e entretenimento, músicas e risco vin<strong>do</strong><br />
como grito de liberdade e solda<strong>do</strong>s na luta pela vitória.
Pelo Brasil<br />
171<br />
Do Distrito Federal, vamos direto pra Salva<strong>do</strong>r, falar com<br />
o Nelson Maca da Blackitude: Vozes Negras da Bahia.<br />
Conheci o trabalho pessoalmente, quan<strong>do</strong> o Maca me<br />
levou à Bahia pra uma série de palestras.<br />
Gostei demais da cidade. Na verdade, considero Salva<strong>do</strong>r<br />
e o Rio de Janeiro <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s lugares mais bonitos<br />
e encanta<strong>do</strong>res que conheci nas minhas viagens pelo<br />
país. A companhia <strong>do</strong> Maca e da sua família, nos dias<br />
que passei lá, trouxe uma amizade além <strong>do</strong> cultural.<br />
Depois, já tive o prazer de receber o Nelson Maca em<br />
minha casa numa passagem por São Paulo. Apren<strong>do</strong><br />
muito com o Maca, que é uma pessoa muito politizada<br />
e que não aceita as coisas em que não acredita, mesmo<br />
que não esteja com a razão, se você não convencer ele<br />
disso, esquece, Nelson Maca não se curva.<br />
Um militante <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> negro e <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, mas<br />
também “professor de literatura na Universidade Católica<br />
de Salva<strong>do</strong>r”, pensa o quê No hip-<strong>hop</strong> também<br />
tem os escola<strong>do</strong>s.<br />
Vamos saber um pouco mais sobre ele, sobre o hip-<strong>hop</strong><br />
na Bahia e ainda sobre a Blackitude.<br />
Este livro orgulhosamente apresenta Nelson Maca.<br />
BUZO: Nos explique como funciona, desde quan<strong>do</strong> e qual<br />
a missão da Blackitude: Vozes Negras da Bahia.<br />
NELSON MACA / BLACKITUDE (BA): A Blackitude atua há dez<br />
anos na cidade de Salva<strong>do</strong>r e interior da Bahia principalmente,<br />
além de algumas alianças estratégicas<br />
em outros esta<strong>do</strong>s, principalmente São Paulo e Brasília.<br />
Somos um coletivo que mantém, desde seu início,<br />
em torno de 10 a 15 componentes fixos, porém nossas<br />
relações de parcerias são bastante amplas, incluin<strong>do</strong><br />
artistas <strong>do</strong>s quatro elementos <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, além de<br />
parcerias em ações de formação e políticas de forma
172 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
geral. Nossa composição em torno de poucas pessoas<br />
é uma opção pontual de trabalho. A Blackitude: Vozes<br />
Negras da Bahia identifica-se como um coletivo <strong>do</strong><br />
<strong>movimento</strong> negro que pensa e atua através das expressões<br />
da cultura hip-<strong>hop</strong> principalmente. Sem aparelhar<br />
o hip-<strong>hop</strong>, logicamente. No entanto, estabelecemos<br />
relações profundas com outras linguagens, a exemplo<br />
<strong>do</strong> audiovisual (vídeo, fotografia, cinema) e da “literatura<br />
divergente”. Somos um coletivo independente que<br />
se materializa a partir de ações concretas. Artisticamente,<br />
promovemos festivais de hip-<strong>hop</strong> (rap, break,<br />
grafite e DJ simultanea mente), atividades de formação<br />
e informação (palestras, works<strong>hop</strong>s, oficinas, minicursos,<br />
exposições etc.) e participação em outras iniciativas<br />
de outros <strong>movimento</strong>s sociais da cidade. Não sei<br />
se temos uma missão exatamente. Acho que não. Gostamos<br />
de atuar na vida cultural da cidade sempre no<br />
presente. Então não temos um objetivo lá longe, num<br />
futuro qualquer, mas sim uma inserção nas demandas<br />
<strong>do</strong> agora. Quanto mais independente e menos governamental,<br />
melhor, embora saibamos que tem que haver<br />
diálogos estratégicos com todas as esferas de poder.<br />
Na verdade, sou mais simpático a uma saída comercial<br />
crítica para nosso coletivo; tipo autossustentação.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
NELSON MACA / BLACKITUDE (BA): Não acredito, sinceramente!<br />
Nem gosto <strong>do</strong> discurso salvacionista de muitos adeptos<br />
<strong>do</strong> <strong>movimento</strong>. Nós, que vivemos o hip-<strong>hop</strong> por <strong>dentro</strong>,<br />
sabemos que ele é composto de pessoas comuns e<br />
normais, sujeitas às mesmas razões, acertos e erros<br />
que qualquer irmão ou irmã de nossa comunidade ou<br />
não. Não sou muito simpático aos que tratam o hip-<strong>hop</strong><br />
de maneira messiânica. Na verdade, pedagogicamente<br />
falan<strong>do</strong>, sou <strong>do</strong> time daqueles que acreditam que, ocupan<strong>do</strong><br />
a cabeça e o dia a dia da juventude com o hip-<strong>hop</strong>
Pelo Brasil<br />
173<br />
ou outra cultura positiva qualquer, colaboramos no senti<strong>do</strong><br />
de trazer mais opções para as escolhas de cada um.<br />
Atrela<strong>do</strong> a uma boa formação familiar, à educação formal<br />
da escola e à construção de uma profissão – mesmo<br />
que apreendida apenas na prática – o hip-<strong>hop</strong> pode ser<br />
fundamental na formação crítica de cada participante<br />
ou simpatizante. Tanto na consciência das razões da<br />
cultura hip-<strong>hop</strong>, em si, quanto na visão de mun<strong>do</strong> de<br />
cada um, essa cultura só pode ser positiva. Mas, na real<br />
mesmo, o hip-<strong>hop</strong> em que acredito deve desestruturar as<br />
verdades de nosso mun<strong>do</strong>; e não afirmá-las. O hip-<strong>hop</strong><br />
nasceu para revolucionar, ou seja, para a destruição <strong>do</strong><br />
sistema e a reconstrução das referências. Ele não nasceu<br />
com o intuito de integração a uma realidade perversa.<br />
Daí, penso que o melhor que o hip-<strong>hop</strong> proporcionou para<br />
mim, por exemplo, não foi a salvação, mas sim a minha<br />
saudável “perdição”!<br />
BUZO: Como anda a cena na Bahia e, principalmente, em<br />
Salva<strong>do</strong>r<br />
NELSON MACA / BLACKITUDE (BA): Em Salva<strong>do</strong>r, a cultura hip-<strong>hop</strong><br />
só cresce. Ainda não se profissionalizou, como eu ainda<br />
espero. Muita dificuldade, muita falta de estrutura, de<br />
compreensão, inclusive <strong>do</strong>s pares. Com isso, tem se torna<strong>do</strong>,<br />
como em to<strong>do</strong> Brasil, acho, refém <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Cara,<br />
não gosto muito dessa combinação (hip-<strong>hop</strong> – Esta<strong>do</strong>)<br />
embora a Blackitude já tenha se beneficia<strong>do</strong> dela – mais<br />
de uma vez. Ainda assim desconfio. Sou avesso aos editais,<br />
por exemplo. Não estou dizen<strong>do</strong> que não participo<br />
ou não participarei, estou dizen<strong>do</strong> que pode representar<br />
uma armadilha para qualquer cultura revolucionária.<br />
Mas, independente de tu<strong>do</strong> isso, na Bahia o hip-<strong>hop</strong> vive<br />
uma fase extraordinária no tocante a sua disseminação,<br />
no aumento de seus adeptos. Como disse, precisamos<br />
profissionalizar mais, ampliar o público simpatizante,<br />
não podemos sobreviver só de artistas e militantes. Há
174 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
muitos grupos de rap hoje em Salva<strong>do</strong>r e no interior. As<br />
demos surgem a to<strong>do</strong> instante. Os CDs com produção<br />
mais apurada começam a se tornar comuns. O rap freestyle<br />
é uma febre poderosa e construtiva. O break consegue<br />
realizar batalhas de casa cheia, além <strong>do</strong>s eventos<br />
espontâneos de rua. Alguns b.boys e b.girls já somam<br />
experiência nacional e, inclusive, internacional. Superamos<br />
a fase de ter apenas <strong>do</strong>is ou três DJs na cena.<br />
Hoje há vários, alguns com carreira solo vitoriosa. Coisa<br />
inimaginável dez anos atrás. E o grafite da Bahia ganha<br />
o mun<strong>do</strong>. Vários grafiteiros baianos têm experiência<br />
internacional. Alguns residem fora ou então passam<br />
temporadas em países estrangeiros. As crews de Salva<strong>do</strong>r<br />
realizam, há muito, seus festivais internos e intergrupos.<br />
A visita de grandes nomes <strong>do</strong> grafite nacional<br />
tornou-se comum. Para se ter uma ideia legal da cena, a<br />
Bahia já sedia festivais internacionais de grafite. Existe<br />
aqui um grafite com referências estéticas e espiritualmente<br />
positivas <strong>do</strong> can<strong>do</strong>mblé por exemplo. Já tivemos<br />
o luxo de presenciar um festival nacional de grafiteiras<br />
em Salva<strong>do</strong>r.<br />
BUZO: Quem você destaca em to<strong>do</strong>s os cinco elementos<br />
no hip-<strong>hop</strong> da Bahia<br />
NELSON MACA / BLACKITUDE (BA): Poxa, é difícil destacar nomes.<br />
Sempre corremos o risco de injustiçar alguns e privilegiar<br />
os pares, não é Destaco to<strong>do</strong>s os que plantaram a<br />
semente, cercaram a muda e regaram a árvore. Só não<br />
destaco os que ficam apenas à sombra <strong>do</strong> plantio alheio;<br />
mas aplau<strong>do</strong> os que podam os galhos degrada<strong>do</strong>s e arrancam<br />
os parasitas <strong>do</strong> entorno.<br />
BUZO: Quan<strong>do</strong> estive aí, fiquei surpreso com a quantidade<br />
de grafite nas ruas. Como está hoje<br />
NELSON MACA/ BLACKITUDE (BA): Aumentou e melhorou. O<br />
grafite talvez seja o elemento mais equilibra<strong>do</strong> por aqui.<br />
Há muitos grafiteiros. E há muitos bons grafiteiros. É
Pelo Brasil<br />
175<br />
isso que quero dizer com equilíbrio: uma relação positiva<br />
entre quantidade e qualidade estética. Há diversas<br />
crews e muitos artistas têm estilo próprio.<br />
BUZO: O você que diria aos jovens <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> em qualquer<br />
lugar <strong>do</strong> país que vão te ler nesta entrevista exclusiva<br />
NELSON MACA / BLACKITUDE (BA): Que, para mim, hip-<strong>hop</strong> sem<br />
compromisso não é hip-<strong>hop</strong>. Que compromisso sem<br />
break, grafite, DJ e MCs não é hip-<strong>hop</strong> também. Igualmente,<br />
os quatro elementos sem qualidade estética<br />
não conseguem nada. Que, para mim, primeiramente,<br />
o hip-<strong>hop</strong> tem que se expressar e se comunicar através<br />
<strong>do</strong>s quatro elementos: break, grafite, DJ e rap. Então,<br />
sem isso bem defini<strong>do</strong>, não há hip-<strong>hop</strong> de fato. No passa<strong>do</strong>,<br />
já defendi uma certa (quase) independência <strong>do</strong><br />
chama<strong>do</strong> quinto elemento. A maturidade que adquiro<br />
com outros irmãos que pensam e discutem essa questão<br />
levou-me à convicção de que o conhecimento tem<br />
que estar espalha<strong>do</strong>, de maneira profunda e vigorosa,<br />
nos quatro elementos primordiais. Só livro ou só palestra<br />
pode ser uma coisa emergencial e positiva, porém,<br />
não basta para se dizer cultura hip-<strong>hop</strong>.<br />
Pra manter o livro num padrão eleva<strong>do</strong> de autoestima<br />
e luta, vamos de Salva<strong>do</strong>r, depois de saber mais da<br />
Blackitude em entrevista com o grande Nelson Maca,<br />
amigo, referência, pra Baixada Fluminense, berço <strong>do</strong><br />
Movimento Enraiza<strong>do</strong>s.<br />
Nasci<strong>do</strong> e cria<strong>do</strong> na periferia de Nova Iguaçu na Baixada<br />
Fluminense, bairro de Cerâmica, Léo da XIII escolheu<br />
pra sua vida ser MC. Hoje, além de cantar com o Dudu de<br />
Morro Agu<strong>do</strong>, fez produção no Enraiza<strong>do</strong>s.<br />
Léo da XIII quis um futuro diferente da maioria <strong>do</strong>s jovens<br />
que cresce na periferia de Nova Iguaçu, local marca<strong>do</strong><br />
por dificuldades e chacinas (na pior delas, 29 mortos),<br />
mas ele sabe aonde quer chegar.
176 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Ele nos deu esta entrevista em São Paulo, quan<strong>do</strong> veio<br />
cantar com o DMA na 22ª edição <strong>do</strong> Favela Toma Conta,<br />
que eu (<strong>Buzo</strong>) organizo no Itaim Paulista, mas Léo da XIII<br />
já foi bem mais longe, passou um mês na França em turnê<br />
com o DMA. Quem diria, o jovem da Cerâmica ganhou o<br />
mun<strong>do</strong>, vamos saber o que ele pensa disso.<br />
BUZO: Quan<strong>do</strong> e por que começou a rimar<br />
LÉO DA XIII: Bem, to<strong>do</strong>s nós, que somos mora<strong>do</strong>res de periferia,<br />
temos problemas e dificuldades quase impossíveis<br />
de resolver. Basea<strong>do</strong> nisso, comecei a entender que<br />
só tem alguma coisa aquele que procura alguma coisa<br />
pra fazer. Daí tem as ruas, escola pública e os botecos,<br />
você escolhe um desses caminhos pra viver, pois é e era<br />
só isso, irmão! Não tínhamos condições de criar uma<br />
nova opção, então na época eu tinha 10 anos, tinha acaba<strong>do</strong><br />
de perder meu irmão num acidente de carro, ele<br />
foi atropela<strong>do</strong>, tinha 11 anos, era um <strong>do</strong>s irmãos que eu<br />
mais gostava, minha referência. A partir desse dia minha<br />
vida entrou em diversas mudanças de comportamento,<br />
não fui o mais violento nas ruas, mais fui o que to<strong>do</strong>s<br />
não gostavam, to<strong>do</strong> dia era uma queixa <strong>do</strong>s vizinhos e<br />
minha coroa, sempre trabalhan<strong>do</strong>, não tinha tempo de<br />
acompanhar minhas loucuras. O tempo foi passan<strong>do</strong> e<br />
fiz novas amizades, já tinha conheci<strong>do</strong> quase tu<strong>do</strong> nas<br />
ruas, e sabia que minha conduta era duvi<strong>do</strong>sa. Aí comecei<br />
a refletir sobre minha vida em forma de poesia, eu<br />
escrevia o que estava senti<strong>do</strong>, e comecei a ouvir Racionais,<br />
509-E, Dudu de Morro Agu<strong>do</strong>, Kapella etc.<br />
Percebi que minhas poesias eram parecidas com as<br />
histórias contadas <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> rap, aí fui buscan<strong>do</strong> uma<br />
informação aqui, uma ali... até conhecer o rapper Dudu<br />
de Morro Agu<strong>do</strong>, a primeira porta que se abriu com<br />
uma proposta diferente. Comecei a andar com ele nos<br />
shows, conhecen<strong>do</strong> gente que eu sempre ouvia nas<br />
rádios e que eu admirava, assim fui introduzi<strong>do</strong> <strong>dentro</strong>
Pelo Brasil<br />
177<br />
<strong>do</strong> rap, comecei a fazer isso porque se não fosse o rap,<br />
não sei, mano, o que eu poderia ser hoje. Isso foi quan<strong>do</strong><br />
eu tinha 12 anos, hoje estou com 23 e continuo fechan<strong>do</strong><br />
com meu brother que considero até mais que meu pai.<br />
BUZO: Esperava viver só de rap<br />
LÉO DA XIII: Se eu disser que não, estarei mentin<strong>do</strong>. Esse<br />
não é o propósito <strong>do</strong> assunto, mas, tipo, mano, nunca<br />
gostei de trabalhar pra McDonald’s ou sei lá, ser atendente<br />
de alguma lanchonete, minha mãe sempre foi<br />
empregada <strong>do</strong>méstica, meu pai saiu fora e nunca me<br />
deu nem um real, então alguém tem que mudar isso. Se<br />
vai ser somente o rap, creio que não, irmão, mas graças<br />
ao rap hoje eu posso trampar com oficinas de produção<br />
musical e oficinas de rap, ensinan<strong>do</strong> a molecada<br />
que tem uma cultura por trás disso tu<strong>do</strong>. Se vivo assim,<br />
já estou viven<strong>do</strong> de rap, o resto Deus é quem sabe se<br />
mereço ou não, e sempre confio nele, então acredito<br />
num futuro garanti<strong>do</strong>!<br />
BUZO: Como é trabalhar com o Dudu de Morro Agu<strong>do</strong> (DMA)<br />
LÉO DA XIII: Mano, é como você ver seu pai te mostran<strong>do</strong> os<br />
caminhos que deve seguir pra não se prejudicar, o cara é<br />
foda, tem muito potencial, nasceu pra conquistar e realizar<br />
sonhos. Trabalhar <strong>do</strong> la<strong>do</strong> dele é entender que estamos<br />
no meio <strong>do</strong>s grandes, então estamos bem na fita.<br />
BUZO: Movimento Enraiza<strong>do</strong>s<br />
LÉO DA XIII: Eu nunca consegui falar sobre o Enraiza<strong>do</strong>s<br />
com poucas palavras, Enraiza<strong>do</strong>s é minha casa, mano,<br />
ali <strong>dentro</strong> tenho minha história de vida, meus melhores<br />
amigos e minha chance de mostrar <strong>do</strong> que sou capaz.<br />
Andar pelos esta<strong>do</strong>s e países diferentes, falan<strong>do</strong> sobre<br />
o Enraiza<strong>do</strong>s é como ser um prega<strong>do</strong>r, você vai aonde<br />
ninguém é santo, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> não presta, e depois que<br />
a gente mostra que viemos da mesma situação que se
178 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
encontram, tu<strong>do</strong> muda. É necessário estar prepara<strong>do</strong><br />
pra levar a verdade e não ser confundi<strong>do</strong>, a gente sabe<br />
que só muda aquele que quiser, mas se tiver alguém te<br />
mostran<strong>do</strong> que isso é possível, o processo ocorre mais<br />
rápi<strong>do</strong>. O Enraiza<strong>do</strong>s é uma troca, você chega, se prepara,<br />
sai dali transforma<strong>do</strong>, falan<strong>do</strong> diferente (risos), e<br />
isso influencia em tu<strong>do</strong> o que você fizer.<br />
BUZO: Como foi ficar um mês na Europa<br />
LÉO DA XIII: Foi a primeira vez que fui tão longe. Entrar<br />
naquele pássaro gigante com me<strong>do</strong> de cair lá embaixo<br />
e tu<strong>do</strong> que você plantou afundar é sinistro, mas depois<br />
que pisa no chão, você diz: cara consegui atravessar o<br />
Atlântico. Assim que chegamos lá em Nancy, ficamos<br />
saben<strong>do</strong> que o avião que íamos pegar tinha caí<strong>do</strong>, olha<br />
aí, mano, o que eu disse antes não é viagem, não. Mas<br />
lá estávamos nós. Nos primeiros dias foi meio estranho<br />
geral conversar e você ficar de fora, não entender nada,<br />
mais depois de algumas semanas fui me adaptan<strong>do</strong> com<br />
o povo, curtimos muito, era show quase to<strong>do</strong> dia, festas<br />
e até piquenique. Depois fomos pra Paris, ali to<strong>do</strong><br />
preto se sente alguma coisa (risos). Foi bom pra afastar<br />
a saudade da família, que era muito forte, tinha dia que<br />
eu nem queria acordar, mano, mais eu tava amarradão,<br />
tiran<strong>do</strong> fotos que nem louco, e geral no Brasil já tava<br />
liga<strong>do</strong> no que a gente estava fazen<strong>do</strong>. Graças a Deus<br />
deu tu<strong>do</strong> certo, conseguimos criar novas pontes, fiz um<br />
curso de protools no estúdio <strong>do</strong> manos que agitavam<br />
por lá, gravamos vários raps e isso tem da<strong>do</strong> bons frutos<br />
pra nós hoje. Enfim, foi trampo e diversão ao mesmo<br />
tempo, preten<strong>do</strong> voltar, porque me senti bem.<br />
BUZO: O que espera pro seu futuro <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
LÉO DA XIII: Preten<strong>do</strong> ampliar meus projetos com novas<br />
ferramentas, acho que esse mecanismo não pode perder<br />
a direção. Dentro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> só quero o respeito,
Pelo Brasil<br />
179<br />
quero que to<strong>do</strong>s entendam minha vida <strong>dentro</strong> desse<br />
bagulho, não tô aqui à toa, tem muito bagulho na mente,<br />
mano. Foi muito prazeroso contar um pouco de mim no<br />
seu livro. Deus usa as pessoas certas nos momentos<br />
certos. A to<strong>do</strong>s muita fé e postura. Fica na paz, <strong>Buzo</strong>.<br />
Ven<strong>do</strong> a importância <strong>do</strong> mano Dudu de Morro Agu<strong>do</strong> na<br />
vida <strong>do</strong> Léo da XIII, falamos com ele também, para saber<br />
como é ter essa responsabilidade de ser referência.<br />
Funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Movimento Enraiza<strong>do</strong>s, MC, militante,<br />
enfim... Vamos ver o que o DMA tem a nos dizer. Entrevista<br />
feita em São Paulo, onde pela quarta vez ele<br />
es ta va para se apresentar no Favela Toma Conta.<br />
BUZO: Explica essa história de o Movimento Enraiza<strong>do</strong>s<br />
ter nasci<strong>do</strong> com três cartas que você enviou pelo correio<br />
DMA: Em 1999 eu já escrevia umas letras de rap e tinha<br />
ouvi<strong>do</strong> alguns grupos como Thaíde e DJ Hum e GOG,<br />
mas não sabia nada de hip-<strong>hop</strong>, então decidi criar uma<br />
maneira de conhecer umas pessoas que me ensinassem<br />
o que era essa cultura. Eu tinha receio de dizer que não<br />
conhecia ninguém e as pessoas não me aceitarem, então<br />
comprei uma revista e escrevi três cartas para uns endereços<br />
que havia na última página da revista, dizen<strong>do</strong> que<br />
fazia parte de uma organização de hip-<strong>hop</strong> chamada<br />
Movimento Enraiza<strong>do</strong>s, mas na verdade essa organização<br />
só existia na minha cabeça. As cartas foram para o<br />
Rodrigo Dimenor, de São Paulo, para o Cassiano Pedra,<br />
da Paraíba, e para o Gil BV, <strong>do</strong> Piauí.<br />
BUZO: Enraiza<strong>do</strong>s, o que significa na sua vida<br />
DMA: To<strong>do</strong>s os dias eu agradeço umas três vezes ao dia<br />
por poder fazer aquilo que eu gosto. O Enraiza<strong>do</strong>s é um<br />
sonho que se realiza to<strong>do</strong>s os dias. Eu não consigo me<br />
imaginar fazen<strong>do</strong> outra coisa, viven<strong>do</strong> outra coisa.
180 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: MC, militante, referência (como vimos anteriormente<br />
na entrevista <strong>do</strong> Léo da XIII). Como é isso, como<br />
você se vê<br />
DMA: Eu faço tu<strong>do</strong> aquilo que eu gosto de fazer. Acor<strong>do</strong><br />
com vontade de fazer rap e faço rap, se tenho vontade<br />
de fazer um evento, idealizo e depois executo. Talvez por<br />
gostar de fazer as atividades de forma coletiva, as pessoas<br />
me tenham como referência. Eu vejo tu<strong>do</strong> isso de<br />
forma muito natural, pois tenho as minhas referências<br />
também, admiro muito o trabalho que o DJ Raffa faz,<br />
admiro a humildade e a paciência dele, me identifico<br />
com isso e quero ser igual, acredito que outros tenham<br />
a mesma sensação com a minha pessoa.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong><br />
DMA: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> é um para<strong>do</strong>xo, é a cultura mais complexa<br />
e mais simples que existe. Se integra a tu<strong>do</strong> e a to<strong>do</strong>s o<br />
tempo inteiro. Parei para tentar analisar o hip-<strong>hop</strong> por<br />
algumas vezes, mas, quan<strong>do</strong> as respostas faltavam, eu<br />
começava a sentir o hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Você imaginava com o hip-<strong>hop</strong> ter carreira internacional<br />
Como foi passar um mês na França<br />
DMA: Eu não imaginava nem que pudesse cantar rap um<br />
dia. Sempre fui muito tími<strong>do</strong>. Aprendi a ter sonhos simples<br />
e pequenos para que eu pudesse sentir mais vezes<br />
a sensação de realizar um sonho. Mas com o passar <strong>do</strong><br />
tempo, suas ambições vão aumentan<strong>do</strong>, e comigo não<br />
foi diferente. Mas o processo foi o mesmo, um dia acordei<br />
com vontade de lançar o disco na França, então eu<br />
e o Dumontt fizemos os contatos necessários e fomos.<br />
Ainda levamos o Léo da XIII e o DJ Soneca para eles<br />
aprenderem a sonhar também.<br />
BUZO: Chile
Pelo Brasil<br />
181<br />
DMA: Conheci os camaradas <strong>do</strong> Chile no Brasil, durante<br />
um projeto da Fase chama<strong>do</strong> Derechos Direitos, quan<strong>do</strong><br />
eles vieram no Espaço Enraiza<strong>do</strong>s, em Morro Agu<strong>do</strong>.<br />
Fiquei amigo <strong>do</strong> Zerta Rapper, que apesar de ser bastante<br />
jovem, já é um grande produtor de eventos em<br />
Santiago. Em novembro de 2009, ele fez um evento<br />
chama<strong>do</strong> Muro Por La Paz – o maior grafite <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />
com mais de 2 Km de extensão – e convi<strong>do</strong>u o Enraiza<strong>do</strong>s<br />
para participar cobrin<strong>do</strong> o evento e ainda lançan<strong>do</strong><br />
o meu disco por lá. Foi nessa época que eles entraram<br />
formalmente para a Rede Enraiza<strong>do</strong>s Internacional.<br />
BUZO: Quais as outras pontes internacionais que você e o<br />
Enraiza<strong>do</strong>s têm hoje<br />
DMA: Com instituições estamos na França e no Chile, em<br />
outros países como Japão, Portugal, Angola, Moçambique,<br />
Bélgica, Espanha, Colômbia, Finlândia e EUA<br />
temos artistas e militantes. Alguns militantes <strong>do</strong> Enraiza<strong>do</strong>s<br />
começaram a estudar inglês para facilitar o contato<br />
internacional, mas estão chegan<strong>do</strong> pessoas que já<br />
<strong>do</strong>minam alguns idiomas e nos facilitam a comunicação,<br />
como a Simone Oliveira, que fala inglês fluentemente,<br />
o Bruno Thomassin, que <strong>do</strong>mina o idioma francês, até<br />
mesmo porque ele é francês (risos). No espanhol a gente<br />
dá nossos pulos.<br />
BUZO: Como era de uma salinha pequena estar liga<strong>do</strong> a<br />
600 mil acessos por mês 7<br />
DMA: Estar liga<strong>do</strong> a 600 mil pessoas por mês é uma questão<br />
de identidade, as pessoas se identificam muito com<br />
o Movimento Enraiza<strong>do</strong>s. Assim como o Luiz Eduar<strong>do</strong><br />
Soares ficou surpreso, eu fico apavora<strong>do</strong> com a tamanha<br />
responsabilidade que temos em nossas mãos, não podemos<br />
falar besteira porque existem milhares de pessoas<br />
se comunican<strong>do</strong> conosco diariamente de alguma forma.<br />
7 www.enraiza<strong>do</strong>s.com.br
182 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Prêmio Cultura Viva<br />
DMA: Pra nós, o Prêmio Cultura Viva foi um divisor de<br />
águas. No começo, o título não interessava tanto quanto<br />
a grana. A gente estava em uma situação onde só era possível<br />
ir pra cima, e foi quan<strong>do</strong> inscrevemos a Rede Enraiza<strong>do</strong>s<br />
no prêmio, ganhamos em primeiro lugar e então<br />
conseguimos dar um up na organização. Foi com o prêmio<br />
que conseguimos inaugurar verdadeiramente o Espaço<br />
Enraiza<strong>do</strong>s. Por isso digo com todas as palavras, e em alto<br />
e bom som, que este foi o prêmio mais importante que o<br />
Movimento Enraiza<strong>do</strong>s ganhou até o dia de hoje.<br />
BUZO: Espaço Enraiza<strong>do</strong>s<br />
DMA: Nunca tive a pretensão de ter nada pareci<strong>do</strong> com o<br />
Espaço Enraiza<strong>do</strong>s, isso é coisa <strong>do</strong> Dumontt.<br />
Meu maior sonho se resumia a um home estúdio onde<br />
eu pudesse gravar meus sons e os sons <strong>do</strong>s meus camaradas.<br />
Mas hoje, num espaço onde, além <strong>do</strong> estúdio, a<br />
gente tem biblioteca, telecentro, loja, lanchonete e um<br />
monte de cursos e formações gratuitas, a felicidade<br />
é maior em ver mais pessoas entran<strong>do</strong> e utilizan<strong>do</strong> o<br />
Espaço. Acredito que no Rio de Janeiro não tenha outro<br />
Quilombo <strong>do</strong> <strong>Hip</strong>-Hop igual ao Espaço Enraiza<strong>do</strong>s.<br />
BUZO: Baixada Fluminense<br />
DMA: Um <strong>do</strong>s motivos de o Movimento Enraiza<strong>do</strong>s estar<br />
finca<strong>do</strong> em Morro Agu<strong>do</strong> é porque a gente tem por missão<br />
desmitificar esse lance de que só existe violência na<br />
Baixada Fluminense. Apesar de a Baixada estar eternamente<br />
manchada de sangue por causa daquela chacina<br />
covarde onde 29 pessoas inocentes morreram assassinadas<br />
por policiais, aqui tem muita gente feliz, trabalha<strong>do</strong>ra<br />
e muito lugar bonito até mesmo pra gringo ver.
