28.01.2015 Views

Os nossos antepassados, de Italo Calvino, como alegoria do sujeito ...

Os nossos antepassados, de Italo Calvino, como alegoria do sujeito ...

Os nossos antepassados, de Italo Calvino, como alegoria do sujeito ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Revista <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Interdisciplinares <strong>de</strong> Italiano | Número 04 | março/2012<br />

[...] Viram as peras que pendiam contra o céu da manhã e ao vê-las ficaram<br />

horroriza<strong>do</strong>s. Porque não estavam inteiras, eram várias meta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> peras cortadas<br />

ao compri<strong>do</strong> [...] Caminhan<strong>do</strong>, os servos encontraram numa pedra meia rã que<br />

pulava, graças à resistência das rãs, ainda viva. (CALVINO, 2001, p. 39).<br />

Mas por qual razão o viscon<strong>de</strong> é um ser mutila<strong>do</strong>, incompleto Por que, essa<br />

mutilação, o personagem mutila<strong>do</strong> quer vê-la também na socieda<strong>de</strong> Essas são<br />

perguntas que nos fazemos ao lermos a história e que nos possibilitam pensar que o<br />

viscon<strong>de</strong> Medar<strong>do</strong>, bem <strong>como</strong> o personagem Pedroprego, representam uma <strong>alegoria</strong> <strong>do</strong><br />

indivíduo na vida mo<strong>de</strong>rna, aquele que não consegue ser um ser inteiro e nem<br />

consegue explicar o porquê. Se na pré-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> havia certa harmonia e equilíbrio,<br />

uma vez que tu<strong>do</strong> se justificava pelos céus e quem fazia essa mediação era a igreja, na<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> houve a “libertação” <strong>de</strong>sse jugo. Não é mais a fé que fornece fundamento<br />

à vida, mas a razão. Mas não a razão enquanto capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento e reflexão,<br />

mas aquele tipo <strong>de</strong> razão que, com os frankfurtianos, chamamos <strong>de</strong> instrumental. Não<br />

haven<strong>do</strong> mais qualquer tradição que me<strong>de</strong>ie e dê equilíbrio e sustentação à relação<br />

entre os indivíduos, a mão invisível <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> ten<strong>de</strong> a cumprir esse papel. To<strong>do</strong>s<br />

passam a ser livres para concorrer no merca<strong>do</strong>, para mudar a vida <strong>como</strong> ganha<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

dinheiro. <strong>Os</strong> laços sociais passam a ser <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s pela vida <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, e<br />

historicamente assistimos à importância cada vez maior da merca<strong>do</strong>ria na vida <strong>do</strong>s<br />

indivíduos, não só <strong>como</strong> objeto <strong>de</strong> uso, já aliena<strong>do</strong>, mas <strong>como</strong> objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo<br />

abstrato, objeto que vai preencher o vazio <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> pela perda <strong>de</strong> laços sociais para além<br />

<strong>do</strong>s laços da vida <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, laços que aparecem em algo que é exterior ao indivíduo,<br />

que o constitui e constitui as relações que são estabelecidas entre eles. Na<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, essa mutilação presente em Medar<strong>do</strong> se dá na incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o ser<br />

humano ser <strong>de</strong> fato humano, pois as relações sociais, e até a existência <strong>do</strong> ser na<br />

socieda<strong>de</strong>, são coisificadas, transformadas em merca<strong>do</strong>rias e, portanto, submetidas a<br />

uma lógica que <strong>de</strong>termina e comanda a vida humana. E isso acontece <strong>como</strong> se fosse<br />

natural, <strong>como</strong> se a completu<strong>de</strong> <strong>do</strong> ser não fosse possível senão nas merca<strong>do</strong>rias, não<br />

haven<strong>do</strong> reflexão acerca <strong>de</strong> <strong>como</strong> ou porque isso se dá. Não interessa, na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />

refletir sobre o que se produz ou qual o significa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa produção. Pouco importa se<br />

bombas ou pares <strong>de</strong> sapatos são produzi<strong>do</strong>s (JAPPE, 2006).<br />

Essa falta <strong>de</strong> reflexão e pensamento sobre o conteú<strong>do</strong> das nossas ações e criações<br />

ou a negação da reflexão se faz presente <strong>de</strong> forma muito clara no personagem<br />

Pedroprego, carpinteiro que construía as forcas encomendadas por Medar<strong>do</strong> para matar<br />

quem ele <strong>de</strong>cidisse e or<strong>de</strong>nasse:<br />

‘Como posso’, pensava, ‘aceitar construir algo tão engenhoso mas que tem um<br />

objetivo diferente E quais po<strong>de</strong>rão ser os novos mecanismos que construirei com<br />

17

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!