28.01.2015 Views

Os nossos antepassados, de Italo Calvino, como alegoria do sujeito ...

Os nossos antepassados, de Italo Calvino, como alegoria do sujeito ...

Os nossos antepassados, de Italo Calvino, como alegoria do sujeito ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Revista <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Interdisciplinares <strong>de</strong> Italiano | Número 04 | março/2012<br />

em relação ao Antigo Regime. Ele é o legítimo representante da filosofia das Luzes, o<br />

que não impe<strong>de</strong> que ele tenha momentos <strong>de</strong> selvageria <strong>como</strong> uma espécie <strong>de</strong> reação<br />

ao fato <strong>de</strong> as relações sociais não serem <strong>como</strong> ele projetava.<br />

É na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> – e contemporaneamente cada vez mais – que os <strong>sujeito</strong>s se<br />

relacionam através <strong>de</strong> objetos, a cada instante uma novida<strong>de</strong>, e mesmo assim sentemse<br />

vazios porque o conteú<strong>do</strong> expresso é a negação <strong>do</strong> ser e a afirmação da merca<strong>do</strong>ria.<br />

E esse vazio está também presente em Cosme, que vive sempre com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “[...]<br />

tornar-se útil, <strong>de</strong> realizar um trabalho indispensável para os outros” (CALVINO, 2001,<br />

p.229), impeli<strong>do</strong> sempre a agir, mas que, ao final, não sabe por qual razão fez tantas<br />

coisas: “[...] – vivo há muitos anos por i<strong>de</strong>ais que não saberia explicar nem a mim<br />

mesmo: mas faço uma coisa muito boa: eu vivo sobre as árvores” (CALVINO, 2001, p.<br />

359). (Tradução nossa)<br />

Outro elemento importante aparece – a vida vazia <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> e entendimento.<br />

Pensar é penoso e é uma ativida<strong>de</strong> para alguns. O irmão <strong>de</strong> Cosme expressa bem essa<br />

i<strong>de</strong>ia após a morte <strong>de</strong>le: “Antes era diferente, havia meu irmão; dizia para mim mesmo:<br />

‘já existe ele que pensa’. E eu tratava <strong>de</strong> viver” (CALVINO, 2001, p. 361).<br />

O cavaleiro inexistente<br />

Continuan<strong>do</strong> a trilogia, percebemos que O cavaleiro inexistente vai muito além <strong>de</strong><br />

uma história para nos fazer divertir, <strong>como</strong> disse Harold Bloom (2000, p.705). A história<br />

<strong>de</strong>sse cavaleiro possibilita uma reflexão sobre a negação da individualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser<br />

humano, <strong>de</strong> to<strong>do</strong> aquele indivisível que existe em cada um graças às suas experiências<br />

sempre diversas em proveito <strong>de</strong> uma forma-<strong>sujeito</strong> apta à vida mo<strong>de</strong>rna, com ações e<br />

pensamentos em consonância com o ritmo mo<strong>de</strong>rno.<br />

Quanto mais estri<strong>de</strong>nte se torna o discurso acerca da fantástica ‘individualida<strong>de</strong>’<br />

mo<strong>de</strong>rno-oci<strong>de</strong>ntal, tanto mais os seres humanos individuais torna<strong>do</strong>s abstratos <strong>do</strong><br />

ponto <strong>de</strong> vista real se igualam entre si qual um ovo em relação ao outro, até mesmo<br />

no que se refere ao hábito exterior, no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar e agir mecanicamente<br />

controla<strong>do</strong> pelas modas e pelas mídias <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o fetiche da valorização<br />

(KURZ, 2010, p.87).<br />

Se Marx falou <strong>do</strong>s <strong>sujeito</strong>s no capitalismo, portanto, na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, <strong>como</strong><br />

porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> uma máscara <strong>de</strong> caráter (1984), po<strong>de</strong>ríamos dizer que <strong>Calvino</strong> construiu<br />

uma <strong>alegoria</strong> da armadura <strong>de</strong> caráter <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> mo<strong>de</strong>rno.<br />

O protagonista, Agilulfo, é uma <strong>alegoria</strong> forte <strong>do</strong> <strong>sujeito</strong> mo<strong>de</strong>rno porque é ele<br />

quem tem sempre atitu<strong>de</strong>s calculadas, sem reflexões ou questionamentos, com a<br />

aceitação da realida<strong>de</strong> vivida e por isso sem atritos com ela; pelo contrário, há nele um<br />

vazio que se expressa nas ativida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>senvolve. Sobre a sua época, diz-se:<br />

19

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!