Pelo Brasil<br />
183<br />
BUZO: Como você vê o futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong> no<br />
Brasil<br />
DMA: O futuro <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil depende de quem pratica<br />
o hip-<strong>hop</strong> no presente.<br />
BUZO: Considerações finais pra quem leu sua entrevista<br />
neste livro:<br />
DMA: Poderia falar de sonhos ou outras palavras motiva<strong>do</strong>ras,<br />
mas acho que a palavra certa é trabalho. Trabalhe<br />
naquilo que te faz bem e que você acredita que<br />
mudará o mun<strong>do</strong> em que vive.<br />
Admiro muito o trabalho <strong>do</strong> Dudu de Morro Agu<strong>do</strong> e <strong>do</strong><br />
Movimento Enraiza<strong>do</strong>s, porque eles não fazem questão<br />
de pagar simpatia, eles correm pelo certo e o papo é reto.<br />
Um mano que também não mede esforços para promover<br />
o rap nacional em todas as suas frentes é o Mandrake, <strong>do</strong><br />
Portal Rap Nacional. 8 Ele era de São Paulo, mas há alguns<br />
anos vive com a família em Itajaí-SC. A entrevista a seguir<br />
com ele é a única <strong>do</strong> livro reproduzida, não foi feita diretamente<br />
por mim (<strong>Buzo</strong>), é parte de uma entrevista <strong>do</strong><br />
Mandrake no site <strong>do</strong> produtor Celso Athayde da Cufa. Só<br />
incluí atenden<strong>do</strong> a um pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Mandrake e porque foi<br />
devidamente autoriza<strong>do</strong> pelo Celso Athayde e reflete o<br />
que queríamos saber <strong>do</strong> entrevista<strong>do</strong>.<br />
CELSO ATHAYDE: Como você conheceu o rap<br />
MANDRAKE: Muitas das minhas recordações de infância<br />
têm o rap como fun<strong>do</strong> musical. Isso era tão natural, que<br />
não consigo me lembrar quan<strong>do</strong> foi a primeira vez que<br />
eu ouvi. Cresci ao la<strong>do</strong> de um tio, cinco anos mais velho.<br />
Com ele aprendi a andar de skate, ouvir boa música e<br />
8 www.rapnacional.com.br
184 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
até algumas coisas nem tão corretas assim. Até aí o rap<br />
para mim era só mais um tipo de música. Com 14 anos de<br />
idade, fui num show <strong>do</strong> Racionais MC’s, em Osasco. Uma<br />
apresentação histórica, com o Mano Brown na cadeira<br />
de rodas. Desse dia em diante passei a olhar o rap com<br />
outros olhos. Nem sei explicar direito o que aconteceu,<br />
mas a partir daquele show o rap passou a fazer parte<br />
da minha vida. Tanto que hoje carrego uma tatuagem no<br />
braço direito, “Rap Nacional”. Infelizmente, em 2001 meu<br />
tio se foi. Mas me deixou de herança o amor pelo rap.<br />
CELSO ATHAYDE: Quan<strong>do</strong> você resolveu trabalhar com o rap<br />
comercialmente<br />
MANDRAKE: A minha intenção nunca foi ganhar dinheiro<br />
com o rap. Eu criei o Portal Rap Nacional para divulgar<br />
o <strong>movimento</strong>, dar oportunidade para que os grupos<br />
pudessem mostrar o trabalho que desenvolvem<br />
e informar a galera sobre os shows que rolavam. Com<br />
o passar <strong>do</strong>s anos, o blog se tornou um portal e cada<br />
vez mais está crescen<strong>do</strong> e se profissionalizan<strong>do</strong>. Para<br />
nos mantermos no merca<strong>do</strong> e fazermos um trabalho de<br />
qualidade, como o público <strong>do</strong> rap merece, temos vários<br />
custos. Precisamos de bons computa<strong>do</strong>res, conexão<br />
rápida com a internet, máquinas fotográficas e profissionais<br />
qualifica<strong>do</strong>s. Por este motivo, não podemos<br />
fazer tu<strong>do</strong> de graça. Há vários espaços no site que<br />
são gratuitos. Mas também temos espaços publicitários,<br />
assim como to<strong>do</strong> veículo de comunicação. Esse<br />
dinheiro é usa<strong>do</strong> principalmente para manter o site.<br />
Para sustentar minha família eu trabalho como editor<br />
de arte em duas empresas, um jornal diário e uma editora<br />
que produz três revistas por mês. Eu não vivo com<br />
o dinheiro que entra no portal.<br />
CELSO ATHAYDE: Em geral, quem ganha dinheiro com o<br />
rap é chama<strong>do</strong> de mercenário. Você está no rap por<br />
dinheiro ou ideologia
Pelo Brasil<br />
185<br />
MANDRAKE: Em primeiro lugar, eu não acho que quem<br />
ganha dinheiro com rap seja mercenário. Quem tem<br />
talento, se preparou e está conseguin<strong>do</strong> se destacar<br />
tem mais é que faturar com isso. Afinal, a maioria tem<br />
família e responsabilidades a cumprir. O rap tem que<br />
ser visto de forma profissional, e to<strong>do</strong> bom profissional<br />
merece ganhar dinheiro com o que faz. No meu caso, se<br />
eu fosse analisar o tempo que eu dedico ao Portal Rap<br />
Nacional e o que isso me rende financeiramente, já teria<br />
desisti<strong>do</strong> há muito tempo. Como já falei, eu trabalho em<br />
<strong>do</strong>is outros empregos. Nas horas livres, deixo de estar<br />
com a minha família, de curtir meus filhos pequenos,<br />
para ficar na frente <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r atualizan<strong>do</strong> o site.<br />
Eu não estou por dinheiro. Mas, se as coisas fossem<br />
diferentes e eu conseguisse faturar no site o suficiente<br />
para o meu sustento, não seria hipócrita em dizer que<br />
rap e dinheiro não combinam.<br />
CELSO ATHAYDE: Qual você acha que é o futuro <strong>do</strong> rap<br />
MANDRAKE: Nem Mandrake, o mágico, conseguiria prever.<br />
Mas eu espero que o rap nacional tome de assalto a<br />
grande mídia, participe de mais programas na TV, queremos<br />
mais programas de rádios FM tocan<strong>do</strong> rap e empresas<br />
multinacionais apoian<strong>do</strong>. Que o rap nacional ganhe<br />
muito dinheiro, mas não esqueça suas origens e objetivos.<br />
Que onde for pregue a palavra certa e continue narran<strong>do</strong><br />
vidas tristes e denuncian<strong>do</strong> as atrocidades <strong>do</strong> sistema.<br />
“Mandrake no debate, pra falar verdade, o rap faz<br />
sua parte e joga na mira os covardes, as fita podre o la<strong>do</strong><br />
oculto tem que ser narra<strong>do</strong>, sem vista grossa e sem passar<br />
pano pro erra<strong>do</strong>, eu não me calo, perante a opressão<br />
<strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, sou radical no que vivo, o que faço e o que falo”<br />
– Gangsta Rap Nacional - Realidade Cruel e Mandrake.
Cap.06<br />
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra
Um <strong>do</strong>s maiores MCs <strong>do</strong> país atende pelo nome de Dexter<br />
e usa a sigla “Oitavo Anjo”. Dexter surgiu (mesmo sen<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> rap antes de ir preso) pro público quan<strong>do</strong> na famosa e<br />
extinta Casa de Detenção <strong>do</strong> Carandiru formou o grupo<br />
509-E junto ao Afro-X. Eles lançaram <strong>do</strong>is CDs. Após o fim<br />
<strong>do</strong> 509-E, Dexter se lançou em carreira solo. No ano de<br />
2005, conseguiu autorização para gravar um CD <strong>dentro</strong><br />
<strong>do</strong> sistema carcerário. Apesar das limitações, fez um<br />
<strong>do</strong>s álbuns mais loucos daquele ano, ganhan<strong>do</strong> inclusive<br />
o Prêmio Hutúz por Exila<strong>do</strong> sim, preso não!. Dexter está<br />
há mais de dez anos priva<strong>do</strong> de liberdade, mas sua força<br />
de renascer como a fênix surpreende quem desacreditar<br />
<strong>do</strong> seu talento e articulação. Foi assim que, em abril de<br />
2009, numa saída temporária da cadeia, promoveu o<br />
show Dexter & convida<strong>do</strong>s, com apoio da Porte Ilegal.<br />
Eu (<strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong>) tive a honra de ser (ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> DJ<br />
Fábio Rogério) o apresenta<strong>do</strong>r desse evento que reuniu<br />
4 mil pessoas na quadra <strong>do</strong> Peruche, na Zona Norte de<br />
São Paulo, para ver Dexter e nomes de peso como Mano<br />
Brown, Edi Rock, Thaíde, Paula Lima, Fernandinho Beat<br />
Box, GOG, Lino Cris e Douglas <strong>do</strong> Realidade Cruel.<br />
Desse show surgiu o ótimo álbum ao vivo Dexter & convida<strong>do</strong>s,<br />
último <strong>do</strong> rapper até aqui.<br />
Achamos importante ter aqui algumas palavras de pessoas<br />
que viveram esse momento inesquecível na Peruche,<br />
as falas foram retiradas <strong>do</strong> quadro “Buzão – Circular<br />
Periférico” que cobriu o evento para o Programa Manos e<br />
minas da TV Cultura.<br />
188
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
189<br />
Para assistir a esse quadro no Youtube. 9<br />
“Acharam que eu estava derrota<strong>do</strong>, quem achou estava<br />
erra<strong>do</strong>.” (Dexter)<br />
O que algumas pessoas disseram sobre o Dexter nesse dia:<br />
Costumo dizer que o Dexter é o Mandela brasileiro, então o<br />
Dexter é um parceiro que merece to<strong>do</strong> o respeito da gente,<br />
ele é merece<strong>do</strong>r e mais digno ainda de alegrias e vitórias<br />
(GOG)<br />
O povo <strong>do</strong> rap está esperan<strong>do</strong> há oito anos por esse<br />
momento de trazer o Dexter, de mostrar a realidade <strong>do</strong><br />
Dexter, de mostrar a ideia dele...<br />
E graças a Deus ele está aí para ajudar a resgatar<br />
o rap nacional.<br />
(Adunias da Luz, Estação <strong>Hip</strong>-Hop)<br />
Ele é singular, único, um grande artista, que representa,<br />
que sabe o que está fazen<strong>do</strong>, uma coisa de um papo<br />
reto e objetivo.<br />
(Paula Lima – cantora)<br />
Mais que um show, hoje é uma celebração... porque<br />
no show, ele simplesmente paga o ingresso, compra<br />
uma camiseta, leva um CD pra casa, toma uma cerveja,<br />
conhece uma mulher bonita no baile. Mas hoje não, hoje<br />
aqui é uma celebração, celebração deixa saudade, ela é<br />
marco, é o início de caminhada, então, <strong>Buzo</strong>, eu fico muito<br />
satisfeito de estar fazen<strong>do</strong> parte desse momento.<br />
(GOG)<br />
O rap nacional precisa disso aí, Dexter, tamo junto.<br />
(Mandrake – Portal Rap Nacional)<br />
E ele também falou, num bate-papo comigo, pouco antes<br />
de subir no palco.<br />
9 http://www.youtube.com/watchv=xxlNx3U01S0
190 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Dexter, como você reuniu essa nata (Mano Brown,<br />
Edi Rock, Thaíde, Paula Lima, Fernandinho Beat Box,<br />
GOG, Lino Cris e Douglas <strong>do</strong> Realidade Cruel) entre os<br />
seus convida<strong>do</strong>s<br />
DEXTER: É o rap, né, irmão, não tem o que dizer, o rap é<br />
isso, evolução através das palavras. Pode ser uma reunião<br />
de amigos, reunião de pessoas que se conhecem,<br />
que desenvolvem o mesmo trabalho, pessoas que amam<br />
o que fazem, nada mais. Só o rap tem esse poder, reunir<br />
milhares de pessoas para falar de consciência política,<br />
racial, social, enfim, o rap tem o poder de dizer muitas<br />
coisas. Então, presta atenção no rap, tá liga<strong>do</strong>.<br />
BUZO: E esse show de hoje<br />
DEXTER: Muito louco poder fazer isso para as pessoas<br />
assistirem, verem, né Eu quero que a festa seja apenas<br />
motivo de alegrias, nada mais, alegria. Obviamente,<br />
o rap fala de consciência, ele trata disso, então que seja<br />
de consciência também, mas... de mais alegria.<br />
Dexter finaliza para cantar para seu povo, uma multidão<br />
de manos e minas que acreditam, que amam, que vivem o<br />
rap e o hip-<strong>hop</strong> nacionais.<br />
Como disse Mano Brown no palco <strong>do</strong> Peruche nesse dia,<br />
“Algo novo vai acontecer, algo vai mudar, tem que mudar e<br />
já está mudan<strong>do</strong>, e o Dexter é o novo, é a nova proposta.”<br />
O tempo passou e agora, mais de um ano depois...<br />
Um rolê com o Dexter em Campinas.<br />
Atenden<strong>do</strong> a um chama<strong>do</strong> <strong>do</strong> Dexter, que está neste<br />
momento (final de junho de 2010) no semiaberto, fomos<br />
até Campinas encontrá-lo na Dedi Modas, onde o guerreiro<br />
se encontra trabalhan<strong>do</strong>. Ainda precisa voltar para <strong>do</strong>rmir<br />
na colônia, mas em breve conquistará sua liberdade total.
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
191<br />
Quan<strong>do</strong> recebemos a convocação <strong>do</strong> Dexter, estávamos<br />
com tu<strong>do</strong> pronto para enviar esta obra para a editora,<br />
mas como rolou de entrevistar pessoalmente o “Oitavo<br />
Anjo”, e ainda mais “nas ruas”, seguramos e incluímos, a<br />
última que fizemos para o livro.<br />
Quanto ao Dexter, antes da entrevista eu gostaria de<br />
destacar que admiro muito seu trabalho, fui assessor<br />
de imprensa dele por um curto perío<strong>do</strong> de tempo, antes<br />
ainda <strong>do</strong> Exila<strong>do</strong> sim, preso não!, mas continuei acompanhan<strong>do</strong><br />
cada passo da carreira dele, assim como<br />
torcen<strong>do</strong> e acompanhan<strong>do</strong> a sua luta para conquistar a<br />
liberdade plena e total, que a cada dia está mais próxima.<br />
Acho incrível como ele, “exila<strong>do</strong>”, faz mais coisas que muito<br />
grupo de rap que está em liberdade e não sai <strong>do</strong> lugar.<br />
Primeiro ele conseguiu autorização para gravar um<br />
disco <strong>dentro</strong> da penitenciária, num prazo de trinta dias,<br />
e nesse espaço curto de tempo e com as limitações de<br />
estar fazen<strong>do</strong> o trabalho num estúdio improvisa<strong>do</strong>, ele<br />
presenteou as ruas com o excelente álbum Exila<strong>do</strong> sim,<br />
preso não!, que ganhou prêmios e foi considera<strong>do</strong> por<br />
muitos (inclusive no prêmio Hutúz) o disco <strong>do</strong> ano.<br />
Pois bem, Dexter não pôde fazer shows <strong>do</strong> CD, e alguns<br />
anos depois, já poden<strong>do</strong> sair de “saidinha” da cadeia, ele<br />
articulou, com apoio <strong>do</strong> Dário da Porte Ilegal, um show<br />
histórico na quadra da Uni<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Peruche, na Zona Norte<br />
de São Paulo, em abril de 2009.<br />
Esse show veio sacudir a cena, que estava (na época)<br />
muito parada, com 4 mil pessoas presentes, mostrou<br />
que o rap ainda tinha (e tem) público sim, basta trabalhar<br />
direito.<br />
Desse show surgiu o CD Dexter & convida<strong>do</strong>s, com diversas<br />
participações que fizeram parte <strong>do</strong> show, e ainda<br />
vem aí um DVD.
192 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Se “exila<strong>do</strong>” ele conquistou tantas coisas, é certo que<br />
nas ruas ele vai “revolucionar” a cena <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> e, principalmente,<br />
<strong>do</strong> rap nacional.<br />
Nesta entrevista exclusiva, Dexter nos fala sobre tu<strong>do</strong><br />
isso e o que vem por aí.<br />
BUZO – 29/06/2010, CAMPINAS-SP: E aí, Dexter, como está<br />
essa força<br />
DEXTER: Satisfação enorme, da hora, feliz ao extremo de<br />
poder estar aqui, você estar aqui comigo, muito bom!<br />
BUZO: Estamos aqui fazen<strong>do</strong> esta entrevista pro livro<br />
<strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>: <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>. A satisfação é estar<br />
poden<strong>do</strong> te entrevistar na rua, nesta nova fase sua.<br />
Como é essa parada de você estar sain<strong>do</strong>, trabalhan<strong>do</strong><br />
aqui na Dedi Modas de Campinas, durante o dia Ainda<br />
tem essa fase que você precisa voltar, mas é a última<br />
antes da liberdade plena e completa<br />
DEXTER: Gratificante, faz parte <strong>do</strong> processo, é assim que<br />
funciona mesmo. De antemão queria agradecer pelo<br />
convite de poder falar no seu livro. Estar trabalhan<strong>do</strong> no<br />
Dedi Modas é uma extensão de to<strong>do</strong> aquele trabalho que<br />
eu fiz “exila<strong>do</strong>”, eu estou num regime onde eu só volto<br />
pra <strong>do</strong>rmir, isso é bom. Recupera<strong>do</strong> eu já estou há muito<br />
tempo, e agora é só trabalhar, quero agradecer à Sandra<br />
(proprietária da Dedi Modas), por ter estendi<strong>do</strong> essa mão<br />
aí, de ter me emprega<strong>do</strong> aqui, fico agradeci<strong>do</strong> mesmo, de<br />
coração. O trabalho continua, uma coisa é ligada à outra,<br />
trabalho nessa loja aqui que também tem a ver com hip-<strong>hop</strong>,<br />
ven<strong>do</strong> roupas e artigos <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, então é muito louca<br />
essa ligação. Eu creio que a Dedi Modas agora, a princípio<br />
pelo que eu estou ven<strong>do</strong>, faz uma semana que eu<br />
estou aqui, começamos a pensar muitas coisas, então<br />
Deus tem um plano na vida da gente muito grande, o fato<br />
de eu ter vin<strong>do</strong> trabalhar aqui eu <strong>do</strong>u como uma parada
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
193<br />
espiritual também, é Deus guian<strong>do</strong>, sabe assim... Eu creio<br />
que a partir de agora, Deus tem mostra<strong>do</strong> pra gente que a<br />
Dedi Modas vai ser o novo point <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> aqui em Campinas,<br />
daqui estão sain<strong>do</strong> planos pra várias festas, trabalhos<br />
sociais também a gente está desenvolven<strong>do</strong>, o Dú<br />
(Eduar<strong>do</strong>, assessor de imprensa) veio aí hoje pra isso também,<br />
pra gente conversar a respeito disso. Tem muitos<br />
projetos que vão começar a ser feitos aqui na Dedi Modas<br />
e vão se espalhar por Campinas e pelo Brasil to<strong>do</strong>, a gente<br />
tem essa noção e essa intenção. Já a festa que vai acontecer<br />
em outubro agora, Dexter & convida<strong>do</strong>s, mesmo projeto<br />
<strong>do</strong> ano passa<strong>do</strong> em São Paulo, a gente vai trazer pra<br />
Campinas, vai ser no dia 10 de outubro aqui. 10 <strong>Alessandro</strong><br />
<strong>Buzo</strong> desde já está convidadíssimo para apresentar<br />
a festa, Fábio Rogério também, Mano Brown, Inquérito,<br />
Douglas Realidade Cruel, então as coisas vão começar a<br />
acontecer da Dedi Modas para Campinas, e de Campinas<br />
para o mun<strong>do</strong>.<br />
É muito louca essa transição, tô muito feliz, só tenho<br />
a agradecer a Deus, à Sandra e a to<strong>do</strong>s que estão me<br />
ajudan<strong>do</strong> aí.<br />
BUZO: Até a gente voltar a falar dessa fase atual, vamos<br />
falar um pouco antes de outras coisas. <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>, o que<br />
representa na sua vida<br />
DEXTER: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> é vida, saúde mental pras pessoas, é<br />
revolução mental pras pessoas também. <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> é trabalho<br />
social, diversão, música, seriedade, responsabilidade,<br />
amor por aquilo que a gente faz, composições que<br />
falam direto ao coração. <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> é luta, incentivo, hip-<strong>hop</strong><br />
é sensibilidade pra escrever, pra ver, enxergar, porque<br />
ver é uma coisa e enxergar é outra coisa, mas você tem<br />
10 O evento já aconteceu, reuniu cerca de 2 mil pessoas, e foi um sucesso<br />
com grandes nomes <strong>do</strong> rap nacional.
194 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
que ter sensibilidade pra fazer as duas coisas. Produzir<br />
com amor, planejar um futuro melhor para <strong>dentro</strong> da sua<br />
casa primeiro, depois você começar a planejar o futuro<br />
das pessoas, mas também é pensar no futuro pro filho,<br />
pro neto, bisneto, é muito louco. O hip-<strong>hop</strong> é a válvula de<br />
escape, o hip-<strong>hop</strong> é nada mais nada menos que salvar<br />
vidas, hip-<strong>hop</strong> é tu<strong>do</strong> isso junto, é algo que nasceu, que<br />
tem uma base, uma raiz na periferia e que nunca vai sair<br />
da periferia. Barato é nosso, nós que criamos, sempre<br />
vai ser da periferia, <strong>do</strong>s excluí<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>s pretos, pobres,<br />
existente nas periferias, nos guetos, nas favelas, e é<br />
isso, o hip-<strong>hop</strong> é um amigo que nós temos.<br />
BUZO: Em meio a sua última resposta você já respondeu<br />
minha próxima pergunta, mas vou fazer assim mesmo.<br />
<strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
DEXTER: Com certeza, eu mesmo sou a prova viva disso,<br />
o <strong>Buzo</strong> é a prova disso, creio eu. Eu costumo dizer que<br />
os caras da minha geração, tanto os manos quanto as<br />
minas, que curtiam rap na época, hoje são pais e mães de<br />
família, com uma certa propriedade porque conheceram<br />
o hip-<strong>hop</strong>, escutaram rap em 1992, 1993. Se trabalhava<br />
muito a revolução mental dessas pessoas, aí consequentemente<br />
a sua autoestima, a vontade de sobreviver num<br />
mun<strong>do</strong> muito louco aí que a gente vive <strong>dentro</strong> da periferia,<br />
e como sobreviver sem se envolver com droga, com<br />
álcool e com tretas mil, como fazer isso É voltar a estudar,<br />
voltar a respeitar seu pai e sua mãe, voltar a trabalhar<br />
honestamente, ganhar pouco, mas honestamente,<br />
ficar firmão. E muitas pessoas na época fizeram isso,<br />
hoje são pais e mães de família, têm seus filhos, suas<br />
casas, cuidam muito bem disso, têm diplomas na parede,<br />
hoje conseguem discutir na faculdade, em escolas, tem<br />
até pessoas da minha geração que faziam rap em cargos<br />
públicos, programas de TV, e isso me dá o maior orgulho,
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
195<br />
porque foi pra isso que o rap veio, pra transformar essas<br />
pessoas. Então, o rap, além de transformar, ele salva sim,<br />
irmão. Eu fico muito feliz assim de ver os manos fazen<strong>do</strong><br />
rap com consistência, com base naquilo que a gente<br />
aprendeu em 1990, 1991 com Racionais, Thaíde, GOG.<br />
Muitas coisas melhoraram, mas outras continuam sen<strong>do</strong><br />
as mesmas, então precisamos seguir falan<strong>do</strong>. Obviamente,<br />
tu<strong>do</strong> evolui, a batida evolui, o sample evolui, você<br />
já não sampleia mais, você cria. Então tu<strong>do</strong> evolui, mas as<br />
ideias <strong>dentro</strong> da evolução continuam sen<strong>do</strong> as mesmas<br />
coisas, você usa outras palavras, outros dialetos, outras<br />
maneiras de cantar, porque até os problemas evoluem.<br />
Antigamente era difícil você encontrar uma organização<br />
ou instituição que organizasse os mora<strong>do</strong>res de rua,<br />
hoje passan<strong>do</strong> ali a gente viu isso.<br />
(No rolê que fizemos antes desta entrevista, gravan<strong>do</strong><br />
uma outra para o programa Manos e minas, da TV Cultura,<br />
vimos os bombeiros e assistentes sociais cadastran<strong>do</strong><br />
mora<strong>do</strong>res de rua, e o mais loko: eles reconheceram o<br />
Dexter. Consegue imaginar o quanto isso mostra a força<br />
<strong>do</strong> rap nas ruas O Dexter priva<strong>do</strong> de liberdade há mais<br />
de dez anos ser reconheci<strong>do</strong> por pessoas que vivem na<br />
rua, imaginamos que sem internet, sem TV, sem contato<br />
com muitas coisas, mas o rap chega. Tanto que um <strong>do</strong>s<br />
mora<strong>do</strong>res cantou um som <strong>do</strong> Dexter pra ele.)<br />
Na minha época, quan<strong>do</strong> eu era criança, não existia<br />
isso. Então até as mazelas <strong>do</strong> sistema evoluem. A gente<br />
também precisa evoluir, sempre com a mesma excelência,<br />
falan<strong>do</strong> das coisas que ainda precisam melhorar, e<br />
são várias no país, e a gente precisa lutar. O rap é isso,<br />
evolução, se não for, pra mim, sinto muito dizer, não é<br />
rap, tá liga<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Depois de mais de dez anos priva<strong>do</strong> da sua liberdade,<br />
pode nos dizer que o crime não dá camisa pra ninguém
Dexter no favela 23º edição Dexter no favela 23º ed
198 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
DEXTER: O crime nunca foi bom, hoje em dia muito menos,<br />
é... O crime não é bom, como eu vou dizer que o crime<br />
é bom, sen<strong>do</strong> que o crime ele te garante o quê Vamos<br />
começar pelo pior, a morte, cadeira de rodas, você pode<br />
ficar paraplégico numa troca de tiros ou coisa parecida,<br />
ou, a melhor de todas elas, você pode ir preso, isso negativamente<br />
falan<strong>do</strong>. É claro que te proporciona riqueza<br />
também, a primeira vez pode dar certo, a segunda também,<br />
mas uma hora a casa vai cair, então não tem como<br />
dizer que o crime, ele não mata, não posso dizer que o<br />
crime é bom. Eu sei, eu vivi na pele, eu nunca fui um criminoso<br />
de ter rouba<strong>do</strong> milhões, de ter vin<strong>do</strong> preso junto<br />
com uma quadrilha que roubou milhões.<br />
BUZO: Se for olhar, juntan<strong>do</strong> boa parte <strong>do</strong> sistema carcerário,<br />
não roubaram metade <strong>do</strong> Lalau<br />
DEXTER: Exatamente, com certeza. Eu acho que nossos<br />
governantes, boa parte deles são bem mais [corrupta]...<br />
até a própria sociedade é bem mais, é tu<strong>do</strong> política, eles<br />
roubam bem mais que to<strong>do</strong>s nós juntos, mas é... só quem<br />
não tem dinheiro vai preso, o Maluf está aí, o Maluf está<br />
entre os dez mais procura<strong>do</strong>s pela Interpol e tá aí, firmão.<br />
Fernan<strong>do</strong> Collor roubou uma nação inteira, e foi eleito de<br />
novo, enfim, a política no nosso país é muito complicada.<br />
É obvio que o crime só funciona para colarinho branco,<br />
né, mano, quem tem o <strong>do</strong>m de roubar com a caneta.<br />
BUZO: Como faz pra resistir há mais de dez anos priva<strong>do</strong><br />
de liberdade<br />
DEXTER: Já era, ficou pra trás, o importante é que eu<br />
aprendi muito com aquilo, foi bom pra mim, na “Fênix”<br />
eu falo que o sofrimento também é uma escola, então<br />
eu aprendi com aquilo também. Eu falo numa letra nova<br />
que costumo fazer <strong>do</strong> pior o melhor, e é assim que tenho<br />
sobrevivi<strong>do</strong> esses 12 anos e meio em que estou preso, é
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
199<br />
assim que venho sobreviven<strong>do</strong>. Aliás, acho que na vida<br />
da gente, <strong>do</strong>s caras que moram na periferia, <strong>do</strong>s caras<br />
que nem eu, que é preto, pobre e não teve muita chance<br />
dada pelo sistema, sempre fez <strong>do</strong> pior o melhor, eu<br />
quan<strong>do</strong> fiz <strong>do</strong> pior o pior ainda eu fui preso, quan<strong>do</strong> eu<br />
consegui fazer <strong>do</strong> pior o melhor me dei bem, é o que eu<br />
estou fazen<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Como foi... (interrompe a pergunta)<br />
(Começa uma rima na rua, pelos funcionários da loja que<br />
fica na frente, convidan<strong>do</strong> as pessoas pra subir.)<br />
BUZO: Os caras tão fazen<strong>do</strong> um rap ali fora<br />
DEXTER: Com certeza, o rap está em to<strong>do</strong> lugar.<br />
BUZO: Como foi pra você chegar no Carandiru, que era a<br />
maior prisão da América Latina, com 7 mil presos O que<br />
você recorda de quan<strong>do</strong> pisou lá pela primeira vez<br />
DEXTER: Eu ouvia histórias, antes de chegar no Carandiru<br />
eu estava passan<strong>do</strong> por comarcas, né, mano.<br />
