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MITO E TERRITORIALIDADE: O MONUMENTO NACIONAL E A COMUNIDADE RURAL DA SERRA DA BARRIGA<br />
tituição serrana e aproveitando o potencial<br />
imaterial, histórico e cultural guardado no lugar<br />
(ESTADO DE ALAGOAS, 2004).<br />
As ações do Memorial Zumbi,<br />
estabelecidas sob a orientação da Fundação<br />
Cultural Palmares, órgão responsável pela<br />
gestão do bem patrimonial, e executadas pela<br />
prefeitura de União dos Palmares e pelo governo<br />
do estado, impediram o avanço de todas<br />
as atividades agrícolas e de criação animal<br />
e a manutenção de algumas roças na área<br />
tombada, consideradas de negativo impacto<br />
ambiental por causa da forma rústica de manejo<br />
do solo. Ato digno e compreensível, salvo<br />
se o próprio poder público não insistisse<br />
em realizar a festa em comemoração ao Dia<br />
Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro,<br />
que reúne de 10 mil a 15 mil pessoas<br />
e gera centenas de quilos de lixo que se espalham<br />
pela área de preservação, no mesmo<br />
local onde proclamou os impedimentos ao<br />
cotidiano da comunidade lá residente. Tal<br />
medida alargou o antigo conflito entre os<br />
moradores do lugar e as três instâncias do<br />
governo envolvidas no projeto. As desavenças<br />
entre esses atores existe há 25 anos,<br />
quando do tombamento da Serra, que foi interpretado<br />
pelo movimento negro como reintegração<br />
de posse do lugar aos seus legítimos<br />
donos, os negros e as negras deste país,<br />
e pela comunidade local como usurpação do<br />
bem provedor do sustento familiar e<br />
mantenedor da sua história de vida.<br />
As roças e as plantações existentes<br />
dentro e no entorno da área tombada da Serra<br />
da Barriga constituem exploração econômica<br />
do bem patrimonial, de modo que são<br />
incompatíveis com a preservação do interesse<br />
histórico, artístico e paisagístico da área.<br />
Efetuado o tombamento, o bem torna-se<br />
inalienável, passível de intervenção estatal<br />
na propriedade ou na posse lá existente,<br />
condicionando e limitando o seu uso, de forma<br />
que “sem prévia autorização do Serviço<br />
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,<br />
não se poderá, na vizinhança de coisa<br />
tombada, fazer construção que impeça ou<br />
reduza a visibilidade [...] sob pena de ser<br />
mandado destruir a obra ou retirar o objeto’’<br />
(DIAS, [s.d], p.9).<br />
No entanto, a construção do museu<br />
temático com fins lucrativos também alterará<br />
negativamente o ambiente e o ecossistema<br />
locais. A esse respeito, as instâncias do<br />
próprio poder público entram em desacordo:<br />
a Fundação Cultural Palmares apóia a idéia<br />
de remoção das famílias de moradores do<br />
local; alguns técnicos do Iphan não têm certeza<br />
dos benefícios do museu; o governo do<br />
estado prevê a utilização da mão-de-obra<br />
dessas pessoas no projeto como guias e<br />
artesãos, afirmando contribuir para a geração<br />
de renda e o desenvolvimento econômico<br />
da região.<br />
O conflito toma proporções complexas<br />
porque grande parcela dos moradores<br />
do local resiste tanto à saída como à permanência<br />
com mudanças<br />
e restrições<br />
às suas atividades<br />
tradicionais referentes<br />
ao trato da<br />
terra, especialmente<br />
os mais velhos.<br />
Retrato da<br />
comunidade<br />
O território da Serra<br />
da Barriga, por ser<br />
um bem patrimonial<br />
e habitat de uma<br />
comunidade que enfrenta<br />
graves problemas<br />
com a carência<br />
de serviços<br />
públicos essenciais<br />
– afastada que está<br />
da área urbana por<br />
uma distância de<br />
quase 9 quilômetros<br />
– é, ao mesmo tempo,<br />
um lócus de<br />
produção simbólica<br />
e cultural nacional e<br />
de construção social<br />
e cultural local. Do<br />
total de famílias, 19<br />
residem na área<br />
tombada, ao lado<br />
das propriedades<br />
de grande e de médio<br />
porte. Elas integram<br />
um estrato social<br />
de posseiros e de ocupantes de terra<br />
pública e vivem em distintas condições de<br />
uso e de ocupação da área: posseiros que<br />
moram fora e plantam dentro da área tombada;<br />
posseiros que moram e plantam dentro<br />
da área tombada; ocupantes que moram<br />
fora e plantam dentro da área tombada; ocupantes<br />
que moram dentro da área tombada e<br />
As roças e<br />
plantações<br />
existentes dentro e<br />
no entorno da área<br />
tombada<br />
constituem<br />
exploração<br />
econômica do bem<br />
patrimonial, de<br />
modo que são<br />
incompatíveis com<br />
a preservação do<br />
interesse histórico,<br />
artístico e<br />
paisagístico da área<br />
ESPAÇO<br />
ABERTO<br />
JAN / MAR 2007 93