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Os nossos antepassados, de Italo Calvino, como alegoria do sujeito ...

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Revista <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Interdisciplinares <strong>de</strong> Italiano | Número 04 | março/2012<br />

que, por princípio, é totalitário, na medida em que <strong>de</strong>spe a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s<br />

sensíveis para po<strong>de</strong>r submetê-la ao mero cálculo.<br />

É essa Razão que vem crian<strong>do</strong> um mun<strong>do</strong> impessoal em que o chefe, em vez <strong>de</strong><br />

coagir concretamente pela força, <strong>como</strong> em socieda<strong>de</strong>s anteriores, apresenta-se <strong>de</strong><br />

forma abstrata com “sutilezas metafísicas e manhas teológicas” (MARX, 1985) que<br />

permitem o <strong>do</strong>mínio pela aceitação racional <strong>do</strong>s <strong>sujeito</strong>s. É esta socieda<strong>de</strong> que é<br />

apresentada por Zygmunt Bauman (2008, p. 20) <strong>como</strong> uma socieda<strong>de</strong> na qual, ao<br />

mesmo tempo, “ninguém po<strong>de</strong> se tornar <strong>sujeito</strong>, sem primeiro virar merca<strong>do</strong>ria, [...]<br />

uma merca<strong>do</strong>ria vendável.”<br />

<strong>Os</strong> personagens <strong>de</strong>ssa trilogia, <strong>de</strong> maneiras distintas, trazem a carga <strong>de</strong>sse projeto<br />

– seja por meio <strong>do</strong> otimismo irrefleti<strong>do</strong>, da mutilação, <strong>do</strong> esvaziamento <strong>do</strong>s raciocínios,<br />

seja por meio da racionalização formal-científica <strong>de</strong> que dão provas; são, em medidas<br />

diferentes, metáforas personificadas da Razão Instrumental (ADORNO & HORKHEIMER,<br />

1986) com todas as suas contradições, avanços e regressões que culminaram na<br />

barbárie <strong>do</strong> século XX contra a qual a Razão mo<strong>de</strong>rna não pô<strong>de</strong> se opor, por já trazer em<br />

germe a própria irracionalida<strong>de</strong> (I<strong>de</strong>m).<br />

O viscon<strong>de</strong> parti<strong>do</strong> ao meio<br />

Quan<strong>do</strong> lemos O viscon<strong>de</strong> parti<strong>do</strong> ao meio, po<strong>de</strong>mos pensar que se trata <strong>de</strong> mais<br />

uma história em que o mal prevalece sobre o bem, mas essa inicial interpretação não é<br />

suficiente diante da figura <strong>de</strong> um homem que se apresenta mutila<strong>do</strong>, parti<strong>do</strong>,<br />

incompleto, infeliz e solitário. E temos a certeza disso quan<strong>do</strong> o próprio autor <strong>de</strong>sfaz<br />

essa interpretação que parece ser a mais clara e evi<strong>de</strong>nte diante da construção <strong>do</strong><br />

personagem principal: “E os críticos podiam começar a seguir uma estrada falsa:<br />

dizen<strong>do</strong> que minha preocupação primeira era o problema <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal. Não, não<br />

quebrava mesmo a cabeça com isso, nem por um instante havia pensa<strong>do</strong> no bem e no<br />

mal” (CALVINO, 2001, p. 10).<br />

Então fica mais claro que se trata, <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong> uma <strong>alegoria</strong> sobre o ser humano<br />

enquanto ser na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, e não em qualquer socieda<strong>de</strong>. As interrogações<br />

passam, então, a ser acompanhadas <strong>de</strong> uma inquietação e reflexão sobre quem é e o<br />

que representa esse ser parti<strong>do</strong> ao meio, reforçadas pela afirmação <strong>de</strong> <strong>Calvino</strong> ainda no<br />

prefácio:<br />

Parti<strong>do</strong> ao meio, mutila<strong>do</strong>, incompleto, inimigo <strong>de</strong> si mesmo é o homem<br />

contemporâneo. Marx chamou-o <strong>de</strong> ‘aliena<strong>do</strong>’, Freud preferiu ‘reprimi<strong>do</strong>’; um<br />

esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> harmonia antiga per<strong>de</strong>u-se, aspira-se a uma nova completu<strong>de</strong>. O núcleo<br />

i<strong>de</strong>ológico-moral que pretendia dar à história era esse. (CALVINO, 2001, p. 10-11).<br />

Essa mutilação se fazia não só no protagonista, mas este queria fazê-la existir fora<br />

<strong>de</strong>le, nas plantas, nas frutas, nos animais e até nas pessoas:<br />

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