Então assim, eu conheci alguns amigos que passaram<br />
por lá também, então você ouvia história, acontecia<br />
isso, aquilo... Na Casa de Detenção matava-se muita<br />
gente, na verdade nós mesmos nos matávamos, então<br />
isso obviamente marcou muito, eu escrevi muito sobre<br />
isso, e assim quan<strong>do</strong> eu pisei, quan<strong>do</strong> eu desci <strong>do</strong><br />
bonde e pisei, pra mim eu tomei até um susto, porque<br />
eu não sabia que... o Carandiru era uma cidade, eu não<br />
sabia que existia uma prisão daquele tamanho, quer<br />
dizer, eu sabia, mas até o primeiro contato, o desconheci<strong>do</strong><br />
te dá um pouco de receio, então você, quan<strong>do</strong><br />
pisa num Carandiru, você fica com receio <strong>do</strong> que vai<br />
encontrar lá <strong>dentro</strong>, após os portões. Então eu fiquei<br />
meio naquela, uma cidade enorme e aí todas aquelas<br />
histórias que eu ouvia <strong>dentro</strong> das comarcas me vieram
200 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
à mente, mas eu sempre fui um cara crente num Deus<br />
vivo, então eu falei pra ele: “Senhor, tô entran<strong>do</strong> e o<br />
Senhor que me guia agora, já era.”<br />
BUZO: Dentro <strong>do</strong> Carandiru você iniciou oficialmente sua<br />
carreira junto ao grupo que você formou, o 509-E, que<br />
era o número da cela em que vocês (formou o grupo com<br />
Afro-X) estavam. Fale sobre isso.<br />
DEXTER: Um troféu ergui<strong>do</strong> com muito suor, trabalho, foi<br />
feito com muito amor, carinho, marcou uma época, uma<br />
geração, é muito louca a história. Um ano antes de eu<br />
pisar na Casa de Detenção eu estava len<strong>do</strong> uma revista<br />
Veja e anunciava lá o CD <strong>do</strong> Escadinha, com participação<br />
<strong>do</strong> GOG, Racionais, Xis. Quan<strong>do</strong> li essa revista,<br />
estava lá em Serra Negra, aí falei, pô, se eu estivesse<br />
em São Paulo, talvez pudesse participar disso aí também,<br />
desse CD também e tal. Aí um ano depois, quan<strong>do</strong><br />
eu cheguei na Casa de Detenção, se formou o 509-E, a<br />
gente retomou as festas que não aconteciam há três<br />
anos lá <strong>dentro</strong>, a gente resolveu fazer uma festa e levei<br />
logo os Racionais lá. E no dia que nós levamos os Racionais,<br />
o Celso, que hoje é empresário <strong>do</strong> Bill (MV Bill e<br />
Celso Athayde), da Cufa lá, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> conhece, ele<br />
era o procura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Escadinha na época, pra fazer o<br />
disco, ele era o olheiro <strong>do</strong> Escadinha, procuran<strong>do</strong> grupos<br />
pra se fazer o disco e faltava só mais um grupo lá<br />
para fazer participação. E ele quan<strong>do</strong> viu, na época era<br />
até o Linha de Frente, não era 509-E ainda, o nome era<br />
Linha de Frente, até que se descobriu que se tinha mais<br />
<strong>do</strong>is Linha de Frente registra<strong>do</strong>s e tal, aí nós mudamos<br />
para 509-E. Creio... Creio não, tenho certeza que ficou<br />
até muito mais original, e aí o Celso estava lá naquele<br />
dia gravan<strong>do</strong> os Racionais e aí pediu pra falar comigo,<br />
aí falou: “Pô, mano, a gente está ali com uma proposta.”<br />
Eu falei: “Como pode isso, foi muito louco, há um ano
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
201<br />
atrás eu li isso numa revista, pensei...” Então realmente<br />
o pensamento ele é uma força cria<strong>do</strong>ra, é que nem o Edi<br />
Rock fala, né, mano.<br />
E fazer com amor, eu sempre falo que fazer o barato com<br />
amor é muito louco, te dá bons frutos, e aí <strong>do</strong> nada a gente<br />
recebeu o convite para fazer parte <strong>do</strong> CD <strong>do</strong> Escadinha.<br />
BUZO: O CD te esperou<br />
DEXTER: Me esperou, olha só que louco, aí lançamos lá o<br />
nome da música que era pra ser “Brasil de pólvora” e a<br />
menina lá entendeu “Barril de pólvora”, quase que ficou<br />
na mesma, mas o nome da música era “Brasil de pólvora”.<br />
Então assim, foi a primeira música que o 509-E<br />
lançou, como Linha de Frente, infelizmente, mas... A<br />
partir disso a gente começou a trabalhar com mais<br />
intensidade, aí veio o 509-E, “Saudade mil”, “Oitavo<br />
anjo” e tantas outras músicas, videoclipe, prêmios, saídas<br />
pra shows, foram sete meses de saídas para show,<br />
palestras em escola, marcou uma época, marcou uma<br />
geração, foi um prêmio, um troféu ergui<strong>do</strong> com muito<br />
carinho, muito trabalho, muito suor também, até por<br />
conta das condições que a gente se encontrava, né.<br />
Estava também os Detentos (grupo Detentos <strong>do</strong> Rap)<br />
tocan<strong>do</strong> pra caramba, fazen<strong>do</strong> sucesso e sain<strong>do</strong>, aí eu<br />
pensei, se os caras tão sain<strong>do</strong>, a gente pode conseguir<br />
isso aí também. Não deu outra, conseguimos também,<br />
com ajuda de algumas pessoas. Foi gratificante, maravilhoso,<br />
conheci muitas pessoas através <strong>do</strong> 509-E, o<br />
Public trabalhou com a gente, um amigo que não está<br />
mais no nosso meio, mas foi um cara assim que a gente<br />
conseguiu tirar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> crime e conseguimos dar<br />
emprego pro cara e tantas outras pessoas, o Danilo, o<br />
Marcão, que também não está mais com a gente, morreu<br />
aí esse ano, vítima <strong>do</strong> câncer e tal, que Deus o tenha, um
202 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
cara que deixa muita saudade, enfim, muitas pessoas<br />
trabalharam com a gente, foi gratificante ao extremo<br />
poder dar emprego para essas pessoas, poder...<br />
BUZO: Reverten<strong>do</strong>, né, vocês presos, empregan<strong>do</strong>.<br />
DEXTER: Exatamente, é muito louco. Eu acho que quan<strong>do</strong><br />
Deus traça um plano na sua vida ele vai. Dizem que<br />
Deus escreve certo por linhas tortas, eu acho que Deus<br />
escreve certo por linhas certas.<br />
Então o 509-E é isso, mas assim, hoje, por exemplo, eu<br />
vejo pessoas que eram <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> 509-E, que sentem<br />
saudades <strong>do</strong> 509-E e que vivem ainda o 509-E, acha que<br />
se fosse o 509-E, se fosse... se fosse. Não é mais, irmão,<br />
foi um ciclo, acabou, foi bom enquanto durou, que fique<br />
bem claro, eu criei o 509-E, não foi o 509-E que me criou,<br />
certo Então eu continuo sen<strong>do</strong> o Dexter, o exila<strong>do</strong> saiu,<br />
show na Peruche, então coisas que vieram pra somar<br />
na minha carreira, mostrar que realmente, por fazer o<br />
rap com amor e por amor, o 509-E acaba sen<strong>do</strong> só um<br />
nome, marcou uma época, uma geração, sinto a maior<br />
saudade, mas...o 509-E pra mim hoje é só uma placa, a<br />
essência está aqui comigo, não morreu com o nome, o<br />
nome não morreu também, né, tá por aí, firmão, mas eu<br />
continuo, tô aí, tô bem, graças a Deus.<br />
BUZO: Depois <strong>do</strong> 509-E e dessas conquistas todas aí, veio<br />
a necessidade de lançar uma carreira solo, e ela veio<br />
em grande estilo com o CD Exila<strong>do</strong> sim, preso não!. Fale<br />
desse álbum, que foi importante e ganhou prêmios.<br />
DEXTER: “Em grande estilo” eu agradeço, da hora, o<br />
segun<strong>do</strong> disco <strong>do</strong> 509-E já mostrou um desgaste assim,<br />
entre ambas as partes, objetivos diferentes, coisas diferentes,<br />
acho que quan<strong>do</strong> você começa a viver outras<br />
coisas, a tendência é que você mude mesmo, então é<br />
natural, normal. Obviamente, quan<strong>do</strong> eu sair da prisão
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
203<br />
totalmente, eu também vou falar de outras coisas, mas<br />
eu, minha raiz, minha vertente eu nunca vou deixar, entre<br />
o MMII d.C, que foi o último disco <strong>do</strong> 509-E, onde a gente<br />
já no disco deixa bem claro algumas divergências, algumas<br />
situações distintas, até o lançamento <strong>do</strong> Exila<strong>do</strong>...<br />
eu me fortaleci, mediante a várias outras dificuldades<br />
que apareceram e aí a salvação, não diria salvação, mas...<br />
BUZO: A continuação...<br />
DEXTER: Isso mesmo, essa é a palavra, a continuação foi<br />
trabalhar sozinho, lançar um disco sozinho, fazer uma<br />
carreira solo, e continuar firmão e fortão e acreditar no<br />
próprio potencial, acreditar que dá pra fazer, até porque<br />
eu sou um cara que eu nunca estou sozinho, eu sempre<br />
tenho meus parceiros <strong>do</strong> meu la<strong>do</strong>, Brown, DJ Hum pra<br />
produzir, sempre tem o GOG, sempre tem Bill, sempre<br />
tem, graças a Deus, qualquer mano <strong>do</strong> rap que eu for<br />
fazer um trabalho eu consigo, os caras me respeitam,<br />
eu respeito eles também, é um barato mútuo, nunca<br />
me fiz de arrogante, prepotente com ninguém porque<br />
é uma coisa que eu não sou, certo Sou um cara que<br />
levo uma mesmo, fazen<strong>do</strong> música, fazen<strong>do</strong> show, porque<br />
é a minha cara, eu levo uma mesmo, certo Racionais<br />
leva uma mesmo, GOG leva uma, você leva uma no<br />
seu trabalho, você é bom no que você faz, certo, irmão...<br />
Então as pessoas me colocaram numa posição da hora,<br />
então eu tenho que fazer jus a isso, certo Se o Dexter<br />
tem o status <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> rap é porque eu trabalhei pra<br />
isso, então eu tenho que fazer jus a isso, é a minha cara,<br />
demorô, levo uma mesmo, cantan<strong>do</strong> rap, agora se fazer<br />
de arrogante, prepotente, é outra fita. Eu não gosto<br />
disso, isso não é comigo. Consegui trazer Paula Lima pro<br />
meu show, mano, isso é muita treta, Paula Lima está lá<br />
na Record, elas fazem show pra outro público, outras<br />
pessoas, ainda bem que ela se reconhece enquanto
204 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
periferia, enquanto preta, a raiz dela ela não esquece,<br />
cantava com o Thaíde e foi da hora trazer a Paula Lima,<br />
pra fazer comigo, foi da hora ter ti<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s vocês lá.<br />
Então é isso, a continuação, eu acreditei, outras pessoas<br />
também acreditaram, falan<strong>do</strong> pode ir que é isso mesmo.<br />
BUZO: A juíza te deu trinta dias para produzir o álbum.<br />
Como ficou tão bom em tão pouco tempo e na situação<br />
limitada de estarem numa penitenciária<br />
DEXTER: Vou ser redundante, é só fazer com amor e responsabilidade,<br />
só isso, trazer as pessoas certas que<br />
trabalham na mesma intensidade que você. Eu trouxe o<br />
Dico, que era um cara que estava esqueci<strong>do</strong> na periferia<br />
da Zona Leste de São Paulo, um cara talentoso, com<br />
o material lá, mas estava esqueci<strong>do</strong>, o rap não estava<br />
valorizan<strong>do</strong> o cara. Eu fui lá, resgatei o cara, ele veio,<br />
trabalhou comigo com muito amor, carinho, pegava<br />
lá, acordava às 6 horas da manhã, o Willian da Zimbabwe<br />
aju<strong>do</strong>u, emprestou um apartamento lá para os<br />
caras ficarem, fizemos uma compra pros caras ficarem<br />
um mês lá comigo, trabalharem. E assim, da mesma<br />
forma que eu convidei o Dico, convidei o Função também,<br />
veio, somou, lin<strong>do</strong> e elegante também <strong>dentro</strong> <strong>do</strong><br />
que ele sabe fazer. Nós três ali, <strong>dentro</strong> de uma salinha,<br />
no presídio, conseguimos fazer o disco, foi posto<br />
muito amor, muito carinho, muita responsabilidade e<br />
a gente não perdeu o principal, a essência <strong>do</strong> barato, a<br />
gente fez, pra rua, pras pessoas que vivem na rua, pros<br />
trabalha<strong>do</strong>res, pros pretos, pros pobres, pros favela<strong>do</strong>s,<br />
a gente fez o disco para essas pessoas, tá liga<strong>do</strong><br />
Nosso tema está aí, é a rua. Então o que eu vejo na rua,<br />
eu passo fome, eu não passo fome, eu tenho um cordão,<br />
eu uso um Ekon, ele usa um Nike, eu sou preto, ela<br />
é branca, entendeu, o que é o tema, tá aí.
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
205<br />
O rap é nu e cru, é a favela e já era, agradeço a diretoria<br />
da época. Dar asas pra quem sabe voar dá nisso aí<br />
mesmo, graças a Deus. Exila<strong>do</strong> sim, preso não! foi um<br />
disco que marcou a chegada, reuniu pessoas que nunca<br />
haviam se reuni<strong>do</strong> em outro disco, graças a Deus eu<br />
consegui fazer isso.<br />
BUZO: Depois dessa fase <strong>do</strong> sucesso <strong>do</strong> disco, não puderam<br />
ser feitos shows, não estava libera<strong>do</strong>. E quan<strong>do</strong><br />
você conquistou a saída temporária em dias festivos e<br />
tal, você aproveitou uma dessas saídas (abril de 2009)<br />
pra fazer aquele show na Peruche, numa hora que a cena<br />
estava bastante parada, esse show deu um boom, 4 mil<br />
pessoas, comentário geral. Disso surgiu um CD que vai<br />
virar um DVD. Fale sobre isso.<br />
DEXTER: Dexter & convida<strong>do</strong>s foi...<br />
BUZO: Antecipan<strong>do</strong> sua resposta, queria dizer que foi um<br />
orgulho apresentar a festa junto ao Fabio Rogério.<br />
DEXTER: Estava lá, né, mano, não podia faltar, <strong>Buzo</strong>,<br />
Fabio Rogério, assim... Eu queria levar, já que se falava<br />
muito em baixa <strong>do</strong> rap, pouco público, a gente contou<br />
com o fator da minha ausência <strong>do</strong>s palcos durante<br />
oito anos. Então isso era um fator favorável, então eu<br />
acreditei nessa festa, a gente começou a trabalhar<br />
<strong>do</strong>is meses antes, chamei o Dário, da Porte Ilegal, que<br />
me aju<strong>do</strong>u a fazer a produção e tal, eu juntamente com<br />
minha esposa articulamos tu<strong>do</strong>, passávamos adiante<br />
as diretrizes para as pessoas que executaram, porque<br />
eu sozinho não tinha condições pra isso. Reuni as pessoas<br />
que eu consegui reunir nesse show, alguns que já<br />
estavam <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> disco e outros que não estavam, que<br />
vão estar no próximo disco agora, mas a gente já fez<br />
o cata<strong>do</strong>. Foi muito louco, assim, o formato <strong>do</strong> show,<br />
era uma coisa que eu tinha que pensar, tipo assim, eu
206 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
tinha que fazer algo diferente. Aquele formato de dez<br />
caras subin<strong>do</strong> antes, pra depois vir a atração principal,<br />
já estava cansativo em São Paulo, não só em São Paulo<br />
como no Brasil to<strong>do</strong>, meio satura<strong>do</strong>, ninguém aguenta<br />
mais ficar ouvin<strong>do</strong> cinco horas um monte de grupo, pra<br />
depois ouvir o grupo principal ainda, estava meio satura<strong>do</strong><br />
e o rap precisava dessa renovada, e era isso que eu<br />
queria fazer nesse show.<br />
BUZO: Uma coisa dinâmica, cada hora subia um no palco.<br />
DEXTER: Exatamente. Eu queria algo diferente, tinha que<br />
ser diferente, lá vem o Dexter, mas ele vem como, aí as<br />
pessoas vão lá ver, aí eu chego e faço igual, mesma coisa<br />
que outros estavam fazen<strong>do</strong>... Ah, venho <strong>do</strong> mesmo jeito.<br />
Talvez não, até por essa ausência <strong>do</strong>s palcos, ou porque<br />
não queria cansar o público, justamente como você<br />
falou, queria fazer algo dinâmico e que fosse muito<br />
louco, então nós fizemos duas horas de show, e eu não<br />
vi cansaço, vi pessoas curtin<strong>do</strong> da primeira à última<br />
música. Foi muito louco, eu chamei os caras pra participarem<br />
comigo, eu fazia duas sozinho, chamava uma terceira<br />
música com participação e eu saía <strong>do</strong> palco e esse<br />
participante fazia uma dele, depois ele saía e eu voltava<br />
até o final <strong>do</strong> show.<br />
Mano, o formato foi muito elogia<strong>do</strong>, eu fiquei muito feliz<br />
por isso, a gente conseguiu dar mais uma tacada, fazer<br />
algo novo, a galera curtiu, o horário da festa foi importante<br />
também, era isso, eu queria fazer algo diferente.<br />
Convidei grupos que não iam cantar, mas chamei eles<br />
pra assistir ao show.<br />
BUZO: Também é diferente...<br />
DEXTER: É, sim, diferente. To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> na lista vip, entrou,<br />
ficou em camarote, quer dizer, quis dar o melhor pro<br />
público, acho que falta isso, valorização das pessoas,
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
207<br />
afinal de contas quem é que paga o seu cachê, quem<br />
que paga o pão que você vai colocar... são eles, tem que<br />
valorizar, tem que respeitar, tem que fazer show de qualidade,<br />
tem que ser um barato muito louco, tanto é que<br />
daqui pra frente, se eu pudesse fazer que nem o Roberto<br />
Carlos, um show por ano, mais fosse o show, eu ia fazer.<br />
Pro rap não dá, mas hoje eu penso em muita qualidade<br />
pro meu público, não quero fazer dez shows no final de<br />
semana, eu faço três, mas com qualidade. Um microfone<br />
bom, um som bom, um retorno da hora, é assim.<br />
Foi uma grande confraternização, oito anos depois, eu<br />
quero ver to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> feliz.<br />
Sem treta no baile, sem ninguém sair de ambulância e<br />
foi isso o que a gente conseguiu.<br />
De 0 a 100 pro show, nota 100, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> foi bem recebi<strong>do</strong>,<br />
cantou. Estou falan<strong>do</strong> o que eu ouvi das pessoas,<br />
você estava lá também, pode falar, reunir to<strong>do</strong>s vocês<br />
juntos foi gratificante ao extremo. Outros virão...<br />
BUZO: O privilégio desta entrevista é estarmos “nas ruas”.<br />
Como você encara de agora em diante o futuro, né<br />
DEXTER: Coisas boas, muito trabalho, disco novo, se não<br />
sair este ano é porque a gente está pra lançar um DVD<br />
agora desse show, entre agosto e setembro vai chegar<br />
nas lojas, talvez não tenha tempo de finalizar. Mas já<br />
temos nove músicas prontas, letra, né, composições<br />
estão prontas, faltam umas três, quatro. Participações<br />
estou estudan<strong>do</strong> bastante, uma parcial biografia também,<br />
eu não tô encontran<strong>do</strong> muito tempo pra escrever,<br />
mas pra 2011 vai estar aí também.<br />
Muita força de vontade, empenho, Dexter 2010, 11, 12, 13...<br />
BUZO: Lembran<strong>do</strong> que o livro ainda sai em 2010, um salve<br />
pra quem vai ler esta entrevista.
208 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
DEXTER: Muita paz, muito amor, não deixe de sonhar, de<br />
lutar, a vitória só depende de você, parceiro. Se precisar é<br />
só chegar, beijão no coração de to<strong>do</strong>s, muita paz. Valeu...<br />
Dexter, obriga<strong>do</strong> pela entrevista e por ter vivi<strong>do</strong> esse<br />
momento com você, ter da<strong>do</strong> esse rolê nas ruas. A hora<br />
que os mora<strong>do</strong>res de rua te reconheceram foi emocionante,<br />
quan<strong>do</strong> precisar sabe que pode contar.<br />
Fomos atrás de entrevistar o DJ Dico, que produziu o<br />
álbum Exila<strong>do</strong> sim, preso não!, em 2005, para saber como<br />
foi o processo de criação. Afinal, esse disco foi o pontapé<br />
inicial de uma carreira solo vitoriosa <strong>do</strong> Oitavo Anjo.<br />
Mas hoje o DJ Dico vive em Portugal, então corre aqui e<br />
ali até chegar no mano, porque não ia ser a distância que<br />
iria impedir esse contato. Afinal, a internet está aí para<br />
facilitar as coisas.<br />
Dico falou, além <strong>do</strong> Dexter, <strong>do</strong>s corres que anda fazen<strong>do</strong><br />
em Portugal, de como o rap brasileiro é visto por lá.<br />
Vamos a mais uma entrevista exclusiva.<br />
BUZO: Nos fale <strong>do</strong> projeto que está fazen<strong>do</strong> aí em Portugal,<br />
um <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong> só com grupos de países de<br />
língua portuguesa, “lusofonia”...<br />
Você também tem um programa na rádio em Lisboa.<br />
Como é Fale sobre isso.<br />
DJ DICO: O Projeto Gueto em Festa tem como objetivo<br />
difundir, unificar e criar um merca<strong>do</strong> entre o <strong>movimento</strong><br />
hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong>s países que têm o português como<br />
língua oficial (circuito lusófono), trazen<strong>do</strong> notícias<br />
e novidades através de um site e de um programa de<br />
rádio em Lisboa, que será sede internacional desse<br />
<strong>movimento</strong> e de posteriores festivais culturais envolven<strong>do</strong><br />
esse projeto, o primeiro em 2011.
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
209<br />
O programa Gueto em festa, que é uma produção independente,<br />
vai ao ar to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mingos das 14h às 16h na<br />
rádio 89.1 FM, que abrange a região da grande Lisboa,<br />
Castanheira <strong>do</strong> Ribatejo e Margem Sul <strong>do</strong> Tejo, abrin<strong>do</strong><br />
espaço para novos grupos independentes dedican<strong>do</strong> a<br />
última meia-hora <strong>do</strong> programa aos grupos que enviam<br />
seu trabalho por e-mail. Apresenta<strong>do</strong> por DJ Dico.<br />
BUZO: Voltemos ao Brasil. Você foi produtor <strong>do</strong> premia<strong>do</strong><br />
álbum Exila<strong>do</strong> sim, preso não!, <strong>do</strong> Dexter. Como foi a realização<br />
desse trabalho<br />
DJ DICO: Quan<strong>do</strong> o Dexter me procurou pra produzir seu<br />
disco, foi bem claro nas ideias e disse: “Mano, eu não<br />
tenho dinheiro. O juiz nos deu apenas trinta dias pra<br />
fazer o disco. Vou ser sincero, já procurei outros produtores<br />
e por essas dificuldades ninguém quis fazer. Como<br />
você já trabalhou comigo no disco <strong>do</strong> 509-E, gostaria de<br />
saber se você quer enfrentar essa batalha comigo.”<br />
Quan<strong>do</strong> recebi esse convite, me lembro como se fosse<br />
hoje, eu estava desemprega<strong>do</strong>, meu casamento por um<br />
fio e uma filha pra criar, e não pensei duas vezes e disse<br />
“tô fodi<strong>do</strong> hoje por acreditar no <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong> e<br />
não me arrepen<strong>do</strong> de nada <strong>do</strong> que eu fiz, nunca fui oportunista,<br />
só gostaria de ter uma oportunidade de mostrar<br />
meu trabalho, tamo junto, vagabun<strong>do</strong>!”<br />
Peguei to<strong>do</strong>s os equipamentos <strong>do</strong> meu home estúdio,<br />
meti <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> meu fusca vinho ano 1974 mais fodi<strong>do</strong><br />
que o <strong>do</strong>no (risos) e fui em direção à Praia Grande, porque<br />
ele estava na P2 da Praia Grande na altura.<br />
O Dexter fez um mutirão entre alguns detentos que trabalhavam<br />
na “cultura”, um local na P2 em que foram<br />
montadas uma biblioteca com livros <strong>do</strong>a<strong>do</strong>s e salas de<br />
aulas pra quem quisesse estudar. Eram poucos, tipo uns<br />
oito ou nove caras que ajudaram ele a isolar uma sala
210 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
com isopor. Essa sala tinha tipo uns 3x2 metros e foi aí<br />
que foi monta<strong>do</strong> o estúdio onde eu produzi o disco dele.<br />
To<strong>do</strong> dia eu entrava na P2 às 8h da manhã, tomava café<br />
e almoçava lá como os detentos e saía às 6 da tarde. O<br />
disco foi feito <strong>do</strong> zero, não tínhamos nada, só mesmo a<br />
vontade de fazer. Me lembro também que foi a “Fênix” a<br />
primeira música a ser feita. O difícil foi apenas começar,<br />
mas como estávamos totalmente foca<strong>do</strong>s no trampo,<br />
as coisas fluíam naturalmente. Quan<strong>do</strong> eu saía <strong>do</strong> presídio,<br />
eu ficava hospeda<strong>do</strong> numa casa de temporada de<br />
um amigo dele junto com o Função <strong>do</strong> Di Função. Mesmo<br />
fora <strong>do</strong> presídio, não parava de pensar nas produções,<br />
tinha que dar o meu melhor, por isso o disco foi feito <strong>do</strong><br />
zero e até a pré-mixagem foi feita lá <strong>dentro</strong> da P2.<br />
Esse trabalho foi a melhor coisa que me aconteceu, por<br />
ser o único já feito dessa forma na história <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
mundial, e eu ajudei a escrever!<br />
Não foi à toa que ganhou o prêmio de melhor disco no<br />
Hutúz de 2005 e cinco prêmios no <strong>Hip</strong>-Hop Top. Tu<strong>do</strong> o<br />
que aconteceu foi verdadeiro, desde os versos <strong>do</strong> Dexter<br />
aos bumbos e caixas das minhas bases, e graças a<br />
esse disco, que abriu portas pra estar aqui em Portugal<br />
hoje fazen<strong>do</strong> o que eu mais gosto. Rap até a morte!<br />
BUZO: Qual a diferença entre o hip-<strong>hop</strong> no Brasil e em<br />
Portugal<br />
DJ DICO: Ideologicamente falamos das mesmas coisas:<br />
problemas sociais, cotidiano etc.<br />
Musicalmente acho que o Brasil está atrasa<strong>do</strong>, ainda<br />
nos anos 1980, parou no tempo.<br />
Fui perceber isso depois que vim pra Europa e conheci<br />
outros grupos. Na França, o <strong>movimento</strong> é mais forte<br />
que no Brasil, os caras estão la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> com os
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
211<br />
americanos em termos de produção, mas de ideologia<br />
os caras estão na frente.<br />
To<strong>do</strong> empolga<strong>do</strong>, fui mostrar uns trampos de grupos<br />
brasileiros para uns americanos. Falaram que isso eles<br />
faziam nos anos 1980, e foi a mesma opinião <strong>do</strong>s franceses<br />
que, na minha opinião, estão em primeiro lugar no<br />
mun<strong>do</strong> em termos de rap.<br />
Por isso, tô tentan<strong>do</strong> fazer um merca<strong>do</strong> lusófono e quebrar<br />
fronteiras entre esses países pro <strong>movimento</strong> brasileiro<br />
ganhar merca<strong>do</strong> fora <strong>do</strong> país também.<br />
Com certeza, ter pessoas como o DJ Dico para facilitar<br />
esse intercâmbio vai ajudar muito no futuro. Recentemente,<br />
o Big Johnson (mais Mano Brown, Ice Blue,<br />
Helião, Lino Cris, DJ Cia entre outros), esteve em turnê<br />
pela Europa. Passaram por Portugal, Inglaterra, Itália.<br />
Precisamos disso, fazer com que nosso rap chegue a<br />
outros países. Só assim, talvez, mostre definitivamente<br />
sua força e faça com que possamos ter condições de<br />
melhorar nossas produções, fazer cada vez mais uma<br />
base de qualidade, com as melhores tecnologias e parcerias,<br />
esse é um <strong>do</strong>s caminhos <strong>do</strong> crescimento. DJ Dico<br />
deixou bem claro que não tem nenhuma fita <strong>do</strong>minada,<br />
então temos que trabalhar e muito ainda.<br />
Mas o que pode ser mais <strong>do</strong> contra <strong>do</strong> que você acabar<br />
sua vida nas drogas Quem já viveu isso sabe.<br />
E o que dizer de pessoas que através <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> mudaram<br />
suas vidas e foram resgatadas entre esses milhares<br />
de jovens Tem um que é bisneto <strong>do</strong> grande “Poeta<br />
<strong>do</strong> Povo”, Solano Trindade. Estou falan<strong>do</strong> de Zinho Trindade,<br />
falamos com ele, que é um MC nato e também faz<br />
freestyle, mas acima de tu<strong>do</strong>, largou o caminho triste<br />
através <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
Vamos ver o que ele tem a nos dizer.
