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ESPAÇO<br />
ABERTO<br />
As histórias dos<br />
povos negros<br />
no Novo Mundo<br />
não são apenas<br />
uma função do<br />
que esses povos<br />
foram capazes<br />
de (re)criar<br />
americano e o “outro negro”, identidades que<br />
não podem ser completamente amalgamadas em<br />
seu corpo e em sua mente. Tal conceito – que<br />
expressa sentimentos contraditórios de<br />
pertencimento e alienação e forja um senso de<br />
história em comum com a África e seus descendentes<br />
– foi posteriormente interpretado por<br />
Paul Gilroy (1993)<br />
como sendo não somente<br />
“o ponto-devista<br />
distinto dos negros<br />
americanos,<br />
mas também a experiência<br />
das populações<br />
pós-escravas<br />
em geral”.<br />
Essa dimensão<br />
fundamental<br />
da experiência da<br />
Diáspora Africana<br />
foi menosprezada<br />
durante boa parte<br />
do século XX,<br />
quando as ciências<br />
sociais estiveram<br />
entretidas com o<br />
debate sobre “sobrevivências<br />
versus transformações”<br />
com relação<br />
à presença dos povos<br />
africanos no Novo Mundo dentro do<br />
contexto do comércio de escravos e escravas<br />
no Atlântico. Nesse período, a literatura<br />
estava preocupada, principalmente, em<br />
mapear as raízes das várias culturas de descendência<br />
africana nas Américas e mensurar<br />
o quão próximo essas estavam das manifestações<br />
originais.<br />
Limites e africanidades<br />
Embora tenha sido importante para o amadurecimento<br />
da Diáspora Africana como um<br />
conceito e uma disciplina, o desenvolvimento<br />
de reflexões posteriores por autores como<br />
Mark Anderson, Edmund T. Gordon, Paul<br />
Gilroy e Stuart Hall aponta para os limites de<br />
uma noção hegeliana de Estado-nação, seu<br />
lugar central nos cânones ocidentais e o lugar<br />
do sujeito negro vindo da África no interior<br />
desse Estado.<br />
Assim, pode se inferir que as histórias<br />
dos povos negros no Novo Mundo, como<br />
parte do empreendimento colonialista, e em<br />
outros lugares, após esse momento, não são<br />
apenas uma função de suas retenções africanas<br />
e do que esses povos foram capazes de<br />
(re)criar a partir de uma origem africana, mas<br />
também do quanto suas africanidades tornaram-se<br />
“uma parte integral da formação do<br />
mundo moderno como o conhecemos”<br />
(Patterson; Kelley, 2000).<br />
Essa concepção talvez tenha, em sua<br />
origem, uma outra distinção hegeliana entre o<br />
africano, como um tipo cultural, e o “negro”<br />
ou o sujeito negro, como um ser racializado.<br />
Conforme argumentado de maneira eloqüente<br />
por Cedric Robinson (2000), tais idéias se<br />
reverteram para a própria África e causaram<br />
sua redução, em termos raciais, e sua<br />
homogeneização no mapa-múndi.<br />
Em virtude dessas historiografia e<br />
genealogia, os conteúdos principais da teoria<br />
e da metodologia da Diáspora Africana<br />
procuram dar atenção especial à construção<br />
e à reprodução de identidades diaspóricas,<br />
ou à criação de uma consciência diaspórica,<br />
na qual uma diáspora negra multilocalizada<br />
pode significar também a conjunção de identidade,<br />
processos e práticas políticas.<br />
Isso não significa superação de formações<br />
nacionais com a imposição de uma<br />
identidade essencial africana. Pelo contrário,<br />
significa compreender que “noções transnacionais<br />
de negritude são dialogicamente produzidas<br />
entre africanos e populações afrodescendentes<br />
em nível mundial” (Gordon), o<br />
que pode iluminar a experiência negra em distintas<br />
formações nacionais/raciais dentro e<br />
fora da África.<br />
Para Michael Gomez, africanista que<br />
mapeou as expressões da vida social e cultural<br />
africanas no tempo e no espaço em<br />
ambos os lados do Atlântico, isso pode levar<br />
a uma concepção negra de raça ou a<br />
“uma identidade coletiva que considera os<br />
descendentes de africanos como uma comunidade”,<br />
ainda que não um grupo único e<br />
unificado (Gomez, 1998). Paul Gilroy vê essa<br />
formação como uma rede intricada de conexões<br />
culturais e políticas que estabelecem<br />
um tipo de ligação entre pessoas negras de<br />
locais diferentes.<br />
Assim, como uma formação “transnacional,<br />
multilingüística e dispersa” (Gordon),<br />
a Diáspora Africana está sendo continuamente<br />
constituída. Tal processo parece ser posto<br />
em movimento não apenas pela permanente<br />
dispersão dos povos africanos, mas<br />
também pelo fato de que a tarefa de teorizar<br />
sobre culturas negras em qualquer formação<br />
98 DEMOCRACIA VIVA Nº 34