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e territorialidade: - Ibase

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ESPAÇO<br />

ABERTO<br />

Entrevistas<br />

realizadas antes<br />

do início das<br />

obras do<br />

Memorial Zumbi<br />

com os(as)<br />

moradores(as) da<br />

Serra da Barriga<br />

indicam que não<br />

há identificação<br />

da comunidade<br />

com a simbologia<br />

histórica do lugar<br />

não plantam nada, mas trabalham nas terras<br />

de outrem, total ou parcialmente situadas<br />

na área tombada.<br />

Grande parte dos moradores da Serra<br />

da Barriga reside no local há mais de 20<br />

anos, antes mesmo de a Serra da Barriga<br />

ser tombada, em 1985. No entanto, dentro<br />

da área tombada, o maior número de famílias<br />

habita o lugar entre 10 e 20 anos. São<br />

famílias constituídas<br />

por filhas ou<br />

filhos de moradores<br />

antigos ou famílias<br />

migrantes<br />

de outras localidades,<br />

que vieram<br />

para o local em<br />

busca de terra. Todos,<br />

no entanto, tinham<br />

ouvido falar<br />

do tombamento e<br />

das restrições ao<br />

cultivo e à criação<br />

de animais à época<br />

de sua instalação.<br />

Segundo eles e<br />

elas, as informações<br />

eram vagas,<br />

boatos que ainda<br />

hoje não entendem<br />

muito bem. O pouco<br />

conhecimento<br />

que têm dessas<br />

restrições não anulou<br />

as perspectivas<br />

de estabelecimento<br />

de uma nova vida<br />

no lugar, seja trabalhando<br />

para donos<br />

de fazendas ou<br />

sítios da circunvizinhança,<br />

seja com<br />

a possibilidade de estabelecer e trabalhar<br />

na sua própria roça, especialmente para<br />

aqueles oriundos de lugares com terras menos<br />

férteis ou de uma vida miserável na periferia<br />

de alguma outra cidade dos estados<br />

de Alagoas ou Pernambuco.<br />

A população da Serra da Barriga não<br />

é remanescente do antigo Quilombo dos Palmares<br />

e suas necessidades não se identificam<br />

com as prioridades do projeto governamental<br />

e nem com o ideal do movimento negro<br />

para a área. Logo, ela não recebe auxílio estatal,<br />

tal como outras comunidades<br />

quilombolas de Alagoas, e tampouco a restauração<br />

da proposta de implantação do<br />

Memorial Zumbi no platô da Serra da Barriga<br />

lhe traz certeza de benefícios.<br />

Entrevistas realizadas antes do início<br />

das obras do Memorial Zumbi com os(as)<br />

moradores(as) da Serra da Barriga indicam que<br />

não há identificação da comunidade com a<br />

simbologia histórica do lugar. Quatro fatores<br />

interferem decisivamente nessa relação de<br />

alteridade: falta de políticas de comunicação<br />

que possibilitem o acesso a informações sobre<br />

os significados históricos e étnico-culturais<br />

atribuídos à área; alijamento da população<br />

local no processo de tombamento e de<br />

construção do Memorial Zumbi, sem que lhe<br />

seja dada a oportunidade de ser partícipe na<br />

gestão e na manutenção do monumento que<br />

fica em seu território; percepção de que o<br />

monumento do herói negro Zumbi dos Palmares<br />

representa um obstáculo à sobrevivência<br />

material, já que o tombamento cerceou a<br />

liberdade de cultivo da terra; o fato de que a<br />

história de Zumbi e a instituição do tombamento<br />

não se inscrevem como fato histórico<br />

e ato cultural socialmente.<br />

Assim, a identidade social da comunidade<br />

reside, incipiente e instavelmente, na sua<br />

relação de identificação com o território e na<br />

relação de alteridade que estabelece com o<br />

monumento. Segundo Stuart Hall (2000), uma<br />

identidade social apenas consegue se afirmar<br />

por meio da exclusão de algo, da repressão<br />

daquilo que a ameaça e no interior do jogo de<br />

poder e de interesse. Em verdade, os dois últimos<br />

fatores de não-identificação da comunidade<br />

com os significados do símbolo de<br />

Zumbi estão intimamente entrelaçados com<br />

as frustrações e com as promessas, reiteradamente<br />

acenadas e formais, de desenvolvimento<br />

e melhorias locais há 25 anos. Essa incredulidade<br />

se agrava com o alijamento da<br />

comunidade no processo de gestão da área<br />

tombada e com o constrangimento causado<br />

pelas festas em comemoração ao Dia Nacional<br />

da Consciência Negra, quando os visitantes<br />

chegam ao território depredando as roças,<br />

invadindo os quintais, produzindo um<br />

intenso barulho e um grande volume de lixo<br />

nas portas das casas.<br />

As expectativas da comunidade diante<br />

da construção do memorial giram em torno<br />

do acesso aos serviços públicos essenciais,<br />

a novas oportunidades e à participação na<br />

gestão da área. Essas aspirações, em sua<br />

maioria, são índices da pouca atuação do poder<br />

público na garantia dos direitos cidadãos.<br />

94 DEMOCRACIA VIVA Nº 34<br />

ESPAÇO

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