212 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Como você vê o hip-<strong>hop</strong>, sua importância<br />
ZINHO TRINDADE: Vejo o hip-<strong>hop</strong> como um futuro de vida,<br />
o vejo como forma<strong>do</strong>r de pessoas, um grande instrumento<br />
para a educação e a formação! O resgate a uma<br />
vida perdida da sociedade! O hip-<strong>hop</strong> pra mim é muito<br />
importante, pois eu vivo dele, essa cultura é o meu<br />
ganha-pão e a minha vida. Algo que surgiu em mea<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>s anos 1970 e até hoje embala as periferias e os centros<br />
de to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, onde milhares de jovens encontraram<br />
um valor, um lugar, onde to<strong>do</strong>s são iguais, uma<br />
cultura sem preconceitos, onde você pode escolher<br />
entre o break ou ser DJ, grafiteiro ou MC. O que seria<br />
da periferia sem o hip-<strong>hop</strong>, quantos irmãos estavam<br />
perdi<strong>do</strong>s neste mundão, e depois <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> e seus<br />
elementos tiveram uma mudança radical em sua vida!<br />
Quem não sabia ler, e hoje escreve até livro, quem puxou<br />
cadeia e pá e hoje vai dar oficinas em cadeias! O hip-<strong>hop</strong><br />
pra mim é tão importante que deveria ser ensina<strong>do</strong> nas<br />
escolas, como matéria; o break entra na aula de Educação<br />
Física, o grafite na aula de Artes, o MC se encaixa na<br />
aula de Português, História, Geografia. Ainda podemos<br />
trabalhar até a matemática na produção musical e formação,<br />
espero que isso aconteça um dia.<br />
BUZO: Qual sua ligação com o hip-<strong>hop</strong><br />
ZINHO TRINDADE: Quan<strong>do</strong> criança minha tia tinha os discos<br />
<strong>do</strong>s Racionais, Thaíde e DJ Hum, a coletânea Rap na veia,<br />
e outros gringos. Ela não me deixava tocar nos discos,<br />
mas quan<strong>do</strong> ela escutava, eu ficava escondi<strong>do</strong> escutan<strong>do</strong><br />
e aprenden<strong>do</strong> a cantar, quan<strong>do</strong> ela saía eu ia e gravava<br />
uma música na fita, mas era um processo muito demora<strong>do</strong>,<br />
levei umas porradas algumas vezes por mexer em<br />
seus discos caros da época, 1992 o bagulho era <strong>do</strong>i<strong>do</strong>! Em<br />
1996, comecei a me arriscar nas rimas, fazia apenas na<br />
escola ou com amigos, imitan<strong>do</strong> o Thaíde, o Mano Brown,
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
213<br />
entre outros! Depois desencanei de fazer rimas, tive problemas<br />
com drogas na a<strong>do</strong>lescência, quase fui preso<br />
e resolvi me internar em uma clínica para dependentes<br />
químicos, e só fui voltar para o mundão um ano e <strong>do</strong>is<br />
meses depois! Quan<strong>do</strong> saí, com uma nova visão da vida,<br />
comecei a fazer rap de verdade aos 20 anos, convida<strong>do</strong><br />
por um grupo de rap que se chamava <strong>Hip</strong>tom<strong>hop</strong>, como<br />
MC, em Embu das Artes, não tinha em mente que iria cantar<br />
até hoje, e nem sabia o que eu iria fazer da minha vida<br />
também. Trabalhei como ferreiro, garçom e barman, mas<br />
sempre que marcava um show o trampo atrapalhava. Eu<br />
tive que escolher entre ficar com a minha carteira assinada<br />
e meu trabalho seguro ou ser MC. Decidi ser MC,<br />
comecei a estudar mais sobre a cultura e a conhecer o<br />
hip-<strong>hop</strong> de verdade! Hoje tenho um trabalho com a minha<br />
banda, Zinho Trindade e o Lega<strong>do</strong> de Solano, onde misturo<br />
rap com cultura popular, uma herança da minha família.<br />
Tem a festa em que eu faço Batida <strong>do</strong> Coração sempre<br />
com o propósito de ajudar algo ou alguém, onde sempre<br />
estou divulgan<strong>do</strong> e trabalhan<strong>do</strong> com o hip-<strong>hop</strong>. Trabalho<br />
com a Cia de Arte Negra Capulanas, onde no espetáculo<br />
faço um MC e poeta, além de ter feito trabalhos como MC<br />
em alguns filmes. O único filme em que eu não sou MC<br />
se chama Profissão MC, de Toni Nogueira e <strong>Alessandro</strong><br />
<strong>Buzo</strong>! Tamo junto... Tenho um trampo com o Thiago Beats,<br />
onde ele faz beatbox e eu, freestyle, apresentan<strong>do</strong> em<br />
tu<strong>do</strong> quanto é lugar. Dou aula sobre a cultura hip-<strong>hop</strong> há<br />
quarto anos no Teatro Popular Solano Trindade no Projeto<br />
Trindade Guerreiro. Crio e apresento meu programa<br />
de entrevistas <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> cozinha, e estou terminan<strong>do</strong> um<br />
<strong>do</strong>cumentário sobre o hip-<strong>hop</strong> em Embu das Artes. Tem<br />
o meu livro de poesias, que são raps sem batida, que já<br />
está pronto, falta apenas uma editora para colocá-lo nas<br />
ruas, e meu disco para o ano que vem. Além de dar palestras,<br />
oficinas e apresentar shows. Fui liga<strong>do</strong> ao hip-<strong>hop</strong>
214 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
por um cabo que nunca mais vai arrebentar, um cordão<br />
umbilical que ninguém pode cortar, um grande ensinamento<br />
para a minha vida, em que é o meu viver. Tá liga<strong>do</strong><br />
BUZO: Você é bisneto de Solano Trindade. Mesmo fugin<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> tema, nos fale dele.<br />
ZINHO TRINDADE: Solano Trindade, na minha opinião, sempre<br />
vai ser tema para o rap, pois Solano Trindade foi um<br />
grande poeta negro que lutou pela melhoria e a igualdade<br />
de seu povo. O rap luta por isso, pela igualdade,<br />
por um mun<strong>do</strong> melhor para o povo negro e pobre. Sem<br />
contar que nas poesias de Solano, que são das décadas<br />
de 1930 a 1970, você encontra as palavras “Salve”<br />
e “Mano”. Solano não conheceu o rap na batida, mas em<br />
suas poesias ele sempre esteve presente. Solano era <strong>do</strong><br />
povo e lutou contra to<strong>do</strong> o preconceito que existe em<br />
nossas quebradas até hoje, Solano morou em um barraco,<br />
Solano foi enquadra<strong>do</strong> pela polícia, Solano teve<br />
seu filho mais novo, Chiquinho, morto pela ditadura,<br />
Solano teve sua vida de poeta da periferia, viven<strong>do</strong> as<br />
dificuldades em que o nosso povo passa to<strong>do</strong>s os dias<br />
nas periferias <strong>do</strong> Brasil. O poema “Trem sujo da Leopoldina”,<br />
conheci<strong>do</strong> como “Tem gente com fome”, é um<br />
protesto ao sistema em que vivemos, e por causa desta<br />
poesia Solano foi preso. Solano falava e vivia o povo, era<br />
conheci<strong>do</strong> pelos outros poetas como “O poeta <strong>do</strong> povo”,<br />
e o rap é a linguagem <strong>do</strong> povo. Apesar de Solano Trindade<br />
ter nasci<strong>do</strong> em 1908 e faleci<strong>do</strong> em 1974, durante toda<br />
a sua vida ele teve uma preocupação com a periferia e<br />
os menos favoreci<strong>do</strong>s. Em 1940, ele já trabalhava para<br />
o jovem negro entrar na faculdade, para o jovem negro<br />
conhecer sua história e pela luta na educação <strong>do</strong> povo<br />
pobre. O rap, como Solano, luta por isso. Solano Trindade<br />
formou um grupo de dança popular junto com sua<br />
esposa Maria Margarida e o sociólogo Edison Carneiro, o
Fazen<strong>do</strong> rap mesmo com tu<strong>do</strong> contra<br />
215<br />
Teatro Popular Brasileiro, onde as pessoas <strong>do</strong> grupo<br />
eram operários, empregadas <strong>do</strong>mésticas e trabalha<strong>do</strong>res<br />
braçais (o povo), e os ensinou a cultura popular da<br />
nossa terra, como Maracatu, Coco, Lundu entre outras<br />
danças. Divulgan<strong>do</strong> a cultura popular, o nosso folclore,<br />
que é o ver, agir e pensar de um povo. O grupo fez várias<br />
apresentações pelo Brasil e Europa. Após sua morte,<br />
minha avó, Raquel Trindade, mu<strong>do</strong>u o nome para Teatro<br />
Popular Solano Trindade, onde damos a continuidade<br />
de seu trabalho na cidade de Embu das Artes, que<br />
antes de Solano chegar, se chamava apenas Embu. Ele,<br />
junto com outros artistas, mu<strong>do</strong>u culturalmente a vida<br />
da cidade. Hoje em São Paulo temos muitos saraus de<br />
poesias por toda a cidade, e Solano é uma forma de inspiração<br />
para to<strong>do</strong>s nós. Quantas pessoas <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
não leem Solano e quantos rappers não fazem poesias e<br />
vão em saraus de poesias. Você vê Solano na Cooperifa,<br />
no sarau <strong>do</strong> Binho, na Fundão, no Elo, na Brasa, Ademar,<br />
basta ir em um sarau na quebrada e lá o Poeta <strong>do</strong> Povo<br />
está. Salve, salve a to<strong>do</strong>s que amam a vida sem ter me<strong>do</strong><br />
da morte. Salve a to<strong>do</strong>s que amam liberdade sem ter<br />
me<strong>do</strong> de prisões e fuzilamentos. Porque a história continua<br />
“devagar e sempre”, como diz um negro velho meu<br />
vizinho... Solano Trindade.<br />
BUZO: Voltan<strong>do</strong> ao hip-<strong>hop</strong>, ele salva<br />
ZINHO TRINDADE: O hip-<strong>hop</strong> me salvou e salva! Quantos<br />
guerreiros e guerreiras que estavam perdi<strong>do</strong>s em suas<br />
vidas e conheceram o hip-<strong>hop</strong>, e daí para a frente tu<strong>do</strong><br />
mu<strong>do</strong>u Quan<strong>do</strong> comecei a me aprofundar no hip-<strong>hop</strong>,<br />
não sabia o que iria fazer da vida, nada foi fácil, mas<br />
essa linguagem da rua me deu um novo senti<strong>do</strong> para<br />
viver. Antes <strong>do</strong> rap vivi em um mun<strong>do</strong> pro qual não quero<br />
nunca mais voltar, onde machuquei pessoas e familiares,<br />
onde nada tinha valor! Mas o senti<strong>do</strong> de viver veio
216 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
quan<strong>do</strong> descobri que tinha algo para eu lutar, que tinha<br />
algo que me fazia feliz apesar das dificuldades, e que<br />
eu podia mudar não só a minha vida como a de outras<br />
pessoas também. Já vi e vejo muitos jovens ten<strong>do</strong> uma<br />
mudança radical de sua vida após frequentar uma oficina<br />
de hip-<strong>hop</strong>, pode ser no break, no grafite, como DJ<br />
ou MC, mas tu<strong>do</strong> muda. Para você fazer um rap tem que<br />
escrever, para criar a letra tem que ler, quantos semianalfabetos<br />
graças ao hip-<strong>hop</strong> hoje fazem faculdade<br />
O nosso ensino nas escolas hoje em dia é precário, os<br />
jovens não se interessam pelos estu<strong>do</strong>s, mas se interessam<br />
pelo rap, e o rap os faz crescer como pessoas<br />
e estudar, o cara acaba estudan<strong>do</strong> sem saber que está,<br />
aprende sobre Zumbi, Che Guevara, sobre o povo negro,<br />
sobre a sua história. Muitos podem não fazer sucesso<br />
no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> rap, podem não tocar na rádio, acabam<br />
não seguin<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> artístico, mas sua autoestima é<br />
levantada, sua vontade de crescer e sair da vida <strong>do</strong> crime<br />
renasce como uma fênix. Um exemplo claro de que o rap<br />
salva é o Afrika Bambaataa, que antes <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> era<br />
líder de gangue, ou o nosso Maestro <strong>do</strong> Canão, há muitos<br />
exemplos e acho que a grande maioria, diria até 90%, se<br />
não for 99, foram salvos pelo hip-<strong>hop</strong>. Pois quem vem da<br />
periferia, <strong>do</strong>s morros, sabe que nada é fácil e há muitas<br />
propostas para se ganhar dinheiro fácil e se envolver no<br />
mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> crime. Mas o hip-<strong>hop</strong> está aí para isso, para<br />
salvar, para resgatar os jovens, onde este jovem resgata<strong>do</strong><br />
irá resgatar outro jovem, então o hip-<strong>hop</strong> sempre<br />
vai salvar, e ninguém vai parar essa máquina que resgata<br />
vidas da periferia chamada hip-<strong>hop</strong>.
<strong>Buzo</strong> e Dexter<br />
<strong>Buzo</strong> e Dext
Cap.07<br />
Posses <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>
Falan<strong>do</strong> em A Firma, vale lembrar que existem várias<br />
posses que estão no hip-<strong>hop</strong> há anos, muitas delas são<br />
tradicionais, pois o termo “posse” sempre esteve liga<strong>do</strong><br />
ao <strong>movimento</strong>, cada uma tem seu estilo próprio de trabalho,<br />
mas todas têm a sua importância.<br />
Entrevistamos, em abril de 2010, o Fex Ban<strong>do</strong>llero, um <strong>do</strong>s<br />
funda<strong>do</strong>res da tradicional Reviravolta Máfia, para saber<br />
melhor como era o trabalho deles e quais as atividades.<br />
Fex nos falou com exclusividade e você confere agora.<br />
BUZO: Nos fale como funciona e quais as atividades ligadas<br />
à Reviravolta Máfia.<br />
FEX BANDOLLERO: Reviravolta Máfia é um selo independente<br />
de rap, estúdio musical, produtora de clipes e<br />
artes gráficas, com diversos grupos com álbuns solo<br />
lança<strong>do</strong>s, e vários projetos sen<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong>s. Somos<br />
uma família que corre um pelo outro.<br />
BUZO: Quem fun<strong>do</strong>u, onde e quan<strong>do</strong><br />
FEX BANDOLLERO: Foi cria<strong>do</strong> em 2001, a princípio com um<br />
selo para lançar o single <strong>do</strong> F.A.S., Os últimos rebeldes.<br />
Porém, como o objetivo era expandir o projeto, foi idealizada<br />
uma coletânea com grupos que estavam produzin<strong>do</strong><br />
no estúdio com o Erick12 e que tinham uma proposta<br />
diferente <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> rap. Então, em 2003 foi lança<strong>do</strong> o CD<br />
220
Posses <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
221<br />
Reviravolta Máfia Vol. 1, com 14 grupos de diversas partes<br />
de São Paulo. Eu, Eazy Kaos, Erick12 e Danny-C (que<br />
hoje não pertence mais) fomos os funda<strong>do</strong>res.<br />
BUZO: Quem hoje faz parte da Reviravolta Máfia<br />
FEX BANDOLLERO: Os membros são: Eazy Kaos, Erick12, Fex<br />
Ban<strong>do</strong>llero, Pacheco, Man, Vigilantes MC’s, Sooblime,<br />
Don King, Preto Gênio, Xandão, Voz Negra, 51/50, Thug<br />
Black, Reflexxão, Gueto Organiza<strong>do</strong>, Toroká, DJ Vila e<br />
Douglas. Estamos acertan<strong>do</strong> a entrada de mais alguns<br />
membros. Mas ainda é novidade. Sem confirmação.<br />
BUZO: Se alguém, algum grupo de rap, quiser fazer parte,<br />
como é isso<br />
FEX BANDOLLERO: Funciona assim: nós fazemos o convite.<br />
Eu, o Eazy Kaos e o Erick12 nos comunicamos e<br />
acertamos isso. Antes não era assim, mas hoje somos<br />
mais seletos no que diz respeito à fusão de qualidade/<br />
correria/profissionalismo/caráter.<br />
BUZO: Qual a importância das posses no hip-<strong>hop</strong> brasileiro<br />
FEX BANDOLLERO: Bom, pode parecer utópico, mas acreditamos<br />
em união, ainda. Somos a prova contundente<br />
de que isso funciona. As posses estão intrínsecas no<br />
hip-<strong>hop</strong> e sempre serviram pra fortalecer o próprio<br />
<strong>movimento</strong>. Nosso trabalho funciona nesse senti<strong>do</strong>.<br />
Nos associamos para crescermos juntos. 11<br />
Além da REVIRAVOLTA MÁFIA, falamos com a Posse DRR<br />
(Defensores <strong>do</strong> Ritmo Rua), criada por militantes <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
na Zona Leste de São Paulo, no bairro de São Matheus. A<br />
entrevista não foi exclusiva pro livro, e sim quan<strong>do</strong> eu (<strong>Buzo</strong>)<br />
fui até lá gravar o quadro “Buzão – Circular Periférico” pro<br />
11 Saiba mais: www.reviravoltamafia.com.br
222 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Programa Manos e minas da TV Cultura, no final de 2009,<br />
falamos com o Grand-E (Alvos da Lei) e Mikimba (De Menos<br />
Crime) sobre DRR. 12<br />
BUZO: DRR<br />
GRAND-E: A posse DRR surgiu em 1994, era uma posse<br />
de break, aí a gente se conscientizou de passar algumas<br />
caminhadas para nossa população aqui em São<br />
Matheus, Zona Leste.<br />
BUZO: Então foi através da dança<br />
MIKIMBA: Primeiro a dança era o maior contato, to<strong>do</strong>s<br />
éramos dançarinos e praticantes da cultura hip-<strong>hop</strong>.<br />
GRAND-E: Eu acho que hoje o rap tem que... Os rappers<br />
têm que ajudar o rap, e se a gente não fizer mais alguma<br />
coisa pelo rap, eu acho que o rap vai ser uma música<br />
mais extinta <strong>do</strong> que ela já é...<br />
12 Para assistir a essa entrevista: http://www.youtube.com/<br />
watchv=3cKqC1Nr-pQ
Favela Toma Conta lota<strong>do</strong><br />
Favela Toma C
aqui elas têm voz ativa<br />
Cap.08<br />
Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa
Se o hip-<strong>hop</strong> sofre discriminação, imagina uma mulher no<br />
hip-<strong>hop</strong> Sofre em <strong>do</strong>bro.<br />
Mas aqui, não. Nesta obra elas têm lugar de destaque.<br />
Vamos começar falan<strong>do</strong> com a Aninha, <strong>do</strong> grupo Atitude<br />
Feminina, de Brasília-DF. Ela tem muito pra nos contar e<br />
você lê agora.<br />
BUZO: Atitude Feminina é hoje uma referência de mulher<br />
no hip-<strong>hop</strong>. Como você vê a importância <strong>do</strong> seu grupo<br />
nesse senti<strong>do</strong><br />
ANINHA: Quan<strong>do</strong> começamos, há dez anos, não tínhamos<br />
essa pretensão. Mas essa referência como grupo feminino<br />
no hip-<strong>hop</strong> aconteceu naturalmente pelo trabalho<br />
que a gente vem fazen<strong>do</strong> nesses últimos anos. Esse<br />
trabalho não foi só em cima <strong>do</strong> palco, mas fora dele<br />
também. Nos presídios, nas colmeias, nos abrigos, nos<br />
fóruns, nas palestras, nos encontros, nos videoclipes,<br />
nas premiações, no dia a dia etc. Foi muita coisa aliada<br />
às nossas músicas.<br />
BUZO: Por que existem poucos grupos femininos no país<br />
ANINHA: Porque se já existe pouco espaço pros grupos<br />
masculinos, imagine pros femininos Mais isso está<br />
acaban<strong>do</strong>. Crescemos muito e estamos aprenden<strong>do</strong> a<br />
nos organizar.<br />
226
Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa<br />
227<br />
BUZO: Nos shows, eventos, também é pequena a participação<br />
feminina. Por que acontece e o que é preciso<br />
pra mudar isso<br />
ANINHA: Muitas mulheres se submetem às vontades<br />
machistas <strong>do</strong>s homens, sen<strong>do</strong> eles <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
hip-<strong>hop</strong> ou não. Por exemplo: “Fica em casa cuidan<strong>do</strong><br />
das crianças enquanto vou pro show de rap”. Precisamos<br />
acabar com isso. Imagina se ela chegasse pro mari<strong>do</strong><br />
e falasse: “Tô in<strong>do</strong> pro show de rap. Fica em casa cuidan<strong>do</strong><br />
das crianças!”. Pronto, a sociedade cai matan<strong>do</strong>,<br />
começan<strong>do</strong> pela família dele: “Que mãe é essa que não<br />
quer cuidar <strong>do</strong>s filhos!” ou pior: “Essa tua mulher é uma<br />
vagabunda! Não quer saber de nada! Só quer se divertir<br />
enquanto você fica em casa com as crianças!” Mas<br />
esquecem que na maioria das vezes é a mulher que<br />
cuida a semana inteira das crianças e <strong>do</strong>s deveres <strong>do</strong><br />
lar. Aí não pode se divertir no final de semana Por que o<br />
homem pode e quan<strong>do</strong> a mulher sai sempre é tachada de<br />
“puta” Isso tem que acabar. Os deveres, as obrigações<br />
num casamento ou relacionamento têm que ser iguais.<br />
Quan<strong>do</strong> a mulher trabalha fora de casa, então, nem se<br />
fala. Resumin<strong>do</strong>: o rap nacional ainda é machista! Olha<br />
que eu não me considero tão feminista assim!<br />
BUZO: Nos fale sobre a Dina Di, como vê a falta dela no rap<br />
feminino e nacional no geral<br />
ANINHA: Antes de mais nada, perdi uma grande amiga e<br />
uma guerreira que era uma grande inspiração para mim e<br />
para o meu grupo. Aprendi muito com ela e o hip-<strong>hop</strong> brasileiro<br />
perdeu muito com isso. Espero poder, <strong>dentro</strong> das<br />
minhas condições, ajudar o Chuck no que ele precisar e no<br />
que estiver <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> meu alcance para criar a filha deles.
228 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Eventos específicos como o Fórum das Mulheres<br />
no <strong>Hip</strong>-Hop, em que vocês estiveram em Carapicuíba-SP,<br />
são o caminho 13<br />
ANINHA: Sim! Unidas e organizadas ficaremos mais fortes<br />
e daremos mais visibilidade às nossas ações.<br />
BUZO: O hip-<strong>hop</strong> é machista<br />
ANINHA: Infelizmente, ainda, sim.<br />
BUZO: Uma rima cheia de Atitude Feminina<br />
ANINHA: “Quem ama não mata, não humilha e não maltrata”.<br />
Diga não à violência contra a mulher!<br />
Sentiu que as ideias são fortes, e temos também mulheres,<br />
além de rima<strong>do</strong>ras, DJs, b.girls, grafiteiras. Vamos<br />
começar falan<strong>do</strong> com uma DJ. Ela, além <strong>do</strong> trabalho<br />
nas pickups, é atriz de sucesso, participou de novelas<br />
como Os mutantes, da Rede Record, e no momento<br />
que nos concedeu esta entrevista (abril/2010) está no<br />
ar com a novela Uma rosa com amor, <strong>do</strong> SBT. Estamos<br />
falan<strong>do</strong> de Pathy de Jesus. Vamos ver como ela vê a<br />
cena da mulher no hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: Por que há poucas mulheres no rap nacional<br />
PATHY DE JESUS: Não só na cena nacional, não é verdade<br />
Só que aqui ainda menos, aliás bem menos. Obviamente,<br />
o hip-<strong>hop</strong> é um <strong>movimento</strong> onde os homens<br />
são a maioria esmaga<strong>do</strong>ra. O rap ainda é considera<strong>do</strong><br />
“coisa de homem”, assim como várias outras atividades<br />
como jogar bola, dirigir, administrar empresa... Vivemos<br />
numa sociedade machista, onde o papel feminino seria<br />
ficar em casa, cuidar <strong>do</strong>s filhos e <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>. Nada contra,<br />
13 O evento cita<strong>do</strong> ocorreu em março de 2010 e foi organiza<strong>do</strong> pelo site<br />
www.mulheresnohip<strong>hop</strong>.com.br
Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa<br />
229<br />
mas sou totalmente contra qualquer tipo de segregação.<br />
Cada um tem que fazer o que tem vontade. Graças à<br />
revolução feminista e a todas as manifestações em prol<br />
de igualdade de oportunidade, a mulher vem a cada dia<br />
conquistan<strong>do</strong> o espaço que é dela por direito! Em relação<br />
ao rap nacional, as coisas estão mudan<strong>do</strong>! Quan<strong>do</strong> comecei<br />
a ouvir rap, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 1990, <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> meu<br />
universo conheci a Rúbia e a Rose MC, e achava aquelas<br />
duas demais! Sempre me perguntava: “Nossa, como será<br />
que elas conseguem” DJ, não conheci nenhuma... B.girl<br />
então... Logicamente já existiam várias, mas não “chegava”<br />
na gente. Agora existem milhares de representantes<br />
femininas <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. A tendência é crescer<br />
mais e mais, vários talentos espalha<strong>do</strong>s pelo país. E contra<br />
o talento não dá pra argumentar.<br />
BUZO: Quem você destaca na cena hip-<strong>hop</strong> feminino<br />
PATHY DE JESUS: Essa pergunta é complicada de responder<br />
por ser extremamente pessoal. Como disse anteriormente,<br />
existem milhares de talentos espalha<strong>do</strong>s<br />
pelo país, e muitos desses não chegam até a minha pessoa.<br />
Fora isso, gosto é gosto e cada um tem o seu. Vou<br />
citar alguns nomes, mas isso não significa que desmereça<br />
qualquer outra. Gosto não se discute, não é! Dito<br />
isso, vamos aos nomes. No hip-<strong>hop</strong> nacional, fora a<br />
matriarca e irmã querida Rúbia, destacaria Flora Matos<br />
(acho que essa menina tem um talento único), MC Stefanie,<br />
Lurdes da Luz, Nathy MC, Lívia Cruz... gostava muito<br />
da Negra Li no RZO também. Ah, a Camila, que canta<br />
com MV Bill... meu pai, que flow. Além disso, destaco as<br />
DJs da crew Applebum, em especial DJ Lisa Bueno, pela<br />
técnica e coragem! Essa é guerreira, é pra mim a melhor<br />
turntablista <strong>do</strong> país. Tem a DJ Cinara, que também acho<br />
demais, a Typá... Sei que tem muita b.girl, muita grafiteira,<br />
mas infelizmente não posso opinar sobre isso.
Família RZO
Família RZO
232 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Como é ser DJ num universo masculino<br />
PATHY DE JESUS: Bom, vejo como mais um desafio a ser<br />
conquista<strong>do</strong>. Nada além disso. Na vida, em várias<br />
outras atividades, tive e continuo ten<strong>do</strong> que lidar com<br />
isso 24 horas por dia, então não é novidade nenhuma.<br />
Meu pai me ensinou que sen<strong>do</strong> mulher e negra terei<br />
muito mais trabalho pra mostrar meu talento, buscar<br />
meu espaço... Desde pequena, sempre tive muito<br />
mais amigos homens que mulheres, talvez isso ajude<br />
na maneira que li<strong>do</strong> com isso hoje. Tem que ter jogo de<br />
cintura, saber chegar, se portar e ser no mínimo regular<br />
pra ser respeitada. Porque pode ter certeza que a<br />
mulher vai ser dez vezes mais cobrada que o homem, é<br />
fato! Mas já disse antes, em várias outras entrevistas:<br />
de onde venho as coisas nunca vieram fáceis, de mão<br />
beijada. Estou acostumada a enfrentar grandes desafios,<br />
não tenho me<strong>do</strong> de dar a cara pra bater.<br />
Mas não tem como falar de mulher no hip-<strong>hop</strong> e não pensar<br />
nela, Re.Fem. (Revolta Feminina), uma garota que<br />
mora na Baixada Fluminense, politizada, feminista assumida<br />
e talentosa, lembro quan<strong>do</strong> a vi cantan<strong>do</strong> pela primeira<br />
vez: “Baixada Fluminense, aqui o bicho pega, minha<br />
gente, Baixada Fluminense, essa é a realidade da Baixada<br />
Fluminense.” Virei fã, depois amigo.<br />
Hoje ela trabalha com o Movimento Enraiza<strong>do</strong>s, e como<br />
sou muito próximo deles, passei a ter mais contato com<br />
ela, que além de rapper e militante, é também cineasta,<br />
fez filmes e videoclipes, o último deles foi O enterro <strong>do</strong><br />
neguinho, <strong>do</strong> grupo Atitude Feminina de Brasília-DF.<br />
Quan<strong>do</strong> eu assisti, achei o vídeo bem louco, fala <strong>do</strong> bandi<strong>do</strong><br />
da quebrada que é amigo de to<strong>do</strong>s e queri<strong>do</strong>, achei o<br />
clipe muito benfeito, mas sabia de uma coisa: era um prato<br />
cheio pros críticos <strong>do</strong> rap, porque mostra o bandi<strong>do</strong> como<br />
um cara popular na favela. Liguei na hora pra Re.Fem. e
Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa<br />
233<br />
perguntei o que ela achava disso, expliquei que tinha gosta<strong>do</strong>,<br />
mas tinha ti<strong>do</strong> esse pensamento. Re.Fem. me disse:<br />
“<strong>Buzo</strong>, deixe criticar, esse clipe fizemos pra favela e a<br />
favela curtiu, em Brasília os manos curtiram demais, isso<br />
é suficiente, deixa os críticos falarem.” Essa é a Re.Fem.,<br />
vamos saber mais sobre ela nesta entrevista exclusiva.<br />
BUZO: Como é ser uma rapper mulher na Baixada Fluminense<br />
RE.FEM.: Para mim não foi nada fácil. Eu ainda moro em<br />
Parada Angélica, Duque de Caxias. Esse bairro fica numa<br />
parte da Baixada que é isolada das demais cidades da<br />
Baixada Fluminense, é distante até <strong>do</strong> centro da cidade<br />
onde eu moro, da minha casa para o centro de Caxias eu<br />
levo uns cinquenta minutos, para ir para outras cidades<br />
da Baixada eu gasto em média duas horas, fora a passagem,<br />
que é muito cara, para sair de casa eu tenho que<br />
ter 20 contos no bolso só para gastar com a passagem.<br />
Mas mesmo com to<strong>do</strong>s esses contras, eu, no início<br />
da caminhada, nunca deixei que estar nas atividades<br />
sociais, nos shows, palestras, debates, oficinas e todas<br />
as atividades que envolvessem o hip-<strong>hop</strong>, mesmo que eu<br />
não estivesse envolvida nele, e poderia ser onde fosse.<br />
Também sempre an<strong>do</strong> só, não sou de andar em grupo,<br />
como moro longe encontro a galera já nos lugares.<br />
Diante disso, ser mulher rapper na Baixada Fluminense<br />
é ser guerreira, é não ter me<strong>do</strong> de encarar as adversidades<br />
que a vida apresenta, é ter foco na missão, e a<br />
minha missão é o empoderamento das pessoas e seguir<br />
crian<strong>do</strong> e encantan<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Você dirigiu Rap de saia e Mães <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. Fale<br />
sobre esses <strong>do</strong>is filmes.<br />
RE.FEM.: O filme Rap de saia é a resposta de uma grande<br />
interrogação que eu tinha <strong>dentro</strong> da cultura hip-<strong>hop</strong>:<br />
Quem são, onde estão, o que fazem e pensam as mulheres<br />
da cultura hip-<strong>hop</strong> E o filme me respondeu isso.
234 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Depois <strong>do</strong> filme, eu dirigi pela Na Mira Produções o<br />
video clipe Rosas <strong>do</strong> grupo Atitude Feminina e um episódio<br />
da série Re-Visão, Racismo institucional.<br />
O Mães <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> foi um presente que o Dudu de Morro<br />
Agu<strong>do</strong> me deu, ele chegou um dia para mim e falou: “Eu<br />
quero fazer um filme onde as mães digam o que pensam<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.” Na hora eu topei, e junto com Dudu,<br />
Dumontt, Lisa, Cacau e uma equipe de peso <strong>do</strong> Enraiza<strong>do</strong>s<br />
aceitamos este desafio, e veio mais uma pergunta a<br />
se responder e o resulta<strong>do</strong> foi surpreendente. Mães <strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong> é um filme que dá essa visão das mães de como<br />
elas veem a cultura hip-<strong>hop</strong> e seus/suas filhos (as), além<br />
de fazer um panorama histórico da trajetória de seus/<br />
suas filhos (as) <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> no Brasil é machista<br />
RE.FEM.: O hip-<strong>hop</strong> em si, <strong>dentro</strong> de seus fundamentos,<br />
de forma alguma é machista, homofóbico, racista.<br />
Essencialmente é um <strong>movimento</strong> inclusivo, mas é um<br />
<strong>movimento</strong> de pessoas, e como tais, somos parte integrante<br />
da sociedade, e se esta é desigual, machista e<br />
cheia de preconceitos, logo isso se refletirá <strong>dentro</strong> da<br />
nossa cultura. Mas conheço e tenho a sorte de trabalhar<br />
com homens que buscam reduzir o machismo e a<br />
desigualdade de gênero, social, racial... E homens que<br />
entendem que não precisa ser mulher para lutar pelos<br />
direitos das mulheres. Que ser feminista é lutar pelas<br />
garantias da equidade de gêneros. E principalmente: se<br />
reconhecer, se declarar feminista não vai influenciar em<br />
nada na sua orientação sexual (risos).<br />
BUZO: Por que são poucos os grupos femininos, e quais<br />
você destaca<br />
RE.FEM.: Eu não tenho pesquisa formal sobre isso, mas<br />
pela minha caminhada pelas ruas deste Brasil eu<br />
penso que o baixo número de mulheres se dá por esta
Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa<br />
235<br />
cultura ser uma cultura originalmente de rua, e culturalmente<br />
nós mulheres não somos educadas para as<br />
ruas, nossas brincadeiras são bonecas, casinha, comidinha,<br />
ajudar a mãe <strong>dentro</strong> de casa... As <strong>do</strong>s meninos<br />
são: futebol, pipa, carrinho... Rua, tu<strong>do</strong> brincadeira de<br />
rua, que incentivam a competição, trabalho em equipe<br />
e a convivência coletiva nas ruas.<br />
Para nós, mulheres, principalmente nos anos 1980 e<br />
1990, onde o hip-<strong>hop</strong> ainda era uma cultura marginal,<br />
realmente, rua, poucas eram as que estavam lá. Tenho<br />
quase certeza de que esse é um <strong>do</strong>s principais motivos.<br />
Para mim, particularmente, não vi problemas, pois eu<br />
sou uma mulher de rua, pois fui criada nas ruas jogan<strong>do</strong><br />
futebol, soltan<strong>do</strong> pipas, brigan<strong>do</strong> com os garotos... Então<br />
estar e interagir com os homens e a rua é algo comum<br />
para mim, o que não é para a maioria das mulheres.<br />
Eu destaco Dina Di, o primeiro som de mulher que eu já<br />
ouvi e que nunca vou esquecer.<br />
Edd Wheeler, a primeira a botar a cara, e está aí até hoje<br />
aqui no Rio; Tiely Queen (SP), Rubia (SP), JC MC (RJ), Joy-C<br />
(RJ), Lisa Castro (RJ), Queen Odara (RJ), Negras Ativas<br />
(MG), Lunna (SP), entre outras que não vou lembrar agora.<br />
BUZO: Você acha que o hip-<strong>hop</strong> está num bom momento<br />
Por quê<br />
RE.FEM.: To<strong>do</strong> momento é bom para o hip-<strong>hop</strong>. O que<br />
determina se é bom ou ruim são as pessoas que nele<br />
atuam. Politicamente este, sim, é um bom momento,<br />
nunca na história deste <strong>movimento</strong> aqui no Brasil se<br />
recebeu tanto apoio institucional e até mesmo financiamento<br />
para projetos liga<strong>do</strong>s ao hip-<strong>hop</strong>. Hoje fazemos<br />
encontros nacionais, publicamos livros, fazemos<br />
filmes, oficinas, shows com verbas públicas, de instituições<br />
privadas nacionais e internacionais.
