Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ABERTO<br />
Para além da análise de conjuntura imediata<br />
desse cenário político, as formas e o alcance<br />
da contradição apontada iluminam profundas<br />
divergências teóricas e políticas sobre o estudo<br />
da experiência negra no Brasil. Neste<br />
texto, será discutido como o paradigma analítico<br />
criado a partir da teoria da Diáspora Africana<br />
possibilita novas interpretações, não somente<br />
sobre a experiência negra no Brasil, mas<br />
também sobre a capacidade de organização<br />
política de homens negros e mulheres negras<br />
em uma sociedade particularmente contrária<br />
e resistente a tais manifestações.<br />
Teorias e suas conseqüências<br />
Como uma abordagem distinta para o estudo<br />
das populações negras e a constituição<br />
da “negritude” como um terreno particular<br />
que justapõe, simultaneamente, o processo<br />
que forma “outros” racializados, suas experiências<br />
e o processo subjetivo de formação<br />
de identidades, a teoria e a metodologia<br />
dos estudos da Diáspora Africana<br />
estão, em sua maior parte, ancoradas em um<br />
projeto intelectual de engajamento político<br />
que tenta re-situar criticamente o lugar da<br />
África, dos(as) africanos(as) e de seus descendentes<br />
na formação do Ocidente (West).<br />
Tal engajamento tem requerido contínuos<br />
esforços teóricos para lidar com a ampla<br />
dispersão em escala mundial de populações<br />
negras a partir de um “lugar de origem”, e<br />
com os múltiplos aspectos de suas experiências<br />
dentro e fora da África.<br />
Em termos históricos e epistemológicos,<br />
o “Ocidente” é um conceito fundamental<br />
no desenho da teoria e da metodologia<br />
contemporâneas da Diáspora<br />
Africana. Colin Palmer (1999) estabelece<br />
cinco grandes correntes diaspóricas vindas<br />
da África (que ocorreram em diferentes períodos<br />
e por razões distintas), mas considera<br />
que o início da Diáspora Africana “moderna”<br />
se dá no século XV, associado ao<br />
projeto colonial europeu de expansão que<br />
patrocinou a escravização de africanos e<br />
africanas ao redor do mundo.<br />
Esse momento histórico (que se estendeu<br />
por quatro séculos) foi expressão e característica<br />
fundamentais da formação do Ocidente,<br />
da ascensão<br />
dos períodos do<br />
Renascimento e do<br />
Iluminismo na Europa<br />
e do início da modernidade.<br />
Combinados,<br />
esses elementos<br />
articulam um discurso<br />
(de fato, uma<br />
ontologia particular)<br />
sobre a África e o(a)<br />
negro(a) como sujeitos<br />
centrais dos<br />
contradiscursos, ou<br />
contra-argumentos,<br />
continuamente produzidos<br />
pela teoria e<br />
pela metodologia da<br />
Diáspora Africana.<br />
Esses contraargumentos<br />
(de fato,<br />
ontologias alternativas)<br />
sobre a África e<br />
o(a) negro(a) – e que<br />
podem ser encontrados<br />
já no século<br />
XVI, nas reflexões de escritores e ativistas<br />
negros como Juan Latino; no século XVIII,<br />
com Ottobah Cuagano e Olaudah Equiano; e<br />
no século XIX, com Jose Manuel Valdes –<br />
tiveram um momento definitivo no trabalho<br />
do intelectual afro-americano William Edward<br />
B. Du Bois, em 1903, cujo conceito de “dupla<br />
consciência” (double consciousness) antecipou<br />
muitas das questões mais relevantes nos<br />
estudos da Diáspora Africana.<br />
Nesse conceito, William Du Bois articula<br />
o conflito vindo da dualidade (twoness) do<br />
“negro americano”, que é, ao mesmo tempo,<br />
A teoria da<br />
Diáspora Africana<br />
está ancorada<br />
em um projeto<br />
de engajamento<br />
político que tenta<br />
re-situar<br />
criticamente<br />
o lugar da África<br />
JAN / MAR 2007 97