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ESPAÇO<br />
ABERTO<br />
* Athayde Motta<br />
Mestre em Políticas<br />
Públicas e mestre em<br />
Antropologia pela<br />
Universidade do Texas,<br />
em Austin, e<br />
doutorando em<br />
Antropologia no<br />
Programa de Estudos da<br />
Diáspora Africana, na<br />
mesma universidade,<br />
onde pesquisa sobre<br />
ONGs negras no Brasil<br />
athayde@ibase.br<br />
brasileiro ocorreria nas relações pessoais, mas<br />
não seria parte determinante das relações sociais<br />
brasileiras.<br />
O resultado é não só uma análise que<br />
não consegue conectar as causas (ou agentes)<br />
e as conseqüências do racismo, mas uma<br />
prática acadêmica que dá justificativa teórica<br />
à existência de “percepções raciais” (Grin,<br />
2001) distintas. Isso tem tido o efeito prático<br />
de reduzir, a priori, as possíveis formas de interpretação<br />
das desigualdades raciais brasileiras.<br />
A limitação teórica evidente é que os<br />
indicadores demográficos da desigualdade<br />
racial tornam-se a “causa” do racismo, em vez<br />
de estímulo à investigação criteriosa e inovadora<br />
sobre esse fenômeno. Segundo o<br />
brasilianista Thomas Skidmore (2001), essas<br />
“percepções raciais” distintas, que ele nomeia<br />
como sendo uma “realidade estatística” e uma<br />
“realidade anedótica”, criam um problema teórico<br />
cuja solução está além dos instrumentos<br />
analíticos disponíveis no campo de estudo<br />
das “relações raciais”.<br />
Essa contradição não-resolvida também<br />
afeta sobremaneira não apenas a organização<br />
política dos negros(as) brasileiros(as), mas o<br />
arcabouço teórico utilizado para estudar experiências<br />
de ativismo negro. Perguntas óbvias<br />
sobre as experiências históricas dos vários movimentos<br />
sociais negros no Brasil permanecem<br />
sem resposta. Quais são as dificuldades<br />
para organizar estratégias e protestos anti-racistas<br />
em um país onde o discurso oficial nega<br />
categoricamente a existência do racismo Como<br />
se organizar politicamente a partir da<br />
constatação dos efeitos do racismo sobre os<br />
negros(as) brasileiros(as) quando tal hipótese<br />
é violentamente refutada Como indivíduos e<br />
movimentos negros conectam o racismo cotidiano<br />
que sofrem à ideologia racial dominante<br />
que nega sua existência e o atribui a outras<br />
causas Tais perguntas não são apenas retóricas,<br />
mas sugerem que o estudo dos movimentos<br />
sociais negros no Brasil tem isolado essas<br />
manifestações das condições políticas e ideológicas<br />
peculiares que impactam negativamente<br />
sua existência.<br />
Por essa complexa situação, é clara a<br />
necessidade de conduzir pesquisas sobre o<br />
ativismo negro que sejam críticas, inovadoras<br />
e capazes de escapar das armadilhas e dos limites<br />
teóricos e metodológicos colocados pela<br />
teoria vigente na academia brasileira. Com base<br />
na teoria e metodologia da Diáspora Africana,<br />
trabalhos de autores como Michael Hanchard<br />
(1994) e Kim Butler (1998) – e a reação despropositada<br />
que geraram – são exemplos do<br />
quão complexas são as estruturas de raça,<br />
racialização e racismo no Brasil. Apesar de tais<br />
dificuldades, esses trabalhos revelam a emergência<br />
de identidades e subjetividades negras<br />
com claros indícios de agência e capacidade<br />
intelectual inovadores. Mais pesquisas comparativas<br />
sob a perspectiva da Diáspora Africana<br />
podem nos levar, finalmente, a produzir<br />
trabalhos inovadores e necessários sobre os<br />
impactos da miscigenação e da mestiçagem<br />
sobre a identidade política dos negros(as)<br />
brasileiros(as). Dessa forma, atingiremos uma<br />
perspectiva mais balanceada e realista sobre<br />
as experiências, os sucessos e os limites do<br />
ativismo negro brasileiro.<br />
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102 DEMOCRACIA VIVA Nº 34