236 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Formamos lideranças que hoje são pessoas públicas<br />
que influenciam com seus textos, teses, músicas, imagens,<br />
filmes muitas pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> Brasil.<br />
Produzimos a nossa própria mídia e ainda temos espaço<br />
na mídia de massa, produzimos e comercializamos os<br />
nossos próprios CDs, roupas, livros, festas.<br />
Se estamos em um bom momento Eu diria que sim,<br />
para quem se preparou, em mais de trinta anos de <strong>movimento</strong><br />
hip-<strong>hop</strong>, para viver este momento.<br />
BUZO: Especificamente no Rio de Janeiro, como é a cena<br />
RE.FEM.: Eu posso falar da cena na Baixada Fluminense.<br />
E aqui a cena é louca. Em relação ao esta<strong>do</strong> temos os<br />
(as) melhores b.boys e b.girls, os melhores DJs, os (as)<br />
melhores grafiteiros (as), os(as) melhores rappers. Sem<br />
contar que aqui na Baixada temos uma galera que é<br />
referência no Brasil quan<strong>do</strong> se fala em articulação cultural<br />
em rede e ativismo sociocultural (risos).<br />
Elas são poucas no hip-<strong>hop</strong>, tem muito mais manos <strong>do</strong><br />
que minas, mas isso precisa mudar, precisamos pensar<br />
por que isso acontece.<br />
Será machismo Preconceito<br />
Ou é porque o rap é mais postura <strong>do</strong> que tu<strong>do</strong> e as minas<br />
mais jovens tão a fim de outras coisas, como o funk<br />
carioca, mesmo ele as tratan<strong>do</strong> como objeto sexual Até<br />
aí daria um debate, precisaríamos de campanhas para<br />
mudar esse quadro.<br />
Mas o hip-<strong>hop</strong> tem mulheres valorosas, tanto em cima<br />
<strong>do</strong> palco como nos basti<strong>do</strong>res. Uma dessas, que não<br />
aparece mas está fazen<strong>do</strong> a diferença atrás <strong>do</strong>s palcos<br />
é a jornalista e fotógrafa Nina Fideles. Ela é assessora<br />
<strong>do</strong> grupo A Família. Vamos ver o que ela tem a nos dizer.
Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa<br />
237<br />
BUZO: Você é assessora <strong>do</strong> grupo A Família. Como é trabalhar<br />
nos basti<strong>do</strong>res <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
NINA FIDELES: Eu sempre gostei de trabalhar com o hip-<strong>hop</strong>.<br />
Antes mesmo de trabalhar com A Família, tive o privilégio<br />
de aprender com o GOG por uns <strong>do</strong>is anos. E antes<br />
mesmo de trampar com o GOG, escrevia para o site<br />
DaBomb, na seção Nageral. Gostava muito. Realizamos<br />
o <strong>Hip</strong>-Hop pela Paz 4, tive contato com grupos, contratantes,<br />
conheci pessoas... E continuo aprenden<strong>do</strong> até<br />
hoje, mas com mais experiência. Lidar com as pessoas<br />
é tarefa delicada em qualquer lugar. E o meio artístico<br />
é cheio de egos também. Importante considerar isso.<br />
Profissionalizar o trabalho que é feito também é muito<br />
difícil, pois acredito que no rap, na música em geral,<br />
seja tu<strong>do</strong> um ciclo. Se o grupo não exige boas condições<br />
de som, por exemplo, e o contratante não faz muita<br />
questão de investir nisso, a falha compromete o show e<br />
o público pode ficar insatisfeito, queiman<strong>do</strong> o contratante<br />
e também o grupo algumas vezes. Se o público<br />
também não fizer questão disso, pior. Mas quem <strong>do</strong>s<br />
três vai começar a exigir um melhor tratamento Quem<br />
vai romper o ciclo <strong>do</strong> ama<strong>do</strong>rismo O público vai deixar<br />
de ir nas festas mal organizadas, o contratante vai<br />
cobrar um pouco mais caro para poder investir melhor<br />
no som, o grupo vai deixar de ir Alguém vai pagar este<br />
preço. É claro que cada cidade vai ter seus parâmetros.<br />
E, ao mesmo tempo, é importante entender to<strong>do</strong>s os<br />
limites, a realidade de cada lugar, e sempre tentar estar<br />
presente fazen<strong>do</strong> um bom trabalho. Trabalhar neste<br />
meio traz <strong>do</strong>res e amores, normal em toda área mas,<br />
pelo fato de ser mulher, acarreta outras coisas também.<br />
Acredito que a mulher tem que ficar se impon<strong>do</strong> várias<br />
vezes e isso desgasta um pouco. Não só os homens são<br />
machistas. Na política também é assim. As mulheres
238 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
têm que se impor, muitas vezes no jeito de vestir, de<br />
falar, acabam se tornan<strong>do</strong> mais masculinizadas para<br />
mostrar que também são capazes, mas sabemos que<br />
não será isso o essencial.<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
NINA FIDELES: Posso falar mais <strong>do</strong> rap, que é a arte que<br />
tenho mais contato. Acho que tu<strong>do</strong> está muito incerto,<br />
por mais que muitos tenham dito que estão salvan<strong>do</strong> o<br />
rap. Quanto mais se fala em união, mais se fragmenta. É<br />
gangsta, underground, gospel, politiza<strong>do</strong>, sei lá mais o<br />
quê... Nova escola, velha escola. Acho complica<strong>do</strong>. E já<br />
ouvi muita gente defenden<strong>do</strong> o rótulo pra si. Acho melhor<br />
deixar o trabalho falar, e cada trampo vai ser diferente.<br />
A batida, a letra, a levada, o tom... A gente trabalha pelo<br />
que espera, pelo que deseja <strong>do</strong> futuro. Não sou daquelas<br />
que acredita no papo de pregar uma pseu<strong>do</strong>-revolução<br />
por meio das letras, mas ao mesmo tempo não acho<br />
que o rap se destacou no mun<strong>do</strong> por falar groselha, de<br />
mulher e de dinheiro. Dinheiro to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> quer, ainda<br />
mais se fazen<strong>do</strong> o que gosta, com a arte... Imagina!<br />
Mas achar que a fórmula para ter dinheiro seja a<strong>do</strong>tar a<br />
linha <strong>do</strong> rap gringo pop, acho força<strong>do</strong>. Defen<strong>do</strong> que precisamos<br />
sempre nos lembrar de to<strong>do</strong>s e de tu<strong>do</strong> que fez<br />
o rap nacional chegar aonde chegou. Com seus erros e<br />
acertos. Esta é a memória histórica e não deve ser desconsiderada,<br />
como se tu<strong>do</strong> tivesse começa<strong>do</strong> agora.<br />
Muita coisa já aconteceu. Muita gente mu<strong>do</strong>u seu comportamento,<br />
refletiu, divulgou o rap, cantou coisas boas<br />
e denunciou por meio das letras. Perfeitamente possível<br />
falar de coisas boas, positivas, sem abrir mão <strong>do</strong><br />
conteú<strong>do</strong>. Falar de música, de amor, da vida... Eu gostaria<br />
que o rap entrasse no mun<strong>do</strong> da música em grande<br />
estilo e não tivesse que ficar mendigan<strong>do</strong> espaços na<br />
mídia para mostrar ao mun<strong>do</strong> sua cara. Que cartéis não
Mulheres no hip-<strong>hop</strong>, aqui elas têm voz ativa<br />
239<br />
fossem cria<strong>do</strong>s, deixan<strong>do</strong> muita coisa boa de fora e<br />
um grupo sen<strong>do</strong> privilegia<strong>do</strong> sempre, independente de<br />
sua qualidade. Que tivesse boas condições sempre. De<br />
apresentação, de produção, divulgação. E para isso é<br />
preciso zelar pela qualidade cada vez mais. Não é qualquer<br />
música, qualquer produção. Sempre lembro uma<br />
frase de um companheiro <strong>do</strong> Movimento <strong>do</strong>s Sem Terra<br />
que dizia que não é porque é sem terra que qualquer arte<br />
nos serve. Não! Nós queremos arte de qualidade!<br />
Que outras minas de valor apareçam e enriqueçam nosso<br />
<strong>movimento</strong>. Elas são, sim, muito bem-vindas, pelo menos<br />
eu (<strong>Buzo</strong>) vejo dessa forma.<br />
Nosso <strong>movimento</strong> é para os manos e as minas.<br />
Para novos e velhos, para as crianças principalmente.<br />
Vamos levar o hip-<strong>hop</strong> até elas, sempre procure mostrar<br />
o hip-<strong>hop</strong> da forma mais positiva possível. Tamo<br />
junto nessa missão.
Negra Li Negra Li
Cap.09<br />
Grafite
Um <strong>do</strong>s elementos <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> é o grafite – a arte de<br />
embelezar as ruas. Ao contrário da pichação, que apesar<br />
<strong>do</strong> caráter de protesto, deixa as ruas mais feias, o grafite<br />
não, ele pode transformar um local não tão belo num<br />
lugar mais bonito de se ver. Falei com alguns grafiteiros<br />
de destaque e o primeiro deles é o Bonga, de Caieiras,<br />
que sempre está nos eventos e sua arte está em vários<br />
lugares da cidade de Caieiras, São Paulo, e outras.<br />
Vamos ver como pensam esses artistas.<br />
BUZO: Defina o que é grafite.<br />
BONGA: O grafite para mim e como se fosse um universo<br />
paralelo, algo indescritível cheio de cores e ideias, conceitos<br />
e muita expressão individual ou, às vezes, coletiva,<br />
mas também ele é uma cultura que está no processo<br />
natural da produção humana, na criação, na construção,<br />
no pintar, no riscar, no escrever e suas ações e atitudes...<br />
Ten<strong>do</strong> como seu suporte a rua, como sua galeria, e seu<br />
cotidiano como suas referências e suas vivências...<br />
BUZO: Às vezes, vejo o grafite caminhar paralelo ao hip<strong>hop</strong>,<br />
mesmo sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s quatro elementos. Existe isso<br />
BONGA: O grafite sempre trilhou seu caminho sozinho,<br />
buscou seus próprios espaços, criou seus próprios conceitos,<br />
porque de to<strong>do</strong>s os elementos ele nunca pode<br />
244
Grafite<br />
245<br />
esquecer a rua, pois se isso acontecer ele não existe,<br />
não tem por que existir... Coisa que tem aconteci<strong>do</strong> com<br />
o resto da cultura que, em muitos casos, esqueceu sua<br />
maior referência: a rua.<br />
BUZO: Como e por que você começou a grafitar<br />
BONGA: Acho que muitas histórias se parecem quan<strong>do</strong><br />
você descobre algo como a cultura <strong>do</strong> grafite e hip-<strong>hop</strong><br />
em si, é uma mistura de admiração e sedução. Me lembro<br />
de observar algumas intervenções na Av. Paulista e<br />
alguns lugares no Centro e até na Lapa e Santo André,<br />
grafite de vários loucos como: Guerra de Cores, Master,<br />
Aerosol (Osgemeos e Speto), PAC (Pincel Atômico<br />
Crew) e também Binho e Tinho. Me lembro de juntar<br />
grana com o Serginho (VL – Cartel Central) para comprar<br />
a The Source e a Rap Pages, que eram as únicas<br />
revistas que chegavam pra gente, e nelas havia algumas<br />
matérias específicas sobre grafite art e também uma<br />
seção para o grafite, e assim tive algumas possibilidades<br />
de observar grandes nomes que publicavam seus<br />
trabalhos, pois naquele tempo não tinha internet, loja<br />
ou revistas específicas de fácil acesso, pois só algumas<br />
pessoas detinham a informação. Outro fato importante<br />
foi quan<strong>do</strong> comecei a frequentar a estação São Bento<br />
<strong>do</strong> metrô e fui leva<strong>do</strong> pelos meus amigos Black Dee<br />
(ex-Império Z/O) e o tiozão <strong>do</strong> DU, que é primo <strong>do</strong> fina<strong>do</strong><br />
Zelão. Lá conheci vários caras como me passaram muita<br />
coisa (Ronney Yoyo, Kase Kreator, Bad e muitos outros).<br />
Depois muitas foram as influências e trocas de experiências,<br />
desde quan<strong>do</strong> antes de tu<strong>do</strong> isso a pichação foi<br />
primeiro contato com spray. Os Turcos foi o nome que<br />
levei por vários anos e com a aproximação com a cultura<br />
hip-<strong>hop</strong> meu desenvolvimento foi constante... Ver os<br />
b.boys como meu parceiro Chuim e a Street Son dançarem,<br />
ver os caras de Perus cantarem, como Master Boys
246 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
e DJs André, Hadje (tocan<strong>do</strong> no Inferninho), Malik (que<br />
tocava no Atitude Consciente, atual Cartel Central) até<br />
a formação na época <strong>do</strong> Quilombo H, nossa posse, e da<br />
minha primeira crew, Área 1 e o Sindicato das Tintas,<br />
foram grandes influências para mim e até hoje são!<br />
BUZO: Grafite salva, no senti<strong>do</strong> de resgate<br />
BONGA: Uma vez ouvi o Thaíde falar em uma entrevista: “O<br />
hip-<strong>hop</strong> é um caminho, mas quem busca a saída é você.”<br />
Acredito que o grafite, assim como qualquer expressão<br />
artística séria, pode vir a ser um instrumento de transformação<br />
humana e não só social, mas partin<strong>do</strong> da<br />
transformação <strong>do</strong> indivíduo, pois quem busca a saída<br />
é você mesmo. A expressão, a intervenção, tem que ser<br />
uma ação livre para criar ou contestar, ou não, também<br />
pode ser sem compromisso, vai de cada um... expressar<br />
sua verdade. Mas o que é fato é que o grafite, assim<br />
como a cultura hip-<strong>hop</strong> em geral, vem sen<strong>do</strong> um instrumento<br />
poderoso de transformação cultural e social na<br />
vida de vários jovens, em varias experiências com projetos<br />
pelo país ou em iniciativas individuais ou coletivas<br />
de forma independente ou não. Na verdade, o grafite<br />
é uma grande referência juvenil e muita gente sabe<br />
disso, sen<strong>do</strong> uma possibilidade de mudança ou não ele<br />
vai continuar intervin<strong>do</strong>.<br />
BUZO: Três grandes nomes <strong>do</strong> grafite<br />
BONGA: Difícil, viu, muita gente... Vou por crew, é mais<br />
fácil pra mim... Tats Cru, Love Letters, Mac Crew.<br />
BUZO: Como você vê nos dias de hoje o <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
BONGA: Hoje vejo a cultura hip-<strong>hop</strong> como uma grande<br />
força juvenil da atualidade, pode parecer soberba, mas<br />
acredito que é umas das maiores manifestações artísticas<br />
e revolucionárias que conheço por conta de suas
Grafite<br />
247<br />
ações, atitudes e rebeldia. Podemos falar <strong>do</strong> grande<br />
modismo que exerce e também da questão merca<strong>do</strong>lógica<br />
que o merca<strong>do</strong> fonográfico e os demais observa<strong>do</strong>res<br />
de tendências urbanas viram como possibilidade...<br />
grana, falsa demonstração de poder como uma reafirmação<br />
<strong>do</strong> gueto, ou seja, venda de ilusão e mentiras<br />
em meio a sexismo e capital. Infelizmente, nossa cultura,<br />
a mundialmente conhecida, se tornou assim nos<br />
seus maiores espaços de referências e visibilidade e<br />
muitas vezes de forma negativa se torna uma influência<br />
degradante para jovens no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>. Por outro la<strong>do</strong>,<br />
o hip-<strong>hop</strong> no terceiro mun<strong>do</strong> possui to<strong>do</strong> o conceito de<br />
raiz e originalidade com que foi cria<strong>do</strong>, é uma cultura<br />
que muitas vezes exerce força de mobilização popular<br />
de massa monstruosa, força esta que move uma multidão<br />
por vários lugares da América Latina, África, Ásia.<br />
Hoje essa cultura é uma das maiores referências de<br />
luta juvenil e contestação e também aqui no Brasil não<br />
poderia ser diferente. Se observarmos as várias ações<br />
que existem por aqui, de organizações sejam elas independentes,<br />
institucionalizadas, individuais ou coletivas,<br />
em parceria ou não, temos demonstra<strong>do</strong> grande<br />
força em meio às demandas que o esta<strong>do</strong> ignora e muitas<br />
vezes é ausente.<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> pro futuro<br />
BONGA: É uma pergunta intrigante... Espero que ele<br />
sobreviva e tenha continuidade, pois é nisso que temos<br />
de nos pautar e construir... E para que venha depois<br />
essa molecada que tá vin<strong>do</strong>, esses jovens que possuem<br />
as influências da velha escola como sua referência...<br />
Transformação, resistência, sapiência, autoestima,<br />
identidade, originalidade, qualidade, luta... Continuidade<br />
sempre...
248 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Conheci o Bonga de vários eventos e até já levei ele para<br />
grafitar no Favela Toma Conta, que eu promovo no Itaim<br />
Paulista, mas Dingos é um outro grafiteiro com quem<br />
tenho bastante contato, que conheci no Teatro Franco<br />
Zampari nas gravações <strong>do</strong> Programa Manos e minas,<br />
quan<strong>do</strong> ele me disse: “Buzão, precisa ir em Osasco, faço<br />
um projeto com crianças lá e tem tu<strong>do</strong> a ver.” “O que você<br />
faz”, perguntei. “Sou grafiteiro”, me disse Dingos.<br />
Paguei pra ver e ele me mostrou o Eremin, muito bom,<br />
respeito aos moleques da quebrada e chance de um<br />
futuro mais colori<strong>do</strong>. Falei com Dingos pro livro e ele<br />
me falou com exclusividade em abril de 2010. Vamos ao<br />
bate-papo, porque o assunto é grafite.<br />
BUZO: Defina o que é grafite.<br />
DINGOS: Segun<strong>do</strong> o dicionário da língua portuguesa Aurélio,<br />
a definição da palavra grafite é Min. Grafita. Palavra,<br />
frase ou desenho feito em muro ou parede de local público.<br />
A palavra grafite é de origem italiana e significa “escritas<br />
feitas com carvão”. Os antigos romanos tinham costume<br />
de escrever manifestações de protesto utilizan<strong>do</strong><br />
o carvão para escrever nas paredes de suas construções.<br />
Tratava-se de palavras proféticas, ordens comuns<br />
e outras formas de divulgação de leis e acontecimentos<br />
públicos. Alguns desses grafites ainda podem ser vistos<br />
nas catacumbas de Roma e em outros sítios arqueológicos<br />
espalha<strong>do</strong>s pela Itália.<br />
Quan<strong>do</strong> iniciei as minhas escritas nos muros no ano de<br />
1989 na cidade de Osasco, não sabia ao certo o que eu<br />
estava fazen<strong>do</strong>, ou qual a arte que eu estava representan<strong>do</strong>,<br />
se representava a pichação ou grafite. Muitos<br />
conhecem e escrevem assim e acabam denominan<strong>do</strong><br />
o grafite como algo belo, ou seja, um belo desenho na<br />
parede é grafite! Outra parte da população e policiais<br />
afirmam que desenhos feitos em comércios utilizan<strong>do</strong>
Grafite<br />
249<br />
compressor, pistola e aerografia, isto é grafite! Bom,<br />
essas dúvidas, grilos, definições fui pesquisan<strong>do</strong>, aprenden<strong>do</strong><br />
nas ruas, buscan<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>s, traduções em<br />
jornais da época e não consegui descobrir a definição <strong>do</strong><br />
que é grafite, que ao longo <strong>do</strong>s vinte anos aprenden<strong>do</strong>, e<br />
de muita pesquisa urbana, hoje posso descrever a definição,<br />
que não é precisa ou exata, pois não sou o <strong>do</strong>no<br />
da verdade e muito menos tenho essa pretensão, mas<br />
posso contribuir com minha sincera opinião na qual<br />
cheguei nesse momento.<br />
Grafite são escritas e caligrafias munidas de muitas<br />
expressões, ações, representações periféricas em espaços<br />
públicos, que revelam e despertam o desejo de marcar<br />
e representar os territórios, conten<strong>do</strong> signos, imagens,<br />
técnicas, cores, sentimentos nos muros, sem a<br />
preocupação de rotular e dizer: isso é grafite.<br />
Em minha opinião, o mais importante é fazer o grafite;<br />
a forma ou material utiliza<strong>do</strong> para prática <strong>do</strong> mesmo,<br />
pouco me importa.<br />
Sempre que encontrava outro artista ou escritor de<br />
grafite e que tomava conhecimento <strong>do</strong> meu grafite,<br />
dizia pra mim: “Isso que você faz é estêncil, ou throw-up<br />
(hoje conheci<strong>do</strong> como bomb), ah, isso não é grafite.”<br />
Essas situações deixavam-me cheio de dúvidas. Então<br />
o que faço nas ruas não é grafite Puxa, é brochante<br />
para quem está inician<strong>do</strong> ou pesquisan<strong>do</strong> a respeito,<br />
para as pessoas que estão inician<strong>do</strong> na cena, é necessário<br />
informar e mostrar os caminhos e até mesmo<br />
falar o que é grafite, assim estimular a busca da origem<br />
e o desenvolvimento da arte urbana.<br />
BUZO: Às vezes vejo o grafite caminhar paralelo ao hip-<strong>hop</strong>,<br />
mesmo sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s quatro elementos. Existe isso
e<br />
Grafite
Grafite
252 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
DINGOS: Muitas vezes o grafite segue caminhos diferencia<strong>do</strong>s,<br />
às vezes ocupam espaços em que os demais elementos<br />
ficam de fora, ten<strong>do</strong> como exemplo produção de grafite,<br />
bombardeios, exposições, mutirões. Enxergo o meu<br />
trabalho como um <strong>do</strong>s elementos da cultura hip-<strong>hop</strong>, porque<br />
descrevo assim; ministro oficinas, atuo na periferia,<br />
não gosto de pintar nos grandes centros, faço meu trabalho<br />
nas comunidades e geralmente faço a integração com<br />
os demais elementos: DJs, b.boys e MCs. Represento o<br />
grafite, um <strong>do</strong>s elementos da cultura hip-<strong>hop</strong>. Hoje estamos<br />
batalhan<strong>do</strong> e conquistan<strong>do</strong> espaços <strong>do</strong>s quatro elementos<br />
nas ações educacionais.<br />
Já outros escritores de grafite seguem e fomentam só<br />
o grafite isolan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s demais elementos, é um processo<br />
natural e de escolhas. Também vejo, por exemplo,<br />
o DJ caminhan<strong>do</strong> paralelo ao hip-<strong>hop</strong>, tanto como<br />
MCs ou rappers desenvolven<strong>do</strong> suas técnicas em paralelo,<br />
basta observar os shows de rap, os campeonatos,<br />
as batalhas, isso é relativo e acontece quan<strong>do</strong> não tem<br />
entendimento ou a arte leva para caminhos alternativos.<br />
No ano passa<strong>do</strong>, fizemos uma avaliação junto ao meu<br />
coletivo de grafite e comprovamos que somos os representantes<br />
<strong>do</strong> grafite na cultura ou <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
Também penso que o quinto elemento, o conhecimento,<br />
está inseri<strong>do</strong> no grafite, no MC, no DJ e no b.boy.<br />
BUZO: Como e por que você começou a grafitar<br />
DINGOS: O desenho sempre foi muito presente na minha<br />
infância, quan<strong>do</strong> estava na escola sempre gostei das<br />
aulas de educação artística, as minhas brincadeiras preferidas<br />
eram relacionadas aos desenhos. Aos 9 anos de<br />
idade desenhava na lousa carros, quan<strong>do</strong> fiquei interna<strong>do</strong><br />
por um mês, meus país levavam desenhos ou folhas para<br />
que eu e a minha irmã desenvolvêssemos habilidades
Grafite<br />
253<br />
artísticas, a paciência e tranquilidade. Sempre fui uma<br />
criança muito quieta, não tinha expressão. Por esse<br />
motivo, meus pais levavam-me para consultas psicológicas,<br />
no pinel de Pirituba, passei boas horas nesse local e<br />
minha <strong>do</strong>utora dizia: “Do que você mais gosta Desenhe<br />
na folha”, aí ela fazia suas avaliações.<br />
Em 1991, tive o primeiro contato com o universo <strong>do</strong> grafite,<br />
por ter feito uma pichação no banheiro masculino<br />
na escola, que foi vista pela direção como uma ato de<br />
vandalismo. Como forma de punição fui obriga<strong>do</strong> a participar<br />
de um concurso de grafite, em que me foi forneci<strong>do</strong><br />
o tema “Seca <strong>do</strong> Nordeste”. Para atender aos<br />
requisitos impostos pelo concurso eu deveria elaborar<br />
uma redação e uma apresentação em forma de seminário<br />
para o corpo <strong>do</strong>cente, e como produto final realizar a<br />
pintura no muro da escola.<br />
Obtive a primeira colocação <strong>do</strong> concurso, ten<strong>do</strong> como<br />
prêmio uma medalha e uma entrevista para um jornal<br />
diário da região. Desde então escolhi o grafite para<br />
transformação, expressão, religião, emoção, ação. Vivo<br />
em prol <strong>do</strong> desenvolvimento e da propagação <strong>do</strong> grafite<br />
na cidade de Osasco e por onde eu passo por este país.<br />
Assim consigo expressar meus sentimentos, desejos,<br />
descontentamentos, em relação à desigualdade social,<br />
ao racismo, à ditadura urbana e à censura que habita<br />
em diversos espaços públicos e priva<strong>do</strong>s, ten<strong>do</strong> como<br />
exemplo a lei Cidade Limpa, que devasta obras sem a<br />
preocupação de que forma o escritor, o artista conseguiu<br />
desenvolver a pintura, como conseguiu os sprays,<br />
simplesmente o poder está em mãos erradas!<br />
Por isso que faço grafite.<br />
BUZO: O grafite salva, no senti<strong>do</strong> de resgate
254 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
DINGOS: Salvou a minha vida, mostrou-me possibilidades<br />
reais de que é possível alcançar objetivos, <strong>do</strong>minar as<br />
técnicas de desenho. Quan<strong>do</strong> afirmo que grafite é uma<br />
ferramenta de transformação da realidade <strong>do</strong> indivíduo,<br />
é porque aconteceu na minha vida. Eu não falava<br />
em público, não gostava de estudar, conheci pessoas<br />
envolvidas com o tráfico, furtos, fitas, vários amigos da<br />
minha infância e a<strong>do</strong>lescência que optaram por seguir<br />
esses caminhos se deram muito mal, estão presos ou<br />
foram mortos, processo natural na periferia. Esse tipo<br />
de situação não foi diferente no bairro onde cresci, no<br />
Jardim Piratininga, na cidade de Osasco. Convites para<br />
praticar o crime ou usar drogas sempre aconteciam, a<br />
partir da tomada <strong>do</strong> conhecimento e identificação com<br />
o grafite, mu<strong>do</strong>u toda a minha visão de mun<strong>do</strong>. Sou um<br />
arte-educa<strong>do</strong>r; um pesquisa<strong>do</strong>r; idealiza<strong>do</strong>r; agente<br />
cultural; escritor de grafite; colunista da revista Ollie;<br />
cura<strong>do</strong>r da Expoartsk8 - O novo já nasce velho, exposição<br />
de shapes customiza<strong>do</strong>s por 62 artistas da nova<br />
e velha escola <strong>do</strong> grafite nacional; criei projetos ten<strong>do</strong><br />
como exemplos: cultura urbana, Domingueira Dingueira,<br />
Cidade 100 Violência; conheci lugares maravilhosos,<br />
esta<strong>do</strong>s fantásticos e hoje tenho muitos amigos<br />
em nível nacional e internacional.<br />
BUZO: Três grandes nomes <strong>do</strong> grafite<br />
DINGOS: Grandes nomes <strong>do</strong> grafite nacional. Vou destacar<br />
em primeiro lugar o amigo e padrinho Speto. Minha<br />
relação com o Speto inicia-se no ano de 1997 no lançamento<br />
da revista Fiz, onde conheci e pude estabelecer<br />
uma amizade de longos anos, aprendi e apren<strong>do</strong> muito<br />
com o Speto, ele contribuiu com meu crescimento, muitas<br />
vezes de longe. Em segun<strong>do</strong> lugar agradeço ao Kase<br />
Kreator, atualmente conheci<strong>do</strong> como Kase One, o pioneiro<br />
da velha escola. Bom, conheci esse cria<strong>do</strong>r de
Grafite<br />
255<br />
casos no lançamento da revista Epidemia, uma revista<br />
de grafite idealizada pelo Roney-Yo-Yo.<br />
Convidei o Kase para ingressar no Projeto Viva Cidade,<br />
no qual aprendi a ministrar oficinas de grafite e desenvolver<br />
as minhas letras. Esse mano foi fundamental na<br />
minha vida. Por fim, outro grande nome na minha opinião<br />
é o Gejo, pela sua garra e contribuição na cena <strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong>. Bom, o Gejo, conheci<strong>do</strong> como Maldito, idealiza<strong>do</strong>r<br />
da marca 9370, escritor de grafite, coleciona<strong>do</strong>r<br />
de grandes obras, atualmente se destaca por levantar<br />
a bandeira da arte grátis. Ele organiza o Free Art Festival,<br />
um evento de obras totalmente grátis para o público<br />
presente. As edições aconteceram nas ruas <strong>do</strong> Beco<br />
Escola Aprendiz e na galeria Mônica Figueiras.<br />
BUZO: Como você vê nos dias de hoje o <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
DINGOS: Hoje em dia vejo uma reconstrução <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, um<br />
processo necessário para reciclar os conceitos, programas,<br />
projetos, shows, produções musicais, um debate<br />
produtivo, e como vamos constituir e propor políticas<br />
públicas voltadas para o <strong>movimento</strong> e cultura hip-<strong>hop</strong>,<br />
também percebo uma evolução <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no mun<strong>do</strong>.<br />
Muitos <strong>do</strong>s integrantes da cultura e <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> estão<br />
buscan<strong>do</strong> o conhecimento e o desenvolvimento <strong>do</strong> intelecto,<br />
assim ocupan<strong>do</strong> universidades e provan<strong>do</strong> para a<br />
sociedade que o hip-<strong>hop</strong> é uma ferramenta de transformação<br />
social, é a voz da periferia, a voz <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>, que<br />
é possível a organização em grupo, promoção da autoestima,<br />
estamos cada vez atuan<strong>do</strong> através de associações,<br />
posses, crews, organizações individuais, ou até mesmo<br />
no coletivo. Temos projetos de oficinas, works<strong>hop</strong>s,<br />
blogs, shows, marca que trabalha economia solidária, a<br />
Mucambo no Piauí, temos estúdios de gravação no Fundão,<br />
e produção de muitos CDs independentes, produtoras<br />
de discurso afia<strong>do</strong>, letras revela<strong>do</strong>ras, temos até a
256 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Casa de <strong>Hip</strong>-Hop em Diadema, momentos de reflexões,<br />
segue o Nelsão Triunfo nas batalhas <strong>do</strong>s b.boys, Guetto<br />
Freak e Dynamik Leg’s, rimas e tintas no Rio, a batalha<br />
<strong>do</strong> real trocan<strong>do</strong> ideia em POA, <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong> da<br />
Floresta em Porto Velho, temos a Choque Cultural em<br />
Sampa, a QAZ com seus ilustres artistas, temos escritores<br />
ten<strong>do</strong> como exemplo <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong>, Ferréz, Sacolinha,<br />
Sérgio Vaz entre outros... Temos GOG e Racionais<br />
MC’s, agora chegou a sensação <strong>do</strong> Ceará, o RAPadura...<br />
Temos sites produzi<strong>do</strong>s na unha <strong>do</strong> mano sinistro Mandrake,<br />
temos o Movimento Enraiza<strong>do</strong>s no Rio e a posse<br />
471 na Vila Operária, com o MOF. Tem também o samba<br />
da vela, que representa nossa cultura popular viva, o<br />
hip-<strong>hop</strong> nacional, em memória Sabotage... que presta<br />
homenagem a Dinadi, descanse em paz, Melok, queremos<br />
representar nossa arte nas paredes, deixar com<br />
os escritores de grafite da FC desde 2001, por que não a<br />
pichação, como escrevia o #DI#, pichar é humano! Entre<br />
outras ações e grupos, temos muita evolução ao longo<br />
<strong>do</strong>s anos e um enorme salve para a velha escola <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>!<br />
E ao pai <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, Afrika Bambaataa, viva Zulu Nation,<br />
que ensinou a verdadeira cultura da paz! Viva o hip-<strong>hop</strong>.<br />
BUZO: O que espera <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> para o futuro<br />
DINGOS: Desejo para o futuro <strong>do</strong> nosso hip-<strong>hop</strong> que de fato<br />
ocupe seu verdadeiro lugar, que cada grupo ou crew se<br />
promova, que se propague cada vez mais, que fomente<br />
a cultura hip-<strong>hop</strong>, assim movimenta<strong>do</strong> projetos, não<br />
só nas periferias, mas levar o hip-<strong>hop</strong> para <strong>dentro</strong> das<br />
universidades através de debates, fóruns e seminários<br />
organiza<strong>do</strong>s pelos elementos da cultura hip-<strong>hop</strong>.<br />
Que possamos organizar shows com a qualidade máxima,<br />
produzir uma boa música urbana, pintar e tatuar as ruas,<br />
que os b.boys defendam a original dança de rua, que os<br />
DJs representem os scratches nas quadradas sem perder<br />
o compasso e o MC rime e imprima toda a luta de classe
Grafite<br />
257<br />
e reivindique os direitos pela igualdade de oportunidade.<br />
Vamos revolucionar através <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>, nossas<br />
armas são os microfones, lápis, sprays, vinis, MK2,<br />
livros, conhecimento, moinho de vento, giro de cabeça,<br />
bibibi bi.boy avante e pra sempre!<br />
Espero e desejo um sistema de comunicação nosso,<br />
um canal de TV hip-<strong>hop</strong>, feito por nós e para nós, <strong>do</strong><br />
povo para o povo. Que possamos representar e apresentar<br />
nosso <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>, que possamos invadir<br />
as universidades muni<strong>do</strong>s com nossos conhecimentos<br />
adquiri<strong>do</strong>s nas ruas das grandes periferias<br />
nacionais e internacionais.<br />
Poderíamos falar com mais dez grafiteiros, existem muitos<br />
nomes importantes, mas ficamos com o Bonga e o<br />
Dingos, porque são mais próximos de mim e representam<br />
com certeza a classe.<br />
Eu particularmente sou fã da arte, lembro de ter fica<strong>do</strong><br />
impressiona<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> estive em Salva<strong>do</strong>r-BA, uma<br />
cidade cheia de grafites pelas ruas, achei da hora.
Cap.10<br />
Freestyle
O freestyle é muito presente na nova escola <strong>do</strong> rap<br />
nacional. Nomes de destaque são muitos como MC<br />
Marechal, Emicida, Kamau... Até eventos próprios como<br />
a Rinha <strong>do</strong>s MCs, organizada pelo Criolo Doi<strong>do</strong>, já existem<br />
e só crescem.<br />
Não podíamos deixar de fora desta obra nomes tão<br />
atuais de pessoas que fazem a diferença na cena. Pra<br />
começar, um <strong>do</strong>s maiores destaques, realiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
evento Batalha <strong>do</strong> Conhecimento, no Rio de Janeiro e<br />
com vários segui<strong>do</strong>res. Ele prega o Um Só Caminho...,<br />
que é uma febre, parece religião entre seus segui<strong>do</strong>res.<br />
MC Marechal é um cara empreende<strong>do</strong>r e realiza<strong>do</strong>r, mas<br />
afinal o que vem a ser Um Só Caminho Foi justamente<br />
esta a primeira pergunta que fiz, confira.<br />
BUZO: Explique o que vem a ser Um Só Caminho..., uma<br />
posse<br />
MC MARECHAL: Uma filosofia.<br />
BUZO: Freestyle... um ritmo, um estilo<br />
MC MARECHAL: Expressão <strong>do</strong> sentimento <strong>do</strong> momento.<br />
BUZO: Nos fale de onde veio e pra onde vai<br />
MC MARECHAL: Venho <strong>do</strong> que me foi passa<strong>do</strong>... Meu foco é<br />
continuar in<strong>do</strong> para onde eu possa passar algo. É o ciclo.<br />
260
Freestyle<br />
261<br />
BUZO: Batalha <strong>do</strong> Conhecimento. Nos fale desse corre.<br />
MC MARECHAL: É o projeto que acredito ser necessário<br />
para estarmos à frente das ações, e não apenas <strong>do</strong>s textos<br />
sobre as soluções.<br />
BUZO: Existem produtos Um Só Caminho... como camisetas.<br />
Como você vê o <strong>movimento</strong> usan<strong>do</strong> suas próprias<br />
grifes<br />
MC MARECHAL: Acredito que é natural, pois temos uma linguagem,<br />
e as roupas também passam mensagens.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
MC MARECHAL: O hip-<strong>hop</strong> contribui, as pessoas se salvam.<br />
BUZO: Nos indique, a to<strong>do</strong>s que irão ler este livro, qual é o<br />
caminho pro crescimento <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil<br />
MC MARECHAL: Respeito, responsabilidade, inteligência,<br />
conhecimento, sabe<strong>do</strong>ria e amor.<br />
Parece simples...<br />
Um só caminho...<br />
MC Marechal é referência no assunto, mas não podemos<br />
deixar de destacar outros aqui, que também estão escreven<strong>do</strong><br />
o nome na história, com conquistas e inovação, no<br />
ritmo frenético de uma rima, seja ela de improviso ou<br />
não. Um desses nomes atende por Emicida, com quem já<br />
havíamos fala<strong>do</strong> em capítulo anterior sobre mídia, agora<br />
vem nos falar um pouco da sua luta por um lugar ao sol.<br />
Emicida é o novo, um cara que não vê limites. Na primeira<br />
edição <strong>do</strong> evento Suburbano em Debate, que realizo na<br />
livraria Suburbano Convicto <strong>do</strong> Bixiga, 14 ele disse como<br />
fez sua primeira viagem de avião. Ia disputar umas bata-<br />
14 www.livrariasuburbanoconvicto.blogspot.com
262 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
lhas de freestyle na Cidade Maravilhosa, sem grana.<br />
Um amigo pegou o cartão de crédito da mãe e comprou<br />
passagens aéreas. Foram ele e o Emicida, que até então<br />
era um novato que estava se destacan<strong>do</strong> nas batalhas<br />
em São Paulo, mas no Rio de Janeiro, a informação que<br />
chegou é que o cara ia vir com produtor (o tal amigo) e<br />
chegar de avião, suficiente para tachá-lo de marrento. Aí<br />
ele ficou mais de um mês no Rio, venceu várias batalhas<br />
e assumiu: “Agora posso ser marrento.”<br />
Confira um pouco mais <strong>do</strong> Emicida nesta entrevista<br />
exclusiva para o livro.<br />
BUZO: Emicida virou febre. Como se prepara para isso,<br />
passar a ser o centro das atenções<br />
EMICIDA: Irmão, eu estava ontem trabalhan<strong>do</strong> de pintor<br />
no estúdio que estamos construin<strong>do</strong>, gosto <strong>do</strong> dinheiro<br />
que vem com o monte de trabalho que tenho agora, e<br />
assim posso investir em coisas que sempre acreditei.<br />
É muito bom ser ouvi<strong>do</strong>, mas é como eu já disse,<br />
gosto mais de fazer músicas <strong>do</strong> que de ser famoso. Dar<br />
entrevista é bacana, mas é um lance pra fazer se der<br />
tempo, o lance é fazer música. Estou me organizan<strong>do</strong><br />
e me agilizan<strong>do</strong> pra fazer isso. Hendrix construiu um<br />
estúdio pra ele gravar, se não me engano, registrou<br />
suas coisas. Tenho um ritmo de composição grande,<br />
frenético, vou fazer a mesma coisa pra poder registrar<br />
tu<strong>do</strong>, lançar outros projetos, organizar o selo, ter um<br />
escritório, aproveitar a boa fase das coisas, já que os<br />
negócios são uma montanha russa, e investir pra poder<br />
ter paz em tempos de vacas magras...<br />
BUZO: Aonde pretende chegar<br />
EMICIDA: Com 15 anos prometi pra mim que se chegasse<br />
aos 25 seria alguém, estou no caminho certo...
Freestyle<br />
263<br />
Não sei até onde vou e nem quero saber. Quero chegar,<br />
eu vou in<strong>do</strong> aonde eu conseguir chegar, independente<br />
de onde for. Minha meta será o <strong>do</strong>bro, não existe limite<br />
pra gente como eu...<br />
BUZO: A nova escola se destaca porque nasceu e cresceu<br />
na internet<br />
EMICIDA: Nada nasce na internet além de boatos. A internet<br />
é apenas uma vitrine pra o que está sen<strong>do</strong> feito nos<br />
locais. Alguns grupos com uma musicalidade semelhante<br />
passaram a utilizar este veículo antes de outros,<br />
mas para expor o que já faziam nas ruas. Pergunta pro<br />
Espião se ele começou na internet, a coisa vem de antes,<br />
bem de antes, eu também gravava <strong>do</strong> meu jeito em casa<br />
bem antes de ter computa<strong>do</strong>r, não gosto dessa nomenclatura,<br />
nova e velha escola. Acredito na escola verdadeira,<br />
como Bambaataa falou. Rincon Sapiência, Public<br />
Enemy, Flora Mattos e Racionais pertencem à mesma<br />
escola, a escola verdadeira, Emicida, DMN, Nego Prego<br />
e Doctor MCs, to<strong>do</strong>s são uma única coisa...<br />
BUZO: Você vem <strong>do</strong> freestyle. Qual a grande batalha<br />
que superou<br />
EMICIDA: De onde venho manter-se vivo é a meta, você<br />
tá liga<strong>do</strong>, mano. Inúmeras batalhas são travadas aqui,<br />
alguns inimigos são visíveis, outros não, mas o importante<br />
é não desanimar. Estou vivo e essa é minha<br />
maior conquista, quero mais um dia apenas, um novo<br />
sol. É uma metáfora legal falar de batalhas subjetivas<br />
quan<strong>do</strong> você vive delas e as pessoas esperam que eu<br />
diga “ah, foi contra fulano”, mas a grande verdade é que<br />
ter saí<strong>do</strong> de onde saí, da situação em que estava, concluí<strong>do</strong><br />
meu curso de design gráfico, arruma<strong>do</strong> um bom<br />
emprego e hoje ter a bênção de poder ganhar dinheiro<br />
com o que gosto, se isso for considera<strong>do</strong> uma batalha,<br />
então essa foi a que eu venci.
264 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
BUZO: Como você imagina o hip-<strong>hop</strong> na próxima década<br />
EMICIDA: Forte e nosso! Grande e visionário, com várias<br />
vitórias de hoje pra comemorar amanhã!<br />
BUZO: Pra encerrar, Emicida é...<br />
EMICIDA: Paciente, um mano que quer fazer suas rimas e<br />
curtir sua filha, só.<br />
Particularmente, eu admiro pessoas que rompem barreiras<br />
e levam o hip-<strong>hop</strong> e a literatura marginal para<br />
lugares em que antes não tínhamos chega<strong>do</strong>. Acho que<br />
o Emicida faz um pouco disso.<br />
Mas falar de freestyle e não conversar com Kamau, de<br />
São Paulo, tá mentin<strong>do</strong>. Talento nato, improvisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s<br />
melhores, sempre sorrin<strong>do</strong> e zoan<strong>do</strong> (no bom senti<strong>do</strong>)<br />
os amigos, um cara queri<strong>do</strong> por seu jeito simples e verdadeiro.<br />
Falamos com ele em junho de 2010. Vamos à<br />
entrevista com Kamau.<br />
BUZO: Freestyle, o que representa pra você<br />
KAMAU: É inspiração de momento e demonstração de<br />
habilidade. Sintonia <strong>do</strong> MC com o ambiente. E também<br />
um fator importante na minha ascensão como MC.<br />
BUZO: Importância <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> em sua vida<br />
KAMAU: Toda. Quan<strong>do</strong> eu menos percebi, já dedicava to<strong>do</strong><br />
o meu tempo a isso. Me lapi<strong>do</strong>u como pessoa e é meu<br />
trabalho. Só agradeço e retribuo como posso.<br />
BUZO: Como chegou ao rap, sua trajetória<br />
KAMAU: Ouvin<strong>do</strong> desde os 12. Tive a sorte de conhecer o<br />
Robson, também conheci<strong>do</strong> como DJ Ajamu, e andávamos<br />
juntos de skate. Na casa dele a música era muito<br />
presente graças a seu irmão mais velho, Kleber, também
Freestyle<br />
265<br />
conheci<strong>do</strong> como KL Jay. Minhas principais fontes de<br />
conhecimento musical eram eles e os vídeos de skate.<br />
Mas fui apenas ouvinte por muito tempo, pois era exigente<br />
com tu<strong>do</strong> que ouvia. KL Jay foi quem viu em mim<br />
e me fez ver que eu tinha um potencial não explora<strong>do</strong>. E<br />
desde então me dedico a fazer da melhor forma a música<br />
que admiro e me tornou o que sou.<br />
BUZO: Nova escola, velha escola<br />
KAMAU: Tive o privilégio de conhecer pessoalmente e<br />
acompanhar artistas que estavam no começo da história<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> por aqui. E essa troca de conhecimento<br />
que sempre tive me ensinou bastante. Acredito que haja<br />
uma escola, pois aprendi bastante. Mas não necessariamente<br />
dividida entre velha e nova. Brown é um rima<strong>do</strong>r<br />
atual e atuante e vem da mesma escola que muitos<br />
que já pararam. E eu, por exemplo, muito aprendi com os<br />
mais velhos. E agradeço sempre.<br />
BUZO: <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> salva<br />
KAMAU: Principalmente os que têm a sorte de abrir a<br />
mente por qualquer que seja o elemento mais próximo de<br />
sua vivência. Nem to<strong>do</strong>s podem viver de algum <strong>do</strong>s elementos,<br />
pois o talento de cada indivíduo é diferente. Mas<br />
com certeza o hip-<strong>hop</strong> mostra caminhos que nem to<strong>do</strong>s<br />
enxergam. E pra muitos esses caminhos são a salvação.<br />
BUZO: Como vê o <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong> hoje e o que espera<br />
para o futuro<br />
KAMAU: Vejo que muitos se dedicam mais para fazer o<br />
melhor possível e isso possibilita que alguns vivam da<br />
cultura que fazem. Espero que no futuro existam mais<br />
que aspirantes a grafiteiros, MCs, DJs e b.boys. Espero<br />
que existam profissionais gabarita<strong>do</strong>s em todas as áreas<br />
necessárias para que o hip-<strong>hop</strong> cresça e se fortaleça.
266 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Outro grupo que trabalha de forma diferenciada é o Mzuri<br />
Sana. Entre seus integrantes está o ParteUm, irmão <strong>do</strong><br />
também MC Rappin Hood. Falamos com ele para saber o<br />
que o grupo tem de diferente.<br />
BUZO: Defina o som <strong>do</strong> Mzuri Sana. Seria uma versão<br />
moderna <strong>do</strong> bom e velho hip-<strong>hop</strong>/rap<br />
PARTEUM: Não diria (versão) moderna, ou sau<strong>do</strong>sista. O<br />
resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso som é o acúmulo das influências <strong>do</strong>s<br />
integrantes, sen<strong>do</strong> Suissac um DJ/b.boy, Secreto um<br />
ex-DJ/MC/guitarrista, e eu um MC/produtor/pesquisa<strong>do</strong>r<br />
das tecnologias de produção, entre outras coisas.<br />
Fora isso, até por termos visões convergentes na escolha<br />
de timbres e assuntos aborda<strong>do</strong>s no texto poético,<br />
ainda olhamos a música que fazemos com certa surpresa,<br />
entende Não está tu<strong>do</strong> escrito e defini<strong>do</strong>, isso<br />
ajuda bastante. É batida e rima. Talvez ande por lugares<br />
incomuns, mas é soma de batida e rima como nos tempos<br />
de Kool Herc, Grandmaster Casanova Fly etc.<br />
BUZO: Ser irmão (no seu caso) de um rapper consagra<strong>do</strong><br />
como o Rappin Hood ajuda ou atrapalha<br />
PARTEUM: Não atrapalha, não. Criei meu próprio caminho, fiz<br />
questão disso, mas não atrapalha de jeito nenhum. Tenho<br />
um Jedi por perto pra dizer quan<strong>do</strong> A Força faz curvas.<br />
Pra encerrar, quis saber dele o que perguntei pra maioria<br />
<strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s desta obra e as respostas variam<br />
muito de um pra outro artista. Então vamos saber <strong>do</strong> ParteUm<br />
o que ele espera <strong>do</strong> futuro <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
PARTEUM: Espero que saiamos da caixa que nos foi oferecida<br />
no início de tu<strong>do</strong>. Já éramos multimídia antes mesmo<br />
de o termo ganhar força, <strong>Buzo</strong>. Lançar mixtapes, criar<br />
campanhas de lançamento de disco com pouca verba,<br />
gravar videoclipes (e dirigi-los), criar logotipos, printar<br />
camisetas, formatar programas de rádio e TV com a
Freestyle<br />
267<br />
temática <strong>do</strong> gênero… Qualquer segui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> sabe<br />
disso, mas acho que é chegada a hora de olharmos para<br />
outros estilos musicais, outras artes e assegurar nosso<br />
lugar ao sol, pois hoje em dia emprestamos bem mais <strong>do</strong><br />
que pegamos empresta<strong>do</strong>. A “caixa” ficou muito pequena.<br />
Eu, enquanto artista, espero explicar cada vez menos a arte<br />
que eu faço, para quem não entende de hip-<strong>hop</strong>, é claro.
Conta – Dia das Crianças
Favela Toma Conta – Dia das Crianças
Epílogo<br />
Como escritor e aprendiz de poeta, eu sempre ouvi rap<br />
(90% <strong>do</strong> que eu e minha esposa ouvimos em casa), mas<br />
eu sempre prestei atenção nas letras, nas poesias que<br />
têm, na realidade, nos trechos loucos de vários raps e<br />
grupos que eu admiro, que eu acompanho, que eu já fui<br />
em show, que eu já entrevistei. Ouço um rap pra alegrar<br />
minha alma, um Sabotage, Racionais e tantos outros.<br />
Neste capítulo, trago a to<strong>do</strong>s, pra quem é <strong>do</strong> rap lembrar<br />
e quem não é ouvir (len<strong>do</strong>) pela primeira vez, pedaços de<br />
músicas. Em cima desses trechos podemos escrever crônicas<br />
e contos, só buscan<strong>do</strong> inspiração nesse ou naquele,<br />
fiz muito texto assim, fecho esse mesmo capítulo com um<br />
desses, que fez sucesso no site da revista Caros Amigos e<br />
depois foi reproduzi<strong>do</strong> em vários outros sites e blogs.<br />
Que ao ler esse livro, o rap nacional te traga inspiração<br />
pra vida.<br />
Se antes dele você tinha preconceito, achava que não<br />
era música, pare pra pensar, a hora é esta, este livro. Se<br />
o que você leu até agora não te convenceu, se liga no que<br />
diz a rapa <strong>do</strong> rap.<br />
270
Epílogo<br />
271<br />
“Filho legítimo da periferia e pá.<br />
Se duvidar é só fazer o DNA...”<br />
“FAVELA ATÉ O FIM” – INQUÉRITO<br />
“Se alguém ganhou nessa história foi só seu advoga<strong>do</strong>,<br />
nós continua moran<strong>do</strong> num quartinho aluga<strong>do</strong>...”<br />
“Vive com a frase <strong>do</strong> PM no ouvi<strong>do</strong>: É, minha senhora,<br />
melhor uma viúva <strong>do</strong> que mais um bandi<strong>do</strong>...”<br />
“Seus parceiros de ação nunca te aban<strong>do</strong>naram, até no<br />
cemitério te acompanharam, tá lembra<strong>do</strong> <strong>do</strong> Neguinho,<br />
pelotão de fuga, tá aí <strong>do</strong> seu la<strong>do</strong> em outra sepultura,<br />
e aquele mano que era cata<strong>do</strong>r, linha de frente, tá<br />
enterra<strong>do</strong> numa cova logo ali na frente...”<br />
“DIA DOS PAIS” – INQUÉRITO<br />
“Eles falam de paz, mas o seu íntimo arma uma<br />
emboscada, eles falam de paz... quan<strong>do</strong> não há...”<br />
“ELES FALAM DE PAZ” – DINA DI IN MEMORIAM<br />
“Os irmãos sabe que o crime não compensa, mas é<br />
obriga<strong>do</strong> a viver no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> crime porque não tem outra<br />
saída, né...então...que Deus proteja os irmão que agora<br />
estão na correria, que Deus proteja o povo da periferia...”<br />
“POVO DA PERIFERIA” – NDEE NALDINHO<br />
“Sinto uma grande vontade de chorar,<br />
ven<strong>do</strong> minha mãe aqui, vin<strong>do</strong> me visitar...”<br />
“DIA DE VISITA” – REALIDADE CRUEL
272 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
“Eu não... Sou Rafael 15 e nem a Vera Fisher, 16 a minha<br />
história parceiro é mais triste, eu nunca engoli, escola de<br />
cabelo, mas...já matei pelo crack, por dinheiro...”<br />
“DEPOIMENTO DE UM VICIADO” – REALIDADE CRUEL<br />
“O morro e o asfalto no Rio estão em guerra,<br />
integrantes <strong>do</strong> MST querem terra... a causa é séria, uns<br />
matam e outros morrem por um qualquer, assim que<br />
é... salve-se quem puder.”<br />
“No Sudão matam negos com HK 47, prisão de<br />
Saddam chegou via satélite... Bush... a besta de um<br />
sonho americano, patrocina a <strong>do</strong>r <strong>do</strong> povo iraquiano...”<br />
“O mun<strong>do</strong> se comove, porém... ninguém se move...”<br />
DEXTER: “Aí, GOG, se o Bin Laden pega,<br />
fica ruim pro Alexandre Pires...”<br />
GOG: “Falhou, sujou, a bandeira brasileira,<br />
envergonhan<strong>do</strong> a América Latina inteira, inocência,<br />
oportunismo, ignorância da história... chorou nos<br />
braços de quem tem fama, sem glória... Bush...”<br />
“SALVE-SE QUEM PUDER” – DEXTER. PARTICIPAÇÃO: GOG 17<br />
“Novela ensina <strong>do</strong>na de casa a trair...”<br />
“SALVE-SE QUEM PUDER” – DEXTER<br />
“Mente criativa pronta para o mal,<br />
aqui tem gente que morre até por um real...”<br />
15 Rafael Ilha, ex-Polegar.<br />
16 Vera Fisher, atriz.<br />
17 Sobre o pagodeiro Alexandre Pires ter canta<strong>do</strong> e chora<strong>do</strong> para o<br />
ex-presidente americano George W. Bush.
Epílogo<br />
273<br />
“Garota de 12 anos esperan<strong>do</strong> a Dona Cegonha,<br />
moleque de 9 anos experimentan<strong>do</strong> maconha...”<br />
“Se você tiver coragem vem aqui pra ver, a sociedade<br />
dan<strong>do</strong> as costas para CDD...”<br />
“TRAFICANDO INFORMAÇÃO” – MV BILL<br />
“Igual Zumbi, Malcolm X, exemplo pra citar...”<br />
“SUPERSTAR” – RZO<br />
“Pegar o trem é arrisca<strong>do</strong>, trabalha<strong>do</strong>r não tem escolha<br />
então enfrenta aquele trem lota<strong>do</strong>...”<br />
“Então centenas vão senta<strong>do</strong>s e milhares vão em pé...”<br />
“E várias vezes assisti trabalha<strong>do</strong>r na porta, toman<strong>do</strong><br />
borrachadas, marmitas amassadas, fardas... isso é lei”<br />
“O TREM” – RZO<br />
“A mente é um perigo e vazia é pior...”<br />
“O inimigo tá lá fora, abraçan<strong>do</strong> os irmão, não é na<br />
balada que existe a solução...”<br />
“TEMPO CERTO” – ALERTA VERMELHO<br />
“Fechan<strong>do</strong> junto os progresso de mil grau...”<br />
“To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> junto puxan<strong>do</strong> esse bonde,<br />
nóis tá ciente, chapa quente não se esconde.”<br />
“Pode sobrar lobo mal,<br />
aqui no pé <strong>do</strong> morro é nós que tá...”<br />
“...pro seu filho branco, pro seu filho preto, viven<strong>do</strong><br />
lá no gueto, é pra você que eu falo, somos iguais,
274 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
sem diferença... é claro. Custou muito caro o que eu<br />
aprendi, temos que vencer e ser pretos onde ir...”<br />
“SOPRA LOBO MAU” – GRUPO A FAMÍLIA. PARTICIPAÇÃO EDI ROCK<br />
“Milhões de brasileiros não têm teto, não têm chão,<br />
eu sou apenas mais um na multidão...”<br />
“CASTELO DE MADEIRA” – A FAMÍLIA<br />
“Sabe quanto eu lutei, pra fazer você feliz, eu te<br />
eduquei, não tinha dinheiro, mas te ensinei, a minha<br />
parte eu sei que eu fiz...”<br />
“Chegou esse garoto em sua casa esse dia, com<br />
mistura, sacolas de Danone a reviria.”<br />
“Surpresa sua mãe quan<strong>do</strong> abriu a geladeira, deu<br />
sermão em seu filho, com seu mari<strong>do</strong> a noite inteira:<br />
Da onde você arrumou, que merca<strong>do</strong> você roubou,<br />
nunca te ensinamos isso...”<br />
“Quer coragem então... cheira... com isso aqui você vai<br />
ter coragem pra matar a noite inteira...”<br />
“NAQUELA SALA” – AO CUBO<br />
“Na minha quebrada tem mano dan<strong>do</strong> mancada,<br />
vician<strong>do</strong> a molecada pra andar de carripa importada,<br />
cada um cada um, não sou melhor que você,<br />
mas assim tá erra<strong>do</strong>, ladrão...”<br />
“RASGAR O VERBO” – SPAINY & TRUTTY<br />
“Acostuma<strong>do</strong> a passar por despercebi<strong>do</strong>,<br />
exceto quan<strong>do</strong> estão procuran<strong>do</strong> bandi<strong>do</strong>...”<br />
“ELEGÂNCIA” – RINCON SAPIÊNCIA
Epílogo<br />
275<br />
“O estúdio e a balada é 30 conto...<br />
me responde aí, qual você prefere.”<br />
“Os macaco eram menos burro<br />
e vocês ainda chamam de evolução...”<br />
“HORA DE ACORDAR” – RASHID<br />
“E se a casa <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> fosse no seu coração<br />
e não só em Diadema...”<br />
“E se o Bambaataa em vez de comprar o primeiro disco,<br />
tivesse compra<strong>do</strong> uma breja...”<br />
“E se o Carandiru nunca tivesse si<strong>do</strong> uma prisão<br />
e sim uma creche...”<br />
“E SE” – RASHID<br />
“Estar vivo é uma coisa, se sentir vivo é outra coisa...”<br />
“Não preciso de um boné de 500 conto,<br />
preciso de um boné que eu gosto e pronto...”<br />
“EU TÔ BEM” – EMICIDA<br />
“Sei que não é o trampo que você sempre quis...<br />
mas ter o seu faz-me rir já te faz feliz...”<br />
“A QUEM POSSA INTERESSAR” – KAMAU<br />
“Palmares, o local da nossa redenção,<br />
viver sem corrente, sem escravidão...”<br />
“US GUERREIROS” – Rappin HOOD<br />
“A vida não da boi... se moscar já foi...”<br />
“MOIO” – PENTÁGONO
276 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
“A favela é sinistra, na madrugada, filho da p...<br />
assassino de farda, se ele te vê, tenta correr, de<br />
qualquer forma, se proteger...”<br />
“FAVELA SINISTRA “– TRILHA SONORA DO GUETO<br />
“Não diga pra Deus que você tem um problema...<br />
diga pro seu problema que você tem um Deus maior...”<br />
EXPRESSÃO ATIVA<br />
Vários outros raps poderiam ser cita<strong>do</strong>s aqui, mas finalizo<br />
este capítulo com um texto que escrevi durante a visita <strong>do</strong><br />
papa Bento XVI, pouco depois de uma vinda <strong>do</strong> então (na<br />
época) presidente americano Bush ao Brasil. Texto livremente<br />
inspira<strong>do</strong> num som <strong>do</strong> Facção Central. Escrevi:<br />
Facção Central, papa, Bush...<br />
por <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong><br />
Estava em minha loja, um frio terrível, ouvin<strong>do</strong> um Facção<br />
Central. Na hora que ecoou a música: “Hoje Deus anda de<br />
blinda<strong>do</strong>, cerca<strong>do</strong>, protegi<strong>do</strong>, por dez anjos arma<strong>do</strong>s.”<br />
Não deu para não lembrar da matéria que assisti pela<br />
manhã <strong>do</strong> papa Bento XVI, ele circulou pela cidade de<br />
papamóvel blinda<strong>do</strong>, saiu na sacada (blindada) <strong>do</strong> mosteiro<br />
São Bento, está cerca<strong>do</strong> por bem mais de dez<br />
“anjos” fortemente arma<strong>do</strong>s da Polícia Federal.<br />
Claro que o papa não é Deus, mas para milhões de católicos<br />
espalha<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong> é quem mais se aproxima<br />
dele, ou quem mais o representa na Terra.<br />
Se o papa anda de blinda<strong>do</strong>, saúda o povo em sacada<br />
blindada, então o Facção está certo em cantar que<br />
Deus hoje anda de blinda<strong>do</strong>, cerca<strong>do</strong>, protegi<strong>do</strong> por<br />
dez anjos arma<strong>do</strong>s.
Epílogo<br />
277<br />
Uma pena, porque até o papa tem que se proteger<br />
para ver o povo, só o povo mesmo que anda de alvo<br />
para bala perdida.<br />
Que o papa faça uma oração para que os fiéis que passaram<br />
horas na garoa gelada para vê-lo não peguem um<br />
forte resfria<strong>do</strong>, porque se depender de hospital público<br />
em SP, nem por Deus você é atendi<strong>do</strong>.<br />
Mas deixa o papa pra lá, pregan<strong>do</strong> para o povo não usar<br />
camisinha, acreditan<strong>do</strong> que não é preciso se o povo for<br />
fiel, fidelidade hoje em dia é raridade.<br />
São Paulo é uma metrópole a ponto de explodir, o transporte<br />
público está um caos (o metrô anda lota<strong>do</strong> a qualquer<br />
hora <strong>do</strong> dia, os ônibus e lotações só por Deus), com<br />
tantos problemas os patrões querem o funcionário sorrin<strong>do</strong><br />
às 8 da manhã baten<strong>do</strong> cartão, salário só dá para<br />
sobreviver, por isso que o povo não vai ao cinema, no teatro<br />
então... Diversão de pobre é igreja, boteco e futebol<br />
de várzea, entretenimento é novela e futebol mercenário<br />
na TV. A polícia faz o que quer e o governo diz amém.<br />
De novo lembro o Facção: “A pomba branca tem <strong>do</strong>is<br />
tiros no peito.”<br />
Cabe um MV Bill também: “Pedir paz, sem justiça, é<br />
utopia.”<br />
Enquanto isso os ricos compram na Daslu uma calça que<br />
vale o mesmo que a minha casa.<br />
Lutam pela redução da maioridade penal achan<strong>do</strong> que<br />
vai resolver alguma coisa, de novo Facção: “Não vejo<br />
puto lutan<strong>do</strong> por escola na favela, só pra me trancar e<br />
jogar a chave fora.”<br />
A elite me causa nojo, porque quer exigir, exigir, exigir<br />
e nunca dividir.
278 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Fácil ser certinho de barriga cheia, com sucos, frutas,<br />
cereais, queijos, pães integrais de manhã, churrascaria<br />
ou cantina no almoço e jantar com vinho <strong>do</strong> porto.<br />
Não quero ser chato, nem bater na mesma tecla, mas só<br />
um pouco mais de Facção Central: “Sonhar que o Congresso<br />
vai aprovar leis mais severas é o mesmo que o<br />
deputa<strong>do</strong> atirar na própria testa. Com a Justiça reformulada<br />
não sou eu que estou fodi<strong>do</strong>, é a madame que<br />
vai levar jumbo pro mari<strong>do</strong>. O que me faz roubar é pena<br />
branda, é ver a lata de arroz, sem uma grana.”<br />
Enquanto isso verea<strong>do</strong>res, deputa<strong>do</strong>s ganham um<br />
absur<strong>do</strong> mesmo sem roubar... E ainda roubam.<br />
Enquanto o hip-<strong>hop</strong> marginaliza<strong>do</strong> tenta conscientizar o<br />
moleque da favela, o rico, como diz o Facção: “Prefere gastar<br />
no abrigo antinuclear, no bunker, goma blindada, seu<br />
novo lar. Enriquece a indústria de segurança privada, comprar<br />
colete à prova de bala em vez de <strong>do</strong>ar cesta básica.”<br />
São Paulo está mesmo numa guerra civil não declarada e<br />
quem mais sofre é o pobre, o preto, ou quem está desemprega<strong>do</strong>,<br />
ou está num subemprego, ou caiu no golpe <strong>do</strong><br />
sistema e está no crime.<br />
Aqui é uma cidade onde Deus anda de blinda<strong>do</strong>, cerca<strong>do</strong>,<br />
protegi<strong>do</strong>, por dez anjos arma<strong>do</strong>s. Né, Bento XVI<br />
Mas pelo menos nossos governantes são democráticos,<br />
isso não posso negar, tratam Deus e o diabo de igual para<br />
igual, ou você acha que o Bush também não circulou por<br />
aqui de blinda<strong>do</strong>, com bem mais de dez “anjos” arma<strong>do</strong>s<br />
Salve ao Facção Central, que já foi censura<strong>do</strong> pelo<br />
Ministério Público.<br />
E que Deus tenha piedade <strong>do</strong> povo que não tem blinda<strong>do</strong>,<br />
não anda arma<strong>do</strong> e no caminho <strong>do</strong> trabalho é constantemente<br />
enquadra<strong>do</strong>.
Considerações<br />
finais<br />
Espero que este livro, <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>: <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong>,<br />
possa de alguma forma servir de base para que no futuro<br />
as entrevistas e depoimentos que estão nele sirvam<br />
para corrigirmos erros, e ainda planejar melhor nossas<br />
ações daqui pra frente.<br />
A ideia deste livro nasceu <strong>do</strong> encontro <strong>do</strong> autor, <strong>Alessandro</strong><br />
<strong>Buzo</strong>, e da editora Heloisa Buarque de Hollanda no<br />
Fórum Social Mundial, no começo de 2010 na cidade de<br />
Canoas-RS.<br />
Apesar de ter a pretensão de executar este trabalho,<br />
sabia que não teria como eu ou ninguém escrever a história<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. Então, desde o início sabia que seria um<br />
livro de entrevistas. A Aeroplano, na pessoa da Heloisa<br />
e depois na <strong>do</strong> editor Ecio Salles, deu apoio. Fui à luta.<br />
Foram dias e noites de trabalho, muitos e-mails e encontros,<br />
parte das entrevistas foi feita por e-mail e parte<br />
pessoalmente. O resulta<strong>do</strong> que você acaba de ler marca<br />
uma época, falamos de fatos <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, <strong>do</strong> presente<br />
e ainda perspectivas de futuro promissor (ou não). Eu<br />
acredito no hip-<strong>hop</strong> nacional, e você<br />
Quero destacar que algumas pessoas importantíssimas<br />
para o <strong>movimento</strong> não estão aqui. Seria impossível falar<br />
279
280 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
com to<strong>do</strong>s, alguns não encontrei no perío<strong>do</strong> de produção<br />
da obra, outros ficaram de responder e nunca retornaram<br />
com as respostas, muitos deles por pura falta de<br />
tempo, outras por não <strong>do</strong>minar bem a internet, cada um<br />
com seu motivo, mas acho que quem participou representou<br />
dignamente o <strong>movimento</strong> em nome de to<strong>do</strong>s os<br />
outros.<br />
Só duas pessoas disseram que não queriam participar.<br />
Respeito cada um, no seu cada um.<br />
Não posso deixar de agradecer a cada pessoa que colaborou<br />
com entrevistas e depoimentos, vocês são coautores<br />
desta obra.<br />
Por uma vida com mais cultura, literatura e hip-<strong>hop</strong>.<br />
<strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong><br />
www.buzo.com.br
Anexos
Depoimentos de<br />
pessoas <strong>dentro</strong> e<br />
fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
Procuramos pessoas para saber qual era a importância<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> para a periferia e para a sociedade no geral.<br />
Foram vários depoimentos, alguns de pessoas <strong>do</strong> meio,<br />
rappers, DJs, b.boys, grafiteiros, outros que veem a cena<br />
de fora, como o escritor e roteirista Fernan<strong>do</strong> Bonassi, a<br />
cineasta Tata Amaral e outros.<br />
Esses depoimentos nos dão a dimensão de como o<br />
hip-<strong>hop</strong> é forte, longe de ser moda, não existe moda que<br />
dure mais de 20 anos. Veja o que nos disse o Bonassi.<br />
“A entrada da periferia no cenário social e cultural das<br />
metrópoles brasileiras é o grande fato político da virada<br />
<strong>do</strong> milênio. O hip-<strong>hop</strong>, mais <strong>do</strong> que qualquer outra manifestação<br />
artística, é onde se escrevem e se cantam os<br />
importantes manifestos dessa inclusão irreversível.”<br />
FERNANDO BONASSI - ESCRITOR E ROTEIRISTA<br />
Sentiu o peso das palavras, a importância que o hip-<strong>hop</strong><br />
tem na nossa sociedade Seguimos com uma série de<br />
depoimentos. Leia e tire suas próprias conclusões.<br />
Quanto à minha, acho que não devemos jamais menosprezar<br />
a força <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, afinal a cada dia são novos segui<strong>do</strong>res<br />
e apesar de não ser fácil abrir espaços na mídia, não<br />
tocar em quase nenhuma rádio, quase não ir à TV, o rap<br />
282
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 283<br />
nunca para, nunca vai morrer, porque ele é a maior expressão<br />
<strong>do</strong>s jovens das periferias desse Brasil, ou não<br />
Eu tenho certeza de que sim, e os manos e as minas que<br />
deram os depoimentos, também. Começan<strong>do</strong> por uma<br />
pessoa que ganhou espaço na grande mídia, no cinema<br />
e na música popular brasileira, mas que começou no rap.<br />
Falo da Negra Li, que surgiu no grupo RZO e hoje está nas<br />
paradas de sucesso, mostran<strong>do</strong> que é possível, pra quem<br />
tem talento e disposição pra correr atrás de seus objetivos.<br />
Ela sabe disso, que o rap foi o início de tu<strong>do</strong>, como<br />
podemos conferir no depoimento a seguir.<br />
“O hip-<strong>hop</strong> foi a minha oportunidade <strong>dentro</strong> da carreira<br />
musical. E como sou feliz por isso! Antes de fazer parte<br />
<strong>do</strong> RZO, não conhecia nada de música, muito menos<br />
sobre esse ritmo tão fascinante. Foi lá que aprendi tu<strong>do</strong><br />
sobre o rap, e acima de tu<strong>do</strong> sobre a música... O hip-<strong>hop</strong><br />
foi realmente uma escola pra mim, foi através dele que<br />
descobri que tinha potencial não só pra rimar como também<br />
pra cantar. Aprendi como me posicionar diante <strong>do</strong>s<br />
conflitos. Aprendi a me comunicar! E por causa disso<br />
serei eternamente grata a esse <strong>movimento</strong>, que carrego<br />
aonde quer que eu vá. E nunca vou deixar pra trás, não<br />
importa onde eu esteja.”<br />
NEGRA LI - CANTORA<br />
“Existem nas periferias pessoas <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mau,<br />
branco, negro, qualquer etnia.<br />
Mas alguns jovens que podem estudar um pouco mais<br />
têm essa possibilidade, eles se sobressaem aos seus<br />
irmãos de comunidade, são infelizmente a minoria, já<br />
que a maioria não quer mudar e se acomoda.<br />
Alguns deles usam o hip-<strong>hop</strong> como forma de mudança,<br />
interagin<strong>do</strong> com a família quan<strong>do</strong> adentra ao <strong>movimento</strong>.<br />
Ele usa o hip-<strong>hop</strong> pro bem e tu<strong>do</strong> que vem para a melhoria<br />
das pessoas é benvin<strong>do</strong> e deve receber nossos aplausos.”
284 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
GERSON KING COMBO<br />
REI DA BLACK MUSIC BRASILEIRA<br />
“O hip-<strong>hop</strong> é uma das poucas maneiras que a periferia<br />
tem para se expressar... firmar sua identidade... falar de<br />
suas mazelas... suas angústias... suas alegrias... suas<br />
raízes... e isso de várias formas diferentes... como um<br />
verdadeiro caldeirão cultural... quem não dança (break)<br />
pega o microfone e canta sua poesia (MC) ao balanço<br />
<strong>do</strong>s toca-discos (DJ) ou empunha o jet (grafite) e se<br />
manifesta pon<strong>do</strong> cor na vida.”<br />
TUBARÃO (SP)<br />
WWW.DULIXO13.BLOGSPOT.COM<br />
“Certo, meu chapa, é o seguinte, eu, Tom, líder <strong>do</strong> grupo<br />
Função RHK, vejo a importância <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> na periferia<br />
como uma necessidade, a oportunidade que a periferia<br />
tem, é o remédio para tirar a molecada da rua e <strong>do</strong> crime<br />
e trazer eles de volta ao mun<strong>do</strong> sadio.<br />
Também dar a eles uma oportunidade de aprender uma<br />
profissão e incluí-los no merca<strong>do</strong> de trabalho, exemplo<br />
vivo disso é o próprio Função RHK, que começou como<br />
uma brincadeira de criança e hoje em dia é nossa válvula<br />
de escape, é o nosso trabalho, é a nossa vida, se<br />
não fosse a oportunidade que o hip-<strong>hop</strong> deu pra gente,<br />
seriamos mais uns aí, vítimas <strong>do</strong> sistema, então por isso<br />
que falo e repito, a importância <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> na vida das<br />
pessoas, primeiramente as da periferia, é o remédio pra<br />
to<strong>do</strong> esse mal, é o que pode mudar a disciplina que o<br />
sistema criou pra nós seguir e caminharmos com nossas<br />
próprias pernas e ditan<strong>do</strong> nossas próprias regras.”<br />
TOM – FUNÇÃO RHK (ITAPEVI-SP)
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 285<br />
“O hip-<strong>hop</strong> é o oxigênio cultural nas periferias, embora<br />
poucos queiram assumir. Apesar <strong>do</strong>s funks pornográficos<br />
que invadem os sons e as mentes <strong>do</strong>s jovens, o<br />
hip-<strong>hop</strong> ainda é de um importante papel educativo e de<br />
autoestima pros jovens. Não só jovens, mas também<br />
homens, mulheres, crianças etc.”<br />
RENATO VITAL (SP)<br />
WWW.RENATOVITAL.BLOGSPOT.COM<br />
“Vejo o hip-<strong>hop</strong> como grande influência <strong>dentro</strong> das periferias<br />
<strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, uma cultura mais que rica,<br />
que sempre costumo dizer já salvou várias vidas e vai<br />
continuar salvan<strong>do</strong>, que leva a molecada pro caminho<br />
<strong>do</strong> bem e com um brilho no olhar que mantém essa cultura<br />
viva em vários corações!”<br />
JEFFERSON LEANDRO – TONHÃO (MG)<br />
WWW.TONHAODORAP.BLOGSPOT.COM<br />
“Uma cultura, um estilo de vida, que se iniciou como<br />
festa, protesto e passou a dar um rumo na vida de<br />
milhares de pessoas pelo mun<strong>do</strong> afora. Nem mesmo<br />
quem iniciou imaginaria que o rap tomaria essa dimensão,<br />
fazen<strong>do</strong> parte da vida <strong>do</strong> ser humano com um poder<br />
enorme de transformação, essa cultura tem como base<br />
quatro elementos, e cada elemento tem naturalmente<br />
o la<strong>do</strong> social; rap com suas letras falan<strong>do</strong> de cotidiano,<br />
arte e festa vêm sempre com o objetivo de elevar o pensar<br />
<strong>do</strong> ouvinte dan<strong>do</strong> autoestima, instigan<strong>do</strong> a reflexão<br />
com o tema aborda<strong>do</strong> na letrada música. Muitos jovens<br />
deixaram de ser rebeldes, porque na letra <strong>do</strong> rap passou<br />
uma influência, fazen<strong>do</strong> que deixasse que eu, Zulu<br />
Tiquinho, voltasse a estudar quan<strong>do</strong> minha irmã me<br />
questionou dizen<strong>do</strong>: “Por que escuta isso aí, mas não faz<br />
o que eles dizem” Ela dizia da música <strong>do</strong> Thaíde (“Algo<br />
vai mudar”) quan<strong>do</strong> ele falava: “Ei! Irmão e irmã, vamos<br />
estudar e mostrar que a realidade dá pra se sonhar...”
286 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
ZULU TIQUINHO. SANTA ROSA BREAKERS (GUARUJÁ-SP)<br />
SANTAROSABREAKERS@HOTMAIL.COM<br />
“Moro numa cidade pequena, interior de Sampa, chamada<br />
Porto Feliz. Muitos podem pensar que, por ser<br />
uma cidade com cinquenta e poucos mil habitantes, é<br />
uma cidade pacata, sem muitos problemas sociais. Mas<br />
não é bem assim, tiu...<br />
Biqueiras pipocam por toda cidade, resulta<strong>do</strong> da falta<br />
de emprego digno e de uma educação decente na base,<br />
nas escolas de ensino fundamental e médio.<br />
Um moleque já de 15, 16 anos, sem preparo, sem estu<strong>do</strong>,<br />
(larguei a escola de vez já que achava que não ia precisar<br />
mais trabalhar), sem a presença de um pai (não conheci<br />
meu pai e fui cria<strong>do</strong> pela minha mãe e meus avós); meu...<br />
me perdi rapidinho, mano, iludi<strong>do</strong> com a vida fácil e o<br />
status que o crime proporcionou.<br />
Comecei a usar drogas mais pesadas, o famoso conjunto<br />
da química, que são cocaína, crack etc. E daí pra queda<br />
mesmo foi rapidinho. Fui afasta<strong>do</strong> <strong>do</strong> corre porque<br />
fumava demais, e às vezes fumava mais que ganhava.<br />
Uma vez afasta<strong>do</strong> não tinha como bancar o vício. Comecei<br />
a roubar, fui pego algumas vezes, mas por ser menor,<br />
quem pagava mais pelos meus erros era minha coroinha,<br />
que tinha que me buscar, e muitas vezes era humilhada<br />
pelos porcos que infelizmente fazem parte da polícia <strong>do</strong><br />
esta<strong>do</strong> de São Paulo.<br />
Com o tempo fui perden<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> de importante que<br />
tinha na vida: amigos, família, dignidade e materialmente<br />
falan<strong>do</strong> não tinha bem nenhum, pois até as roupas<br />
eu tinha vendi<strong>do</strong>.
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 287<br />
Aos 17 anos, após minha mãe me ver usan<strong>do</strong> crack e<br />
sofrer um ataque de nervos, pedi para ser interna<strong>do</strong> e<br />
fui atendi<strong>do</strong> por um tio que mora na capital, que sempre<br />
me amparou nos momentos difíceis e que eu tenho<br />
como um anjo envia<strong>do</strong> por Deus pra me proteger e<br />
me manter no caminho.<br />
Com o início <strong>do</strong> tratamento, comecei a perceber o<br />
quanto inverti os meus valores, comecei a perceber o<br />
meu lugar no mun<strong>do</strong>. Me foquei em recuperar as perdas<br />
e voltei a fazer coisas que havia para<strong>do</strong>, como usar<br />
a música, no caso o rap, como terapia. Já tinha participa<strong>do</strong><br />
de alguns ensaios com grupos de rap e cheguei<br />
a me apresentar em público, mas sem levar a sério, só<br />
por diversão. Mas conhecia o bastante para saber o<br />
poder transforma<strong>do</strong>r <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>.<br />
Passa<strong>do</strong>s alguns meses, deixei de só ouvir o rap nas<br />
minhas horas de terapia pessoal e passei a escrever<br />
minhas letras. Convoquei o Jotapê, meu parceiro desde<br />
sempre, mas que havia se afasta<strong>do</strong> pela minha situação<br />
como usuário de crack, para que juntos montássemos<br />
um grupo de rap. Chamamos mais <strong>do</strong>is parceiros,<br />
o Gedeão e o DJ Sansão, e logo que saí começamos os<br />
ensaios <strong>do</strong> grupo Perigosos na Trilha, que deu origem à<br />
Banca Anti-Sistema, formada por nós e mais um grupo<br />
forma<strong>do</strong> por incentivo nosso, o Mensageiros <strong>do</strong> Rap, e<br />
de um grafiteiro, o Elton aka “Gênio”. Os corres foram<br />
evoluin<strong>do</strong> e muito aconteceu desde lá; poucos permaneceram<br />
no hip-<strong>hop</strong>, mas quem permaneceu se afastou<br />
<strong>do</strong> crime, da química e hoje trabalha, estuda, constituiu<br />
suas famílias. Eu e o Jotapê continuamos e um ano atrás<br />
fundamos outra posse, a Família Pic Favela, para acabar<br />
com as desavenças e desunião entre os grupos de<br />
rap da cidade, mas que nos surpreendeu e continua nos<br />
surpreenden<strong>do</strong> pelo número de resulta<strong>do</strong>s positivos
288 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
que temos obti<strong>do</strong>, tais como a participação no Fórum<br />
de <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> Interior, onde fazemos parte <strong>do</strong> Grupo<br />
de Trabalho e Organização, o resgate de pessoas que se<br />
encontravam na mesma situação pela qual eu passei, e<br />
hoje estão militan<strong>do</strong> com a gente, em pé, gravan<strong>do</strong> suas<br />
músicas, participan<strong>do</strong> das oficinas e tu<strong>do</strong> mais e a indicação<br />
de um de nós, este humilde rapper que vos fala,<br />
como o primeiro assessor municipal para Igualdade<br />
Racial da cidade de Porto Feliz.<br />
E essa é só mais uma de várias histórias de transformação<br />
social e comportamental que o hip-<strong>hop</strong> tem<br />
escrito por este mundão. Eu fui resgata<strong>do</strong> e sou salvo<br />
a cada dia por esse <strong>movimento</strong>, essa cultura que Deus<br />
colocou no meu caminho, para que eu me levantasse e<br />
passasse esse aprendiza<strong>do</strong> adiante, para assim continuarmos,<br />
to<strong>do</strong>s juntos, fazen<strong>do</strong> a revolução, que sempre<br />
começa <strong>dentro</strong> de cada um...”<br />
CORVO<br />
FAMÍLIA PIC FAVELA<br />
U1000DRAP@HOTMAIL.COM<br />
“Há 15 anos, conheci o hip-<strong>hop</strong>, porra... arrepia até de<br />
lembrar, mudei pra Itaquera (Zona Leste de São Paulo) e<br />
conheci um pessoal que tinha uma equipe de som, onde<br />
a febre era ser DJ. Com os caras conheci as músicas<br />
ainda, mas quem diria que isso tu<strong>do</strong> ia entrar na minha<br />
vida e se tornar algo que por muitas vezes pensei em<br />
viver sem, mas não consegui<br />
Quantas vezes pensei em parar, que não ia dar certo<br />
essas coisas, mas não deu, parece que falta algo <strong>dentro</strong><br />
da gente, um vício que não consigo me libertar.<br />
Um amor que a cada letra escrita, cada som escuta<strong>do</strong>,<br />
cada matéria feita e cada reconhecimento... me<br />
deixa feliz, feliz a ponto de levar minha filha de 15 dias
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 289<br />
e minha mulher de resguar<strong>do</strong> pra Mogi Guaçu pra não<br />
deixar minha mulher em casa sozinha e não deixar de<br />
cantar 25 minutos, feliz a ponto de deixar de pagar o<br />
aluguel de casa pra consegui pagar o estúdio, mesmo<br />
saben<strong>do</strong> que poderia ficar sem casa, mas pra que uma<br />
casa se o rap é minha estrutura”<br />
GORDINHO – GRUPO PRIMEIRO ATO<br />
PRIMEIROATO@HOTMAIL.COM<br />
“Pra mim, mano, a importância <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> é praticamente<br />
tu<strong>do</strong>, como se fosse uma filosofia de vida, o hip-<strong>hop</strong> eleva<br />
minha autoestima nos dias de fúria, um vício, tá liga<strong>do</strong><br />
Quan<strong>do</strong> estou na neurose, ouço um bom rap, aí fico suave.<br />
Como te falei, o hip-<strong>hop</strong> é tu<strong>do</strong> para mim.”<br />
TIOPAC<br />
CINEASTA DA CIDADE TIRADENTES<br />
TIOPAC_LEE@HOTMAIL.COM<br />
Trouxemos um depoimento da Argentina, só para mostrar<br />
que em outros países o hip-<strong>hop</strong> também enfrenta resistência.<br />
Convocamos a amiga Lucía Tennina, que mora em<br />
Buenos Aires. Vejamos como é o hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong>s hermanos.<br />
Um panorama da cultura hip-<strong>hop</strong> em Buenos Aires,<br />
Argentina:<br />
“Rapear me hizo aprender ganar respeto entre la gente.”<br />
LA FAMILIA ILUMINATE<br />
“As músicas populares na Argentina têm si<strong>do</strong> pensadas,<br />
mais de uma vez, como espaços simbólicos de resistência<br />
político-cultural. É o caso, por exemplo, <strong>do</strong> rock<br />
durante a última ditadura militar (1976-1983), onde, por<br />
meio da possibilidade metafórica das letras, se transluzia<br />
uma análise da situação de repressão, perseguição
290 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
e assassinato político. Nos anos 1990, começaram a se<br />
escutar discursos mais urgentes e mais explícitos, articula<strong>do</strong>s<br />
dessa vez não a partir de vozes de artistas da<br />
classe média, mas <strong>do</strong>s setores juvenis populares urbanos<br />
que expressam nas letras, no tom e nos <strong>movimento</strong>s<br />
os efeitos emocionais de raiva e <strong>do</strong>r, produto das transformações<br />
atrozes que a política neoliberal levou a cabo.<br />
Muitas são as estéticas que foram se articulan<strong>do</strong> desde<br />
então, cada uma das quais codificou, com variada ênfase<br />
e características formais específicas, o universo <strong>do</strong>s bairros<br />
populares. Dentro da diversidade de gêneros musicais<br />
e jeitos de “ser”, o hip-<strong>hop</strong>, estética escolhida por muitos<br />
setores subalternos de várias regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, adquiriu<br />
um papel na cena. Porém, a diferença com outras manifestações<br />
artísticas populares que foram se forman<strong>do</strong> na<br />
década anterior, o hip-<strong>hop</strong> começa a se diferenciar nos<br />
últimos anos. “Tenho 23, comecei a dançar faz dez anos.<br />
O agito já tinha começa<strong>do</strong>, mas a gente saía de casa em<br />
calças largas e o pessoal <strong>do</strong> bairro olhava como se fosse<br />
um palhaço. Hoje a gente já é identificada”, diz numa<br />
conversa comigo Laura Zapata, uma ótima dançarina de<br />
hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> bairro de Boulogne, na Zona Norte de Buenos<br />
Aires, que faz sete anos trabalha em parceria com dançarinas<br />
da área contemporânea, forma<strong>do</strong>s em instituições<br />
reconhecidas da Argentina e <strong>do</strong> estrangeiro.<br />
O hip-<strong>hop</strong>, pouco a pouco, foi conseguin<strong>do</strong> espaços de<br />
expansão e expressão, mas com grandes dificuldades,<br />
maiores <strong>do</strong> que para outros tipos de manifestações artísticas.<br />
Uma linguagem que precisa de espaços para a sua<br />
dança, os seus jogos, as suas competições, verbais ou<br />
físicas, demanda um lugar de unificação. E a grande marca<br />
<strong>do</strong>s anos 1990 na Argentina poderia se dizer que foi a aniquilação<br />
<strong>do</strong> espaço público por meio da privatização e <strong>do</strong><br />
gradea<strong>do</strong>. Mas a cultura da rua desenhou as suas próprias<br />
estratégias que lhe imprimiram suas marcas ou locais ou
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 291<br />
conjunturais. O hip-<strong>hop</strong>, por sua parte, foi se conforman<strong>do</strong><br />
como uma manifestação que não se centrou unicamente<br />
nos bairros <strong>do</strong>s subúrbios de Buenos Aires, tal como aconteceu<br />
no início nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, ou nas posteriores<br />
modulações brasileiras. A improvisação de fugazes lugares<br />
de prática que escapam, ao menos um instante, ao<br />
controle oficial <strong>do</strong> “estar” nas ruas fez com que as áreas<br />
centrais da cidade também se incluíssem no reduzi<strong>do</strong><br />
leque de opções. Neste senti<strong>do</strong>, mesmo que os primeiros<br />
impulsos deste <strong>movimento</strong> tenham explodi<strong>do</strong> nos bairros<br />
(o espaço Crear Vale la Pena, no bairro La Cava, por exemplo),<br />
os jovens da classe média deixaram sua impressão na<br />
forma atual <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> em Buenos Aires. Devi<strong>do</strong> à mobilidade<br />
obrigada <strong>do</strong>s interessa<strong>do</strong>s nessa estética, pode se<br />
pensar que o nascimento <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> na classe média e<br />
nos setores humildes são processos paralelos.<br />
A partir <strong>do</strong>s setores mais abasta<strong>do</strong>s, durante os anos<br />
1990 fez-se sentir com sucesso um estímulo na escuta<br />
<strong>do</strong> sons <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. Dois conjuntos musicais ideologicamente<br />
opostos marcaram um novo caminho na história<br />
oficial <strong>do</strong> rock nacional. Por um la<strong>do</strong>, o grupo Illya<br />
Kuryaki and The Valderramas, lidera<strong>do</strong> pelo filho de<br />
um famoso músico <strong>do</strong>s anos 1970, veio a oferecer uma<br />
paródia <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> norte-americano, mobilizan<strong>do</strong> não<br />
os ideais políticos, mas somente os corpos e as modernas<br />
roupas <strong>do</strong>s jovens nas festas privadas ou discotecas<br />
<strong>do</strong>s bairros centrais. Na vereda oposta, entre os setores<br />
médios vítimas da última ditadura militar, a linguagem<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> abre por esses anos um espaço fértil de<br />
denúncia e resistência na voz de um conjunto musical,<br />
Actitud María Marta, forma<strong>do</strong> por três mulheres que,<br />
paralelamente ao nascimento <strong>do</strong> grupo e à atuação em<br />
cenários under de Buenos Aires, militavam na agrupação<br />
H.I.J.O.S. (agrupação de direitos humanos formada<br />
no ano de 1996, que nucleia filhos de pessoas “desaparecidas”<br />
ou exiladas durante os anos da ditadura).
292 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
A respeito das formas mais populares <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, ainda<br />
que desde fins <strong>do</strong>s anos 1990 circulassem de mão em<br />
mão fitas com gravações estadunidenses, o aspecto<br />
de luta e identidade que define o gênero desde o início<br />
começa a adquirir uma voz própria, principalmente nos<br />
últimos anos desta década. Cada vez mais existem textualidades,<br />
que se manifestam explicitamente na linguagem<br />
musical, cuja afirmação se centra na questão<br />
da identidade, da luta e da diferenciação em relação aos<br />
setores <strong>do</strong>minantes. Conjuntos musicais como Iluminate,<br />
FA, Clan Oculto, Los Ñeris del Docke apontam principalmente<br />
à construção identitária, já desde os nomes<br />
de cada um deles que remetem quase to<strong>do</strong>s ao bairro ou<br />
“villa” (favela) da origem <strong>do</strong>s integrantes: Fuerte Apache,<br />
Ciudad Oculta, Dock Sud. As letras das músicas também<br />
funcionam como um elemento de união a partir <strong>do</strong> relato<br />
de vivências comuns <strong>do</strong>s “monoblokeros” 18 ou <strong>do</strong> pessoal<br />
da “villa”, <strong>do</strong> relato das injustiças, das <strong>do</strong>res, <strong>do</strong> maltrato<br />
policial e da delinquên cia, entendida como efeito inevitável<br />
das condições sociais desamparadas. Os vídeos<br />
musicais contribuem para a territorialização da palavra<br />
<strong>do</strong> rapper: as caminhadas pelos becos e vielas, os panoramas<br />
da paisagem <strong>do</strong> bairro, os planos <strong>do</strong>s vizinhos, o<br />
reflexo <strong>do</strong> dia a dia. To<strong>do</strong>s vídeos filma<strong>do</strong>s de maneira<br />
caseira e difundi<strong>do</strong>s principalmente pela internet.<br />
O hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong>s bairros se posiciona inicialmente frente<br />
e contra os mecanismos despolitiza<strong>do</strong>res e massifica<strong>do</strong>res<br />
da indústria cultural, e pretende disparar relatos<br />
mobiliza<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s preferi<strong>do</strong>s valores da classe média.<br />
Relatos que fazem pular da cadeira as mulheres que<br />
estão assistin<strong>do</strong> ao noticiário da tarde, onde se mostra<br />
um informe feito por um jornalista que passou “o<br />
18 Alguns bairros humildes <strong>do</strong>s subúrbios da cidade de Buenos Aires têm<br />
grandes prédios chama<strong>do</strong>s “monobloks”, além <strong>do</strong>s barracos (“casillas”) que<br />
estão ao re<strong>do</strong>r, geralmente.
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 293<br />
dia to<strong>do</strong>” com “os jovens que falam de drogas, de delito,<br />
contra a polícia; jovens que muitos deles também têm<br />
armas”. O cúmulo <strong>do</strong> escândalo desta manifestação<br />
artística, segun<strong>do</strong> o senti<strong>do</strong> comum midiático, se alcança<br />
porque o hip-<strong>hop</strong> não teria nada a ver com a “essência”<br />
argentina, nem latino-americana, seria uma “má cópia”<br />
das produções norte-americanas, sempre tão aduladas<br />
pelo sentimento de inferioridade <strong>do</strong>s monopólios midiáticos<br />
argentinos frente ao “primeiro mun<strong>do</strong>”.<br />
De qualquer maneira, apesar da construção negativa por<br />
parte <strong>do</strong>s meios de comunicação, a partir de um grupo<br />
de artistas institucionaliza<strong>do</strong>s, estão se dan<strong>do</strong> os primeiros<br />
passos democratiza<strong>do</strong>res, legitiman<strong>do</strong> aquilo<br />
que não pode ser legítimo para o ponto de vista da <strong>do</strong>minação.<br />
O hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong>s bairros está começan<strong>do</strong> a entrar<br />
nos circuitos culturais das classes médias. O grupo FA,<br />
por exemplo, lançou no ano 2009 um vídeo musical <strong>do</strong> El<br />
mun<strong>do</strong> al revés, realiza<strong>do</strong> pelo mundialmente reconheci<strong>do</strong><br />
diretor de cinema Pablo Trapero. No marco <strong>do</strong> festival<br />
Cultura Emergente, efetua<strong>do</strong> durante cinco dias no<br />
Centro Cultural Recoleta, num <strong>do</strong>s bairros mais caros da<br />
cidade, um <strong>do</strong>s cenários dedica tempo completo à exibição<br />
de expressões da estética hip-<strong>hop</strong>, sobre a coordenação<br />
e organização da reconhecida coreógrafa e dançarina<br />
Andrea Servera. O grafite também ganhou espaço no<br />
Centro Cultural de Espanha, onde no mês de maio de 2010<br />
se montou uma exposição centrada nessa linguagem.<br />
O hip-<strong>hop</strong> está começan<strong>do</strong> a adquirir um lugar indiscutivelmente<br />
atrativo entre os artistas e o público<br />
<strong>do</strong>s setores médios. A partir desses novos vínculos, a<br />
relação de <strong>do</strong>minação, por um momento, muda radicalmente,<br />
e esses moleques que estavam joga<strong>do</strong>s nas<br />
praças e ruas por praticar suas danças e jogos são<br />
admira<strong>do</strong>s sobre o cenário por um monte de olhares
294 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
e orelhas habituadas principalmente aos <strong>movimento</strong>s<br />
da dança contemporânea e aos sons da música experimental.<br />
O apoio governamental neste tipo de evento,<br />
de qualquer maneira, é nulo, o que faz que não se consiga<br />
ainda uma continuidade de trabalho.<br />
O contato <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> <strong>do</strong> bairro com os artistas forma<strong>do</strong>s<br />
em instituições legitimadas modifica também as<br />
expressões originais. Laura Zapata, por exemplo, uma<br />
dançarina e musicista que diz “estar na luta <strong>do</strong>s bairros<br />
baixos” e que se move pela necessidade de “cuspir um<br />
pouco o que a gente sente diante da situação de pobreza<br />
e violência”, vai apresentar no próximo festival Cultura<br />
Emergente uma performance que mistura o hip-<strong>hop</strong><br />
com técnicas de dança contemporânea. No que diz respeito<br />
à música, nos últimos tempos está se começan<strong>do</strong><br />
a escutar uma fusão de texturas sonoras singulares<br />
com uma base “rapera”. Assim, no início da música 500<br />
anos, de Iluminate, pode se distinguir um fun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s ritmos<br />
<strong>do</strong>s povos originais <strong>do</strong> norte de Argentina (que harmoniza<br />
com a temática indígena da letra). Ou, na música<br />
Evolución constante, de Frescolate, se ouve uma tonalidade<br />
<strong>do</strong> tango.<br />
Isto que acontece em Buenos Aires está ocorren<strong>do</strong>,<br />
segun<strong>do</strong> grande parte <strong>do</strong> pessoal <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, no país<br />
to<strong>do</strong>. O hip-<strong>hop</strong> na Argentina está movimentan<strong>do</strong>-se,<br />
abrin<strong>do</strong> espaços, mostran<strong>do</strong> corpos, contan<strong>do</strong> histórias<br />
e ativan<strong>do</strong> o diálogo entre diferentes linguagens.<br />
Sem deixar de falar das diferenças, o hip-<strong>hop</strong> está significan<strong>do</strong><br />
e ressignifican<strong>do</strong> a realidade argentina numa<br />
linguagem universal que tem a marca da resistência.”
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 295<br />
Alguns links:<br />
FA com Pablo Trapero<br />
http://www.youtube.com/watchv=uahyfkWArnl<br />
Así soy yo Clan Oculto<br />
http://www.youtube.com/watchv=3sb9V3YN3Nk<br />
LasvillasdelDocke Los Ñeris del Docke<br />
http://www.youtube.com/watchv=XWMfcNoUXNs<br />
La Familia Iluminate<br />
http://www.youtube.com/watchv=zqsExMXIq5I<br />
Nikko Ramírez dança hip-<strong>hop</strong> + tango<br />
http://www.youtube.com/watchv=WKh63hgvFyk<br />
O rap segun<strong>do</strong> a mídia<br />
http://www.youtube.com/watchv=7yxkf7hmj8w<br />
Agradecimentos especiais: Gonzalo Aguilar (pela ajuda<br />
sempre e pela indicação <strong>do</strong> espaço público nos anos<br />
1990), Andrea Servera (pela informação e os contatos),<br />
Laura Zapata (pela conversa, a ajuda e a sua arte), Nikko<br />
Ramírez (pela conversa, também, a informação e os<br />
e-mails), <strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong> (pela confiança).<br />
LUCÍA TENNINA, BUENOS AIRES, ARGENTINA. MAYO 2010<br />
Deixei um depoimento <strong>do</strong> rapper de São Bernar<strong>do</strong> de<br />
Campo, Walter Limonada, para encerrar. Afinal, em<br />
tempos em que pessoas ainda não conseguem simplesmente<br />
responder uma entrevista por e-mail, vale a<br />
pena o depoimento dele, afinal nossa amizade começou<br />
antes de termos acesso à internet e trocávamos cartas<br />
e fanzines pelo correio.<br />
Se liga na participação de nosso último convida<strong>do</strong>, o<br />
lemon amigo Walter Limonada.
296 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Amizade e correrias, <strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>!<br />
Firmeza total!<br />
Minha Amizade com o Buzão vem de numa época em<br />
que nos comunicávamos via cartas (Correios). Pois<br />
não tínhamos essas paradas de e-mails, blogs e sites.<br />
Mas essa dificuldade aju<strong>do</strong>u bastante, pois só corria<br />
junto quem tinha força de vontade mesmo. E, no<br />
decorrer <strong>do</strong> caminho, nos aliamos a vários alia<strong>do</strong>s(as)<br />
verdadeiros(as), por to<strong>do</strong> este Brasilzão afora. Produzimos<br />
e participamos das mais variadas formas artísticas<br />
<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong>, pelas periferias<br />
brasileiras. Então, quan<strong>do</strong> tivemos acesso à internet,<br />
já tínhamos uma vivência mais enraizada.<br />
Contei um pouco da minha amizade com o Buzão pra<br />
mostrar que o hip-<strong>hop</strong> fez a gente correr atrás de mais<br />
conhecimentos, ler e escrever livros, poesias, fanzines<br />
e até multimídia, pois, agora estamos produzin<strong>do</strong><br />
nossos próprios filmes, <strong>do</strong>cumentários e músicas. E,<br />
se a gente tá conseguin<strong>do</strong>, to<strong>do</strong>s podem, com certeza.<br />
Tu<strong>do</strong> é uma questão de conscientização!!! Hoje o <strong>movimento</strong><br />
hip-<strong>hop</strong> provou que é extremamente cultural.<br />
Há várias oficinas de DJ, MC, break e grafite nas escolas<br />
periféricas, além das oficinas de roda de leitura,<br />
fanzine e criação de textos e contos.<br />
Peraí... Bateu um sau<strong>do</strong>sismo... Ah, Como eu gostaria<br />
que já existissem essas oficinas culturais na época em<br />
que eu era estudante ginasial, pois tenho certeza de<br />
que muitos de meus amigos estariam vivos.<br />
Mas continuo sen<strong>do</strong> um cara otimista, acredito que apesar<br />
das dificuldades que to<strong>do</strong> jovem periférico enfrenta<br />
no dia a dia, a fé, a disposição e a determinação superam<br />
qualquer tipo de dificuldade. E o <strong>movimento</strong> hip-<strong>hop</strong> taí
Depoimentos de pessoas <strong>dentro</strong> e fora <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> 297<br />
pra isso, diversão, protesto e autoestima na vida de<br />
um jovem periférico.<br />
PAZ!!!<br />
WALTER LIMONADA<br />
SÃO BERNARDO DO CAMPO-SP
Os manos e as minas<br />
Dário<br />
Porte Ilegal-SP<br />
Dário é muito conheci<strong>do</strong> no universo <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, <strong>do</strong>no da<br />
Porte Ilegal, ele distribuiu a maioria <strong>do</strong>s discos de rap<br />
por anos. A Porte Ilegal também lançou alguns deles.<br />
Em viagens pelo Brasil, já vi o logo da Porte Ilegal até<br />
tatua<strong>do</strong> na pele de um mano em Goiás.<br />
Nelson Triunfo<br />
SP<br />
Nelsão é um <strong>do</strong>s pioneiros <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil. Fazia<br />
parte <strong>do</strong>s que dançavam break na rua 24 de Maio. Como<br />
viviam sen<strong>do</strong> impedi<strong>do</strong>s pela polícia de dançar no local,<br />
migraram pro Largo São Bento, conheci<strong>do</strong> como “Berço<br />
<strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>”. Nelson Triunfo faz parte <strong>do</strong> grupo Funk &<br />
Cia, e hoje faz palestras e shows acompanha<strong>do</strong> de alunos<br />
e de seus filhos.<br />
Alexandre de Maio<br />
SP<br />
Por anos foi editor de revistas de hip-<strong>hop</strong> Rap Brasil,<br />
Graffitti, Rap News, Cultura <strong>Hip</strong>-Hop e Planeta <strong>Hip</strong>-Hop.<br />
Fez a arte de muitos encartes de CDs de rap. Hoje trabalha<br />
no site Catraca Livre e fez a assessoria de imprensa<br />
<strong>do</strong> Prêmio Cultura <strong>Hip</strong>-Hop <strong>do</strong> MinC.<br />
REVISTARAPBRASIL@HOTMAIL.COM<br />
298
Os manos e as minas<br />
299<br />
DJ Cia<br />
RZO-SP<br />
DJ Cia é <strong>do</strong> lendário grupo RZO (Rapaziada da Zona<br />
Oeste). Em carreira solo, faz apresentações em festas<br />
por to<strong>do</strong> o país e até em carreira internacional. Também<br />
é DJ <strong>do</strong> Big Ben Bang Johnson, reunião de rappers, entre<br />
eles Mano Brown.<br />
Rappin Hood<br />
SP<br />
Rappin Hood formou com Johnny MC o Posse Mente<br />
Zulu. Já na carreira solo lançou <strong>do</strong>is álbuns, Sujeito<br />
Homem I e II. Gravou com músicos de outros gêneros,<br />
como Leci Brandão, Caetano Veloso, Gilberto Gil,<br />
Jair Rodrigues, entre outros.<br />
Apresenta há anos o programa Rap Du Bom na Rádio<br />
105FM, e hoje é vice-presidente da Escola de Samba<br />
Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Ipiranga.<br />
Markão II<br />
DMN-SP<br />
Markão II é integrante de um <strong>do</strong>s principais grupos<br />
de rap <strong>do</strong> país, o DMN.<br />
Hoje, além <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, é assessor político e trabalha<br />
com o verea<strong>do</strong>r Netinho de Paula.
300 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Thaíde<br />
SP<br />
Thaíde formou a inesquecível dupla Thaíde e DJ Hum. Já<br />
em carreira solo, lançou o albúm Thaíde apenas. É um<br />
<strong>do</strong>s pioneiros <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Brasil.<br />
No cinema e na TV estrelou Antônia, apresentou o YO!<br />
MTV Raps, o Manos e minas na TV Cultura, e atualmente<br />
é um <strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> programa A liga da Band.<br />
Cleber<br />
Ao Cubo-SP<br />
Integrante <strong>do</strong> grupo Ao Cubo. O grupo lançou <strong>do</strong>is álbuns:<br />
Respire fun<strong>do</strong> e Entre o desespero e a esperança. Tem<br />
produzi<strong>do</strong> videoclipes de algumas músicas.<br />
CLEBER@AOCUBO3.COM<br />
Tio Fresh<br />
SP Funk-SP<br />
O grupo <strong>do</strong> qual Tio Fresh é integrante está há muitos<br />
anos na correria <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>. Hoje, Tio Fresh tem também<br />
organiza<strong>do</strong> alguns eventos, entre outras atividades.<br />
Toni C<br />
SP<br />
Militante, Toni C faz parte da Nação <strong>Hip</strong>-Hop. Lançou<br />
os livros <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> a lápis e Literatura <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>, ambos<br />
que organizou com vários autores.
Os manos e as minas<br />
301<br />
Produziu e dirigiu o <strong>do</strong>cumentário É tu<strong>do</strong> nosso! com três<br />
horas de duração e com muitas pessoas <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no<br />
Brasil e até em outros países da América <strong>do</strong> Sul.<br />
Crônica Mendes<br />
SP<br />
O rapper e compositor Crônica Mendes, integrante <strong>do</strong><br />
grupo A Família, o primeiro grupo a lançar um videoclipe<br />
de rap nacional com a linguagem de sinais (LIBRAS), é um<br />
atuante assíduo <strong>do</strong> universo da música de mo<strong>do</strong> geral e<br />
também transeunte das vias da literatura marginal. Se<br />
articula com <strong>movimento</strong>s sociais de expressão nacional<br />
e com o <strong>movimento</strong> musical pela música livre.<br />
WWW.CRONICAMENDES.BLOGSPOT.COM<br />
CRONICAMENDES@AFAMILIARAP.COM.BR<br />
Douglas<br />
Realidade Cruel-SP<br />
Douglas é integrante de um <strong>do</strong>s grupos gangsta mais<br />
conheci<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brasil, com segui<strong>do</strong>res por to<strong>do</strong> o país,<br />
o Realidade Cruel.<br />
Prega<strong>do</strong>r Luo<br />
SP<br />
Prega<strong>do</strong>r Luo é integrante <strong>do</strong> Grupo Apocalipse 16,<br />
e mantém carreira solo.<br />
Recentemente esteve fazen<strong>do</strong> atividades na África <strong>do</strong><br />
Sul, durante a Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> de 2010.
302 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Dudu de Morro Agu<strong>do</strong><br />
RJ<br />
Dudu de Morro Agu<strong>do</strong>, vulgo DMA. Um sonha<strong>do</strong>r que realiza<br />
os projetos, presidente <strong>do</strong> Movimento Enraiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
Rio de Janeiro, ganhou o Prêmio Cultura Viva, administra<br />
junto com Luiz Carlos Dumontt o Espaço Enraiza<strong>do</strong>s,<br />
lançou seu CD Rolo compressor e é o responsável pelo<br />
conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> site WWW.ENRAIZADOS.COM.BR, entre outras<br />
atividades, como palestras por to<strong>do</strong> o país.<br />
ENRAIZADOS@GMAIL.COM<br />
Freitas<br />
Radar Urbano-SP<br />
Freitas fez parte <strong>do</strong> site Real <strong>Hip</strong>-Hop. Depois que se<br />
tornou evangélico, deixou o Real e pouco tempo depois<br />
passou a fazer o Radar Urbano, atualmente no ar.<br />
Trabalha também com TV e multimídia.<br />
WWW.RADARURBANO.COM.BR<br />
FREITAS@GMAIL.COM<br />
B.Dog<br />
Rapevolusom-RJ<br />
Do Rio de Janeiro, B.Dog é o responsável pelo site:<br />
WWW.RAPEVOLUSOM.COM<br />
BDOG@RAPEVOLUSOM.COM
Os manos e as minas<br />
303<br />
DJ Cortecertu<br />
Central <strong>Hip</strong>-Hop – SP<br />
Um <strong>do</strong>s responsáveis pelo site WWW.CENTRALHIPHOP.COM.BR,<br />
que antes era o Bocada Forte. É militante <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
e repórter.<br />
CORTECERTU@CENTRALHIPHOP.COM.BR<br />
Juliana Penha<br />
de SP, atuamente mora em Portugal<br />
Por anos fez parte da equipe da revista Rap Brasil. Hoje a<br />
jornalista Juliana Penha mora em Lisboa e colabora com<br />
o programa de rádio Gueto em festa, que toca rap de países<br />
que falam português.<br />
PRETA_SP@HOTMAIL.COM<br />
Maria Amélia<br />
SP<br />
Há anos na TV, hoje é uma das diretoras <strong>do</strong> programa<br />
Manos e minas da TV Cultura.<br />
Emicida<br />
SP<br />
Um <strong>do</strong>s maiores nomes <strong>do</strong> freestyle nacional.<br />
Lançou e vendeu milhares de EPs, ao preço de <strong>do</strong>is reais,<br />
chamou a atenção, saiu na mídia com destaque, primeira<br />
página da Ilustrada da Folha, por exemplo, e programas<br />
como o Altas horas, da Globo.<br />
Hoje apresenta o quadro “A rua é nóiz” no programa<br />
Manos e minas, da TV Cultura.
304 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Entre outras coisas que ele feito com muita atitude,<br />
como o videoclipe da música “Triunfo”, disputou inclusive<br />
o Prêmio da MTV.<br />
Cabal<br />
SP<br />
Cabal costuma causar polêmicas, mas a verdade é<br />
que o rapper tem lança<strong>do</strong> seus trabalhos e aberto<br />
portas em espaços que algumas vezes o hip-<strong>hop</strong><br />
nacional não chega.<br />
Apareceu pro grande público com o hit Senhorita, que<br />
tocou nas rádios.<br />
INFO@PROHIPHOP.COM.BR<br />
Jéssica Balbino<br />
MG<br />
Jéssica Balbino é jornalista e escritora, lança seu primeiro<br />
livro em 2010 pela Aeroplano Editora e trabalha num jornal<br />
que circula em Poços de Caldas-MG, onde mora. Realiza<br />
um projeto literário intitula<strong>do</strong> “Passa Livros”.<br />
JESSICA@MANTIQUEIRA.INF.BR<br />
Celso Athayde<br />
Cufa-RJ<br />
Empresário <strong>do</strong> rapper MV Bill, Celso Athayde é o principal<br />
nome da Cufa (Central Única das Favelas), que promove<br />
atividades socioculturais ligadas ao hip-<strong>hop</strong> no Rio<br />
de Janeiro e em to<strong>do</strong> o país.<br />
WWW.CELSOATHAYDE.COM.BR
Os manos e as minas<br />
305<br />
DJ Dex<br />
Arquivo Negro-PR<br />
Dj Dex é integrante <strong>do</strong> grupo Arquivo Negro e promove eventos<br />
junto ao IDEHHA, que trabalha com direitos humanos.<br />
Gaspar<br />
Z’África Brasil-SP<br />
Integrante <strong>do</strong> Z’África Brasil, com o grupo lançou três<br />
álbuns. Faz um corre solo intitula<strong>do</strong> Ilícito e é um MC<br />
próximo da cena da literatura periférica, visto em saraus<br />
espalha<strong>do</strong>s pela cidade.<br />
RAPZAG5@YAHOO.COM.BR<br />
GOG<br />
DF<br />
Com mais de vinte anos de carreira, GOG é de Brasília-DF<br />
e é conheci<strong>do</strong> como “Poeta <strong>do</strong> Rap”. Tem vários discos<br />
lança<strong>do</strong>s e o DVD Cartão-postal bomba. Conheci<strong>do</strong> por<br />
ser um <strong>do</strong>s MCs mais politiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> país.<br />
HTTP://GOGRAPNACIONAL.COM.BR/<br />
Augusto <strong>do</strong> <strong>Hip</strong>-Hop<br />
AC<br />
Promove eventos de hip-<strong>hop</strong> em Rio Branco, no Acre,<br />
é também MC.<br />
ACREHIPHOP@BOL.COM.BR
306 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Gil BV<br />
PI<br />
MC e militante <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong> no Piauí.<br />
DJ Raffa<br />
DF<br />
Um <strong>do</strong>s maiores nomes quan<strong>do</strong> o assunto é produção, trabalha<br />
com o grupo Atitude Feminina, de Brasília-DF, faz<br />
palestras em to<strong>do</strong> o país, lançou o livro Trajetória de um<br />
guerreiro, pela Aeroplano Editora, entre outras atividades.<br />
DJRAFFASANTORO@GMAIL.COM<br />
Ariel Feitosa<br />
DF<br />
Outro produtor de mão cheia <strong>do</strong> DF. É músico e militante.<br />
ARIELPROS@GMAIL.COM<br />
Japão<br />
Viela 17-DF<br />
Japão é uma lenda no hip-<strong>hop</strong> nacional, grande figura<br />
da Ceilândia, integrante <strong>do</strong> grupo Viela 17. Faz mil e uma<br />
atividades culturais ligadas ao hip-<strong>hop</strong>.<br />
HTTP://JAPAOVIELA17.COM.BR/
Os manos e as minas<br />
307<br />
Nelson Maca<br />
Blackitude-BA<br />
Militante <strong>do</strong> <strong>movimento</strong> negro e <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong>, Nelson<br />
Maca é integrante <strong>do</strong> Blackitude – Vozes Negras da<br />
Bahia. Promove saraus, eventos e ainda é professor de<br />
literatura na Universidade Católica de Salva<strong>do</strong>r.<br />
WWW.GRAMATICADAIRA.BLOGSPOT.COM<br />
BLACKITUDE@GMAIL.COM<br />
Léo da XIII<br />
RJ<br />
Tem se destaca<strong>do</strong> ultimamente na produção, integrante<br />
<strong>do</strong> Movimento Enraiza<strong>do</strong>s, de Nova Iguaçu-RJ, na Baixada<br />
Fluminense. MC que se apresenta com o rapper<br />
Dudu de Morro Agu<strong>do</strong>, com quem fez turnê de um mês<br />
na França em 2009.<br />
Mandrake<br />
Portal Rap Nacional – SP, atualmente SC<br />
Mandrake é MC <strong>do</strong> grupo Hórus, responsável pelo Portal<br />
Rap Nacional, um <strong>do</strong>s principais veículos <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
nacional. Trabalha num jornal de circulação na cidade de<br />
Itajaí-SC, onde mora com a família.<br />
WWW.RAPNACIONAL.COM.BR<br />
MANDRAKE@RAPNACIONAL.COM.BR
308 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Dexter<br />
Lançou-se no hip <strong>hop</strong> quan<strong>do</strong> fez parte <strong>do</strong> grupo 509-<br />
E, que começou no Carandiru e que lançou <strong>do</strong>is álbuns.<br />
Desde 2005 em carreira solo, lançou o premia<strong>do</strong> álbum<br />
Exila<strong>do</strong> sim, preso não! e, mais recentemente, o ao vivo<br />
Dexter e convida<strong>do</strong>s, grava<strong>do</strong> no histórico show de abril<br />
de 2009 na quadra da Peruche. Voltan<strong>do</strong> aos palcos<br />
depois de oito anos, 4 mil pessoas atenderam ao chama<strong>do</strong>.<br />
Ainda será lança<strong>do</strong> um DVD grava<strong>do</strong> nesse dia,<br />
que contou com diversas atrações.<br />
Dexter está atualmente no regime semiaberto e, próximo<br />
de receber a liberdade plena, promete um novo<br />
disco em 2011.<br />
WWW.OITAVOANJODEXTER.BLOGSPOT.COM<br />
assessoria de imprensa: PERIFERIASOBERANA@GMAIL.COM<br />
DJ Dico<br />
de SP, atuamente mora em Portugal<br />
Produtor <strong>do</strong> álbum Exila<strong>do</strong> sim, preso não!, <strong>do</strong> Dexter,<br />
atualmente mora em Portugal, onde faz o programa de<br />
rádio Gueto em festa, junto ao DJ Loco.<br />
DJDICO@IG.COM.BR<br />
Zinho Trindade<br />
SP<br />
Zinho Trindade vem com o talento de família. Neto de<br />
Solano Trindade, é MC, produtor de eventos e apresenta<br />
o programa <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> cozinha na internet.
Os manos e as minas<br />
309<br />
Participou de alguns filmes, entre eles Profissão MC,<br />
e é presença frequente em diversos saraus da cidade<br />
de São Paulo.<br />
ZINHODATRINDADE@HOTMAIL.COM<br />
Fex Ban<strong>do</strong>llero<br />
SP<br />
Fex Ban<strong>do</strong>llero é da posse Reviravolta Máfia, além de<br />
ser MC <strong>do</strong> grupo Filosofia de Rua e atualmente ainda<br />
atuar em carreira solo.<br />
BANDOLLERO@GMAIL.COM<br />
Grand-E<br />
SP<br />
Atualmente em carreira solo, Grand-E é integrante <strong>do</strong><br />
Alvos da Lei e da posse DRR em São Matheus, Zona<br />
Leste de São Paulo.<br />
Mikimba<br />
SP<br />
Integrante da posse DRR e <strong>do</strong> grupo De Menos Crime.<br />
Aninha<br />
Atitude Feminina-DF<br />
MC <strong>do</strong> grupo Atitude Feminina, de Brasília, lançou o<br />
disco Rosas e mais recentemente o clipe O enterro <strong>do</strong><br />
neguinho. Aninha publicou textos na coletânea literária<br />
Pelas periferias <strong>do</strong> Brasil.<br />
ANAATITUDE@HOTMAIL.COM
310 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Pathy de Jesus<br />
SP<br />
Pathy de Jesus é atriz e DJ.<br />
Na TV trabalhou na novela Os Mutantes, da Record, e<br />
atualmente está no SBT com a novela Uma rosa com<br />
amor. É DJ, lançou em 2010 um CD que pode ser baixa<strong>do</strong><br />
na internet. Se apresenta em eventos em São Paulo e<br />
outros esta<strong>do</strong>s.<br />
PATHYJESUS@HOTMAIL.COM<br />
Re.Fem.<br />
SP<br />
Militante da luta pelo direito das mulheres, trabalha hoje<br />
junto ao Movimento Enraiza<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Rio de Janeiro. É MC e<br />
diretora de cinema. Dirigiu filmes como Mães <strong>do</strong> hip-<strong>hop</strong><br />
e <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong> de saia, além de videoclipes como O enterro <strong>do</strong><br />
neguinho, <strong>do</strong> grupo Atitude Feminina.<br />
JANAINASO@HOTMAIL.COM<br />
Nina Fideles<br />
DF, atualmente SP<br />
A jornalista e fotógrafa Nina Fideles nasceu em Recife,<br />
mas foi em Brasília que cresceu. Lá, conheceu a música<br />
de Câmbio Negro e GOG, e a partir de então, de outros<br />
tantos rappers <strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Com certeza foi o<br />
rap que a motivou a se envolver no MST. Hoje divide o seu<br />
tempo entre as reportagens de temas sociais e culturais<br />
para revistas e o seu trabalho com o grupo A Família e<br />
outras atividades que envolvem o hip-<strong>hop</strong> e o jornalismo.<br />
NINAFIDELES@GMAIL.COM<br />
WWW.NINAFIDELES.BLOGSPOT.COM
Os manos e as minas<br />
311<br />
Bonga<br />
SP<br />
Um <strong>do</strong>s principais nomes <strong>do</strong> grafite no país, integrante <strong>do</strong><br />
hip-<strong>hop</strong>, mantém atividades em Caieiras, onde mora e faz<br />
suas artes e de onde é chama<strong>do</strong> por São Paulo e pelo Brasil.<br />
ORIGINALBONGA@HOTMAIL.COM<br />
Dingos<br />
SP<br />
Dingos é grafiteiro de mão cheia e arte-educa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> projeto<br />
Eremin na cidade de Osasco-SP, onde mora.<br />
DINGOSFC@HOTMAIL.COM<br />
MC Marechal<br />
RJ<br />
MC Marechal é <strong>do</strong> Rio de Janeiro, onde se destacou<br />
nas batalhas de freestyle. Organiza o evento Batalha<br />
<strong>do</strong> Conhecimento, que rola no Rio e aconteceu em<br />
2010 pela primeira vez em São Paulo, no Teatro Paulo<br />
Autran <strong>do</strong> Sesc Pinheiros, com lotação máxima da casa<br />
(mil pessoas).<br />
Marechal prepara seu primeiro albúm e é idealiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Um Só Caminho.<br />
WWW.UMSOCAMINHO.COM.BR
312 <strong>Hip</strong>-<strong>hop</strong>:<strong>dentro</strong> <strong>do</strong> <strong>movimento</strong><br />
Kamau<br />
SP<br />
Kamau é outro destaque <strong>do</strong> freestyle, desses que venderam<br />
muitos discos e é i<strong>do</strong>latra<strong>do</strong> nas batalhas de<br />
MCs. Talento raro.<br />
PLANOAUDIO@GMAIL.COM<br />
ParteUm<br />
SP<br />
Integrante <strong>do</strong> grupo Mzuri Sana, produtor e MC.<br />
PARTEUM@MZURISANA.COM
Sobre o autor<br />
<strong>Alessandro</strong> <strong>Buzo</strong> é paulistano, tem 38 anos, casa<strong>do</strong> com<br />
Marilda Borges e pai de Evandro Borges, de 10 anos.<br />
Esse livro comemorativo é o sétimo da carreira. Organiza<br />
a coletânea literária Pelas Periferias <strong>do</strong> Brasil,<br />
já foram quatro volumes.<br />
Apresenta o quadro “Buzão – Circular Periférico” no<br />
Programa Manos e minas da TV Cultura. É proprietário<br />
da Livraria Suburbano Convicto, no Bixiga, em SP, única<br />
<strong>do</strong> país especializada em literatura marginal. Diretor,<br />
junto com Toni Nogueira, <strong>do</strong> filme Profissão MC (ficção,<br />
52 min). Ganhou duas vezes o Prêmio Hutúz (2007 e 2008)<br />
na categoria “Ciência e Conhecimento”. Em agosto de<br />
2010, inaugurou o Espaço Suburbano Convicto no Itaim<br />
Paulista (Extremo Leste de SP), com biblioteca, sarau,<br />
cinema e seis oficinas culturais.<br />
No mesmo bairro, idealiza e realiza desde 2004 o tradicional<br />
evento de hip-<strong>hop</strong> “Favela Toma Conta”, que<br />
sempre foi gratuito em suas 22 edições já realizadas.<br />
Apresenta ainda os eventos “Suburbano no Centro”,<br />
“Encontro com o Autor” e “Suburbano em Debate”.<br />
Atualiza diversos blogs e to<strong>do</strong>s podem ser acessa<strong>do</strong>s<br />
pelo site www.buzo.com.br. Além disso é palmeirense e<br />
sempre será um “suburbano convicto”.
Este livro foi composto em Akkurat.<br />
O Papel utiliza<strong>do</strong> para a capa foi o Cartão Supremo 250g/m².<br />
Para o miolo foi utiliza<strong>do</strong> o Pólen Bold 90g/m².<br />
Impresso pela Imprinta Express em dezembro de 2010.<br />
To<strong>do</strong>s os recursos foram empenha<strong>do</strong>s para identificar e<br />
obter as autorizações <strong>do</strong>s fotógrafos e seus retrata<strong>do</strong>s.<br />
Qualquer falha nessa obtenção terá ocorri<strong>do</strong> por total<br />
desinformação ou por erro de identificação <strong>do</strong> próprio<br />
contato. A editora está à disposição para corrigir e conceder<br />
os créditos aos verdadeiros titulares.